a construção social da identidade de gênero do/a adolescente

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A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA IDENTIDADE DE GÊNERO DO/A
ADOLESCENTE/JUVENIL NA ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO MÉDIO DE
CAMPOS SALES-CE
Maria Albaneide Fortaleza1
Maria Lucileide Costa Duarte 2
Dalvaneide Fortaleza de Souza3
Resumo
As definições de masculino e feminino enfatizam o caráter social e histórico das
concepções baseadas nos papéis designados para homens e mulheres. As relações sociais,
suas representações e as práticas socias vivenciadas pelos sujeitos vão se constituindo em
diferentes instituições. Sabe-se que o espaço escolar é um ambiente propício ao convívio,
à socialização e contribui na formação humana dos meninos/as, além do contato com
diversas situações, representações e concepções diferentes. Nesse contexto, busca-se
identificar as percepções subjetivas do/a adolescente/juvenil sobre as relações de gênero
na Escola Estadua de Campos Sales-CE. Além disso, de que modo às concepções sobre
gênero vivenciadas pelos jovens podem interferir na construção social de sua identidade,
tendo como referência os modelos produzidos na sociedade capitalista. Dessa forma,
trata-se de uma pesquisa qualitativa e a metodologia utilizada foi a distribuição de um
questionário estruturado a 30 adolescentes/juvenis entre 14 e 19 anos, de ambos os sexos,
da Escola Estadual de Ensino Médio de Campos Sales/CE, em maio de 2015. Concluiuse que há aceitação dos valores e modelos de gênero difundido nas mais variadas
situações de sociabilidade juvenil, bem como considerável influência na conformação da
identidade juvenil.
Palavras-chave: Gênero. Identidade. Espaço Escolar.
1 Introdução
Para as ciências sociais e humanas, o conceito de gênero se refere à construção
social do sexo anatômico. Ele foi criado para distinguir a dimensão biológica da dimensão
social, baseando-se no raciocínio de que há machos e fêmeas na espécie humana, no
entanto, a maneira de ser homens e de ser mulheres é realizada pela cultura. Assim, gênero
significa que homens e mulheres são produtos da realidade social e não da anatomia de
seus corpos.
1
Assistente Social e Professora, E.E.E. Médio Campos de Sales, Campos Sales-CE / Brasil, e-mail:
[email protected]
2
Assistente Social, IFCE Campus Crato-CE, Crato-CE/Brasil e e-mail: [email protected]
3
Assistente Social, PM Iguatu, Iguatu-CE/Brasil e e-mail: [email protected]
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Partindo desse pressuposto, este estudo busca identificar as percepções
subjetivas dos/as adolescentes/juvenis e discutir as relações de gênero no ambiente
escolar, mediante as representações construídas pelos adolescentes/juvenis a partir das
referências vivenciadas no contexto familiar e, principalmente, no espaço educacional.
Os diversos espaços de socialização, sejam institucionais ou informais, oferecem
oportunidades de convívio para a formação dos jovens, por outro lado, à medida que esse
universo de relação vai se ampliando, torna-se importante a influência dos amigos e de
tudo aquilo que se percebe como expectativas e possibilidades de ser reconhecidos
socialmente. Isso vai dando indicação da construção social da identidade de gênero dos/as
adolescentes/juvenis no ambiente escolar.
Com
base
em
tais
reflexões,
busca-se
compreender
como
os/as
adolescentes/juvenis percebem e desenvolvem suas concepções e representações acerca
das relações de gênero e as implicações presentes nesse processo. Além disso, considerar
que os diferentes espaços de convivência contribuem para a construção da identidade de
gênero juvenil.
É uma iniciativa que visa identificar na Escola de Ensino Médio de Campos
Sales-CE, de que modo as concepções sobre gênero são construídas pelos adolescentes e
jovens e como podem interferir na construção social das identidades de meninos/as.
Participaram do estudo 30 adolescentes/juvenis na faixa etária de 14 a 19 anos, de ambos
os sexos, em maio de 2015.
Nessa perspectiva, a ênfase recai nos adolescentes e jovens, considerando que,
por meio das representações que elas/eles expressam, é possível uma aproximação maior
com os processos de construção de significados e re-significados que estão presentes na
construção social da identidade de gênero.
Nesse estudo serão discutidos os seguintes pontos: Breve histórico de gênero,
apropriação cultural da diferença sexual no espaço escolar, a identidade e modelo de
gênero do/a adolescente/juvenil e finalmente, as considerações finais.
2 Breve Histórico de Gênero
As questões de gênero refletem o modo como diferentes povos, em diversos
períodos históricos, classificam as atividades de trabalho na esfera pública e privada, os
atributos pessoais e os encargos destinados a homens e mulheres no campo da religião,
da política, do lazer, da educação, da sexualidade, dentre outros.
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Ao longo do século XX ocorreram mudanças importantes na relação entre os
sexos e nos papéis sociais relativos ao gênero, como o aumento da autonomia da mulher
e da aceitação social dos homossexuais e transgênicos. Nota-se mudanças sociais,
culturais e econômicas na participação crescente de mulheres no mercado de trabalho,
maior liberdade sexual feminina com a difusão da pílula anticoncepcional, na igualdade
de direitos civis e políticos entre os gêneros, no aumento de expressividade dos
movimentos sociais envolvidos nas questões de gênero.
Esses movimentos criaram condições para que a relação de dominação do
patriarcado pudesse ser questionada a partir do século XIX. Nesse contexto, a formação
da consciência em que as desigualdades se estendiam a todas as áreas da sociedade, não
se limita apenas a produção, mas levou o surgimento de movimentos organizados por
mulher em diferentes lugares do mundo ao logo do século XX. Assim, surgiu o
movimento feminista e suas teorias e as pesquisadoras de diversas disciplinas – história,
sociologia, antropologia, ciência política, demografia, entre outras.
Nesse período, surgiu uma figura emblemática desse movimento de ideias. A
filósofa Simone de Beauvoir que em 1949 escreveu o livro “O Segundo Sexo”, deu um
novo impulso a reflexão sobre as desigualdades entre homens e mulheres nas sociedades
modernas acerca do feminismo e das mulheres serem concebidas dentro de um sistema
de relações de poder que tendia a inferiorizá-los. É dela que surgiu a famosa frase “não
se nasce mulher, torna-se mulher”, conforme vive. Não existe algo como uma “natureza
feminina”. O “ser mulher”, não é uma essência que se realiza, mas uma construção que
cada mulher faz em sua vida ( BEAUVOIR, 1980.).
No Brasil, de acordo com a socióloga paulista Cristina Bruschini o estudo
relacionado ao gênero, surgiu a partir dos estudos sobre o mercado do trabalho. Como a
divisão social do trabalho e também a divisão sexual do trabalho, os estudos nessa área
mostravam como as mulheres, em sua maior parte, ocupavam postos menos qualificados,
com menores salários e associados, principalmente, aos papéis sociais femininos, tais
como enfermeiras, professoras, etc., além de caber a elas os afazeres domésticos.
Essas ocupações foram historicamente ligadas ao papel da mulher, marcadas por
baixa remuneração e pelo pouco prestígio social, pois se esperava que a mulher casasse e
cuidasse dos afazeres domésticos, e não que o seu salário sustentasse a casa. Ao passo
que, o salário do homem seria sempre mais valorizado, pois o seu papel social na
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instituição familiar está associado ao homem provedor, uma vez que ele é reconhecido
pelo patriarcado como responsável pelo sustento da família.
Nesse cenário, os estudos feministas apontam a desigualdade fundamental de
poder entre homens e mulheres, mas também revelam que ainda existe uma concepção
de família e sociedade bastante androcêntrica, isto é, o modelo familiar composto de
marido, esposa e filhos. Tal modelo passou a ser questionado e desnaturalizado, assim
todas as facetas da sociedade capitalista, que impunham um padrão de comportamento
que produziam uma opressão material simbólica contra as mulheres. Assim, as feministas
apontam que as mulheres sofrem dupla opressão, pois tem um papel subordinado no
mercado de trabalho e também papel de servir a família, ademais são incapazes de exercer
funções de comando em nossa sociedade.
Por outro lado, as críticas geradas pelas novas abordagens do feminismo levaram
uma distinção entre o feminismo dos anos 1960 e o de hoje, ou seja, o feminismo da
diferença, também chamado de pós-naturalista, o qual era baseado em uma lógica binária
homem/mulher, como se a identidade de cada uma fosse definida pela sua característica
biologia e não construída socialmente.
Do ponto de vista político, enquanto as feministas dos anos de 1960 lutavam por
condições de igualdade entre homens e mulheres, as feministas pós-naturalistas diziam
que não podiam negar a diferença entre homens e mulheres, apesar de considerarem que
deve haver igualdade de direitos entre os gêneros. Por conseguinte, as feministas da
diferença indicam que não há uma unidade indenitária em “ser mulher”, pois existem
varias formas de ser mulher. Segundo elas, as diferenças entre etnia e classe, assim como
os diferentes aspectos culturais, também são determinantes para o papel social e a
vivência cotidiana das mulheres.
A discriminação de gênero coloca as mulheres em desvantagem em relação ao
homem em diversas situações sociais. Tal desvantagem se agrava ainda mais quando o
fator de gênero se une à discriminação étnico-racial. Em países pobres, as situações de
miséria e de exclusão social que atingem homens e mulheres somam-se às discriminações
de gênero, sexual, étnica e racial presentes nos distintos contextos socioeconômicos. Em
todas as classes sociais, as mulheres são vítimas de violência (física, psicológica, moral e
sexual), enfrentam dificuldades de acesso ao trabalho e à geração de renda, à
escolarização e à participação na vida política.
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Em um país de dimensões continentais como o Brasil, com imensas
desigualdades sociais em razão da distribuição de renda extremamente desigual, o quadro
social torna-se bastante complexo. Tomando como exemplo a juventude brasileira, a
desigualdade social, seja no plano econômico, seja no aspecto do gênero, etnia ou
orientação sexual. O gráfico abaixo sistematiza as informações sobre as condições
socioeconômicas dos sujeitos coletivos dessa pesquisa.
Gráfico 1 - Renda bruta mensal da família do (a) adolescente/ juvenil da Escola
Estadual de Campos Sales-CE- maio de 2015
Fonte: Primaria/ 2015
Entre os jovens participantes da pesquisa 63% são do sexo feminino e 37%,
masculino. Do ponto de vista da distribuição de renda, verifica-se que os rendimentos que
as famílias dos jovens recebem mensalmente, correspondem a um percentual de 44%, ou
seja, um salário mínimo, 23% não sabem informar, 17% recebem dois salários mínimos
e meio, 13%, dois salários mínimos e 3%, um salário mínimo e meio. Os dados apontam
que há uma predominância das famílias dos/as adolescentes/ juvenis pertencerem à classe
de baixa renda, essas diferenças socioeconômicas têm sido, por vezes consideradas
naturais, dada sua longa existência em nossa história. Por outro lado, mostram que a classe
social, cor de pele, gênero e local em que vivem os jovens podem gerar desigualdades
que ameaçam a sua cidadania.
Considera-se que as desigualdades regionais, de gênero e de raça/etnia são
produzidas em meio a profundas diversidades regionais, como também nas tradições
culturais distintas. Essa situação evidencia na região do nordeste nas áreas rurais e
urbanas, regras sociais e moralidades que estabelecem costumes locais e a inserção da
mulher em uma dada cultura. Na literatura de cordel, por exemplo, uma das manifestações
da cultura popular do Nordeste, a mulher aparece descrita ora como moça casadoira, ora
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como donzela, ora como prostituta ou doméstica – nas várias situações, reforçam-se os
papéis e os lugares sociais atribuídos às mulheres: o espaço privado, o trabalho doméstico,
a procriação, o cuidado e a educação dos filhos. Alguns dados dessa pesquisa,
demonstram no cotidiano de adolescentes e jovens, as diferentes formas de preconceitos
construídos pelo machismo presente em nossa sociedade e que se reproduzem no espaço
escolar.
Gráfico 2 - Em sua opinião, quais são os preconceitos identificados no
espaço escolar?
Fonte primária- maio de 2015
Daí demonstra que os adolescentes e jovens identificam preconceitos no espaço
escolar, são eles: 40% em relação a sexo, 23% a classe social, 17% outros tipos de
preconceitos, 10% não responderam, 7% em relação à raça e 3% em relação à cor.
Outro fato que pode refletir na construção social da identidade de gênero nos
adolescentes são os educadores e educadoras que têm a possibilidade de reforçar
preconceitos e estereótipos de gênero, caso tenham uma atuação pouco reflexiva sobre as
classificações morais existentes entre atributos masculinos e femininos e se não estiverem
atentos aos estereótipos e aos preconceitos de gênero presentes no ambiente escolar.
Nesse processo, as noções aprendidas na infância do que é considerado
pertinente ao feminino e ao masculino acirram-se e consolidam-se na adolescência.
Assim, as relações de gênero são permeadas por uma diversidade que envolve as relações
entre homens e mulheres, mas também entre mulheres e mulheres e homens e homens,
de modo que “o tornar-se mulher e tornar-se homem constitui obra das relações de
gênero” (SAFFIOTI, 1992, p. 18). Os dados da pesquisa apontam entre o/a
adolescente/juvenil um “jeito se ser homem” um “jeito de ser mulher”.
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Gráfico 3 - Você consegue identificar um “jeito de ser homem” e um “jeito de ser
mulher”? Se sim, o que você gostaria de mudar na relação entre homens e mulheres?
Fonte primária- maio de 2015
Segundo os sujeitos da pesquisa, identificou-se que 60% identificam um “ jeito
de ser homem” e um “jeito de ser mulher”. Enquanto que, 37% não identificaram um
“jeito de ser homem” e “um jeito de ser mulher” e, um percentual de 3% não responderam.
Entre os jovens manifesta o desejo de mudança nas relações entre homens e mulheres,
por meio dos seguintes comportamentos: respeitar os direitos da mulher e do homem,
independente de cor, raça, etnia e religião, além disso, mudança de atitude no sentido de
valorização da mulher, ser mais honesto e menos machista.
Nesse sentido, a percepção de que os valores e o modo como homens e mulheres
se comportam em sociedade há um intenso aprendizado sociocultural que nos ensina agir
conforme a prescrição de cada gênero. Isso significa dizer, que é o processo de
socialização que divide os indivíduos em gêneros distintos. Somos nós, homens e
mulheres, pertencentes às distintas sociedades, épocas e em contextos culturais diferentes,
estabelecemos modos específicos de convivência social.
3 Apropriação Cultural da Diferença Sexual no Espaço Escolar
Os diferentes sistemas de gênero – masculino e feminino – e de formas de operar
nas relações sociais de poder entre homens e mulheres são decorrência da cultura, e não
de diferenças naturais instaladas nos corpos de homem e mulheres.
No campo das ciências sociais e humanas, o conceito de gênero refere-se à
construção social do sexo anatômico. Ele foi criado para distinguir a dimensão biológica
da dimensão social, baseia-se no raciocínio de que há machos e fêmeas na espécie
humana. No entanto, a maneira de ser homem e de ser mulher é realizada pela cultura.
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Assim, gênero significa que homens e mulheres são produtos da realidade social e não
decorrência da anatomia de seus corpos.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, formulados pelo MEC para os 3º
e 4º ciclos do Ensino Fundamental no tópico que discute essa temática (p. 321-322),
preconiza:
O conceito de gênero diz respeito ao conjunto de representações sociais e
culturais construídas a partir da diferença biológica dos sexos. Enquanto que o
sexo diz respeito ao atributo anatômico, no conceito de gênero torna-se o
desenvolvimento das noções “masculina” e “feminina” como construção
social. O uso desse conceito permite abandonar a explicação da natureza como
responsável pela grande diferença existente entre os comportamentos e os
lugares ocupados por homens e mulheres na sociedade. Essa diferença
histórica tem privilegiado os homens, na medida em que a sociedade não tem
oferecido as mesmas oportunidades de inserção social e exercício da cidadania
a homens e mulheres. Mesmo com as transformações dos costumes e dos
valores que vêm ocorrendo nas últimas décadas, ainda persistem muitas
descriminações, por vezes encobertas, relacionadas ao gênero.
Isto significa dizer que não há um padrão universal para o comportamento sexual
ou de gênero que seja considerado normal, certo, superior, ou apriori, o melhor. Sejam,
homens e mulheres, pertencentes a distintas sociedades, há diversos tempos históricos e
há contextos culturais que estabelecem modos específicos de classificação e de
convivência social. Assim, o conceito de gênero pode nos ajudar a ter um olhar mais
atento para determinados processos que consolidam diferenças de valor entre o masculino
e o feminino, gerando desigualdades.
Por conseguinte, a categoria de gênero como instrumento de análise, ajuda a
perceber as diversas formas de opressão e desigualdade que se organizam e ganham
coerência nas práticas sociais, trazendo-as para o campo do ordinário e do cultural,
desnaturalizando os discursos e práticas. Percebendo que essas desigualdades não se
justificam pelas diferenças sexuais, mas que estão na base da construção da noção de
masculino e feminino, como categorias que classificam e hierarquizam as ações sociais
que são desenvolvidas e praticadas no cotidiano e que justificam um discurso de
complementaridade entre os sexos.
Assim, as relações de gênero tem sido um conceito útil para explicar o
comportamento de mulheres e de homens na sociedade, contribuindo para compreender
as discriminações que as mulheres enfrentam na escola, no trabalho, na vida pública, no
exercício de sua sexualidade, na reprodução e na família.
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Dessa forma, o conceito de gênero passa a ser discutido entre diversos estudiosos
e estudiosas tornando-se indispensável numa abordagem teórica que se propõe a ser
crítica ao pensar as relações sociais, como nos apresenta Faria (1997, p. 29-30),
O conceito de gênero foi elaborado por estudiosas da questão da mulher nas
universidades e apropriado pelos movimentos como um instrumento de análise
e de organização da ação. Esse conceito coloca claramente o ser mulher e o ser
homem como uma construção social, a partir do que é estabelecido como
feminino e masculino e dos papéis sociais destinados a cada um. Por isto,
gênero, um termo emprestado da gramática, foi à palavra escolhida para
diferenciar a construção social do masculino e do feminino do sexo biológico.
Gênero é um conceito relacional, ou seja, que vê um em relação ao outro e
considera que estas relações são de poder e hierarquia dos homens sobre as
mulheres.
O termo é utilizado para expressar essas relações sociais fundamentadas em
desigualdades socialmente construídas. Assim, os papéis femininos e masculinos são
“produtos” da própria cultura. Portanto, a construção social de gênero é fruto da estrutura
social, ou seja, fruto de um dado momento histórico, temporal e que responde às
necessidades do “sistema” e que legitimam relações de poder.
Nesse sentido, Joan Scott é bastante elucidativo ao demonstrar que as relações
de gênero se configuram claramente em relações de poder político entre homens e
mulheres e dão sentido a estas relações:
O Gênero é uma das referências recorrentes pelas quais o poder político foi
concebido, legitimado e criticado. Ele se refere à oposição homem/mulher e
fundamenta ao mesmo tempo seu sentido. [...] Desta forma, a oposição binária
e o processo social das relações de gênero tornam-se, ambos, partes do sentido
do próprio poder. Colocar em questão ou mudar um aspecto ameaça o sistema
por inteiro (SCOTT, 1999, p.14).
Embora haja muitos elementos comuns à vida das mulheres, não se pode ignorar
as suas especificidades, bem como as possibilidades e trajetórias de cada uma se dá,
mostrando que não se tem de fato escolhas dentro desse campo cultural, sem questionar
profundamente como isso tudo se materializa e dá sentido à experiência humana.
Por fim, homens e mulheres vão sofrendo influência das experiências de vida,
regras, padrões, modelos e discursos estabelecidos pela sociedade, que nos atravessam
produzindo novas identidades e modelos de gênero, dando significado e sentido para as
várias dimensões das nossas vidas.
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4 Identidade e Modelo de Gênero do/a Adolescente/juvenil
Durante muito tempo prevaleceu na maior parte das sociedades, a ideia de que
as diferenças entre homens e mulheres eram naturais e definidas por diferenças dos corpos
biológicos. As mulheres teriam nascido com uma aptidão maior para o cuidado com o lar
e os filhos, enquanto que os homens tinham maior facilidade para trabalhar fora, fazer
maior esforço físico e assumir cargos de chefia, entre muitas outras concepções que
marcam as distinções entre os sexos. Esse mesmo discurso era, notadamente, utilizado
para justificar a subordinação feminina e as relações desiguais entre homens e mulheres.
