UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 1 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA O SERTÃO NORTE-MINEIRO E SUAS TRANSFORMAÇÕES RECENTES Iara Soares de França1 Beatriz Ribeiro Soares2 Resumo O presente artigo objetiva abordar o sentido de sertão e as transformações recentes da região norte de Minas Gerais. Para tal, realizou-se um resgate dos muitos sentidos de sertão a partir de revisão e análise bibliográfica de autores que estudam essa temática. O sertão nortemineiro individualiza ao apresentar as formas de ocupação e povoamento que resultaram em impactos gerados com o processo de desenvolvimento econômico, instaurado no inicio do século XX naquela região. Algumas transformações recentes de ordem econômica, política e cultural que marcaram a paisagem do sertão norte-mineiro e que refletem na atualidade são discutidas no texto, a saber, a instalação de ferrovias na década de 1930; inserção da região norte-mineira como área de atuação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste SUDENE-, 1960; a industrialização e urbanização derivadas desse processo, bem como, a mudança gradativa da estrutura e dos modos de vidas rurais para urbanos na região nortemineira. Palavras-chave: sertão, norte de Minas Gerais, rural-urbano. 1) Apresentação O sentido do termo sertão é amplo e possui várias significações no tocante a historia de ocupação territorial brasileira. Ora o sertão foi tratado como deserto, vazio humano e econômico, ora como espaço a ser civilizado e moldado aos padrões europeus na primeira metade do século XIX quando a costa litorânea já havia sido ocupada inicialmente. 1 Licenciada em Geografia pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. Mestranda em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia – PPGEO, da Universidade Federal de Uberlândia ,UFU. [email protected] 2 Profª. Dra. do Instituto de Geografia – IG, da Universidade Federal de Uberlândia, UFU. [email protected] UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 2 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA O texto que se segue aborda a especificidade do sertão norte-mineiro e está organizado da seguinte maneira: a primeira parte resgata os vários sentidos do termo sertão e suas interrelações ao longo do processo de ocupação do interior do país. Nesse momento, destacou-se o sentido de sertão como fronteira civilizatória, paralelamente à visão pejorativa de sertão nos cerrados construída pelos viajantes europeus no século XIX. Muitas vezes, o sertão carregava uma idéia de vazio demográfico e econômico com presença de populações pré-civilizadas e de vegetação com estética pejorativa. Essas atribuições justificaram o processo de avanço da fronteira agrícola e do capitalismo nas regiões dos cerrados, concebidas como sertões em oposição às florestas tropicais do litoral brasileiro. Em conseqüência disso, os cerrados e a população sertaneja que ali habitavam sofreram profundas transformações. A segunda parte desse trabalho se individualiza ao apresentar as formas de ocupação e povoamento do sertão no norte de Minas Gerais levantando os principais impactos gerados com o processo de desenvolvimento econômico, instaurado no inicio do século XX naquela região. Na última parte apresenta-se algumas transformações recentes de ordem econômica, política e cultural que marcaram a paisagem do sertão norte-mineiro e que refletem na atualidade, a saber, a instalação de ferrovias na década de 1930; inserção da região nortemineira como área de atuação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste SUDENE-, 1960; a industrialização e urbanização derivadas desse processo, bem como, a mudança gradativa da estrutura e dos modos de vidas rurais para urbanos na região nortemineira. 2) Os sentidos de sertão O termo sertão carrega em si inúmeras significações dotadas de dimensões políticoeconômicas e temporais complementares entre si, que se inserem no contexto de extensão de desenvolvimento do Brasil além do litoral. Tal fato reflete o processo como o território brasileiro foi ocupado e pensado a partir do olhar do colonizador europeu. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 3 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA Ribeiro (2000, p.56-57) sugere quatro definições3 para o termo sertão: a) desertao, ou seja, sinônimo de deserto no sentido de ausência de civilização européia, já que, esses espaços não eram um vazio populacional. O sentido de sertão enquanto deserto é identificado por Saint-Hilaire (1975) ao fazer referencia as terras despovoadas do interior do Brasil: “[...] Quando digo despovoada, refiro-me evidentemente aos habitantes civilizados, pois de gentios e animais bravios está povoada ate em excesso”. (SAINT-HILAIRE, 1975, p.375). b) serere, sertanum de origem do latim clássico, que quer dizer o mesmo que, trancado, entrelaçado e embrulhado.Pode-se associar esse significado a presença dos cerrados no sertão em contraste com as florestas tropicais. Os cerrados, ao contrário dessas florestas eram vegetações fechadas de difícil penetração no seu interior. c) Desertum ou desertor, termos que remetem a idéia de desordem e de corrupção onde o sertão abrigaria pessoas desonestas e sem índole como: “[...] fugitivos da justiça, devedores da Coroa, aventureiros e contrabandistas, quilombolas e “índios bravios”, onde predominava uma população formada em grande parte por mestiços e negros livres”. (RIBEIRO, 2000, p.57). d) Desertanum significando um espaço desconhecido, a ser conquistado e para onde se direciona o desertor, o colonizador. O último sentido de sertão se complementa com as demais significações, que por sua vez, caracterizam a colonização portuguesa no Brasil que, primeiramente, priorizou a ocupação da costa litorânea. Os demais espaços nacionais conhecidos como sertões permaneceram em desconhecimento exploratório do colonizador até a primeira metade do século XIX, momento pelo qual o país [...] se propõe a levar o progresso, a implementar uma “marcha para o oeste”, buscando integrar a nação num projeto único de desenvolvimento. O Brasil do litoral, sempre voltado para o mundo civilizado do alem do mar, torna suas vistas para o seu próprio interior. No processo de “interiorização do progresso” a própria capital do pais se transfere para o Planalto Central e o sertão se transforma em “celeiro agrícola” até se industrializa”. (RIBEIRO, 2000, p.57-58). 2.1) O sertão enquanto fronteira civilizatória 3 As definições utilizadas por Ribeiro (2000) estão fundamentadas na análise de Amado (1995). UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 4 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA Ribeiro (2000) relata o significado do sertão enquanto fronteira civilizatória o que justificaria o processo de apropriação desse espaço O sertão, estabelecido como espacialmente periférico, e também culturalmente tido como fora dos centros dinâmicos do mundo moderno. A origem do termo, possivelmente, expressa essa noção presente no expansionismo europeu pelo planeta, a constituir-se como centro que irradia civilização para os vários “sertões” a serem conquistados. (RIBEIRO, 2000, p.56). Sendo assim, falar de sertão remete a diversas idéias que remontam o processo de colonização e ocupação do Brasil. A carta de Pero Vaz de Caminha, documento produzido no século XVI, é considerada o primeiro escrito que introduziu o termo sertão na história do Brasil Esta terra, senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, ate a outra ponta que contra o norte vem, de que nos deste porto houvemos vista, sera tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa. Traz ao longo do mar em algumas partes longas barreiras, umas vermelhas, e outras brancas,; e a terra de cima toda cha e muito cheia de grandes arvoredos. Ponta a ponta e toda praia... muito cha e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, visto do mar muito grande; porque a estender olhos, não podíamos ver se não terras e arvoredos – terra que nos parecia muito extensa (CORTESÃO, 1963, p.239-240) (Grifo meu). De acordo com Rodrigues (2004), já nesse período o colonizador europeu já expressava o interesse e um objetivo bem definido para a conquista e dominação das terras do novo mundo. Voltando as origens e rememorando o contexto em que a noção de sertão foi primordialmente utilizada, tem-se nesta noção por ocasião do “achamento” do Brasil, a expressão da grandeza das novas terras, num momento em que estavam postas situações demarcatórias: limites, fronteiras, expansão territorial. (RODRIGUES, 2004, p. 298). UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 5 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA Objetivando a expansão do progresso e do desenvolvimento instaura-se no Brasil um projeto de interiorização que previa ocupar e modernizar as terras distantes do litoral, conhecidas como sertões. Já naquele momento, século XIX, o sertão brasileiro era concebido como tudo aquilo que se opunha ao litoral, ou seja, o interior do país, a ausência de povoamento europeu, a presença de vegetação que se distinguia da exuberante mata atlântica e, sobretudo, o atraso econômico, tecnológico e cultural, de acordo com o ponto de vista do europeu. Também os