Na segunda metade do século XX, quando o feminismo ganhou fôlego, alguns
pesquisadores propuseram substituir a noção de “diferenças entre sexos” por “diferenças
entre gênero”, como forma de mostrar que a cultura, por meio de valores, práticas e
discursos, influencia a construção do ser homem e ser mulher. Assim, o conceito de
gênero procura evidenciar que esses modelos são aprendidos ao longo da vida e se alteram
ao longo do tempo, em diferentes contextos históricos e sociais.
Nos diferentes espaços de socialização, sejam institucionais ou informais,
oferecem a todo tempo, modelos que passam a ser incorporados desde a infância. Um
exemplo disso são as famílias, quando definem os brinquedos de “menino” – como bola
e a espada – e os “de menina” – como boneca, fogãozinho e jogos de panela. O mesmo
vale para as roupas, os móveis e as cores de um quarto e tantas outras escolhas que
evidenciam uma determinada forma de olhar para a criança.
Outro espaço de convívio importante na nossa formação é a escola, onde os
professores expressam e afirmam, na sua ação pedagógica, valores, ideias e
comportamentos que consideram adequados para cada sexo. Nesse sentido, à medida que
o nosso universo de ralações vai se ampliando, torna-se importante a influência dos
amigos e de tudo aquilo que vamos percebendo como expectativas sociais e as
possibilidades de sermos reconhecidos socialmente.
Certamente, a construção social da identidade de gênero entre os jovens na
sociedade moderna, estão presentes modelos de gênero que são mais ou menos
valorizados, especialmente, os padrões de consumo e a cultura de massas que exercem
sobre as pessoas e, de forma muito particular entre os/as jovens, que exerceram grande
influência no comportamento, na formação do gosto, no padrão estético e em outras
formas de exercer e expressar a identidade. Isso significa dizer, que esses padrões variam
muito de um grupo para outro, dependendo da classe social pode variar
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consideravelmente, além disso, é possível, que os/as jovens se relacionarem com modelos
de formas bastante variáveis não apenas aceitando-os como referências prontas, conforme
o gráfico abaixo.
Gráfico 4 - Modelo de mulher valorizado pela sociedade na opinião do(a)
adolescente/ juvenil da Escola Estadual de Sales-CE
Fonte: primária- maio de 2015
Entre os participantes da pesquisa foi identificado o modelo de mulher mais
valorizado pela sociedade contemporânea, em que o padrão de beleza da mulher deve
apresentar o seguinte padrão estético: 56% bem vestida, 20% bonita, 17% corpo saudável
e, apenas 7% outro.
Ao mesmo tempo foi recorrente entre os/as jovens, segundo as informações
coletadas, em relação ao modelo de homem valorizado pela sociedade campossalence o
seguinte padrão de beleza: 27% forte, 27% bonito, 23% outros tipos de padrão, 13%
status, 7% corpo saudável e, apenas 3% não responderam, conforme o gráfico abaixo
mostra a valorização dos modelos masculinos produzidos na nossa sociedade.
Gráfico 5 - Modelo de homem valorizado pela sociedade na opinião do(a)
adolescente/ juvenil da Escola Estadual de Campos Sales-CE
Fonte: primária- maio de 2015
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É importante ressaltar que esses padrões variam muito de uma sociedade para
outra. Portanto, algo que pode ser valorizado em determinado contexto pode variar
consideravelmente, quando deslocamos o olhar para outro espaço ou conjunto de pessoas,
e particularmente, entre os jovens que esses padrões são identificados, valorizados e
legitimados através deles, em determinado momento.
Em suma, há modelos de gênero rigidamente estabelecidos que inspiram
representações e práticas sociais para jovens de cada sexo. Embora, a sociabilidade
juvenil, permite de fato haver o aprendizado da aproximação ao sexo oposto, mediado
por diferentes formas de relacionamento afetivo-sexual, (olhar, paquera, ficar, namoro),
torna os domínios masculinos e femininos mais nítidos, com limites bem definidos entre
si.
No que se refere à questão de gênero, há todo um conjunto de atitudes, posturas
e modo de agir social e diferentemente recomendados aos rapazes e as moças que ensaiam
a entrada da vivência da sexualidade. Além da vivência da sexualidade, há outro domínio
em que se percebe a incisiva influência do gênero na construção da identidade juvenil,
em conformidade com os dados abaixo:
Gráfico 6 - Em sua opinião, que referência contribui para a construção da
identidade de gênero juvenil?
Fonte: primária- maio de 2015
Em relação à referência do/a adolescente/ juvenil em que contribui para a
construção social da identidade do gênero juvenil, o gráfico revela os seguintes dados:
27% apontam à escolha da carreira profissional, 23% a convivência com seus pares, 23%
outro, 20% o ingresso no mercado de trabalho, 4% a vivência da sexualidade, enquanto
que, 3% não responderam.
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Por fim, é possível relacionar que os modelos de gênero são bastantes variáveis,
não apenas aceitando-os como referências prontas, mas que o/a adolescente/juvenil é
capaz de perceber as informações que chegam a ele de forma crítica e, assim adequar os
modelos que acreditamos ser melhor para nós e nosso meio. Somos também produtores e
disseminadores de novas formas de viver a feminilidade e a masculinidade.
5 Considerações finais
Nesse
estudo,
buscou-se
identificar
as
percepções
subjetivas
do/a
adolescente/juvenil e discutir as relações de gênero no ambiente escolar, mediante as
representações construídas pelo adolescente/juvenil a partir das referências vivenciadas
no contexto familiar e, principalmente, no espaço educacional.
Entende-se que as relações sociais de sexo são diferentemente das de gênero.
Não deixam dúvidas no que diz respeito ao vínculo com a ideia de antagonismo social
correspondente às relações de exploração e dominação, consubstanciadas como estruturas
da sociedade patriarcal e capitalista. Assim, a utilização do conceito de gênero é adotado
por diversas perspectivas do pensamento feminista marxista e pós-moderno. Além disso,
acredita-se que o conceito de gênero tende ao eufemismo das relações de poder e do
antagonismo social, dada sua ancoragem no culturalismo.
Nesse sentido, o conceito de gênero procura evidenciar modelos “feminino” e
“masculino” que são aprendidos ao longo da vida e se alteram ao longo do tempo em
diferentes contextos históricos e sociais. No entanto, há uma expectativa social em relação
ao modo como homens e mulheres se comportam em sociedade, conforme o gênero.
Dados da pesquisa indicam que há uma dimensão subjetiva e individual na
formação da identidade do/a adolescente/juvenil no espaço escolar. Estão presentes
modelos de gênero que são aceitos socialmente, particularmente, os padrões de consumo
e a cultura de massa que exercem grande influência entre os/as jovens, no comportamento,
na formação do gosto, no padrão estético e em outras formas de exercer e expressar a
identidade. Foi identificado na pesquisa, o modelo de mulher mais valorizado pela
sociedade contemporânea, em que seu padrão de beleza deve apresentar as seguintes
características: 56% bem vestida, 20% bonita, 17% corpo saudável e, apenas 7% outro.
Em relação ao homem, foi apresentado o seguinte padrão estético: 27% forte, 27% bonito,
23% outros tipos de padrão, 13% status, 7% corpo saudável e, apenas 3% não
responderam.
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Outro aspecto importante na pesquisa revelou que, entre o/a adolescente/ juvenil
as características que mais valorizam em si mesmo, 70% dos participantes valorizam o
caráter, na sequência, 10% a inteligência, 10% a atitude e 10%, outro.
Tais modelos são mais valorizados e aceitos entre os jovens, muitas vezes,
quando essas percepções desses modelos estão aprisionadas por modelos rígidos e ao
mesmo tempo tão arraigadas, tão comuns, que nem sequer a adesão a eles é percebida, a
capacidade de escolher e transformar a realidade é consideravelmente reduzida.
Por outro lado, à medida que damos conta desses modelos e comportamentos
que são frutos de construções culturais, a aceitação dos valores de gênero difundidos nas
mais variadas situações de sociabilidade juvenil exerce considerável conformação da
identidade juvenil de homens e mulheres, tornando-se difícil de arriscar novos modelos,
inovar em práticas socais que não sejam consagradas pelo grupo.
Nota-se que o ambiente escolar é um importante espaço de socialização e tem
contribuído no entendimento de outro olhar acerca das relações de gênero, no sentido de
que o conceito de gênero não restringe a perspectiva biológica, mas uma construção
sociocultural que interfere no processo constituinte da identidade dos sujeitos; identidade
essa que não se apresenta como única, coerente e permanente, mas que passa por
processos de construção e modificações contínuas.
Dessa forma, sistematiza-se alguns elementos que identificados nessa pesquisa
são fundamentais para a construção social da identidade do/a adolescente / juvenil. São
eles: 1) a escolha da carreira profissional; 2) o ingresso no mercado de trabalho; 3) a
convivência com seus pares; e, 4) a vivencia da sexualidade.
Percebe-se que as escolhas feitas na adolescência, serão decisivas para a
construção da trajetória biográfica de rapazes e moças, ou seja, cada profissão escolhida
lhes reservará um aprendizado específico das regras de gênero. A convivência com seus
pares no campo profissional sofrerá a interferência da lógica de gênero, como também se
faz por meio do aprendizado entre pares nas diferentes formas de sociabilidade e lazer
disfrutados por jovens.
Por fim, a construção social da identidade de gênero é desafiante para o/a
adolescente/juvenil, pois as identidades humanas não são herdadas, mas construídas por
uma trama de elementos associados à personalidade, a influências de familiares e amigos,
como também cultural e social. Assim, essa construção é uma ação contínua complexa e
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dinâmica que envolve diferentes elementos da formação subjetiva, quanto ao contexto
histórico, político e cultual.
Referências
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A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA PARA O TRATAMENTO
DE PESSOAS COM TRANSTORNOS MENTAIS: UM ESTUDO
COM PROFISSIONAIS DO CAPS I (LAVRAS DA MANGABEIRACE)
Cicero Charlison Renan Alves1
Cicera Livya Rolim De Araújo2
Laís Almeida de Sousa3
Antoniel dos Santos Gomes Filho4
Resumo
Esse trabalho apresenta a percepção dos profissionais do Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS I) do município de Lavras da Mangabeira-CE acerca da importância da família
para o tratamento de pessoas com transtornos mentais. O questionário foi à técnica
viabilizada para coletar os dados da pesquisa, os dados foram tabulados e sistematizados
em gráfico para facilitar a leitura e a discussão. Os resultados demonstraram que os
usuários e seus familiares são acompanhados pela equipe multiprofissional do CAPS
satisfatoriamente, evidenciando que a atenção psicossocial associada ao
acompanhamento familiar facilita a sua reinserção social. Ver-se que existem fragilidades
nos processo e esse trabalho tenta direcionar esse debate.
Palavras-chave: Família. Transtornos Mentais. Saúde Mental.
1 Introdução
Os avanços e mudanças na área da saúde mental se deram em grande proporção
a partir do Movimento Antimanicomial e da Reforma Psiquiátrica ocorrida com maior
ênfase nos anos de 1980. Essas movimentações fizeram com que as práticas de
humanização chegassem ao tratamento de pessoa com transtornos mentais, tendo o intuito
de reinserir na sociedade os sujeitos acometidos com algum transtorno em sua saúde
mental.
Mestrando em Ciências da Saúde pela FMABC-SP – Faculdade de Medicina do ABC Paulista. Professor da Faculdade
Vale do Salgado – FVS. Graduado Em Serviço Social pela Faculdade Leão Sampaio – FLS, Especialista em Direito
constitucional e administrativo, Residente em Saúde Coletiva pela Escola de Saúde Pública - ESP do Ceará. Email:
[email protected].
1
2
Graduada em Serviço Social pela Faculdade Vale do Salgado – FVS. [email protected].
3
Professora do curso de Serviço Social da Faculdade Vale do Salgado - FVS. Especialista em Serviço Social pela
Faculdade Leão Sampaio – FLS. [email protected].
Mestrando em Educação Brasileira, Universidade Federal do Ceará – Faculdade de Educação UFC/FACED,
Fortaleza-CE/Brasil, E-mail: [email protected]
4
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1219
Nesse sentido o presente estudo apresenta a percepção dos profissionais do
Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) sobre a importância da família para o tratamento
de pessoas com transtornos mentais, tendo como referência/base a equipe multidisciplinar
do CAPS I do município de Lavras da Mangabeira no Estado do Ceará.
Teve como objetivo geral: Analisar a percepção dos profissionais do CAPS
acerca do acompanhamento familiar no tratamento das pessoas com transtornos mentais.
Para alcance do objetivo apresentado fez-se necessário algumas especificações tais como:
Compreender o trabalho do CAPS e de sua equipe multidisciplinar no tratamento da
pessoa com transtornos mentais; Identificar o papel da família no tratamento da pessoa
com transtornos mentais; Elucidar as estratégias da equipe multidisciplinar para o
fortalecimento do acompanhamento familiar.
A escolha do tema ocorreu a partir de observações iniciais dos trabalhos
realizados pela equipe multidisciplinar do CAPS pesquisado, além da necessidade de
apresentar a família como peça fundamental no tratamento dos indivíduos com
sofrimento psíquico. Desse modo entende-se que as relações familiares podem promover
o melhoramento ou o agravamento da situação dos sujeitos acometidos com algum
problema em sua saúde mental, além de compreender que é necessário um trabalho de
acompanhamento, conscientização e orientação com estas famílias por parte das equipes
do CAPS, no intuito de humanizar o tratamento desses sujeitos com transtornos mentais.
A partir dessas premissas iniciais indaga-se: Qual a percepção dos profissionais
sobre importância do acompanhamento familiar no tratamento das pessoas com
transtornos mentais, em especial no CAPS I do município de Lavras da Mangabeira-CE?
É relevante refletir sobre o acompanhamento não somente dos usuários
portadores de transtornos psíquicos como também a inserção e acompanhamento à
família dos mesmos, com intuito de orientar e dar suporte psicológico e social sob a ótica
da atenção psicossocial e a nova forma de cuidado proposta nos serviços substitutivos,
pois a inserção do usuário na sociedade tem relação com o meio no qual ele vive, sendo
a família um meio de suporte e apoio nas ações psicossociais.
O presente estudo possui abordagem metodológica qualitativa, onde segundo
Richardson (2014, p.90) “[...]pode ser caracterizada como a tentativa de uma
compreensão detalhada dos significados e características situacionais apresentadas pelos
entrevistados[...]”. O estudo também é de vertente exploratória e descritiva. Assim, de
acordo com Minayo (2010) A fase exploratória consiste na produção do projeto de
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pesquisa e dos procedimentos necessários para preparar a pesquisa em campo. Esse tipo
de estudo é adequado para uma investigação descritiva visto que observa, descreve e
qualifica a pesquisa.
A coleta de dados foi realizada nos meses de, abril e maio no CAPS I de Lavras
da Mangabeira-Ceará, localizado à Rua José Gonçalves da Silva, Bairro Cruzeiro sendo
este fundado em 20 de Maio de 2008. Seu público de atendimento abrange todo o
município de Lavras que dá um total de 31.435 habitantes. Atualmente possui um total
de 15 profissionais trabalhando e 1.337 pacientes cadastrados, que frequentam a
instituição para fazer consultas e pegar medicamentos, dentre outros que não são
cadastrados.
A população que foi estudada consiste em cinco técnicos de referência do CAPS
I que são: Psicóloga, enfermeiro, técnica de enfermagem, coordenadora e médico. A
princípio a proposta seria de aplicar o questionário a todos os técnicos de referência do
CAPS I, entretanto dois não puderam responder pois estão viajando e uma negou-se,
sendo assim respeitada sua vontade. Após essa aproximação foram aplicados os
questionários de pesquisa contendo perguntas objetivas e subjetivas, no intuito de
produzir um leque maior de possibilidades analíticas para alcance dos objetivos
estipulados no estudo, sendo estes apresentados no item 2.4 desse estudo, seguidos das
conclusões.
2 O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e a relação com as famílias: conquistas
e limites para sua efetivação
2.1 Movimento Antimanicomial e Reforma Psiquiátrica: nuances e conquistas
O Movimento Antimanicomial, também conhecido como Luta Antimanicomial,
surge com o intuito de acabar com os hospitais psiquiátricos, com a exclusão em que
viviam os “loucos”, e os maus tratos que estes sofriam durante o tratamento. Esse
movimento objetivava a sociedade como um lugar de inclusão para o “louco”, inserindoo em uma dimensão social e coletiva, buscando uma cidadania efetiva.
Os muros dos manicômios escondiam a violência sofrida durante o tratamento
“[...] através de uma roupagem protetora que desculpabilizava a sociedade e
descontextualiza os processos sócio-históricos da produção e reprodução da loucura”.
(LÜCHMANN; ROGRIGUES,2006, p. 402). Era uma forma de cuidar que tirava o
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“louco” do convívio da sociedade omitindo-a do tratamento do indivíduo, sendo estes
tratados de forma desumana dentro desses hospitais.
É no contexto de abertura da ditadura militar que surgem os primeiros
movimentos no setor da saúde, basicamente no interior do Centro Brasileiro de Estudos
de Saúde (CEBES) e do movimento de Renovação Médica (REME). Esse movimento faz
grande número de acusações e denuncias ao governo militar, principalmente sobre o
sistema nacional de assistência psiquiátrica, que praticam torturas, fraudes e corrupção.
Os trabalhadores buscavam aumento salarial, a redução da quantidade de
consultas por turno e criticavam o uso de choques como tratamento visando melhorar a
assistência à população atendida e a humanização dos serviços.
De acordo com isso Bisneto (2002, p. 23) afirma:
A emergência do Movimento de trabalhadores de Saúde Mental (MTSM):
juntamente com os demais movimentos sociais populares que emergem nesse
ano de 1978, o MTSM constitui resultado de articulações prévias em
congressos de psiquiatria e do Movimento de Renovação Médica, mas que
ganha corpo com a visita de lideranças mundiais da psiquiatria critica,
principalmente de Franco Basaglia, após a aprovação da Lei 180, que
estabelecia o fechamento da porta de entrada dos hospitais psiquiátricos na
Itália. Uma característica marcante do movimento nesse período estava no fato
de ele ser completamente externo ao aparelho de Estado, em mobilização
aberta da opinião publica e da imprensa, principalmente em Belo Horizonte,
apesar de algumas de suas lideranças pertencerem ao serviço publico. Os
principais objetivos e palavras de ordem no período foram:

Denuncias e mobilização pela humanização dos hospitais
psiquiátricos tanto públicos quanto privados, alguns dos quais foram
identificados como verdadeiros campos de concentração;
 Denuncia da indústria da loucura nos hospitais privados conveniados
do então INAMPS;
 Denuncia e reinvindicações por melhores condições de trabalho nos
hospitais psiquiátricos, principalmente no Rio de Janeiro;
 Primeiras reinvindicações pela expansão de serviços ambulatoriais
em saúde mental, apesar de o movimento não ter ainda bem claro
como deveriam ser organizados tais serviços. (BISNETO, 2002, p.
23).
Desde a década de 70 até a década de 90 vários movimentos sociais, culturais e
políticos, buscam a substituição das internações nos manicômios de forma excludente, a
fim de mudar o conceito e a relação da sociedade e a pessoa com transtornos mentais,
eventos e articulações consolidam o Movimento Antimanicomial e surgindo o processo
de Reforma Psiquiátrica.
A Lei conhecida como Programa de Volta Para Casa, de nº 10.708 de 31 de julho
de 2003, constitui um novo patamar na Reforma Psiquiátrica brasileira, incentivando o
desinstitucionalização de pacientes com longo período de permanência em hospitais
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psiquiátricos, inclusão em programas extra-hospitalares e concessão de auxilio de
reabilitação psicossocial, corroborando, Medeiros e Guimarães (2002, p. 577) afirmam
que:
O movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira vem encampando propostas
de desinstitucionalização reforçadas pela Luta Antimanicomial. Este projeto
de mudança é representado no nível federal pelo projeto de lei supracitado, e em
alguns Estados da federação por projetos similares [...] (MEDEIROS; GUIMARÃES,
2002, p. 577).
Em 2005 é realizada a Conferência Regional de Reforma dos Serviços de saúde
Mental. Com decorrência do relatório desse encontro, a Organização Mundial de Saúde
– OMS entende que os hospitais psiquiátricos são instituições deficientes e violadoras de
direitos humanos. Entretanto, a OMS não defende a radicalização de fechamento dos
hospitais psiquiátricos, pois este
fechamento deve ser acompanhado
de criações
alternativas para o acolhimento das pessoas com transtornos mentais nas comunidades.
A Reforma Psiquiátrica torna-se uma politica de governo diante da Lei
10.216/2001 que dispõe da criação e implementação de uma rede substitutiva em saúde
mental. Surge então à rede de atendimento psicossocial, dentro dessas redes estão os
Centros de Atenção Psicossocial – CAPS.
2.2 A Politica de Saúde Mental no Brasil e os Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS)
A politica de saúde mental no Brasil surge influenciada pela Reforma Psiquiátrica
italiana, seguindo esse pensamento, a legislação sobre saúde mental no país trata da
extinção progressiva dos manicômios de maneira substitutiva a outras modalidades de
atendimento como: hospitais-dia, CAPS e NAPS. Ela dispõe também sobre os direitos
do portador de transtornos mental, um novo sistema de saúde mental começa a surgir no
Brasil.
A portaria nº 224, de 29 de janeiro de 1992 vem regulamentar o funcionamento
dos serviços de saúde mental, estabelecendo normas, proibindo práticas de maus tratos
que eram comuns nos tratamentos.
Em 2001 é aprovado o projeto de Lei nº 10.216/2001 que direciona o modelo de
assistência em saúde mental, assegurando e protegendo os direitos das pessoas com
transtorno mental, sem qualquer discriminação; ela também reconhece o dever do Estado
em prestar assistência a essas pessoas e define os princípios e diretrizes fundamentais para
a implementação da política pública de saúde mental, onde em seus artigos primeiro e
segundo declara:
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Art. 1º - Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental,
de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação
quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política,
nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou
tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.
Art. 2º Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e
seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos
enumerados no parágrafo único deste artigo. Parágrafo único. São direitos da
pessoa portadora de transtorno mental:
I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas
necessidades;
II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de
beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na
família, no trabalho e na comunidade;
III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a
necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;
VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu
tratamento;
VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos
possíveis;
IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.
Essa Lei é resultante da luta de muitos profissionais, tanto da área da saúde como
da sociedade civil organizada e em particular da Luta Antimanicomial, visando a defesa
dos direitos e a igualdade destes perante a sociedade, assim como também um tratamento
digno e sem torturas.
Atualmente, surge a Rede de Atenção Psicossocial – RAPS, é criada a partir da
Portaria GM/MS nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011, cujo intuito é o de criar e ampliar
pontos de atenção à saúde para pessoas com transtornos mentais e com necessidades
decorrentes do crack, álcool e outras drogas no âmbito do SUS.
A Lei afirma em seu primeiro parágrafos que:
Art. 1º Fica instituída a Rede de Atenção Psicossocial, cuja finalidade é a
criação, ampliação e articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas
com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso
de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Os principais pontos dessa Lei, como diretrizes e objetivos são:
Respeito aos direitos humanos, garantindo a autonomia e a liberdade das
pessoas;
Combate a estigmas e preconceitos;
Garantia do acesso e da qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e
assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar;
Organização dos serviços em rede de atenção à saúde regionalizada, com
estabelecimento de ações intersetoriais para garantir a integralidade do
cuidado;
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Desenvolvimento da lógica do cuidado para pessoas com transtornos mentais
e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, tendo
como eixo central a construção do projeto terapêutico singular.
Promover o acesso das pessoas com transtornos mentais e com necessidades
decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas e suas famílias aos pontos
de atenção;
Prevenir o consumo e a dependência de crack, álcool e outras drogas;
Promover a reabilitação e a reinserção das pessoas com transtorno mental e
com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas na
sociedade, por meio do acesso ao trabalho, renda e moradia solidária;
Desenvolver ações intersetoriais de prevenção e redução de danos em parceria
com organizações governamentais e da sociedade civil;
Produzir e ofertar informações sobre direitos das pessoas, medidas de
prevenção e cuidado e os serviços disponíveis na rede;
Monitorar e avaliar a qualidade dos serviços por meio de indicadores de
efetividade e resolutividade da atenção.
A loucura e o consumo são experiências eminentes à trajetória humana. A Luta
Antimanicomial mostrou que tratar as pessoas com transtorno mental de forma mais
humana é a melhor forma de cuidado, pois, a “loucura” tanto a que utiliza de drogas como
a que não utiliza, não retira do sujeito a sua humanidade nem subtrai a sua cidadania.
As pessoas com transtorno mental têm direito de ter acesso ao melhor tratamento
do sistema de saúde, de acordo com as suas necessidades; ser tratada com humanidade e
respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua
recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; ser protegida contra
qualquer forma de abuso e exploração; ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não
de sua hospitalização involuntária; ter livre acesso aos meios de comunicação
disponíveis; receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu
tratamento; ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;
ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.
A portaria 336 de 19 de fevereiro de 2002 acrescenta parâmetros aos definidos
pela portaria 224/92, criandos os CAPs I, CAPs II, CAPs III, CAPs AD e CAPs i. Estes
são considerados dispositivos estratégicos para a organização da rede de atenção em
saúde metal, possibilitando o preparo de uma rede substitutiva ao hospital psiquiátrico no
país.
É conferido ao CAPS a estratégia de mudança do modelo de assistência,
defendendo a construção de uma política de saúde mental para os usuários de álcool e
outras drogas. Os CAPS estão assumindo seu papel estratégico na articulação dos
cuidados em saúde mental tanto cumprindo suas funções na assistência direta como
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também na regulação da rede de serviços de saúde, trabalhando juntamente com as
equipes de Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde.
Os CAPS oferecem atendimento diário, através do acompanhamento clinico
tentando resgatar as potencialidades objetivando a reabilitação psicossocial e sua
autonomia e cidadania inserindo o usuário no convívio social buscando acesso ao
emprego, ao lazer, aos direitos civis e fortalecendo os laços familiares.
Possuem equipe multiprofissional - composta por psicólogos, psiquiatras,
enfermeiros, auxiliares de enfermagem, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais etc oferecendo atividades terapêuticas como psicoterapia individual ou grupal, oficinas
terapêuticas, acompanhamento psiquiátrico, visitas domiciliares, atividades de orientação
e inclusão das famílias e atividades comunitárias.
O atendimento no CAPS objetiva amenizar e tratar as crises em que se encontra
o indivíduo, para que estes possam recuperar sua autonomia e reinserir-se em sua
atividades cotidianas.
O princípio de equidade colocado no SUS rege também sob o tratamento
oferecido no CAPS às pessoas com transtornos mentais, onde cada usuário em
consonância com sua fragilidade receberá o tratamento intensivo, no qual o usuário será
acompanhado pelo CAPS diariamente, semi-intensivo sendo apenas alguns dias por
semana e não intensivo apenas uma vez por semana.
Os CAPS são divididos de acordo com o número de habitantes e o público a ser
atendido: CAPS I - Entre 20 e70 mil habitantes; CAPS II - Entre 70 e 200 mil habitantes;
CAPS III - Acima de 200 mil habitantes; CAPSi [Infância e Adolescentes]- Acima de
200 mil habitantes; CAPSad [Usuários de Álcool e outras drogas] - Acima de 100 mil
habitantes (PSICOLOGADO, 2000).
O CAPS III se difere dos demais, pois este deve possuir leitos que permitem a
hospitalidade noturna, funcionar em tempo integral devendo acolher situações de maior
dificuldade. Funcionam 24 horas por dia, todos os dias da semana, o que exige uma equipe
maior que nos demais tipos de CAPS.
Por possibilitar a volta dos usuários todos os dias para casa, o CAPS evita a
quebra dos laços tanto familiar como social, fato que ocorria nas internações de longas
durações bem como nos manicômios e asilos. O objetivo desse serviço é retirar o portador
de transtorno mental do enclausuramento e do isolamento em que vive.
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É Preciso entender que na medida em que negamos e nos afastamos, excluímos
do convívio social as pessoas com transtornos mentais, não percebendo as
particularidades que existem em cada um, deixando de tratá-los como cidadãos.
Com todas as transformações que ocorreram no campo da saúde, especificamente
na área da saúde mental e a partir da reforma psiquiátrica no Brasil, a pessoa com
transtornos mentais e sua família são inseridos como protagonistas na busca de inovações
de atenção e tratamento. Contando com a parceria de diversos profissionais da área,
baseiam-se no acolhimento e na construção de vínculos.
Essa nova forma de atenção buscando a interação da pessoa que possui
transtornos mentais com a família e a sociedade de uma maneira que os portadores de
transtornos mentais se sintam aceitos pela sua família e que esta entenda-os e aceite-os.
A família é posta como cuidadora e acompanha mais de perto o tratamento,
acarretando diversas mudanças em suas vidas, tendo que ser modificada constantemente
para se adequar ao tratamento e a atenção adequada que os portadores de transtornos
mentais necessitam.
Mesmo sendo de extrema importância a participação da família no processo de
acompanhamento, tratamento e cuidados ao PTM, é preciso reconhecer que
esta também tem suas fragilidades, pois se encontra em uma situação
complexa, responsável por uma pessoa que possui necessidades e
comportamentos até então desconhecidos, não tendo, muitas vezes, o preparo
e apoio suficientes para lidar com esta tarefa. (BUSSULA; OLIVEIRA;
VOLPATO, 2009, p. 12).
Os portadores de transtornos mentais necessitam de uma atenção maior devido
a sua instabilidade e insegurança emocional como também pelos resultados de suas
relações sociais que podem acarretar vergonha e frustação, fazendo com que a família os
distancie das relações sociais.
O portador de transtornos mentais e sua família podem e devem participar e
opinar sobre os serviços que lhe são prestados, exigindo respeito perante sua condição,
entretanto essa reivindicação nem sempre é feita, pois a família muitas vezes encontra-se
desgastadas em decorrência da difícil convivência que enfrentam, geralmente
acompanhado pela desinformação, falta de apoio, dificuldades financeiras, estando
submetidas a todo o momento ao julgamento da sociedade.
Neste contexto se faz necessária a intervenção da equipe profissional
multidisciplinar que contempla a importância da família em todos os momentos de sua
atuação, projetando a família como um espaço de cuidados e proteção que deve receber
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atenção e investimentos, pois sem contar com o apoio do Estado, profissionais e sociedade
civil, sozinhos não conseguem promover todos os cuidados ao portador de transtornos
mentais.
2.3 O CAPS e as interfaces com a Família
A partir da sociedade moderna o modelo hegemônico de atenção para as pessoas
com transtornos mentais sempre esteve voltada a exclusão, no formato hospitalocêntrico
impedindo o convívio social.
Essa forma de tratamento também garantia o abrigo e a assistência médica dessas
pessoas, entretanto sempre suprindo o seu convívio social, o que atrapalhava de certa
forma a recuperação do individuo. Basaglia afirma que a pessoa com transtornos mentais
é excluída da sociedade e “[...] jamais poderá opor-se a quem o exclui, porque todo o seu
ato está circunscrito e definido pela doença” (2005, p. 38).
Por um longo período as pessoas com transtornos mentais foram tratadas de
forma isolada da sociedade, em instituições que usavam o isolamento como forma de
terapia, algumas vezes usando o tratamento de choque para se chegar à cura ou a melhora
daquela pessoa.
A partir da década de 70 esse quadro começa a mudar. surgem os movimentos
da reforma psiquiátrica, buscando transformar a forma de atenção dada as pessoas com
transtornos mentais visando inserir o “louco” na sociedade ao convívio com seus
familiares. De acordo com isso, Nasi e Schneider (2011, p.1158) afirmam que:
Essa mudança do modelo de atenção passa a ocorrer com o movimento da
reforma psiquiátrica brasileira, iniciada no final da década de 1970 e que se
caracteriza por ser um processo que faz questionamentos quanto ao modelo
psiquiátrico tradicional, centrado no manicômio e marcado quase que
exclusivamente pelo papel de um profissional da saúde, o psiquiatra. Tal
movimento busca reorientar esse modelo de atenção para que se faça a
desinstitucionalização do cuidado em saúde mental, o que implica não somente
na criação de serviços que substituam o manicômio, mas também em novas
maneiras de enxergar e de lidar com a loucura (NASI; SCHNEIDER, 2011, p.
1158).
Com essa visão de inclusão das pessoas com transtornos mentais na sociedade a
partir de um tratamento mais humanizado. Com a constituição de 88 e com bases no
Sistema Único de Saúde – SUS começa a mudar o modelo de atenção existente às pessoas
com transtornos mentais, surgindo à atenção comunitária, tendo o CAPS como principal
equipamento, tendo este, que organizar a rede de assistência às pessoas com transtornos
mentais e articular as condições para a reinserção destas na sociedade, fazendo “[...] uma
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ponte entre os usuários e a sociedade, realizando ações e cuidado, rompendo com o
isolamento, enfrentando preconceitos e promovendo a inclusão social.” (SALLES;
BARROS, 2013, p. 333).
Apesar de todos os movimentos e transformações ocorridas no campo da saúde
mental, atualmente existem duas formas de tratamento para as pessoas com transtornos
mentais, o modelo asilar e o de serviços psicossociais.
O modelo asilar trata a pessoa com transtornos mentais como doente, sendo o
tratamento feito através de medicações, os usuários são excluídos de qualquer
participação social. No modelo psicossocial, o transtorno mental é considerado um
fenômeno social, devendo ser tratado como parte da personalidade daquele individuo,
dando ênfase a reinserção do sujeito na sociedade. Entretanto, segundo Rosa (2002, p.
283) o modelo asilar se sobressai ao modelo psicossocial devido a difícil.
Atualmente coexistem no Brasil, nem sempre de maneira pacifica, por estarem
pouco integradas, modelos diferenciados de assistência tanto fundamentados
no modelo asilar quanto no modelo de novos serviços. No entanto, o modelo
asilar permanece hegemônico e algumas características da relação dos serviços
com a “clientela de atenção continua” permanecem ainda pouco alteradas, pois
muitos dos novos serviços parecem priorizar os usuários com quadros
diagnósticos mais “leves” (ROSA, 2002, p. 283).
Dentre os equipamentos que fazem parte do modelo psicossocial está o CAPS
que oferece meios para que o próprio sujeito interaja com a sociedade e o meio em que
vive, construindo e/ou fortalecendo as relações com essas pessoas para que ele não se
torne dependente do CAPS, mas sim que ele participe da sociedade, faça parte e acesse
vários espaços. Mielke, et al (2011, p.266) afirma que “(...) A reinserção consiste na
retomada da autonomia e da cidadania, quando a pessoa conquista a sua liberdade e
exercita a subjetividade, circulando nos espaços da cidade e promovendo novas relações
sociais.”
Diferentemente dos hospitais psiquiátricos, o CAPS trabalha formas para
recuperar a autonomia do portador de transtornos mentais, buscando superar sua relação
de dependência com a instituição, deste modo há uma probabilidade maior pesse usuário
se inserir na sociedade. Sobre isso Basaglia (2005, p. 248) afirma:
Ocorre uma transformação institucional que reflete a forma de tratar os
usuários, com o objetivo de reconstruir a pessoa e sua identidade social,
estabelecendo-se condições para que se torne um membro do corpo social. A
tutela é substituída por uma relação de contato (BASAGLIA, 2005, p. 248).
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Deve-se discutir com os usuários os benefícios que o paciente terá após receber
alta dos serviços do CAPS, quando não tiver mais que voltar, mostrando que essa nova
fase deve ser vista como uma conquista e não como um sofrimento por desligar-se do
equipamento e consequentemente deixar o convívio diário com a equipe, isso lhe
permitirá construir novos vínculos e aumentar os espaços, serviços e pessoas nos quais
esse usuário irá conviver.
O CAPS trabalha pessoas com transtornos mentais severos e persistentes,
atendendo com a logica territorial. Esse atendimento está baseado no acolhimento, na
criação do vinculo entre paciente e profissional e na responsabilização de cada membro
da equipe para a transformação do cotidiano daquele usuário.
O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) é um serviço que deve favorecer os
processos de inclusão social das pessoas com transtornos mentais, atuando no
território, constituindo uma rede de pessoas e serviços que, juntos, possam se
fortalecer e enfrentar o desafio de transformar o cotidiano das pessoas (sejam
os usuários, os profissionais ou pessoas da rede social dos usuários) e o
cotidiano das instituições, serviços de saúde e de outros setores sociais.
(SALLES; BARROS, 2013, p. 325).
O trabalho da equipe multiprofissional do CAPS deve ser voltado não apenas
para a pessoa com transtorno mental como também para as suas famílias não devendo
estar relacionado apenas ao portador de transtornos mentais e na sua busca por cura, mas
também nas fragilidades e na importância de sua família nesse processo, devendo estar
direcionado ao fortalecimento dos vínculos familiares.
A equipe profissional deve estar livre de qualquer preconceito e ideia préformada em sua cabeça, Amarante (2005, p.38) afirma que “[...] No contexto da reforma
sanitária e particularmente da reforma psiquiátrica, deseja-se sua atuação como livre dos
preconceitos arraigados, tão comumente encontrados na tradição do ambiente
manicomial. [...]” e buscar não apenas a sua cura ou melhora, mas também o bem estar
consigo e com seus amigos e familiares que os rodeiam.
A equipe deve se colocar a disposição para escutar as famílias demonstrando
atenção e importância para os diversos problemas apresentados, todo e qualquer problema
por mais simples que se apresente deve ser resolvido particularmente pelo assistente
social, não deixando levar-se pelos limites institucionais e outros desafios a serem
superados, mudando a realidade dessa família vitima da exclusão social.
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É necessário ao assistente social reconhecer seu próprio valor, saber o que está
fazendo, criar um discurso profissional, publicar ideias, lutar por seus
princípios, fazer alianças, se expor profissionalmente em Saúde Mental. É
claro que o profissional de campo precisa contar com a colaboração de seus
colegas de academia: a universidade também deve desenvolver esse discurso
profissional com pesquisas, aulas, extensão, publicações, conferências entre
outros recursos. (BISNETO, 2007, p.145).
Desta forma, é preocupante presenciar nos dias atuais alguns assistentes sociais
falarem que sua pratica se resume apenas em visitas domiciliares, relatórios, entrevistas
e encaminhamentos, reduzindo a importância e a necessidade da prática profissional
perante a sociedade.
A grande importância do trabalho em equipe realizado pelos profissionais é a
junção de diferentes áreas de conhecimento se articulando com um objetivo em comum
que é o de ajudar a pessoa com transtornos mentais e sua família nos mais diferentes
aspectos. Segundo Vasconcellos (2009, p.02)
No Brasil, desde a década de 1970, o trabalho em saúde passou a priorizar a
composição de equipes de profissionais com diferentes formações. Esse
movimento traz inequivocamente a benesse de incrementar as possibilidades
terapêuticas, mas traz consigo também o risco de fragmentação do trabalho,
impondo assim a necessidade de integração verdadeiramente interdisciplinar.
As possibilidades de superação da realidade na vida dos indivíduos dependerão
em grande parte do perfil do profissional, pois ainda que exista um Estado ausente perante
as suas responsabilidades, os limites institucionais e as famílias vencidas pelas constantes
frustações, é neste contexto que se destaca a necessidade e importância do trabalho
multidisciplinar, porém é esta que determinará, a partir de sua concepção da realidade e
de sua intervenção, se a importância e a necessidade dessa intervenção serão reforçada ou
rapidamente eliminadas.
2.4 Resultados da Pesquisa
A seguir serão apresentados os resultados dos dados dos questionários aplicados
com a equipe multiprofissional do CAPS I de Lavras da Mangabeira-Ceará.
Procurou-se investigar e expor a percepção dos profissionais frente ao
acompanhamento familiar durante o tratamento dos usuários que fazem tratamento na
instituição.
A pesquisa foi realizada com um médico, um psicólogo, um técnico de
enfermagem, um enfermeiro e a coordenadora. As primeiras perguntas do questionário
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buscam traçar o perfil profissional considerando profissão, formação profissional, grau
de formação, tempo de trabalho na área etc.