espaços que não se identificavam como florestas tropicais, a exemplo dos cerrados, receberam denominações de sertões e de vazios humanos e econômicos. Nessa perspectiva, historicamente, os cerrados e os sertões brasileiros partilham entre em si uma mesma história e uma mesma identidade, ambos sãos vistos de maneira depreciativa no cenário nacional, da mesma maneira ocorrem com sua população e sua cultura. Cerrados e sertões compartilham de representações e interações, no caso do cerrado Ribeiro (1997, p.10) retoma a idéia que a ele se vincula de que é um bioma feio, ou seja, uma paisagem do sertão. Assim, o cerrado não é visto como um ecossistema próprio, com uma vegetação diferente, mas aparece como uma espécie de floresta de “segunda categoria”,como se toda a paisagem tropical tivesse que ser composta de árvores enormes, densamente reunidas em matas verdejantes. As idéias vinculadas ao bioma cerrado, ao sertão e as suas populações impressas pela lente européia não foram capazes de negligenciar o sentido de dominação pretendido nessas áreas, por parte dos colonizadores. Tratava-se de um projeto de desenvolvimento e expansão que se objetivava modernizar o interior do Brasil, região conhecida como sertões e de domínio vegetal do bioma cerrado. Alguns relatos de viajantes denunciavam que “seus escritos tratam a população nativa como “rude” e a natureza como ahistórica, não percebendo a paisagem do sertão como produto de não só de dois séculos de colonização européia, mas também de milhares de anos de interação de outros povos com o cerrado” (RIBEIRO,1997, p. 32). Sob um outro ponto de vista, pode-se destacar as inter-relações existentes entre sertão e cerrado a partir do resgate de práticas das populações sertanejas que sobreviviam da exploração do cerrado. Por exemplo, o uso, coleta e cultivo de espécies desse bioma, como o buriti, como assinala Ribeiro (1997, p. 25): “Diversas plantas do Cerrado são destacadas nas UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 6 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA obras dos viajantes pelos diferentes usos que lhes dava o sertanejo, mas nenhuma e tão lembrada como o buriti, a planta característica das veredas”. Ribeiro (2000) coloca que naquele momento de expansão do colonialismo europeu, todos os espaços que geograficamente não eram identificados como a costa litorânea brasileira eram concebidos como sertões, nas palavras do autor No primeiro momento da colonização, todo o interior do Brasil era um imenso sertão. Com a formação de São Paulo e a ocupação do Planalto de Piratininga, se estabelece um núcleo de colonização no interior e o sertão passa ser identificado com as regiões onde os bandeirantes iam prear índios ou buscar minerais preciosos. Igualmente, no inicio da descoberta do ouro, Minas Gerais era conhecida como o “ Sertão dos Cataguases”. (RIBEIRO, 2000, p.58). Guimarães Rosa (1984, p.84) analisando o sertão como um elemento simbólico histórico no país e sua existência no Brasil como um todo, indagou: “o sertão ou os sertões ou não existem ou estão em todas as partes”. Seguindo essa mesma idéia, o interior de São Paulo era conhecido como sertão paulista e a região do Triangulo Mineiro, a qual Uberlândia se insere recebeu a denominação de Boca do Sertão e Sertão da Farinha Podre, dado a sua posição favorável e estratégica por possuir ferrovias cuja utilização viabilizava o comércio de alimentos naquela região. No sul do país essa denominação era de sertão gaúcho e na Paraíba - de sertão da Paraíba. O sertão de Minas era conhecido como sertão dos cataguases e a Baixada Fluminense, por sua vez, era conhecida como os sertões fluminenses. 3) O sertão norte-mineiro No caso do sertão mineiro, especificamente, no norte de Minas Gerais, o sentido de sertão enquanto delimitação geográfica e ser do sertão ou ser sertanejo resgata o projeto de dominação da região, os impactos e violências decorrentes de tal processo, bem como, as tentativas de resistência dos povos sertanejos e índios que ali habitavam. Historicamente, o sertão norte-mineiro, sua geografia e sua sociedade foram tratados de maneira pejorativa, no contexto nacional, frente as suas peculiaridades no que se refere ao UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 7 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA litoral brasileiro. De um lado, uma região ocupada por europeus que introduziram suas atividades na costa litorânea e a tornou moderna, industrializada e urbana. Há que se acrescentar que, esse espaço era apreciado pelas belezas naturais da Mata Atlântica e do mar. Por outro lado, o sertão norte