Sobre a formação profissional:
Gráfico 1 – Grau de formação profissional.
Fonte: Pesquisa de Campo, 2015.
Sobre especialização na área de saúde mental pôde-se constatar que apenas 20%
dos profissionais possuem, estando os outros 80% apenas com o aprendizado da
convivência diária com o trabalho.
Gráfico 2 – Especialização na área de saúde mental.
Fonte: Pesquisa de Campo, 2015.
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Pode-se observar que são poucas pessoas que trabalham no CAPS I são
especializados na área, o que deveria ser maioria ou até totalidade, devendo ser verificada
essa especialização pelo contratante na hora da admissão e não havendo, deve incentivar
o profissional a fazer uma especialização que de acordo com Carvalho (1988, p. 120)
“Formação profissional é, essencialmente, um processo irreversível de aperfeiçoamento.
O treinando necessita, constantemente, adquirir novos conhecimentos, habilidades e
atitudes”, podendo assim ser feito um trabalho mais humanizado, que possa ter resultados
eficazes e mais rápidos quanto ao trabalho pertinente ao usuário e sua família.
Em seguida foi questionado o tempo de trabalho na área de Saúde mental, onde
20% responderam que estão a menos de 1 ano, 20% está a menos de dois anos, 40% a
menos de 3 anos e 20% está acima de 5 anos, conforme o gráfico a seguir.
Sobre as estratégias realizadas pela equipe multiprofissional para o fortalecimento
da relação da família com o usuário alcançou-se os seguintes resultados:
Gráfico 7 – Estratégia realizadas pela equipe
Fonte: Pesquisa de Campo, 2015.
Observa-se que são varias alternativas usadas para conscientizar e tentar inserir a
família no tratamento da pessoa com transtorno mental, 19% utilizam de reuniões, 19%
de escuta, 23% de orientação familiar, 14% utilizam palestras e 24% utilizam de
orientação individual para tentar expor aos familiares a importância desse cuidado e
acompanhamento durante o tratamento.
Sobre a existência de orientações passadas para a família sobre o cuidado com o
usuário em sofrimento psíquico obteve-se os seguintes resultados.
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Gráfico 8 – Existência de orientações às famílias
Fonte: Pesquisa de Campo, 2015.
Todos os profissionais afirmaram que são repassadas às famílias orientações sobre
o cuidado da pessoa com transtorno mental.
Procurou-se saber quais as atividades desenvolvidas com os usuários portadores
de transtorno mental no CAPS e as resposta obtidas foram:
P.2 – “Por questão de tempo, atualmente tenho realizado apenas atendimento
psicoterápico, visitas domiciliares e acolhimento de paciente em crise”.
P.5 – “... terapias de grupo; atividades em grupo artesanais; cuidados e
atividades expositivas sobre cuidados com higiene pessoal”.
Pode-se observar pelas falar do profissional 2 que a equipe técnica está reduzida
e não está dando o suporte necessário para todos os pacientes, atendendo apenas os casos
de mais urgência.
Já na fala do profissional 5 observa-se que os usuários são acompanhados
diariamente incentivando sua autonomia para se cuidar e realizar trabalhos manuais,
tentando resgatar a potencialidade e a subjetividade de cada individuo, buscando sua
reinserção social.
Ao indagar sobre a percepção do profissional referente ao impacto do
acompanhamento familiar no tratamento das pessoas com transtornos mentais obtiveramse as seguintes respostas:
P.2 – “É de fundamental importância, tanto para o tratamento, como para a
família, que a mesma receba algum tipo de orientação/acompanhamento. Principalmente
para o paciente, quando há um suporte adequado por parte da família, sua evolução
costuma ser mais satisfatória”.
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P.5 – “O impacto do acompanhamento familiar torna-se positivo quando a
família aceita e entende o paciente como portador de um quadro patológico, este por sua
vez irá aderir ao tratamento de maneira eficaz e eficiente já que o mesmo foi acolhido e
está sendo acompanhado pela família, principalmente quando se trata da administração
da terapia medicamentosa”.
A partir do exposto vimos o quão é importante e como pode influenciar
positivamente quando essa família cuida e participa do tratamento da pessoa com
transtornos mentais evidenciando assim a necessidade de se trabalhar a família também e
orienta-la sobre as possíveis situações que o transtorno pode ocasionar.
Sobre isso Pereira (2000, p. 217) afirma:
A crença de que a instituição familiar exerce grande influência na formação e
na vida do indivíduo está presente em todas as categorias profissionais que se
interessam por trabalhar com aquela. O que diferencia uma intervenção de
outra é a forma como essa instituição é vista pelos profissionais e como ela se
insere nas diversas intervenções que a abordam.
A equipe deve entender a importância da família para um tratamento eficaz e a
partir daí tentar conscientiza-la a participar do tratamento e trabalhar esta juntamente com
o individuo em sofrimento psíquico.
Foi questionado sobre os desafios e limites para a efetivação da participação
família, obtendo-se as seguintes respostas:
P2 – “O principal desafio é fazer a família se sentir parte do tratamento,
perceber sua importância nele”.
P3 – “Formação familiar, preconceito”.
P4 – “afeto é o maior limite existente”.
P5 – “[...] ausência de recursos financeiros, precariedade de informação ou
ausência da mesma [...]”.
Pode-se observar que a falta de conhecimento dos familiares e o preconceito
sofrido pela sociedade por ser algo que foge do “comum” imposto pela sociedade faz com
que a participação familiar no tratamento seja insatisfatória em alguns casos ocasionando
o abandono e a falta de afeto.
A família é tida como lugar obrigatório de afeto e carinho, fundamental para o
funcionamento social, sendo responsável pela educação, desenvolvimento e formação do
individuo, contudo faz-se necessário o acompanhamento da familiar durante o tratamento
deste membro acometido de sofrimento psíquico.
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Procurou-se saber sobre o impacto da ausência do acompanhamento familiar
para o tratamento e as respostas obtidas foram:
P2 – “Na maioria dos casos há um entrave, uma estagnação na evolução, ou no
mínimo, uma evolução mais lenta por parte do pct”.
P4 – “Em uma grande porcentagem, mais de 50% dos pacientes, as recorrências
acontecem por falta de acompanhamento seja por afetividade ou até mesmo erro na
administração terapêutica”.
P5 – “Implicará em um impacto negativo; um propósito ruim; um tratamento
ineficaz e ineficiente”.
A família é de fundamental importância para o tratamento da pessoa com
transtorno mental, podendo influenciar de forma positiva ou negativa, tudo irá depender
do conhecimento daquela família, do grau de doação no qual ela está disposta para cuidar
daquele ente adoecido, isso requer tempo, paciência e responsabilidade, principalmente
no que diz respeito à administração dos medicamentos.
Conforme Gonçalves e Sena (2001, p.51):
Vários estudos têm chamado a atenção para a sobrecarga que a família enfrenta
na convivência com o portador de transtorno mental, principalmente por
ocasião da alta hospitalar, desencadeando atitudes de incompreensão familiar
e até de rejeição, motivadoras de reintegrações sucessivas vivenciadas com
muita dor e fracasso, ou até mesmo de internações permanentes.
Deste modo é que se faz necessário o trabalho da equipe do CAPS orientando a
família sobre o tratamento e as formas de cuidado referentes à pessoa com transtorno
mental.
Sobre quais as orientações estabelecidas às famílias acerca da convivência e da
relação com as pessoas com transtornos mentais obteve-se as seguintes respostas:
P1 – “Em relação a cuidados continuados”.
P2 – “vai depender de caso, não existe uma formula geral, uma vez que cada
caso possui suas particularidades”.
P3 – “Que os familiares tenham toda a paciente com aquele seu parente que tem
transtorno seja ele leve ou grave. tenha controle com a medicação tanto na forma de
administrar quanto pra pude guardar em locais que eles não pegue.
P4 – “Dos cuidados continuados e a forma de tratamento que os mesmo podem
receber em casa”.
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P5
–
“Orientações
de auto-cuidado; orientações
sobre a terapia
medicamentosa; orientações sobre comportamento anormal; sobre isolamento social;
orientações sobre como lhe dar com situações de auto e hetero-agressividade”.
Observa-se que são dadas orientações de como a família incentive o portador de
transtorno mental a se auto cuidar e a importância disso, de como administrar a
medicação, pois este é um fator importante para o tratamento, se a PTM não tomar o
medicamento na hora certa e regularmente pode reincidir a crise. São dadas também
orientações sobre a família ter cuidado com o comportamento agressivo com ele mesmo,
podendo se autoflagelar ou agredir a outra pessoa.
Deste modo se vê a importância de um acompanhamento mais próximo de uma
equipe técnica completa e disposta a realizar o trabalho de forma objetiva e eficaz.
3 Considerações Finais
Evidenciou-se com o presente estudo que a temática do cuidado ao PTM e as
questões familiares impõem diversos desafios. A partir da reforma psiquiátrica o cuidado
em saúde mental é partilhado entre a família e os serviços de saúde, a pessoa com
sofrimento psíquico tende a responder ao tratamento de forma mais eficaz com inserção
exitosa ao convívio social.
Constatou-se também que a inserção social da PTM e a sua aproximação com a
família não é nada fácil, elas refletem a falta de informação e o preconceito, em alguns
casos esses fatores resultam em abandono do ente acometido do sofrimento psíquico.
Ficou evidente que o CAPS I de Lavras da Mangabeira possui uma estrutura
física e financeira satisfatória para a oferta dos serviços com os usuários e seus familiares
tendo em vista que os familiares participam com frequência das atividades realizadas pela
instituição em questão. Verificou-se que o CAPS I vem desenvolvendo de forma
satisfatória o acompanhamento da relação família/usuário com atuação eficaz da equipe
multiprofissional.
O estudo observou que a partir da reforma psiquiátrica a família tem assumido
um papel relevante na reabilitação social do seu familiar, cuidando e participando do
tratamento, assumindo um papel de parceria com a equipe de saúde, deste modo é
fundamental que os serviços substitutivos em saúde mental estejam preparados para
atender as necessidades do núcleo familiar. A atenção psicossocial associada ao
acompanhamento familiar no tratamento facilita a reinserção social da PTM considerando
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as dimensões pessoais, biológicas, sociais e politicas que envolvem o cotidiano da vida.
A qual não esgotam os desafios e limites ainda existentes para a efetivação da proposta
da reforma psiquiátrica.
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1239
A IMPORTÂNCIA DA INSERÇÃO SOCIAL DOS USUÁRIOS DE
ÁLCOOL E DROGA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA
Daniela Cavalcanti Moraes e Silva 1
Magnollya Moreno de Araújo Lelis2
Verônica Salgueiro do Nascimento3
Stéfanie Almino Alencar4
Resumo
O uso abusivo de álcool e drogas consiste numa problemática presente nas diversas partes
do mundo. A reforma psiquiátrica, num movimento inverso ao modelo asilar, alcança
metas e tem conseguido fazer o que é necessário: a reinserção social do sujeito. Aqui
referimo-nos a um sujeito ativo, agente e consciente dos seus direitos e deveres no
exercício pleno da sua cidadania. Diante do contexto o objetivo deste estudo foi investigar
a importância da reinserção social através do novo modelo de atenção à saúde para
usuários de álcool e drogas. Para tanto foi desenvolvido uma revisão sistemática com
levantamento de dados no período de janeiro de 2014 a abril de 2014. Pesquisou-se nas
seguintes bases de dados científicas, tais como: Scielo, Medline, Lilacs, Pubmed e
Psycinfo. Conclui-se que, é de extrema importância considerar a construção das ações de
saúde como resultante de uma pactuação social visando um redirecionamento das
políticas de saúde mental de forma que o usuário possa ser visto como ser humano e
cidadão dotado de direitos e deveres, garantindo assim a sua reinserção social.
Palavras-chave: CAPS. Álcool. Drogas. Usuário. Inserção Social.
1 Introdução
O uso abusivo de álcool e drogas consiste numa problemática presente nas
diversas partes do mundo e, por conseguinte tem sido objeto de estudo das diversas áreas
do conhecimento. A reforma psiquiátrica, num movimento inverso ao modelo asilar,
alcança metas e tem conseguido fazer o que é necessário: a reinserção social do sujeito.
Aqui referimo-nos a um sujeito ativo, agente e consciente dos seus direitos e deveres no
exercício pleno da sua cidadania. A lei 10.216 de 06 de abril de 2001 é a afirmação dos
1
Enfermeira, mestranda em Ciências da Saúde pela Facudade de Medicina do ABC Paulista, São Paulo/Brasil. Email:[email protected]
2
Enfermeira, mestranda em Desenvolvimento Regional Sustentável pela Universidade Federal do Ceará, Ceará/Brasil.
E-mail:[email protected]
3 Professora da Universidade Federal do Ceará, doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará, Ceará/Brasil.
E-mail: [email protected]
4Enfemeira,residente
em Saúde Pùblica
mail:[email protected]
pela
Escola
de
Saúde
Pública
do
Ceará,Fortaleza/Brasil.E-
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princípios do SUS (Sistema Único de Saúde) aplicados à saúde mental. Sempre se faz útil
recordar os princípios e diretrizes do SUS que determinam a oferta de uma assistência
universal integral e equânime, assim comungando com a nova forma de prestação de
serviços aos que sofrem com transtornos mentais e aqueles que são mutilados pelo uso de
álcool e outras drogas, seja no campo pessoal, familiar e/ou social.
Ao longo dos anos o uso de álcool e outras drogas tem sido compreendido de
diferentes maneiras. Genericamente pode-se afirmar que a construção social é fator
preponderante na compreensão e no uso do álcool e outras drogas.
A sociedade por sua vez aprendeu a construir e desconstruir caminhos
metodológicos para criar espaços que possibilitam a “recuperação” do usuário. Assim
sendo, surgem os grupos de mútua ajuda, instituições religiosas e cientificas.
A complexidade do uso do álcool, crack e outras drogas nos obriga a refletir que
o seu enfrentamento somente será possível se for amplamente discutido no território, onde
as relações acontecem entre idas e vindas numa intensa troca de saberes socioculturais.
Ao se considerar a complexidade do problema faz-se extremamente necessária
a implantação de um serviço que possibilite ao sujeito perceber que apesar da possível
dependência pode encontrar neste lugar um espaço para (re)encontro com as suas
habilidades que muito antes de um “dependente de algo” o fazem um ser individual e
coletivo. O Ministério da Saúde possibilita aos municípios a implantação do CAPS ad,
apresentando este serviço de saúde mental como possibilidade de um espaço no qual o
sujeito possa ser aceito em suas (des)habilidades sociais.
2- Fundamentação Teórica
2.1- A Política De Saúde Mental
Estatísticas demonstram que o consumo do álcool e outras drogas, exceto tabaco,
respondem por 12% de todos os transtornos mentais graves na população acima de 12
anos no Brasil, sendo o impacto do álcool dez vezes maior se comparado ao conjunto das
drogas ilícitas, e aproximadamente 10% da população dos centros urbanos mundiais
consomem abusivamente substâncias psicoativas, independentemente da faixa etária,
gênero, nível de instrução e poder aquisitivo (BRASIL, 2003).
O I Levantamento Nacional Domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas
(2001), com participação de 107 cidades brasileiras de população superior a 200.000
habitantes, revelou que o consumo de álcool na população total era de 68,7%,
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porcentagem próxima a 71,0 % no Chile e a 81,0% nos EUA, com proporções mais ou
menos estáveis para as diferentes faixas etárias. Dos entrevistados com idade entre 12 e
17 anos, 48,3% relataram o uso de bebidas alcoólicas. A maior prevalência à dependência
do álcool, acima dos 16%, foi encontrada nas regiões Norte e Nordeste, nessa última a
dependência entre os adolescentes, entre 12 e 17 anos, ficou próxima dos 9%. (CARLINI,
2002).
Quatro anos mais tarde, em 2005, o II Levantamento Nacional Domiciliar sobre
o uso de drogas psicotrópicas revelou que 22,8% da população pesquisada faziam de
drogas, exceto tabaco e álcool, um aumento de 3,4% em comparação a 2001. Já em
relação à estimativa da dependência de álcool, não houve mudança expressiva
(CARLINI, 2006).
Por tanto, o fenômeno álcool/drogas constitui um problema de saúde pública em
função de sua complexidade e magnitude, visto que seus efeitos afetam,
significativamente, a saúde e a qualidade de vida dos usuários, familiares e de toda a
sociedade (MIRANDA, 2007).
Concorre para isto o fato da vinculação às demais drogas lícitas, inteiramente
livres para o consumo, que é alimentado por propagandas que as colocam como caminho
do sucesso, sinônimo de alegria, beleza e juventude (ZEFERINO, 2006).
O Brasil, por intermédio do Ministério da Saúde, adotou a política de atenção
integral a usuários de álcool e outras drogas, exigindo a busca de novas estratégias de
contato e de vínculo com o usuário e sua família, além do reconhecimento de suas
características, necessidades e vias de administração de drogas, objetivando o desenho e
implantação de múltiplos programas de prevenção, educação, tratamento e promoção de
fácil adaptação às diferentes necessidades.
A atual Política de Saúde Mental, adotada pelo Ministério da Saúde assumiu
como desafio a consolidação e ampliação de uma rede de atenção de base comunitária e
territorial que seja capaz de atender às pessoas em sofrimento psíquico, bem como às que
sofrem com a crise social, a violência e o desemprego, de modo a promover reintegração
social e cidadania. Essa deliberação de um novo modelo de assistência tem sua base nas
propostas da Reforma Psiquiátrica (BRASIL, 2005).
A Reforma Psiquiátrica busca a consolidação de uma rede de assistência focada
em princípios e práticas psicossociais e apresenta uma estratégia reorganizadora das
práticas assistenciais, privilegiando novos espaços que possibilitam a integração do
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sujeito em sofrimento psíquico, promovendo a organização das atividades em território
definido, reafirmando e buscando incorporar, nas ações de saúde mental, os princípios e
garantias dos direitos humanos (PRANDONI, 2006).
Reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) o elevado custo social
que representa o uso abusivo de substâncias psicoativas, considerado um problema de
saúde pública, o Ministério da Saúde (MS) desde a década de 1980 vinha desenvolvendo
tímidas iniciativas na área do uso indevido de drogas e só em 2003 assumiu a
responsabilidade de intervir nessa área com a efetivação da “Política de Atenção Integral
aos Usuários de Álcool e outras Drogas” (BRASIL, 2003).
O argumento do Ministério da Saúde sustentava-se na necessidade de
enfrentamento dos problemas oriundos do consumo abusivo do álcool e de outras drogas,
através da organização de uma rede baseada em dispositivos extra-hospitalares de atenção
psicossocial especializada devidamente articulados à rede assistencial em saúde mental
ao restante da rede de saúde. Entre estes dispositivos, encontra-se o Centro de Atenção
Psicossocial para Álcool e Drogas (CAPS ad) que surge, com esta denominação, a partir
do ano de 2002, com a Portaria nº 336, de 19 de fevereiro de 2002, para aquelas pessoas
que enfrentam o problema do uso de álcool e de outras drogas, ofertando atendimento
diário a essa população.
O CAPS ad é um serviço de atenção psicossocial para atendimento de pacientes
com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas. Conforme
preconizado pelo Ministério da Saúde, esse serviço oferece atendimento diário aos
pacientes que fazem uso prejudicial de álcool e outras drogas, permitindo o planejamento
terapêutico dentro de uma perspectiva individualizada de evolução contínua; o CAPS ad
deve ser apoiado por leitos psiquiátricos em hospital geral e outras práticas de atenção
comunitária como internação domiciliar e inserção comunitária de serviços.
A Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral aos Usuários de
Álcool e outras Drogas preconiza que a assistência a esses usuários deve ser oferecida em
todos os níveis de atenção, privilegiando os cuidados em dispositivos como os Centros
de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (CAPS ad), além disso, a atenção a esses
usuários deve ser contemplada pela atuação integrada dos Programas de Saúde da
Família, Agentes Comunitários de Saúde e Serviço de Redução de Danos e da Rede
Básica de Saúde (BRASIL, 2003).