mineiro evidenciado por sua oposição ao litoral, em vez de Mata Atlântica - cerrados e caatinga, no lugar do mar - um imenso vazio territorial, comumente conhecido também como deserto -. O sertão norte-mineiro é também um espaço estigmatizado pelo seu atraso econômico, arcaísmo social e político, violência, ainda hoje considerado base do clientelismo político e de práticas populistas. Essas razões impulsionaram a continuidade da colonização portuguesa rumo aos sertões, na visão do colonizador esses espaços precisavam, urgentemente ser incorporados ao progresso até então restrito a região costeira, espaço priorizado no primeiro século da colonização portuguesa. O sertão é comumente concebido como um espaço para a expansão, como o objeto de um movimento expansionista que busca incorporar aquele novo espaço, assim denominado, a fluxos econômicos ou a uma nova órbita de poder que lhe escapa aquele momento. [...] Porem, como visto, a mera qualificação de uma localidade como sertão já revela a existência de olhares externos que lhe ambicionam, que ali identificam espaços a serem conquistados, lugares para a expansão futura da economia e ou do domínio político. (MORAES, 2002, p. 14-19). Guimarães Rosa (1996, p.31) delimitou o sertão de Minas a partir dos limites dos rios da região, sendo assim, o autor estabeleceu dois sertões, o sertão do rio: [....] do Jequitinhonha a Serra das Araras, da beira do Jequitaí a barra do Verde Grande, do Rio Gavião até nos Montes Claros, de Carinhanha até Paracatu [...]. No inicio da colonização todo o estado de Minas Gerais era conhecido como sertão, denominado de sertão dos cataguases. Com a descoberta do ouro, depois de um século de colonização essa região vai se urbanizar e não mais será conhecida como sertão.Mas o que então passa a ser considerado sertão em Minas Gerais? A partir de então, Minas Gerais sofrerá duas divisões: de um lado a área mineradora, região de concentração de riqueza e de poder político no século XVIII, delimitada por Hermann Burmeister (1980) e, que se estende até a Comarca de Sabará e daí por diante começaria o sertão de Minas, ou seja, aquelas áreas UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 8 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA “ [...] onde não se encontrava nenhuma cidade, mas apenas fazendas esparsas e, raramente, aldeia ou povoação sem nenhuma importância. (Hermann Burmeister, 1980, p.249). Diante disso, o sertão mineiro se opunha não só ao litoral mas também a região mineradora no estado. Ao analisar os aspectos econômicos da região norte-mineira no final do século XIX, Godoy (apud Botelho, 1994) a caracterizou como sertão, visto que, essa região apresentava, [...] baixa exploração econômica, e a aridez do clima e vegetação, a baixa densidade demográfica e uma estrutura fundiária marcada pela alta concentração. Sua principal atividade econômica é a pecuária, ao lado de uma agricultura de subsistência e do cultivo e processamento de cana-de-açúcar e do algodão. Coube ao sertão abastecer a região mineradora por meio da atividade pecuária e da pratica da agricultura desenvolvida no entorno das fazendas de gado. A sociedade sertaneja era rural, as cidades eram poucas e abrigavam um número reduzido de população. O comércio era limitado com pequenas trocas de mercadorias e os rios eram importantes vias na comercialização de produtos e abastecimento da região, o grande exemplo disso foi o rio São Francisco: “Os rios, principalmente, o São Francisco foram uma importante via de escoamento da produção e abastecimento da região, constituindo uma vida social e cultural própria nos portos e entre aqueles que se dedicavam a navegação”. (Ribeiro, 2000, p.61). O rio São Francisco é apontado como aquele que interligou o norte de Minas ao sertão da Bahia e ao Nordeste, não só fisicamente, mas também pelas identidades históricas, culturais e ambientais.Essa posição intermediária entre o norte de Minas e a Bahia contribuiu para que as características do sertão mineiro se aproximassem daquelas do sertão baiano, marcadas pela transição da caatinga para os cerrados e tendências e manifestações sociais, econômico-politicas, como por exemplo, a pobreza, ruralidade e as práticas coronelistas, anteriormente, mencionadas nesse texto.Nessa perspectiva, a noção de sertão especificamente baiano e norte mineiro se aplica as referências apresentadas por Rodrigues (2004, p.299) quando resgata os muitos sentidos do termo sertão quando diz que “Da aplicação inicial com o sentido de interior, terra vasta aos “referenciais essenciais” – representação objetivada – tem-se a noção de sertão vinculada a seca e a semi-aridez [...]”