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2.2- Diretrizes do CAPS ad:
O CAPS é um lugar de referência e tratamento para pessoas que sofrem de
transtornos mentais, psicoses, neuroses graves e demais quadros cuja severidade ou
persistência justifique sua permanência para a reabilitação psicossocial, por meio de
cuidado intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida, numa atenção voltada
para o sujeito, sua singularidade e história, cultura e vida cotidiana. É um serviço de saúde
mental criado para ser substitutivo às internações em hospitais psiquiátricos.
A Portaria/GM nº 336- de 19 de fevereiro de 2002, define e estabelece as
diretrizes para o funcionamento dos CAPS, além de categorizá-los conforme a clientela
denominando-os de CAPS I,CAPS II, CAPS III, CAPS i, CAPS ad. As três primeiras
modalidades são definidas por ordem cresce nte de porte/complexidade e abrangência
populacional. Prioritariamente, deverão atender a pacientes com transtornos mentais
graves e persistentes e m sua área territorial. Os CAPS i são destinados ao atendimento
psicossocial para crianças e adolescentes, enquanto os CAPS ad, são designados ao
atendimento de usuários com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias
psicoativas.
Os CAPS surgiram a partir do processo de reforma psiquiátrica no Brasil, como
um serviço substitutivo ao modelo asilar, reducionista e hospitalocêntrico. Fortaleza,
hoje, conta com a política de saúde mental pautada na reforma psiquiátrica e na
Legislação Federal através da lei 10.216/01, seguindo os princípios do HUMANIZASUS
(conjunto das práticas de saúde do SUS), que possibilita maior humanização e
acolhimento dos serviços de saúde. Em função da necessidade de um serviço de saúde
que atendesse tanto o aumento da demanda de usuários de álcool e outras drogas como a
necessidade de atendimento diário a estes usuários, foram criados os Centros de Atenção
Psicossociais Álcool e Drogas (CAPS ad), como um dos serviços substitutivos à
internação. Conforme preconizado pelo Ministério da Saúde, buscando promover a
reabilitação psicossocial de seus usuários, os CAPS são serviços de atenção psicossocial
que se caracterizam pelo cuidado e atenção diária e articulação de toda a rede de atenção.
Nesses serviços, trabalham equipes de diversas áreas de formação (DUARTE &
DALBOSCO, 2011; FIGUEIREDO & RODRIGUES, 2004; KANTORSKI, et al., 2009).
Através de um trabalho interdisciplinar e integral, diversas ações são
desenvolvidas nos CAPS ad no intuito de cuidado aos usuários de drogas, como o
acolhimento universal e incondicional ao paciente e seus familiares. Especificamente com
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relação ao crack, busca-se acolher usuários de crack que demandem ajuda mesmo aqueles
que não demonstrem desejo de interromper o consumo, tratar abstinências leves de crack
em nível ambulatorial, realizar busca ativa em articulação com atenção básica em casos
de abandono de tratamento; desenvolver oficinas terapêuticas; e apoiar um trabalho
dentro da perspectiva de Redução de Danos (RD), suporte e apoio a familiares (BRASIL,
2010).
Para garantir a atenção integral a usuários de crack e outras drogas, os serviços
de saúde devem estar articulados, de forma funcional e complementar, com os diversos
dispositivos da rede. Os principais dispositivos da rede de atenção são os CAPS AD, os
CAPS AD 24 horas, a Atenção Básica (AB), os Ambulatórios de Saúde Mental, os
Hospitais Gerais (com leitos de atenção integral), os Consultórios de Rua (CR), entre
outros (BRASIL, 2010).
2.3- Intervenções terapêuticas na dependência química
Ao longo do tempo, os autores especialistas desenvolveram diversos modelos
referentes ao entendimento das dimensões do problema do consumo de álcool e drogas.
Cada enfoque se concentra exclusivamente em um subconjunto ou aspecto dos
fenômenos gerais.
As abordagens terapêuticas para o tratamento da dependência química datam do
século XIX, muito embora, desde a antiguidade, existam relatos de quadros de
alcoolismo. Ainda hoje se busca avaliar qual é a eficácia de tratamentos que funcionam
na dependência química, pois a mesma resulta de vários aspectos: biológico, social e
psicológico. As intervenções devem ser diferenciadas para cada pessoa, considerando as
áreas de conhecimento envolvidas e a avaliação destes aspectos (DE BONI & KESSLER,
2011)
A dependência do crack também é vista como uma doença que necessita de um
tratamento com metas e intervenções levando em conta as especificidades e necessidades
de cada paciente, e em muitos casos, por longo prazo (RIBEIRO & LARANJEIRA,
2012).
São apontados como fatores complicadores ao tratamento: a precocidade no
início do uso das drogas; o tempo de uso; as quantidades consumidas; os déficits
cognitivos e em habilidades sociais; a falta de motivação para a mudança; as
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comorbidades; os problemas familiares e financeiros; e o grau de prejuízo social do
paciente (GUIMARÃES, et al. 2008; KESSLER & PECHANSKY, 2008).
Além disso, os usuários de crack são mais propensos a abandonar o tratamento.
Alguns dos fatores preditivos para o abandono são problemas com a lei, baixa habilidades
sociais de enfrentamento, história familiar de transtorno mental e transtorno de
dependência de álcool associada, entre outros (DUAILIBI et al. , 2008).
No processo de Avaliação Cognitiva no tratamento do dependente químico,
aspectos importantes devem ser examinados, como o motivo do encaminhamento do
paciente, o plano de trabalho (dados da história clínica e pessoal do paciente e do padrão
de consumo de SPA) e as condições
cognitivas do paciente (memória, atenção,
flexibilidade mental, linguagem, abstração para identificar déficits cognitivos e
compreender a possível natureza e extensão dos possíveis déficits). O resultado da
avaliação cognitiva, além de útil para o planejamento do tratamento, também contribui
no sentido de esclarecer o paciente a respeito de seus recursos, suas dificuldades e as
mudanças que se fazem necessárias (ARGIMON, 2010).
Na perspectiva da reabilitação psicossocial, as abordagens psicoterapêuticas
mais utilizadas no tratamento da dependência química são a Psicoterapia Psicanalítica e
Terapia
Cognitivo-Comportamental.
A
Terapia
Cognitiva
(TC),
a
Terapia
Comportamental (BT) e a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) mostraram-se
eficazes, em vários estudos clínicos (KOLLING, PETRY & VIEIRA, 2011).
Levando-se em conta o aumento do consumo de crack e os prejuízos causados
pelo seu uso, a necessidade de serviços públicos de assistência e de intervenções efetivas
para os seus usuários, justificou-se a realização deste estudo.
3- Método
O presente estudo é uma revisão integrativa. Utilizou-se como método de
pesquisa a revisão integrativa emerge como uma metodologia que proporciona a síntese
do conhecimento e a incorporação da aplicabilidade de resultados de estudos
significativos para a prática (SANTOS, 2015).
Utilizou-se como método de pesquisa a revisão integrativa da literatura, que
permite incluir no estudo literatura teórica e empírica, bem como estudos com diferentes
abordagens metodológicas.
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Seguiram-se as etapas da elaboração da revisão integrativa propostas por Souza,
Silva e Carvalho (2010): Elaboração da pergunta norteadora, busca na literatura, coleta
de dados, análise crítica dos estudos incluídos, discussão dos resultados e apresentação
da revisão integrativa. Este rigor metodológico é necessário para que o produto oriundo
da revisão integrativa possa trazer contribuições relevantes tanto para a ciência e como
para a prática clínica.
A revisão integrativa proporciona que o leitor reconheça os profissionais que
mais investigam determinado assunto, separar o achado científico de opiniões e idéias,
além de descrever o conhecimento no seu estado atual, estimulando o impacto sobre a
prática clínica. Este método de pesquisa leva aos profissionais de saúde dados relevantes
de um determinado assunto, em diferentes lugares e momentos, mantendo-os atualizados
e facilitando as mudanças na prática clínica como conseqüência da pesquisa.
A revisão integrativa da literatura também é um dos métodos de pesquisa
utilizados na prática baseada em evidências (PBE) que permite a incorporação das
evidências na prática clínica. Esse método tem a finalidade de reunir e sintetizar
resultados de pesquisas sobre um delimitado tema ou questão, de maneira sistemática e
ordenada, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento do tema investigado.
Desde 1980 a revisão integrativa é relatada na literatura como método de pesquisa
(ROMAN, 1998).
O revisor analisa criticamente os critérios e métodos empregados no
desenvolvimento dos vários estudos selecionados para avaliar se são válidos
metodologicamente. Esse processo resulta em uma redução do número de estudos
incluídos na fase final da revisão. Os dados coletados dessas pesquisas foram analisados
de maneira sistemática. Finalmente os dados são interpretados, sintetizados e conclusões
são formuladas originadas dos vários estudos incluídos na revisão integrativa
(ARMSTRONG, 2011).
A questão norteadora da pesquisa foi: Qual o estado da arte da produção
científica nacional e internacional sobre a importância da inserção social dos usuários de
álcool e droga?
O processo de coleta do material foi realizado de forma sistemática no período
de janeiro de 2014 a abril de 2014 Foram pesquisadas bases de dados científicas, tais
como: Scielo, Medline, Lilacs, Pubmed e Psycinfo. O banco de dados foi sendo
complementado com materiais indicados por especialistas na temática. Primeiramente,
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realizou-se a leitura do título e resumo do material encontrado. Por fim, estes materiais
foram lidos na íntegra, categorizados e analisados criticamente.
Utilizou-se o cruzamento dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS):
“usuário de drogas”, “transtorno amnésico alcoólico” e “serviços de saúde mental”. Os
critérios de inclusão (filtros) obedecidos foram: 1- literaturas disponíveis na íntegra, 2artigos originais, 3- assunto principal drogas, 4- artigos publicados em português, inglês
e espanhol, 5- publicações nos últimos 10 anos. Com isto, levantou-se 15 literaturas.
Durante o segundo momento, que se configura o levantamento dos dados manuais, foram
selecionadas as fontes de acordo com a análise crítica reflexiva processada via leitura do
título, resumo e palavras-chave encontradas nos artigos. Sanaram-se as dúvidas mediante
apreciação dos artigos na íntegra.
Foram considerados como critérios de exclusão: 1- não abordar questões
relacionadas diretamente a temática, 2- repetição de estudos. Assim, dos 15 artigos
originais, 04 foram excluídos e 11 compuseram a amostra da literatura para análise deste
estudo. O processo de seleção das publicações foi desenvolvido por duas revisoras de
forma independente
Considerando-se os aspectos éticos, nesta revisão integrativa é garantida a
autoria dos artigos pesquisados, de forma que todos os estudos utilizados são
referenciados. Por não envolver seres humanos, não foi necessária a aprovação do projeto
de pesquisa em Comitê de Ética em Pesquisa.
4- Resultado e Discussões
O consumo de álcool e outras drogas está inserido no cotidiano de grande parte
da população mundial. Tal realidade está associada a uma série de outras situações de
risco à saúde e vem sendo observada em diferentes países, em todos os continentes.
A exclusão e a ausência de políticas específicas que marcaram a saúde pública
brasileira demonstram a necessidade de reversão dos modelos assistenciais para
contemplar as reais necessidades dos usuários que apresentam transtornos decorrentes do
consumo de álcool e drogas. O desafio de formular uma política específica de prevenção,
tratamento e reabilitação numa lógica que permita a singularidade e a reinserção social
dos indivíduos tem sido tema dos diversos estudos nessa área.
Os artigos analisados não utilizam o conceito de reabilitação psicossocial na
prevenção ou tratamento de transtornos associados ao consumo de álcool e drogas. A
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maioria dos estudos utiliza o conceito de suporte/apoio social como fundamental ao
tratamento de transtornos associados ao consumo de álcool e drogas. Outros tratam da
relação entre "desordem mental" e consumo de álcool e drogas, afirmando que indivíduos
com desordem mental são prevalentes nos programas de tratamento para o abuso de
substâncias.
Na realidade o atendimento aos portadores de transtorno mental e usuário de
álcool e drogas ainda é feito de forma fragmentado onde ainda não se presta uma
assistência holística tal fato foi comprovado através da leitura dos artigos onde se busca
ainda a necessidade destes pacientes serem tratados de uma forma mais humana
respeitando os seus direitos e deveres como cidadão.
Desde a década de 1980, a partir da RP e da consolidação do SUS, a concepção
sobre as drogas mostra-se mais ampliada no discurso político. Só que as práticas ainda se
mostram desintegradas, formuladas e realizadas setorialmente. Como consequência, estas
práticas acabam por não atingir as diferentes realidades em que estão inseridos os atores
que compõe a rede assistencial.
Em alguns casos observa-se os pressupostos do modelo hospitalocêntrico
prevalecendo ao modelo psicossocial mesmo com a reforma psiquiátrica o usuário de
álcool e drogas ainda é visto como uma mazela social e ainda é assistido dentro de um
modelo curativista onde apenas são amenizados sinais e sintomas nos momentos de crises
de abstinência ou nos comas alcoólicos. A nossa rede de atenção psicossocial ainda esta
necessitando de um enfoque mais voltado para promoção e prevenção da saúde.
Os estudos enfatizam que o suporte social no tratamento pode auxiliar na
remoção de atritos e melhorar a interação interpessoal dos usuários e a sociedade. Isso
pode o ajudar a manter a abstinência e a assumir um novo papel social, como também o
respeito perante a sociedade (MALHOTRA et al., 2001). Tal conceito aproxima-se da
noção de reabilitação psicossocial como promoção da autonomia e da reinserção social
dos indivíduos.
Os grupos de ajuda mútua – Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos –
representam outra forma representativa de organização da sociedade civil na rede de
atenção sobre drogas. Não existem dados definitivos sobre a eficácia destes grupos,
estando sujeitos a interpretações muito divergentes. Entretanto, para responder
adequadamente à pluralidade de danos associados ao abuso de drogas e para atingir maior
efetividade na oferta assistencial, é importante considerar uma pluralidade de
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dispositivos, como os grupos de ajuda mútua e as CTs, mas também o suporte hospitalar
para episódios de desintoxicação, serviços ambulatoriais e residenciais em diferentes
modalidades de intensidade.
Este protagonismo da sociedade civil na resolução das mazelas sociais é fruto de
uma agenda neoliberal que predomina no cenário político e econômico brasileiro desde o
final da década de 30. Ademais, no tocante ao tratamento dos usuários de drogas,
permeiam discursos religiosos, moralizantes e jurídicos fixados em um horizonte de cura
ou abstinência. Assim, a exclusão e o asilamento em CTs são as alternativas viáveis, ao
passo de um constante silenciamento do próprio usuário e uma enorme dificuldade em se
debater formas de cuidado como a redução de danos.
Nesse caldeirão de fatores instituiu-se uma confluência perversa, uma vez que a
mobilização da sociedade a partir da conformação de associações e organizações não
governamentais foi potencializada por perspectivas democráticas e, ao mesmo tempo, foi
e continua a ser empregada como transferência de responsabilidades. A ideologia da
participação ou tomada para si da resolução das questões sociais (como o uso de drogas)
pode terminar por construir alternativas que contribuam não para um real
redimensionamento do problema, mas para a individualização da questão e a adoção de
modelos que se afastem dos preconizados pelo SUS e RP. Portanto, questiona-se o
esvaziamento das responsabilidades do Estado em fornecer as condições para o cuidado
aos usuários de drogas, necessitando melhores investimentos no setor público, ao invés
de aumentar os investimentos na iniciativa privada, o que contribui para o
enfraquecimento dos serviços públicos como principais estratégias assistenciais na área.
Se a psiquiatria, assim como outras especialidades envolvidas no tratamento do
transtorno mental, assume a dimensão política de seu saber sua insuficiência, e também
a incurabilidade da doença mental (AMARANTE, 1998) abre-se espaço para olhar o
doente como um cidadão de existência complexa,multidimensional, portador de história
e construtor de sentidos e valores. Abre-se espaço para buscar o cuidado ao invés da cura.
Quanto ao cuidado é pressuposto não ser operado
exclusivamente pelo
psiquiatra, mas por todo profissional do campo da saúde mental, pelo meio social e pelo
próprio paciente. A despeito da incurabilidade da doença, a proposta do cuidado encontra
fundamento no entendimento de que é possível produzir saúde. Canguilhem (2002) já nos
mostrou essa inflexão: saúde e doença não são fenômenos opostos perfeitos se
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compreendemos a saúde como uma produção cotidiana de mais saúde e por melhores
formas de vida.
Sob essa perspectiva, justifica-se, na construção de um modelo assistencial
complexo e integral, recorrer tanto a dispositivos assistenciais quanto não assistenciais.
Nesse sentido, hoje dispomos de várias possibilidades que visam constituir uma rede
articulada. No entanto, como já apontamos, a heterogeneidade dos embasamentos que
informam a política de saúde mental brasileira nos impõe certo impasse. Até agora essa
política tem se construído em torno da proposta da Declaração de Caracas de
“reestruturação” da assistência, configurando o que sugerimos denominar, como recurso
didático, “aspecto externo” do modelo assistencial, ou seja, aquele que diz respeito à
constituição dos serviços enquanto uma rede dinâmica, coesa, articulada e complexa,
tanto internamente quanto na relação com a comunidade (BRASIL, 2004).
A formulação da política de saúde mental deve estar sempre no gerúndio em
qualquer desses espaços ora chamados de níveis de gestão, ora chamados de “ponta”.
Enfim, devem ocorrer em espaços diferenciados sempre compondo um processo uno. A
constatação mais clara diante da análise dos documentos normativos é o fato de o modelo
assistencial em saúde mental ser recém-nascido enquanto um conjunto diversificado de
dispositivos que contemplem mais que o binômio hospital-ambulatório. A expansão dos
CAPS e a criação de financiamento para outras estruturas, tanto assistenciais quanto não
assistenciais, são ainda recentes. Seria cedo para fazermos críticas a esse modelo e para
concluir se tem ou não funcionado como uma rede complexa e articulada, se não fosse
uma das premissas primeiras da proposta da desinstitucionalização: a do questionamento
como processo cotidiano de análise do trabalho.
O trabalho
de desinstitucionalização não
pode remeter apenas
ao
político,jurídico, teórico-conceitual e sócio-cultural. Não pode esquecer de dar
visibilidade e conferir concretude ao técnico-assistencial – atravessado pelas outras
dimensões, o que implica diferentes modos de olhar para a organização dos dispositivos
assistenciais, externamente e internamente.
Temos concentrado nossos estudos nos processos de mudança que vêm
ocorrendo na atenção psiquiátrica, ressaltando a importância da incorporação deles à
formação da equipe. A concepção do trabalho em equipe interdisciplinar introduzida com
as mudanças preconizadas, as noções de acolhimento e de escuta terapêutica, os planos
terapêuticos individualizados, a reabilitação psicossocial, entre outros, têm exigido uma
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requalificação e expansão dos papéis dos profissionais na prestação do cuidado em saúde
mental.
As práticas terapêuticas que visam reabilitação do indivíduo em sofrimento
psíquico resgatam um trabalho com características coletivas que prevê intervenções
multidisciplinares que incluem a participação da família e do indivíduo. Além de
reafirmar as características do processo de trabalho mais coletivas com relação ao objeto
de trabalho, aos instrumentos, as práticas, aos espaços e à finalidade, evidencia uma
perspectiva multidisciplinar. Os espaços coletivos de grupos, oficinas, assembléias,
reuniões de equipe, atividades de lazer, núcleo familiar, entre outros, apontam para um
processo de trabalho organizado a partir de uma lógica dos múltiplos modos de saber
fazer e suas possíveis interconexões.
Podemos identificar, através da revisão sistemática, um processo de trabalho nos
Caps com características coletivas com relação ao objeto de trabalho que deixa de ser
centralmente a doença e mesmo o corpo e a mente do indivíduo para constituir-se
enquanto um sujeito de desejos, contradições e contextualizado em determinado grupo
familiar e social.
Em relação s práticas de trabalho que passam a se utilizar das oficinas, grupos,
assembléias, que, apesar de englobar as práticas individuais como psicoterapias, manejos,
psicofármacos, as toma em relação ao todo do sujeito enquanto ser social, numa
perspectiva ampliada incluindo à atenção família, incorporando atividades de lazer e
interfaces com a atenção básica. A perspectiva de trabalho para o enfermeiro insere-se
em uma prática ampliada que extrapola significativamente os recursos tradicionais (como
a comunicação e o relacionamento terapêutico, o atendimento individual, a administração
de medicamentos, entre outros) utilizados no trabalho de enfermagem enquanto saberes
que subsidiavam práticas manicomiais (KANTORSKI et al., 2004).
Estes saberes são históricos e, portanto, se contextualizam no Caps no interior
do modo psicossocial. A consideração de que a loucura não é um fenômeno
exclusivamente individual leva à inclusão da família e do grupo ampliado, requerendo
como meio de trabalho a equipe interprofissional visando uma ação integral ao sujeito
(COSTA-ROSA, 2000).
Com relação aos instrumentos como técnicas grupais, entrevista, acolhimento,
cuidados com a medicação, comunicação terapêutica, técnicas expressivas, artísticas,
entre outras, destacamos que os profissionais de saúde mental lançam mão do saber
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acumulado na profissão, porém existe uma certa plasticidade no seu fazer que é exigida
no cotidiano do trabalho no CAPS ad oferta de múltiplas oficinas, o intercâmbio entre os
profissionais, o cuidado família, o trânsito entre atividades de cuidado, administração e
mobilidade de cenários, como o elo com a atenção básica requerem flexibilização no fazer
do profissional de saúde mental.
Ocorrem mudanças também na finalidade do processo de trabalho do
enfermeiro, quando o espaço é o CAPS, pois esta passa a se constituir na reabilitação
psicossocial que inclui a reinserção do sujeito nas atividades diárias da casa, no mundo
do trabalho (seja através de um trabalho protegido ou numa oficina) e nos espaços
comunitários (ricos de relações, de trocas, de posicionamentos). Este desafio é assumido
cotidianamente nas atividades de cuidado como no acompanhamento do almoço, nas
festas e atividades sociais, nas oficinas e grupos enquanto espaços terapêuticos e de
socialização entre outros.
Ao se retomar Marx para pensar as contradições do trabalho alienado no
capitalismo, constatamos que as condições para que o trabalho possa se constituir como
vetor de existencialização são muito reduzidas e até inexistentes. O desafio dos espaços
de expressão e produção coletiva consiste em estabelecer novas e melhores conexões
entre a produção desejante e a produção da vida material, transformando-se em espaços
de construção de territórios existenciais (RAUTER, 2000).
A institucionalização de saberes e sua organização em práticas ocorre mediante
a conformação de núcleos e de campos. O núcleo consiste nos conhecimentos e na
conformação de um determinado padrão das práticas com a produção de valores de uso
destes, demarcando a identidade de uma área de saber e de sua prática profissional; e já o
campo consiste num espaço de limites imprecisos em que cada disciplina e profissão
busca em outras o apoio para cumprir suas tarefas teóricas e práticas (CAMPOS, 2000).
O núcleo de cada profissão, no caso também aquele conhecimento específico de
cada profissional é preservado e ampliado nos serviços substitutivos, as interconexões
objetivando-se no campo da reabilitação psicossocial.
Ressaltamos uma realidade em movimento em que se introduzem tecnologias e
instrumentos de abordagem e intervenção no sofrimento psíquico, construídos ou
redimensionados no interior do processo de reforma psiquiátrica, que poderão ser
incorporados ao cotidiano do trabalho e à formação dos trabalhadores de saúde mental
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que visam o bem estar e a qualidade de vida dos portadores de transtornos mentais e
usuários de álcool e drogas.
5- Considerações Finais
No contexto de implantação do CAPS ad e do modo de assistir dentro de um
contexto psicossocial o usuário portador de transtorno mental e/ou usuário de álcool e
drogas, define-se um 'saber fazer' dotado de relativa autonomia pertinente ao processo
criativo que se materializa no momento do ato do trabalho em saúde.
As opções teórico-metodológicas e ideológicas adotadas na prática dos serviços
e do ensino podem favorecer a conformação de saberes e práticas manicomiais e de
transformação destes. Tais opções devem possibilitar a reflexão crítica acerca da
definição do objeto de trabalho - o indivíduo portador de sofrimento psíquico, a família,
os grupos - e das tecnologias adotadas com vistas a redimensionar o cuidado em saúde
mental.
No presente estudo através da revisão sistemática comprovamos que os
profissionais dos centros de atenção psicossocial estudados destacaram em sua prática
cotidiana atividades como: acolhimento; atendimento a familiares; grupo de medicação;
interação e vínculo com os pacientes; acompanhamento de refeições; participação e
coordenação compartilhada de oficinas; coordenação e participação da assembléia;
intervenções multidisciplinares; reuniões de equipe; acompanhamento do usuário
atividades de lazer; promoção do elo entre a atenção básica e o serviço; coordenação;
avaliação de enfermagem; atendimento individual; preparo e supervisão da administração
de medicamentos; registro em prontuário; atividades administrativas; supervisão e
capacitação dos auxiliares e técnicos de enfermagem como instrumentos essenciais para
implantação e construção de uma assistência de qualidade pautada nas diretrizes da
política de saúde mental do Ministério da Saúde.
Consideramos que a força do estudo impõem uma analise crítica das políticas de
saúde mental. Assim, apesar da ênfase normativa/legal de construção da Reforma
Psiquiátrica e, consequentemente, reordenação da atenção em saúde mental no Brasil, o
que se observa são os limites à realização dessa tecnologia, dados pelas políticas centrais
de privilégio do capital. Conforme descrito anteriormente, a heterogeneidade é de
fundamental importância na problemática complexa do consumo de álcool e outras
drogas, uma vez que afeta as pessoas de distintas maneiras e por diferentes razões. Dessa
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forma , a estratégia da reabilitação psicossocial surge como uma resposta às diversas
necessidades do usuário, respeitando sua singularidade, a partir da construção de um
projeto terapêutico que esteja atento à ocorrência de uma ou mais desordens, pois
conforme visto nos estudos analisados, o indivíduo que não tem diagnosticada a
comorbidade psiquiátrica apresentará maiores dificuldades de adesão ao tratamento.
Diante desta realidade o estudo mostrou que precisamos mudar este cenário
brasileiro no que tange as políticas públicas de saúde mental de forma que tanto os
profissionais de saúde como a família do paciente e gestão estejam envolvidos em uma
assistência de qualidade que prime pela reinserção social deste indivíduo que precisa ser
respeitado como ser humano e cidadão.
Destacamos que providências radicais devam ser tomadas para a construção de
uma cultura psicossocial: nos campos da formação, da admissão e da participação dos
trabalhadores dos planos e projetos de gestão referentes à política de saúde mental. Mais
explicitamente, nos referimos ao efetivo comprometimento dos gestores na formação de
profissionais para a saúde e saúde mental; na realização sistemática de concursos públicos
e com direcionamento dos conteúdos ao serviço específico que será prestado por cada
categoria profissional. E, por fim, considerar a construção das ações de saúde como
resultante de uma pactuação social visando um redirecionamento das políticas de saúde
mental de forma que o usuário ele possa ser visto como ser humano e cidadão dotado de
direitos e deveres.
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1258
A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL DO INSTITUTO
FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA-CAMPUS
CRATO/CEARÁ
Maria Lucileide Costa Duarte1
Maria Albaneide Fortaleza2
Resumo
A educação, na legislação brasileira, constitui-se um direito fundamental, universal,
inalienável. É um instrumento na luta pelos direitos de cidadania e pela emancipação
social. Para a consecução dessas prerrogativas, os governos são instados a garantir a
inclusão e a permanência por intermédio de medidas assistenciais. No que se refere a rede
de educação profissional é perceptível, nos últimos anos, a ampliação de vagas e a
diversificação das ofertas de ensino, necessitando ampliar ações que promovam a
permanência de muitos jovens de situações socioeconômicas diferenciadas em seus
cursos. O presente estudo objetiva apresentar a Política de Assistência Estudantil- PNAES
do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia campus Crato acerca de algumas
ações desenvolvidas pelo Serviço Social. É uma pesquisa bibliográfica e a metodologia
utilizada consistiu em leitura de livros, artigos, leis, decretos e coleta de dados estatísticos
fornecidos pelo Serviço Social do campus no período de 2011 a 2014.. Concluímos com
esse estudo que as ações da política de assistência estudantil no IFCE campus Crato tem
avançado gradualmente no decorrer do tempo. A partir dos dados obtidos, percebemos
um aumento considerável na concessão de auxílios que contribuíram no suprimento de
algumas necessidades básicas não atendidas anteriormente pelo cidadão.
Palavras- chave: Serviço Social. Educação Profissional. Programa Nacional de
Assistência Social.
1- Introdução
A inserção do Assistente Social na Política Social de Educação se revela como
uma parceria relevante que aglomera esforços na busca de soluções que abrandem as
expressões da questão social estabelecidas na educação pública, sobretudo no que tange
ao acesso e permanência do estudante na escola.
A rede federal de ensino tem ampliado o número de vagas e cursos em suas
instituições possibilitando o ingresso de inúmeros jovens provenientes das mais diversas
estruturas familiares. Consequentemente, diversos problemas sociais passam a fazer parte
da rotina dos profissionais vinculados diretamente ao processo ensino- aprendizagem. Daí
1
Assistente Social do Instituto Federal Campus Crato-CE. E-mail: [email protected].
2
Assistente Social da Secretaria do Trabalho e Inclusão Social e Professora da Escola de Ensino Médio de Campos
Sales, ambos localizados na cidade de Campos Sales-CE. E-mail: [email protected]
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1259
surgindo a necessidade de uma equipe multiprofissional para planejar, executar e
monitorar ações que favoreçam a permanência e o êxito do estudante.
Nesse contexto, o Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia campus Crato
implantou o Serviço Social em 07 de janeiro de 2010 para lidar com as mais diversificadas
situações apresentadas no cotidiano. Atualmente, há dois assistentes sociais lotados no
Departamento de Assuntos Estudantis- DAE que é vinculado à Diretoria de Ensino. A
Instituição oferta 01 curso técnico em agropecuária integrado ao ensino médio, 01 curso
Técnico em Informática para Internet integrado ao ensino médio, 01 curso Técnico em
Agropecuária pós-médio (subsequente)
e 02 cursos de nível superior, sendo um
Bacharelado em Zootecnia e outro Bacharelado em Sistema da informação. Segundo o
Sistema de Gestão Q-Acadêmico, há 753 alunos regularmente matriculados no ano de
2015.
Dentre os programas existentes no IFCE há o Programa Nacional de Assistência
Estudantil- PNAES que tem por finalidade ampliar as condições de permanência dos
jovens da educação superior, abrangendo os Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia. Muitas de suas ações estão sob a responsabilidade do assistente social.
Para descrever a atuação desse profissional nessa Instituição no âmbito do
PNAES, iniciaremos uma abordagem sucinta sobre o Serviço Social na Educação. Em
seguida, faremos uma breve apresentação sobre a Educação Profissional, posteriormente
trataremos da Política de Assistência Estudantil e da Caracterização das Modalidades e
Distribuição de Auxílios aos discentes sob a responsabilidade do Serviço Social. Para
finalizar manifestaremos as Considerações Finais.
2 - Serviço Social na Educação
O Serviço Social é tido como uma profissão inscrita na divisão social e técnica
do trabalho e surge nos anos 30 da iniciativa de grupos e frações de classes dominantes,
que se expressam através da igreja. É uma profissão regulamentada no Brasil pela Lei
3.252/1957, revogada posteriormente pela Lei 8.662 de 07 de junho de 1993, Código de
Ética do Profissional do Assistente Social de 1993 e o Projeto Ético-Político do Serviço
Social. Convém lembrar que o profissional de Serviço Social atuava tanto nas demandas
do Estado como nas organizações vinculadas à igreja católica. Suas ações tinham um
caráter assistencialista, clientelista, paternalista, fundamentadas no aspecto da caridade e
ajuda ao próximo. Com o avanço das ciências sociais, a profissão se renova e se torna
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1260
uma atividade cada vez mais requisitada no mercado de trabalho público e privado.
Assim, o assistente social não fica restrito somente a área da assistência social, mas às
áreas da habitação, saúde, jurídica, educação e outras mais. Em linhas gerais, as novas
demandas que se instauram na área educacional nos faz refletir, por meio do agir
profissional do assistente social, sobre a necessidade, na contemporaneidade, de se
capacitar para a veiculação e efetivação dos direitos de seus usuários frente às demandas
e respectivas expressões da questão social.
Pensar o Serviço Social na contemporaneidade requer os olhos abertos para o
mundo contemporâneo para decifrá-lo e participar da recriação (...) é nessa
perspectiva que se inquire a realidade buscando, pelo seu deciframento, o
desenvolvimento de um trabalho pautado no zelo pela qualidade dos serviços
prestados, na defesa da universalidade dos serviços públicos, na atualização
dos compromissos éticos-políticos com os interesses coletivos da população
usuária (IAMAMOTO, 2005, p.19-20).
Em se tratando da educação, o direito e o acesso à escola são assegurados em
documentos legais, tais como a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do
Adolescente de 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, dentre outros.
Com as transformações culturais, sociais, políticas e econômicas mundiais e as novas
demandas no âmbito escolar tornou-se necessária a inclusão de uma equipe
multiprofissional para lidar com as diversas expressões da questão social que passaram a
fazer parte do contexto escolar. E nessa equipe se inseriu o assistente social. Para
Iamamoto(1982),
A questão social não é senão as expressões do processo de formação e
desenvolvimento da classe operária e seu ingresso no cenário político da
sociedade, exigindo o seu reconhecimento como classe por parte do
empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da
contradição entre o operariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos
de intervenção, mas além da caridade e da repressão. O Estado passa a intervir
diretamente nas relações entre o empresariado e a classe trabalhadora,
estabelecendo não só a regulamentação jurídica do mercado de trabalho,
através da legislação social e trabalhista específicas, mas gerindo a organização
e prestação dos serviços sociais, como um novo tipo de enfrentamento da
questão social (IAMAMOTO, 1982, p. 77).
É no interior da escola, no cotidiano dos alunos e de suas famílias, que se
configuram as diferentes expressões da questão social, tais como o desemprego,
subemprego, trabalho infanto-juvenil, baixa renda, fome, desnutrição, problemas de
saúde, habitações inadequadas, drogas, pais negligentes, famílias multiproblemáticas,
violência doméstica, pobreza, desigualdade social, exclusão social, etc. As demandas
emergentes e resultantes da questão social é que justificam a inserção do profissional do
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Serviço Social, que se insere nesse espaço com o objetivo de recebê-las e encaminhá-las.
O assistente social tem a possibilidade de contribuir com a realização de pesquisas de
natureza socioeconômica e familiar, elaborar e executar programas de orientação sócio
familiar, visando prevenir a evasão escolar e melhorar o desempenho e rendimento do
estudante, articular-se com instituições públicas, privadas, assistenciais com vistas ao
encaminhamento de pais e discentes para atendimento de suas necessidades. Ainda,
conforme o CFESS (2001), os problemas sociais a serem trabalhados pelo assistente
social na política de educação são: baixo rendimento escolar; evasão escolar; desinteresse
pelo aprendizado; problemas com disciplina; insubordinação a qualquer limite ou regra
escolar; vulnerabilidade às drogas, atitudes e comportamentos agressivos e violentos
(CFESS, 2001, p.23). Pode também, identificar outros elementos que o cotidiano escolar
não está isento em absorver e desenvolver uma gama de ações, cujas atividades está
habilitado a realizar no exercício de sua profissão. Para ilustrar, a Lei nº 8.662/1993
preconiza em seu Art. 4º -Constituem competência do Assistente Social: (...) XI- “realizar
estudos socioeconômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto
a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras
entidades”( CFESS, 2011, p. 45).
Com a expansão de vagas e cursos na educação profissional da rede federal,
houve a necessidade de inserção de profissionais, dentre eles o assistente social. A
justificativa para incursão desse profissional se fundamenta na questão social que é a base
de sua fundação como especialização do trabalho. Nesse caso, com essa ampliação
muitos jovens não conseguem conciliar estudo e trabalho e são forçados à abandonarem
seus cursos. Dessa forma, é necessária a criação de programas, projetos, ações que
contribuam para a fixação do discente na Instituição. E em muitas das ações exige-se o
trabalho do assistente social. Ou seja, amplia-se o campo ocupacional desse profissional
no contexto do mercado de sistema capitalista. Para compreender um pouco a educação
profissional na qual o assistente social está inserido, discorreremos logo a seguir.
3 - Breve Histórico da Educação Profissional
A maioria das Instituições que compõem a Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica são originárias das 19 Escolas de Aprendizes
Artífices criadas em 1909 pelo então presidente Nilo Peçanha. No ano de 1937 essas
escolas são transformadas em Liceus Industriais. Em 1942 passam a se chamar escolas
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industriais e técnicas e, em 1959, escolas técnicas federais. No percurso dessa história,
vai se formando uma rede de escolas- Escolas Agrotécnicas Federais- com base no
modelo Escola-Fazenda e vinculadas ao Ministério da Agricultura.
No ano de 1967, as mesmas passam para o Ministério da Educação e Cultura
tornando-se escolas agrícolas. No ano de 1978, as escolas do Rio de Janeiro, Minas Gerais
e Paraná são transformadas em centros federais de educação tecnológica (Cefet),
equiparando-se, no âmbito da educação superior, aos outros centros universitários.
Durante a década de 90, várias outras escolas técnicas e agrotécnicas federais tornam-se
Cefet, formando a base do sistema nacional de educação tecnológica, instituído em 1994.
Em 29 de dezembro de 2008, por meio da Lei nº 11.892, foi criado no âmbito do
Ministério da Educação um novo modelo de educação profissional e tecnológica. Foram
criados os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia que se propõem a
atender às demandas crescentes por formação profissional, disseminação do
conhecimento científico e suporte aos arranjos produtivos locais.
A respeito dos Institutos Federais, Pacheco(2011) menciona:
Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia são a síntese daquilo
que de melhor a Rede Federal construiu ao longo de sua história e das políticas
de educação profissional e tecnológica do governo federal. São caracterizados
pela ousadia e inovação necessárias a uma política e a um conceito que
pretendem antecipar aqui e agora as bases de uma escola contemporânea do
futuro e comprometida com uma sociedade radicalmente democrática e
socialmente justa. (PACHECO, 2011, p.12)
Já a autora Otranto (2011) chama a atenção de sua estrutura diferenciada.
Os Institutos Federais devem constituir-se como centros de excelência na
oferta de ensino das ciências, em geral, e de ciências aplicadas, em particular
[...] Os IFs sintetizam, hoje, a expressão maior da atual política pública de
educação profissional brasileira, e estão produzindo mudanças significativas
na vida e na história das instituições que optaram por aderir à proposta
governamental” (OTRANTO, 2011, p. 11-12).
Nesse contexto, revendo o Plano de Desenvolvimento Institucional 2014-2018,
vemos que a origem do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia- campus
Crato emerge no termo celebrado entre o Governo da União e a Prefeitura Municipal do
Crato para a instalação da Escola Agrotécnica, em conformidade com os artigos 2º e 4º
do Decreto Federal nº 22.470, de 20 de janeiro de 1947, instalando o Ensino Agrícola no
Brasil e os dispositivos do Decreto Lei 9.613 de 20 de agosto de 1946. Em 10 de abril de
1954 foi assinado o termo de instalação da Escola Agrotécnica do Crato vinculada à
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1263
Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário – SEAVE do Ministério da
Agricultura. As atividades se iniciaram com a implantação do curso de Tratorista.
Dessa época até o ano de 2009 quando se tornou campus do IFCE, diversas
reestruturações político-administrativas do Governo Federal provocaram mudanças nas
vinculações desta Escola às Secretarias dos Ministérios. Através do Decreto 60.731, de
19 de maio de 1967, o Colégio Agrícola de Crato foi transferido do Ministério da
Agricultura para o Ministério da Educação e Cultura. A SEAVE por sua vez foi
transformada em Diretoria do Ensino Médio. Em seu percurso histórico esta Escola esteve
vinculada a diversas secretarias do Ministério da Educação que nasceram e se extinguiram
por razões administrativas. Vinculou-se à Coordenação Nacional de Ensino Agrícola, à
Coordenação Nacional de Ensino Agropecuário, à Secretaria de Ensino de 2º Graus e
atualmente por ser campus do IFCE está vinculado à Secretaria de Educação Profissional
e Tecnológica (SETEC). As denominações desta unidade também passaram por
alterações. Originou-se com o nome de Escola Agrotécnica do Crato, depois, pelo Decreto
53.558 de 13 de fevereiro de 1964 mudou para Colégio Agrícola do Crato.