. Moraes (2002) apresenta outros elementos incorporados a idéia de sertão UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 9 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA E ainda incide sobre as áreas economicamente estagnadas ou decadentes onde os ciclos produtivos do passado resultam em assentamentos e instalações abandonadas. Tratam-se de lugares esquecidos compostos de cidades mortas e fazendas arruinadas, onde predominam lavouras de subsistência e atividades de extrativismo vegetal e animal. (MORAES, 2002, p.19). 4) As Transformações Recentes do Sertão Norte-Mineiro Oliveira et al (2000) resgatou o processo de ocupação e formação regional e econômica do território hoje conhecido como o Norte de Minas: [...] a ocupação efetiva da região só se deu na segunda metade do século XVII, quando aqui se encontraram as correntes de povoamento vindas do norte, fruto da expansão dos currais de gado ao longo do Rio São Francisco e, pelo sul, das bandeiras paulistas. [...] Já no século XVIII e inicio do século XIX , a decadência da mineração na região central de Minas Gerais provoca a necessidade de busca de alternativas; [...]. O século XIX presenciara mudanças nos fluxos de comercio. [...] A base econômica da região era então a pecuária bovina (solas, queijos, etc.). Apesar de ser a principal atividade, a pecuária era marcada pela baixa produtividade, resultado das ações das secas e pelas “pestes do gado”. As atividades ligadas a canade-açúcar (cana, aguardente e rapadura) também eram importantes. [...]Outro importante produto era o algodao, que se associava a uma tradicional fabricação de tecidos grosseiros. Esta tradição resulta posteriormente na implantação de uma industria têxtil no final do século XIX, [...]. Também não se pode esquecer de culturas de subsistência, pois, apesar de não entrarem em cálculos de produção e comercio, representavam parcelas significativas da economia e do esforço humano. (OLIVEIRA ET AL, 2000, p.21,22,26). O norte de Minas Gerais teve como povoamento inicial no seu território, a presença de “nações indígenas Tapuias e Caiapós [...] que com sua cultura específica, viviam da caça, pesca, coleta e cultivo de algumas espécies vegetais. (COSTA, 1997, p.78). A ocupação posterior a indígena, já no século XVIII, se deu com a chegada de bandeirantes paulistas e baianos a região em busca de pedras preciosas. Esses povos consolidaram sua ocupação no território norte mineiro, a partir da formação de propriedades UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 10 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA rurais e fazendas que se dedicaram a criação de gado. Nas palavras de Costa (1997, p.78) “instaladas ao longo de rios caudalosos e nas terras mais férteis da região, as grandes fazendas, desde o início da ocupação regional, se organizaram para a criação de gado bovino”. Dessa maneira, o norte de Minas reunia condições ambientais favoráveis a criação de gado, como assinala Costa (1997, p.84-85) Os animais eram deixados nas chapadas, povoadas de imensa variedade de leguminosas que propiciava a alimentação do gado e, ainda, de uma gama imensa de frutos que foram utilizados na alimentação humana, junta com espécimes da fauna. Concomitante à pecuária praticava-se a agricultura de auto-abastecimento destinada, sobretudo, aos camponeses.Essa atividade desenvolvia-se por meio do cultivo de feijão, arroz, cana-de-açúcar, mamona, mandioca, melancia, abóbora quiabo. Machado (1991) relata a maneira como o sertanejo praticava a agricultura referindo que, no período das cheias eles se instalavam no cerrado derrubando a mata e fazendo a roça. Na estiagem, o homem sertanejo ocupava as regiões ribeirinhas, onde as águas deixavam os terrenos alagados e extremamente férteis, ideais naquele momento para a plantação. Saint-Hilaire (1975) durante as suas expedições em Minas Gerais, Guimarães Rosa (1984) em Grande Sertão Veredas reconheceu em seus trabalhos a riqueza de ervas e plantas medicinais encontradas no norte de Minas e sua utilização pelo homem sertanejo. A riqueza de animais selvagens na região proporcionou a caça e a elevada piscosidade dos rios possibilitou a pesca, sendo essas importantes fontes alimentares para a população sertaneja. Um importante fator que marca o processo de ocupação no norte de MG é a instalação de ferrovias no inicio do século XX em Montes Claros e Pirapora. Tal fato viabilizou a comercialização dos produtos e um maior intercâmbio entre os municípios da região. Pode-se dizer que, foi nesse contexto que Montes Claros começou a alcançar a posição de centro econômico e político regional. Outro marcante acontecimento na região se deu na segunda metade do século XX, década de 1960, quando o Estado e a União projetaram a região norte mineira a área de atuação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, por meio de auxílio a incentivos fiscais e financeiros. Nesse contexto, a indústria instala-se na região, tendo como sede Montes Claros, que reunia as principais condições para abrigar tal atividade. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 11 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA A atividade industrial motivou a migração campo-cidade levando, paulatinamente, ao esvaziamento da zona rural do norte de Minas. A migração dos camponeses para as áreas urbanas gerou uma grande explosão demográfica em algumas cidades, por exemplo, Montes Claros4. Diante disso, a indústria acelera o setor de serviços, dinamizando-o. Conforme Holanda (1981) data desse período, a mudança gradativa da estrutura predominantemente rural para urbana na região norte-mineira Costa (1997) também comunga desse argumento quando diz que [...], após a vinculação da região a Sudene, dentro da nova fase de expansão das relações capitalistas de produção, no bojo de modelo de internacionalização da economia e modernização da agricultura, a região sofreu e tem sofrido duramente as mudanças, provocando ruptura nas diversas formas de organização da cultura sertaneja cujas características culturais eram até então eminentemente rurais. Vivia-se sob a hegemonia da agropecuária. (COSTA, 1997, p.88). Diante desse status de ser o sertão norte mineiro foi considerado também um vazio econômico e demográfico, o Estado por meio de ações e investimentos promove sua modernização no final da década de 1960. Dayrell (2000) aponta como se deu o processo de desenvolvimento da região e o seu impacto para a população sertaneja. O processo de “desenvolvimento” recente nessa região, considerada uma das mais pobres do estado, foi conduzido pelo poder público e não levou em consideração as populações-camponesas, indígenas, quilombolas, pescadores, coletores, etc- que aí viviam secularmente. Privilegiando as oligarquias tradicionais e os setores industriais e agro-industrais da sociedade, deu-se inicio a modernização da região. Foram priorizados investimentos públicos e financiamentos subsidiados destinados a grandes projetos de pecuária, irrigação, reflorestamentos monoculturais, estímulo a monocultura do algodão, difusão de praticas agrícolas ditas modernas, associados com a 4 Em 1970 a população total de Montes Claros era de 116.486 habitantes, sendo que, 31.332 pessoas residiam na zona rural e 85.154 na zona urbana. No ano de 1980, a população total de Montes Claros era 177.308 habitantes sendo que, desse número 21.995 correspondia a população rural e 155.313 a população urbana. Em 1991 a população total de Montes Claros era de 250.062 habitantes, sendo que, desse número 227.759 pessoas residiam na área urbana do município e 22.303 nas áreas rurais, a taxa de urbanização de Montes Claros naquele período era de 91,08%. A população continuou crescendo e em 2000 alcançou 306.947 habitantes com uma taxa de urbanização de 94,21%, onde 289.183 habitantes moravam na zona urbana e 17.764 na zona rural, sendo que para 2005 o IBGE estimou uma população total de 342.586 habitantes. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 12 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA instalação de um parque agro-indistrial, e de indústrias exttrativas e de ponta (biotecnologia, veterinária e ótica, etc). (DAYRELL, 2000, p.191) Silva (2000) também destacou os efeitos dos projetos desenvolvimentistas do Estado e da elite capitalista brasileira no sertão norte-mineiro, desde o final dos anos 1960, com a atuação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE e a perspectiva da sustentabilidade naquele momento. Os sertanejos e suas formas de relação com o ambiente, sua culinária e sua sociabilidade assim como os cerrados, a caatinga, as matas secas, as veredas, os córregos e rios, os veados, tatus, caititus se tornam aí ou impedimentos a serem removidos do caminho inexorável do desenvolvimento ou matériasprimas a serem utilizadas ( de forma insustentável) no processo de acumulação do capital. Neste contexto, a perspectiva da sustentabilidade sucumbe a saída do campo e a concentração espacial da população nas periferias urbanas, a erradicação das biodiversidades dos ecossistemas regionais, a degradação dos solos, ao desequilíbrio hídrico, a erosão da riqueza genética e cultural acumulada no processo histórico de