Posteriormente, pelo Decreto 83.935 de 04 de setembro de 1979, passou a denominar-se
Escola Agrotécnica Federal de Crato, última denominação antes de se transformar em
campus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia- IFCE. (PLANO..., 2013,
p. 12).
O IFCE campus Crato oferta o curso Técnico em Agropecuária Integrado ao
Ensino Médio; Técnico em Agropecuária pós-médio (subsequente) e o Técnico em
Informática para Internet Integrado ao Ensino Médio. Em alusão à Graduação há o Curso
Bacharelado em Sistemas da Informação e o Bacharelado em Zootecnia. Quanto ao tipo
de regime escolar, o campus Crato oferece três alternativas para os estudantes. São elas:
a residência estudantil para os alunos do nível médio de sexo masculino, semirresidência
e o regime externo, em que o discente deixa de permanecer no espaço estudantil após o
turno de aula.
4- A Política de Assistência Estudantil
Historicamente, a assistência estudantil se revela na criação das moradias
estudantis e restaurantes universitários. A ampliação do apoio estudantil ocorre nos anos
70 com a criação do Departamento de Assistência Estudantil- DAE, vinculado ao
Ministério da Educação- MEC, que priorizava os programas de alimentação, moradia,
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1264
assistência médica e odontológica. Nessa década, com a crise econômica mundial e o
avanço do neoliberalismo, houve não só a desresponsabilização do Estado acerca da
educação, bem como a questão do financiamento das garantias dos direitos sociais em
geral.
Nos anos 80, vários movimentos eclodem na sociedade em prol da
redemocratização do país e dentre eles surgem duas grandes frentes políticas de
discussões sobre as questões educacionais, sobretudo àquelas referentes à assistência
estudantil. Trata-se, segundo Vasconcelos (2010), do Fórum Nacional de Pró-reitores de
Assuntos Comunitários e Estudantis- FONAPRACE em 1987 e a Associação Nacional
dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior- ANDIFES criada em 1989.
A autora menciona que as frentes tinham por finalidade a promoção da integração
regional e nacional das instituições de ensino superior, com objetivo de garantir a
igualdade de oportunidades, proporcionar condições básicas para a permanência e
conclusão do curso.
A ANDIFES desde que foi criada apresentou preocupação com a
institucionalização, manutenção e implementação de políticas públicas referentes à
assistência estudantil. O FONAPRACE , seu órgão assessor, providenciou estudos e
pesquisas visando identificar o perfil socioeconômico dos estudantes das Instituições
Federais de Ensino superior nos períodos de 1996-1997, 2003-2004 e 2010-2011. O
FONAPRACE considerou em 1997 que os alunos das “categorias C, D e E” compõem “a
demanda potencial da assistência ao estudante”. Encontram-se nessas categorias 44,3%,
42,8% e 43,7% dos estudantes das Universidades Federais nas pesquisas de 1996/7,
2003/4 e 2010, respectivamente, que necessitam de algum tipo de assistência estudantil:
alimentação, moradia, bolsa de trabalho, atendimento médico-odontológico, psicológico,
etc (FONAPRACE, 2011). Com tal diagnóstico foram implementadas ações no sentido
de buscar acesso e principalmente a permanência dos estudantes de condições
econômicas desfavoráveis.
Revendo fatos históricos a partir da década de 80, vemos que alguns serviram de
base para a política de assistência estudantil. Em 1988 é promulgada a Constituição
Federal que em seu Art. 205 consagra a educação como dever do Estado e da Família e
no Art. 206, I apresenta como princípio a igualdade de condições de acesso e permanência
na escola. Em 20 de dezembro de 1996 é aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação- LDB que manifesta dispositivos que amparam a assistência estudantil, entre
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1265
eles se destaca o Art. 3º “ O ensino deverá ser ministrado com base nos seguintes
princípios : I- igualdade de condições para o acesso e permanência na escola...”. O Plano
Nacional de Educação, aprovado em
10 de janeiro de 2001, atendendo a uma
reivindicação direta do FONAPRACE, determina: “a adoção de programas de assistência
estudantil tais como bolsa trabalho ou outros destinados a apoiar os estudantes carentes
que demonstrem bom desempenho acadêmico”. Destacamos também, o Decreto 6.096 de
24 de abril de 2007, que institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais- REUNI, em seu Art. 1º “tem por objetivo criar
condições para ampliação de acesso e permanência na Educação Superior...; e em seu Art.
2º item V, a afirmativa de que o Programa terá as seguintes diretrizes, dentre outras:
ampliação de políticas de inclusão e assistência estudantil. Dessa maneira, chegou-se a
proposta do Plano Nacional de Assistência Estudantil, em julho de 2007, que acrescido
ao Plano apresentado pela ANDIFES, deu base para a Portaria n° 39 de 12 de dezembro
de 2007, que institui o Programa Nacional de Assistência Estudantil- PNAES. Em 19 de
julho de 2010 o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, assina o Decreto n°
7.234 que oficializa o referido Programa, na perspectiva de Política de Estado e não
apenas de Governo (ANDIFES, 2012).
Tal programa tem como objetivo viabilizar a igualdade de condições de acesso,
permanência e conclusão e, dessa forma, contribuir para o desempenho acadêmico do
corpo discente. O artigo 4º da Portaria Normativa nº 39, de 12/12/2007, institui que as
ações do PNAES atenderão a estudantes matriculados em cursos presenciais de
graduação, prioritariamente, selecionados por critérios socioeconômicos, sem prejuízo de
demais requisitos fixados pelas instituições de educação superior por ato próprio. Sua
finalidade é ampliar as condições de permanência dos jovens na educação superior
pública federal, abrangendo também os Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia, considerando suas especificidades. Em seu parágrafo primeiro há descrição
de suas ações, que são elas: moradia estudantil, alimentação, transporte, atenção à saúde,
inclusão digital, cultura, esporte, creche, apoio pedagógico e acesso, participação e
aprendizagem de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades e superdotação (BRASIL, 2010).
Acerca do financiamento do PNAES, os dados do MEC informam que no
primeiro ano do Programa foram repassados R$ 125,3 milhões em 2008, seguido de R$
203 milhões em 2009, 304 milhões em 2010. Em 2011 chegou a R$ 400 milhões e em
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1266
2012 foram distribuídos R$ 504 milhões. Esses recursos são repassados às universidades
federais , a fim de serem promovidas as diversas ações (ANDIFES, 2012).
Antes de se tornar IFCE campus Crato, a Instituição já desenvolvia ações no
âmbito da assistência estudantil, como por exemplo: residência, alimentação, transporte,
visitas e viagens técnicas. Com a implantação do PNAES, foram acrescidos auxílios, tais
como: o auxílio óculos, acadêmico, moradia, transporte, visitas e viagens técnicas, préembarque internacional, apoio ao desporto e cultura. Para ilustrar, descreveremos a seguir
algumas das modalidades de auxílios desenvolvidas pela Instituição sob a
responsabilidade do Serviço Social.
5- A Assistência Estudantil do IFCE campus Crato: no âmbito das modalidades de
auxílios sob a responsabilidade do serviço social.
Tecendo sobre a política de assistência estudantil, o IFCE campus Crato
implantou algumas das ações em 2011, em obediência à Resolução, à época, nº 023 de 20
de junho de 2011, que aprovou o Regulamento de Auxílio aos Discentes. Atualmente, o
Regulamento vigente é o aprovado pela Resolução nº 008 de 10 de março de 2014. O
Serviço Social atua no momento, na concessão das modalidades que aludem ao auxílio
transporte, moradia, discentes mães/pais, óculos, acadêmico, apoio ao desporto e a cultura
e pré-embarque internacional. Outros serviços e/ou auxílios são concedidos por outras
coordenações do campus.
Discorrendo acerca do Auxílio Transporte, este se destina a subsidiar a
locomoção diária dos discentes no trajeto residência/campus/residência, durante os dias
letivos. Atualmente, o transporte acontece em forma de serviços e de pecúnia. Essa
modalidade foi implantada no ano de 2011, concedendo 977 auxílios; em 2012 foram
1.209; em 2013, 1.653 e em 2014, 1.955. Verificamos um aumento gradual da
necessidade da implantação dessa modalidade para os discentes, o que vem confirmar
com os dados da pesquisa do FONAPRACE(2011). A mesma revela que excetuando a
região Centro-Oeste, na qual o percentual de estudantes que utilizam transporte próprio
supera o de transporte coletivo (41,8% contra 39,6%), nas demais regiões mais da metade
dos estudantes utilizam transporte coletivo para ir à universidade. Os percentuais mais
altos são verificados nas regiões Norte e Nordeste (64,0% e 61,1%). Vejamos o gráfico a
seguir em alusão ao campus Crato.
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Gráfico 1- Concessão da modalidade de auxílio transporte para os
discentes do IFCE-campus Crato no período de 2011-2014.
2500
2000
1500
1000
500
0
2011
2012
2013
2014
Quantidade
977
1209
1653
1955
Fonte: Primária
Dando sequência ao que se expõe, o auxílio moradia é destinado a subsidiar
despesas com habitação para locação/sublocação de imóveis ou acordos informais, pelo
período de 6 (seis) meses, podendo ser renovado por igual período. A forma concedida
em pecúnia teve início no ano de 2012 com a concessão de 280 auxílios; em 2013, 471 e
em 2014, 456. Revendo a pesquisa realizada pelo FONAPRACE (2011), a maioria dos
estudantes reside com os pais ou companheiros; 25,3% residem em casa de amigos, casa
de familiares, casa mantida pela família, pensão, hotel, pensionato, e/ou república.
Podemos observar que esses dados comprovam a necessidade da oferta de
política de assistência à moradia, a fim de que os discentes tenham condições de iniciar e
permanecer em seu curso. Vale ressaltar que o IFCE campus Crato oferece o serviço de
residência estudantil para 160 discentes do sexo masculino matriculados nos cursos
técnicos integrados ao ensino médio. Observemos o mostra o gráfico abaixo:
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1268
Gráfico 2- Concessão da modalidade de auxílio moradia para os discentes
do IFCE-campus Crato no período de 2012-2014.
500
450
400
350
300
250
200
150
100
50
0
2012
2013
2014
Quantidade
280
471
456
Fonte: Primária
Em alusão à modalidade auxílio discentes mães/pais, esse se destina a viabilizar
a presença do discente mãe/pai às aulas e será destinado a subsidiar despesas com filho(s)
de até 06 anos ou com deficiência, sob sua guarda, durante seis meses podendo ser
renovado por igual período, tendo como foco a permanência do discente. No IFCE
campus Crato essa ação foi implantada no ano de 2012. Foram concedidos nesse ano, 36
auxílios; em 2013 e 2014, foram 120 e 160, respectivamente. Revendo a pesquisa do
FONAPRACE (2011), o percentual de estudantes com filhos vem diminuindo a cada
pesquisa: eram 12,17% em 1996/7, passou para 11,5% e, 2004/5 e caiu mais ainda em
2010, passando a 9,21%. Vejamos o gráfico a seguir referente ao campus Crato:
Gráfico 3- Concessão da modalidade de auxílio discentes mães/pais para
os discentes do IFCE-campus Crato no período de 2012-2014.
180
160
140
120
100
80
60
40
20
0
2012
2013
2014
Quantidade
36
120
160
Fonte: Primária
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1269
Prosseguindo nesse assunto, outra modalidade de auxílio implantada na
Instituição é o auxílio óculos que se destina a subsidiar aquisição de óculos ou de lentes
corretivas de deficiências oculares, respeitando-se a periodicidade mínima de 12(doze)
meses, para nova solicitação. No IFCE campus Crato, em 2011 apenas um estudante foi
contemplado. Já em 2012 foram 06; em 2013 e 2014, 19 beneficiados em cada ano.
Entendemos que a necessidade de uso de óculos ou lentes corretivas tem uma influência
significativa na aprendizagem do aluno, contribuindo para seu êxito educacional.
Verifiquemos o gráfico abaixo:
Gráfico 4- Concessão da modalidade de auxílio óculos para os discentes do
IFCE-campus Crato no período de 2011-2014.
20
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
2011
2012
2013
2014
Quantidade
1
6
19
19
Fonte: Primária
Nesse contexto de ações da assistência estudantil, também temos o Auxílio
Acadêmico que é destinado a contribuir com as despesas de alimentação, hospedagem,
passagem e inscrição dos discentes em eventos que possibilitem o processo de ensinoaprendizagem, tais como: científicos, de extensão e sócio-estudantis. No ano de 2012,
houve 01 estudante contemplado; em 2013, foram 07 e em 2014, 15.
Percebemos que esse aumento de concessão de auxílios pode caracterizar uma
elevação do número de pesquisas nesse campus, estímulo ao estudante na busca de troca
de experiências com outras pessoas e/ou lugares, mesmo que o valor concedido seja
insuficiente para pagamento de todas suas despesas ao se deslocar .
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Gráfico 5- Concessão da modalidade de auxílio acadêmico para os
discentes do IFCE-campus Crato no período de 2012-2014.
16
14
12
10
8
6
4
2
0
2012
2013
2014
Quantidade
1
7
15
Fonte: Primária
A Instituição também dispõe do auxílio de apoio ao desporto e à cultura, que é
destinado aos discentes integrantes de grupos culturais e desportivos do IFCE. Apenas
um estudante foi beneficiado com esse auxílio em 2014.
Além desses, temos também o auxílio pré-embarque internacional, que é
concedido para os discentes que integram programa de intercâmbio internacional, em
parceria ou não com o IFCE. No ano de 2014 um discente foi contemplado.
Vale enfatizar que o trabalho do Assistente Social no IFCE campus Crato não
se resume apenas às ações do PNAES. São desenvolvidas várias atividades que são
pertinentes ao profissional habilitado na respectiva profissão. Podemos mencionar as
visitas domiciliares, encaminhamentos, entrevistas, reuniões, oficinas, acolhimento,
articulação com instituições da rede pública local, campanhas socioeducativas,
articulação intersetorial, levantamento socioeconômico, pesquisas e etc.
6- Considerações Finais
Com esse trabalho verificamos que parte da Política de Assistência Estudantil
do IFCE campus Crato é operacionalizada pelo Departamento de Assuntos EstudantisDAE, o qual aglomera os serviços de nutrição, saúde e serviço social. Cotidianamente,
nos deparamos com um elevado número de estudantes que buscam serviços e auxílios
para auxiliarem no suprimento de suas necessidades. Conforme os gráficos apresentados
no texto desse trabalho, observamos o crescimento gradual das concessões de auxílios
transporte, moradia, discentes mães/pais e óculos para a classe estudantil.
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1271
Entendemos que a assistência estudantil é uma estratégia de bastante relevância,
uma vez que alude ao enfrentamento de problemas de acesso e permanência na instituição
de ensino, em decorrência dos altos índices de abandono e retensão no espaço escolar. É
importante enfatizar que o PNAES além de criar condições para a permanência dos
estudantes em condições de desigualdades, visa a melhoria no desempenho acadêmico
dos estudantes a fim de evitar a repetência e a evasão.
No âmbito da assistência estudantil, o Assistente Social é o profissional que
coordena, executa, monitora , avalia os serviços, programas, projetos e ações e viabiliza
benefícios materiais. Além de trabalhar com coisas materiais, incide também no campo
do conhecimento, valores, comportamentos. Sua atuação dá-se no âmbito das relações
entre classes e desta com o Estado no enfrentamento das múltiplas expressões da “questão
social”, sendo a política social uma mediação fundamental do exercício profissional
voltada para a formulação, gestão, avaliação e financiamento.
Assim, o profissional de Serviço Social como parte integrante da equipe
multiprofissional de ensino, pode contribuir com a melhoria das condições da constituição
do direito à educação pública, sobretudo no processo de inclusão social ao lidar
diretamente com a política de assistência estudantil. Desenvolve-se assim, um trabalho
de universalização de acesso aos bens, programas e serviços da instituição, buscando a
efetivação das leis educacionais de nível médio e superior. Dessa forma, os discentes
atendidos pelo setor de Serviço Social podem superar sua situação de vulnerabilidade e
desenvolver uma participação em busca de sua emancipação.
Referências
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DIRIGENTES DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS
DE ENSINO SUPERIOR- ANDIFES E FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES
DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS- FONAPRACE.2012. Revista
comemorativa 25 anos. Histórias, memórias e múltiplos olhares. Disponível em:
www.prace.ufop.br/novo/pdfs/fonaprace/Revista%20Fonaprace%2025%20anos.pdf
acesso em 31 mar. 2015.
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sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil- PNAES. Disponível em:
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato 2007-2010/2010/Decreto/D7234.htm. Acesso em
31 mar. 2015.
CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL(CFESS). Serviço Social na
Educação. Grupo de estudos sobre o Serviço Social na Educação. Brasília: 2001.
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015
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Profissional do Assistente Social. Lei nº 8662 /93 de regulamentação da profissão.
9ª ed. revista atualizada. Brasília, 2011. 60 p.
FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E
ESTUDANTIS (FONAPRACE). Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de
Graduação das Universidades Federais Brasileiras. BRASÍLIA - 2011.
IAMAMOTO, Marilda Villela; CARVALHO, Raul de. Relações Sociais no Brasil:
esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Celats/Cortez,1982.
IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e
formação profissional. 9ª ed. São Paulo: Cortez, 2005.
OTRANTO, Célia Regina. A Política de Educação Profissional do Governo
Lula: novos caminhos da educação superior. In: REUNIÃO ANUAL DA
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<www.seer.ufu.br/index.php/emrevista/article/view/11361 -42157-1-PB>.
Acesso em 31 ago. 2013.
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1273
ANÁLISE DAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS DE PROMOÇÃO DA
IGUALDADE RACIAL PARA O ACESSO AO ENSINO SUPERIOR
Valter Witalo Nelo Lima1
Arleciane Emilia de Azevêdo Borges2
Maressa Oliveira Teles3
Resumo
Objetiva-se analisar os efeitos da implantação da política de cotas de acesso ao ensino
superior, verificando a sua aceitação e o atingimento dos seus objetivos. O estudo tem
caráter descritivo, investigativo e explicativo mediante pesquisa bibliográfica e sistema
de levantamento com a aplicação de um questionário composto por três questões
subjetivas e dez questões objetivas. A amostra consistiu em 40 estudantes dos 3º, 4º e 5º
períodos do Curso de Serviço Social da Faculdade Leão Sampaio. A análise dos dados
obtidos foi realizada por meio de estatística simples e com o auxílio do software Microsoft
Office Excel 2010. Os resultados do estudo revelam que 21 (52,5%) dos entrevistados
encontraram-se na faixa etária de 18 a 23 anos de idade; 22 (55,0%) consideraram-se da
cor parda; 23 (57,5%) ingressaram no curso superior mediante cotas ou bolsas de
programas universitários; 34 (85,0%) evidenciaram a concordância de que a política de
cotas visa reparar e/ou reduzir determinado problema de suas vidas; 37 (92,5%)
afirmaram a importância da política de cotas no curso. O direito a igualdade deve ser
tratado com prioridade nas políticas sociais, ampliando as possibilidades dos grupos
sociais menos favorecidos, que não possuem garantidos seus direitos fundamentais pela
limitação das oportunidades.
Palavras-chave: Minorias Sociais; Política de Cotas; Ensino Superior.
1 Introdução
Após reivindicações de movimentos políticos e populares, foi publicada em 29
de agosto de 2012 a Lei das Cotas, a qual prevê que 50% das vagas de universidades
federais e instituições federais de ensino técnico de nível médio sejam reservadas para
estudantes de rede pública de ensino e autodeclarados negros (MIRANDA; SILVA,
2014).
No Manifesto em Favor da Lei de Cotas e do Estatuto da Igualdade Racial
(2015), os autores favoráveis a essa política afirmam que a desigualdade de raças no
Brasil já está enraizada historicamente, e que esta desigualdade somente poderá ser
1
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ), João Pessoa, Paraíba, Brasil. Email:
[email protected]
2
Bacharela em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ), João Pessoa, Paraíba, Brasil. Email:
[email protected]
3
Bacharela em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA), Crato, Ceará, Brasil. Email:
[email protected]
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015
1274
alterada significativamente com a aplicação de políticas públicas específicas, e, em
relação à educação, uma escola de ensino básico integral e de boa qualidade.