convivência dos sertanejos com o sertão. (SILVA, 2000, p.299). Entretanto, Silva (2000) reitera que o estilo de desenvolvimento adotado pelo Estado e pelas elites econômicas no sertão do norte de Minas não foi capaz de destruir completamente a identidade da região e dos povos que ali habitavam, houve resistência por parte dos mesmos. O processo predatório e excludente do chamado desenvolvimento recente do norte de Minas (em parte pelo seu caráter tardio em relação a outras regiões do país, e em parte pelas dificuldades impostas pelo meio sócio-ambiental), apesar de sua violência, não conseguiu eliminar completamente nem os camponeses sertanejos e sua cultura, nem os cerrados, o bioma dominante da região. . (SILVA, 2000, p.302). Os habitantes do sertão norte-mineiro, considerados sem nenhuma importância, eram a população sertaneja também conhecida como vazanteira, cerradeira ou caatingueira, devido utilizarem as vazantes dos rios e da vegetação de cerrado e caatinga para sua (IBGE, 2006). UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 13 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA sobrevivência.(Dayrell, 2000): Não poucas vezes, o sertão foi estabelecido como o “habitat dos selvagens”, a “terra de tapuias”, ou ainda “terrenos ocupados pelos indígenas ferozes [...]. (Atlas do Império do Brasil de Cândido Mendes de Almeida, 1868). Rodrigues (2004, p.310) reitera que as ações do Estado visando a conquista do sertão ou dos interiores e a ampliação das fronteiras nacionais no Brasil colônia e na república se deram as custas de violência, arbitrariedades e extermínio, um total desrespeito as culturas e populações por ali estabelecidas secularmente, sem algum código de ética. Tem-se o sertão como um qualificativo dos lugares, um termo da geografia colonial que reproduz o olhar apropriador dos impérios em expressão. Na verdade, tratam-se de sertões que qualificam caatingas, cerrados, florestas, campos. Um conceito nada ingênuo, veículo de difusão da modernidade no espaço. (MORAES, 2002, p.35). Ao norte do cerrado, e em alguns pontos até cruzando a fronteira cerrado-florestas, existe uma área de matagais espinhosos, a caatinga, floresta branca-, assim chamada porque suas árvores se defendem das secas prolongadas do Nordeste. Áridos, ressecados, tradicionalmente considerados impróprios para a agricultura e relegados a um tipo extensivo de pecuária, o cerrado e a caatinga constituem o sertão do Brasil, a antítese da exuberante e verdejante Mata Atlântica. (DEAN, 1997, p. 23). 5) Considerações Finais Diante do exposto pode-se reafirmar que as transformações recentes na região nortemineira são decorrentes, principalmente, de uma visão construída sobre o cerrado e suas populações, a partir dos escritos dos viajantes europeus no século XIX, que caracterizava a região como vazio demográfico, populacional e civilizatório. Essa visão sobre os cerrados tornou-se hegemônica, fazendo com que tal bioma, fosse visto como sendo de categoria inferior em relação à Mata Atlântica e à Floresta Amazônica, e suas populações fossem inviabilizadas, não sendo reconhecidas como possuidoras de saberes e práticas passíveis de serem incorporadas pelas ações de promoção do (des)envolvimento regional. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 14 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA Em conseqüência disso, a população sertaneja e o bioma cerrado tiveram sua cultura, modos de vida e valores desprezados, que pelos viajantes europeus, no século XIX, quer pelas políticas públicas que transformaram a paisagem biofísica e sócio-econômica da região. Essa realidade demonstra a arbitrariedade de tais práticas que não concebeu as populações residentes do sertão, como autônomas do seu modo de vida e, conseqüentemente, responsável pelo aproveitamento sustentável do cerrado e de sua biodiversidade, em contraposição com as políticas governamentais de expansão da fronteira agrícola e do capital agro-industrial. 6) REFERËNCIAS AMADO, Janaína.Região, sertão, nação.Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.8, n. 15, 1995. ARRUDA, Gilmar. O sertão está em toda parte. In: ARRUDA, Gilmar. Cidades e Sertões entre a Memória e a História. São Paulo: Edusc,2000. p.13-21. ______________. Mapas, ferrovias e a civilização do sertão.In: ARRUDA. Gilmar. Cidades e Sertões entre a Memória e a História. São Paulo: Edusc,2000. p.99-127. ______________. Pequenas cidades: o sertão era aqui. In: ARRUDA, Gilmar. Cidades e Sertões entre a Memória e a História. São Paulo: Edusc,2000. p.237-240. BITELHO, T. R. 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