De acordo com o Manifesto citado, o rendimento acadêmico dos cotistas é, em
geral, igual ou superior ao rendimento dos alunos que entraram pelo sistema universal;
uma vez tida a oportunidade de acesso diferenciado, o rendimento dos estudantes negros
não se distingue do rendimento dos estudantes brancos (MANIFESTO EM FAVOR DA
LEI DE COTAS E DO ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL, 2015).
Os autores contrários às cotas raciais ratificam que a sua adoção nas universidades públicas é uma forma de privilegiar uma determinada raça, havendo uma
distinção entre pessoas em razão da sua cor (CAZELLA, 2012). Esta distinção acaba por
violar o artigo 5º, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ao
afirmar que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...].”
(BRASIL, 2015a).
Os autores contrários às políticas de cotas mostram que a inclusão de negros por
meio das cotas gera conflitos raciais nas universidades e que o critério diferenciador
levantado (raça/cor) para promover esse tratamento diferenciado é um pouco difícil de
ser diferenciado, já que, no Brasil, há uma grande mestiçagem que impede uma definição
exata de quem é negro ou afrodescendente (CAZELLA, 2012).
Os favoráveis às cotas, do Manifesto supracitado, mencionam que os casos de
racismo que surgiram após a implementação das cotas têm sido enfrentados e resolvidos
no interior das comunidades acadêmicas, com eficácia maior do que antes das cotas, assim
como as dificuldades para encontrar critérios seguros para determinar quem é negro não
são suficientes para invalidar sua aplicação (CAZELLA, 2012).
Frias (2012) infere que há duas maneiras de justificar as cotas raciais, como um
problema de retribuição e como um problema de justiça social. Na primeira perspectiva
(adotada pelo Argumento da Compensação pela Escravidão e pelo Argumento do
Racismo que Vem Desde a Escravidão), o foco é no passado, em determinar se o branco
deve algo ao negro e, em caso positivo, como deve pagar por isso. Entretanto, se for
encarada como um problema de justiça social a questão se concentra no presente, em
saber se atualmente os negros estão sendo tratados com igualdade de consideração e se
tem menos oportunidades por causa de estereótipos e racismo. Esta é a base do
Argumento do Racismo que Prejudica no Presente, o qual fundamenta a hipótese das
Cotas Raciais como Cotas Sociais.
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1275
A diferença entre a perspectiva que olha para trás e a perspectiva que olha para
a frente está em que a injustiça social, que é o foco da segunda, independe da origem
dessa injustiça. Tendo argumentado que as cotas raciais se justificam não como
compensação pela escravidão passada, mas como uma maneira de corrigir a desigualdade
presente, isto é, como cotas sociais; resta, então, saber se as próprias cotas sociais são
moralmente justificadas (FRIAS, 2012).
O Brasil é membro das Nações Unidas desde sua criação, em 1945, sendo
signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e também da Convenção
Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CERD).
Com base nisso, a Organização das Nações Unidas (ONU) relembra que é função dos
Estados signatários “adotar medidas especiais para promover a equidade de raça e etnia,
aclarando que a adoção de ações afirmativas seja necessária para contribuir com o
exercício pleno dos direitos humanos e das liberdades fundamentais em igualdade de
condições” (GUIA DO ESTUDANTE, 2015).
Nessa perspectiva, a ONU reconhece os esforços do Brasil e da sociedade
brasileira no combate às desigualdades e na implementação de políticas afirmativas, mas
reafirma a importância da “adoção de políticas que possibilitem a maior integração de
grupos, cujas oportunidades do exercício pleno de direitos têm sido historicamente
restringidas, como as populações de afrodescendentes, indígenas, mulheres e pessoas com
deficiências” (GUIA DO ESTUDANTE, 2015).
Assim, com base nos planos nacionais de direitos humanos nas previsões das
políticas afirmativas, na Lei n° 10.558/2002 que cria o programa diversidade na
universidade e no princípio da isonomia, algumas universidades federais no Brasil
aderiram em seu sistema de ingresso por meio de vestibular a admissão de pessoas
afrodescendentes por meio de “cotas” como forma de garantir o acesso a educação
superior da citada classe minoritária, tendo em vista que cidadania não combina com
desigualdades e preconceitos (ROCHA; MOTA; MOTA, 2015).
Pretende-se analisar os efeitos da implantação da política de cotas de acesso ao
ensino superior criada pela Lei n° 12.711/2012, como forma de promoção da igualdade
racial, verificando a sua aceitação e o atingimento dos seus objetivos.
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2 Metodologia
A metodologia envolve procedimentos estabelecidos para o alcance do método
cientifico. Desta forma, para se alcançar um objetivo é necessário delimitar caminhos
através de mecanismos e procedimentos previamente estabelecidos (RICHARDSON,
2009).
O estudo quanto aos objetivos tem caráter descritivo, investigativo e explicativo.
A pesquisa descritiva se propõe a registrar e descrever fatos observados, analisados,
classificados e interpretados, já a explicativa identifica fatores que causam ou cooperam
para a incidência dos fenômenos (GIL, 2010).
Nos procedimentos técnicos realizou-se pesquisa bibliográfica, sendo esta
desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e
artigos científicos, documental, que para Gil (2010) consiste em estudo empírico de
fenômenos que ocorre ou ocorreu no local pesquisado, como também quando se desmonta
de fatores para explaná-lo. Ainda nos procedimentos técnicos utilizou-se o sistema de
levantamento, que segundo Prodanov e Freitas (2013) ocorre quando envolve a
interrogação direta das pessoas cujo comportamento deseja-se conhecer através de algum
tipo de questionário.
A pesquisa do ponto de vista de sua natureza foi básica, que mediante Prodanov
e Freitas (2013) objetiva gerar conhecimentos novos úteis para o avanço da ciência sem
aplicação prática prevista.
O estudo está pautado de forma qualitativa, exprimindo e expressando o real
sentindo dos fatos em meio social. Sendo capaz de manifestar a riqueza maior de dados e
a exploração dos eventos fortuitos de contradições (RICHARDSON, 2009).
A investigação também utilizou dados primários por buscá-los diretamente com
os elementos da população (questionário), aplicado na modalidade de censo, entendido
este como uma pesquisa quantitativa em que, definido determinado universo, o
pesquisador se propõe a investigá-lo por inteiro e não parte dele. Segundo Fonseca (2014),
o censo populacional constitui a única fonte de informação sobre a situação de vida da
população nos municípios e nas localidades.
O questionário foi composto por três questões subjetivas concernentes à idade,
ao período do curso que estuda e à declaração de raça e por dez questões objetivas com
duas possibilidades de resposta (sim ou não) sobre política de cotas, acesso à
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universidade, preconceito de ingressante pelo sistema de cotas e princípio da igualdade
no ensino superior.
A população abordada consistiu em 40 estudantes dos 3º, 4º e 5º períodos do
Curso de Serviço Social da Faculdade Leão Sampaio, Estado do Ceará, sendo aplicado o
questionário durante o mês de novembro de 2014.
A análise dos dados obtidos foi realizada por meio de estatística simples e com
o auxílio do software Microsoft Office Excel 2010.
O estudo está de acordo com as diretrizes regulamentadoras da Resolução nº
466/12 do Conselho Nacional de Saúde, visando garantir os direitos e os deveres que
dizem respeito à comunidade científica aos sujeitos da pesquisa e ao Estado. Os
participantes foram esclarecidos acerca do caráter espontâneo da participação e do sigilo
das informações, tendo sido solicitado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
respeitando os princípios éticos para pesquisa com seres humanos.
3 Resultados e Discussão
O presente estudo consistiu na aplicação de um questionário para 40 (100%)
graduandos do Curso de Serviço Social da Faculdade Leão Sampaio, Estado do Ceará,
com idade variando de 18 a 53 anos.
Os resultados revelam que 21 (52,5%) dos entrevistados encontraram-se na faixa
etária de 18 a 23 anos de idade, demonstrando que os jovens estão cada vez mais inseridos
aos bancos escolares ao nível de ensino superior para que, em seguida, consigam adentrar
ao mercado de trabalho (Tabela 1).
TABELA 1 – IDADE DOS ESTUDANTES DO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
Idade
18 - 23
23 - 28
28 - 33
33 - 38
38 - 43
43 - 48
48 - 53
∑
fi
21
9
6
3
0
0
1
40
fri
0,525
0,225
0,150
0,075
0
0
0,025
1
fri (%)
52,5
22,5
15,0
7,5
0
0
2,5
100
Corroborando tal predominância da população jovem inserida na universidade, o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), citado pela Rede Brasil Atual
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(2015), evidencia que a proporção de jovens entre 18 e 24 anos que frequentam o ensino
superior aumentou 54% nos últimos anos, coincidindo também com o aumento do
número de vagas nas universidades federais, bem como de bolsas e incentivos de acesso
ao ensino superior como o Programa Universidade para Todos (PROUNI).
Os achados do estudo indicam que 22 (55,0%) dos estudantes da amostra
consideraram-se da cor parda, revelando que a miscigenação de raças constitui-se
tipicamente um aspecto demográfico brasileiro (Tabela 2), assim como esse estrato social
vem ocupando a cada ano mais bancos nas instituições de ensino superior.
TABELA 2 – DECLARAÇÃO DE RAÇA DOS ESTUDANTES DO CURSO DE
SERVIÇO SOCIAL
Raça
Negro
Branco
Amarelo
Pardo
∑
fi
5
12
1
22
40
fri
0,125
0,300
0,025
0,550
1
fri (%)
12,5
30,0
2,5
55,0
100
Nas palavras de Alves (2014, p. 2) observa-se que,
pela definição do manual do recenseador do IBGE que pardo não é “marrom”,
“trigueiro”, “escurinho” ou uma outra tonalidade de cor entre o branco e o
preto. Pardo, na definição do manual é uma mistura de cor, ou seja, é uma
pessoa gerada a partir de alguma miscigenação, seja ela “mulata, cabocla,
cafuza, mameluca ou mestiça”.
Segundo Bezerra apud Carvalho (2014, p. 1):
Em 1997, apenas 2,2% de pardos e 1,8% de negros, entre 18 e 24 anos
cursavam ou tinham concluído um curso de graduação no Brasil. O baixo
índice indicava que algo precisava ser feito. Pessoas estavam impedidas de
estudar em nosso país por sua cor de pele ou condição social. Se fazia
necessário, na época, uma medida que pudesse abrir caminho para a inclusão
de negros e pobres nas universidades.
O estudo infere que 23 (57,5%) dos graduandos da referida instituição de ensino
pesquisada ingressaram no curso superior mediante cotas ou bolsas de programas
universitários (Tabela 3).
Desse modo, a política crescente de criação de novas universidades, ampliação
do acesso igualitário ao ensino superior, financiamentos e cotas de ingresso possibilitam
o acesso a este nível de ensino pelas mais variadas classes sociais em universidades
públicas ou particulares.
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TABELA 3 – INGRESSO NO ENSINO SUPERIOR POR COTAS/BOLSAS DOS
ESTUDANTES DO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
Cotas/Bolsas
Sim
Não
∑
fi
23
17
40
fri
0,425
0,575
1
fri (%)
57,5
42,5
100
A Lei n° 12.711/2012 regula o sistema de cotas que anteriormente era aplicado
pontualmente por apenas algumas universidades, passando a ser de aplicabilidade
obrigatória nas universidades públicas federais e nos sistemas de bolsas como PROUNI,
oferecendo oportunidade para os estudantes de escolas públicas e para os auto-declarados
pardos ou negros acessar o ensino superior (BRASIL, 2015b).
De acordo com disposição da supracitada lei, esta taxa deverá ser de 50% até
2016. Deve-se lembrar ainda a importância do Financiamento Estudantil (FIES) que
possibilita o financiamento de até 100% das mensalidades dos cursos de graduação, com
juros acessíveis a população mais pobre (BRASIL, 2015b).
Conforme Lisboa (2014), em 2012, as instituições destinaram 9,5% das vagas
para alunos pretos, pardos e indígenas, participação que saltou para 19,6% ano passado.
Como resultado, o número de vagas reservadas a esse perfil de estudante subiu de 13.392
para 37.028.
Relativo ao efeito da política de cotas, 34 (85,0%) dos alunos evidenciaram a
concordância de que a política de cotas visa reparar e/ou reduzir determinado problema
de suas vidas (Tabela 4). Referente à importância da política de cotas, 37 (92,5%) dos
entrevistados afirmaram sua relevância no curso (Tabela 5).
Não só como medida de justiça social, as cotas raciais são a efetivação da
democracia, pois permitem a equiparação de todos os sujeitos de direitos que saberão
usufruir e exigir aquilo que lhes é fundamental e dever do Estado.
TABELA 4 – CONCORDÂNCIA DE QUE A POLÍTICA DE COTAS VISA REPARAR
E/OU REDUZIR DETERMINADO PROBLEMA
Efeito da política de cotas
fi
fri
fri (%)
Sim
34
0,850
85,0
Não
6
0,150
15,0
∑
40
1
100
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1280
TABELA 5 – CONCORDÂNCIA DE QUE A POLÍTICA DE COTAS É IMPORTANTE
Importância da política de cotas
fi
fri
fri (%)
Sim
37
0,925
92,5
Não
2
0,050
5,0
Abstenção
1
0,025
2,5
∑
40
1
100
Para Freire (2014, p. 1), a política de cotas, em um país como o Brasil, mostra-se
relevante e necessária, pois,
em primeiro lugar, para contrabalancear as disparidades entre as oportunidades
sociais de diversos grupos sociais e étnicos mediante medidas de apoio e
favorecimento que garantam uma consistência mais real nas condições de
igualdade de competição, no que tange ao acesso à recursos escassos para
populações historicamente relegadas ao segundo plano do interesse do Estado
e discriminadas pela sociedade. Em segundo lugar, pode-se enxergar na
política de cotas uma ação institucional direta contra a cultura de desigualdades
e da discriminação, isto é, contra a concepção segundo a qual estas últimas são
toleráveis, legítimas e naturais. Por último, destaque-se, ainda, a reivindicação
de justiça social e reparação histórica que a políticas de cotas possibilita
efetivar.
Com relação à política de cotas obrigatórias tanto no ensino superior público
quanto no privado, 36 (90,0%) posicionaram-se a favor, ao passo que 31 (77,5%)
avaliaram que a política de cotas ainda não é suficiente para garantir a igualdade de acesso
ao ensino superior (Tabelas 6 e 7).
Estes questionamentos demonstram a conscientização da população no sentido de
que principalmente os negros ainda sofrem com seu histórico de exploração e muito
preconceito. Assim, somente a igualdade de possibilidades de acesso à educação e ao
mercado de trabalho pode atenuar os prejuízos a que são submetidos. Para tanto, foi
implantada a supracitada lei e outros mecanismos de promoção da igualdade racial.
TABELA 6 – OBRIGATORIEDADE DAS COTAS NO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO
E PRIVADO
Obrigatoriedade das cotas
Sim
Não
∑
fi
36
4
40
fri
0,900
0,100
1
fri (%)
90,0
10,0
100
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TABELA 7 – POLÍTICA DE COTAS É SUFICIENTE PARA GARANTIR A
IGUALDADE DE ACESSO AO ENSINO SUPERIOR
Suficiência da política de cotas
fi
fri
fri (%)
Sim
9
0,225
22,5
Não
31
0,775
77,5
∑
40
1
100
Segundo Silva Junior (2002), em sua acepção jurídica formal, o princípio da
igualdade aparece como um direito fundamental da cidadania, contrapondo-se a um dever
negativo imputado ao Estado e aos particulares, qual seja a obrigação de não discriminar.
Trata-se de uma obrigação negativa, a partir da qual fica vedada a elaboração de leis que
estabeleçam privilégios, discriminação no exercício dos direitos e garantias fundamentais
e, por último, discriminação na aplicação das leis.
No tocante se a política de cotas ocasiona o preconceito aos seus beneficiários
(negros, bolsistas ou ingressantes pelo sistema de cotas), 33 (82,5%) posicionaram-se no
sentido da continuidade do preconceito e da discriminação, na medida em que 20 (50,0%)
declararam que há aplicação do princípio da igualdade no sistema de cotas como política
pública (Tabelas 8 e 9).
Apesar do sistema de cotas buscar promover a igualdade de acesso ao ensino
superior, os beneficiários ainda sofrem preconceitos dentro da universidade, pois muitos
indivíduos apontam que os aprovados pelas cotas apresentam nível inferior de
inteligência pela vantagem que tiveram frente aos demais.
TABELA 8 – OCORRÊNCIA DE PRECONCEITO CONTRA NEGROS, BOLSISTAS
OU INGRESSANTES PELO SISTEMA DE COTAS DENTRO DA UNIVERSIDADE
Preconceito aos beneficiários da políticas de cotas
fi
fri
fri (%)
Sim
33
0,825
82,5
Não
7
0,175
17,5
∑
40
1
100
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1282
TABELA 9 – APLICAÇÃO DO PRÍNCIPIO DA IGUALDADE AO SISTEMA DE
COTAS COMO POLÍTICA PÚBLICA
Aplicação do princípio da igualdade
fi
fi
fri (%)
Sim
Não
∑
20
20
40
0,500
0,500
1
50,0
50,0
100
Para Melo (2015), estes preconceitos passam pela retórica da marginalização do
ensino, pela quebra na qualidade, pela entrada de negros que não estudam, por
constrangimentos e pela ignorância ao tratar com pessoas com necessidade especiais, etc.
O sociólogo Demétrio Magnoli acredita que a hostilidade contra os alunos cotistas
é resultado de um “sentimento de injustiça” que o sistema de cotas produz ao conceder
privilégio com base na cor da pele. Para ele, as cotas vão de encontro à ideia preconizada
pela Constituição Brasileira de que todos são iguais perante a lei (MAGNOLI apud
NASCIMENTO, 2015).
No que tange o quesito da redução das chances de adentrar ao ensino superior
pelos grupos sociais não abrangidos pela política de cotas, 23 (57,5%) ratificaram que a
política de cotas pode causar algum tipo de segregação contra os grupos sociais por ela
não abrangidos, sob alegação de violação ao princípio da igualdade (Tabela 10).
Esta política não impede de se repensar o ensino básico, mas reduz
significativamente as desigualdades gritantes presentes no Brasil, pois age no ensino
superior, em que a necessidade é mais urgente e produz resultados mais imediatos do que
se fosse realiza a reforma do ensino básico para implementação da igualdade racial. No
entanto, ainda há receio por parte da população que muitas vezes se sente prejudicada
pelo sistema de cotas, o qual a priori reduz as chances de acesso a este nível de ensino
por parte dos grupos sociais não cotistas.
TABELA 10 – POSSIBILIDADE DO OCASIONAMENTO DE SEGREGAÇÃO PARA
OUTRO GRUPOS SOCIAIS NÃO ABRANGIDO PELA POLÍTICA DE COTAS
Segregação de grupos sociais não cotistas
Sim
Não
Abstenção
∑
fi
23
16
1
40
fri
0,575
0,400
0,025
1
fri (%)
57,5
40,0
2,5
100
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1283
A decisão dos gestores sobre a adoção ou não das cotas raciais pelas
universidades, com sua constitucionalidade amparada pelo julgamento do Supremo
Tribunal Federal, deve considerar, no entanto, que segregar para beneficiar é estimular a
divisão entre raças. Divisão, inclusive, bastante imprecisa, já que a miscigenação no
Brasil é tão intensa que dificulta a definição de quem estaria habilitado a concorrer a essas
vagas. O melhor caminho ainda é combater qualquer pensamento discriminatório e
incentivar o progresso de todos, independentemente da raça ou de qualquer outro critério
(AGUIAR, 2015).
Quanto à avaliação positiva do sistema de cotas, 24 (60,0%) concluíram que tal
sistema pode ser considerado como “bom” em sua atual estrutura (Tabela 11). Com
referência à avaliação de cotistas apenas em escolas públicas, 30 (75,0%) esclareceram
que não seria melhor se o sistema de cotas beneficiasse somente estudantes de escolas
públicas (Tabela 12).
É muito difundida na mídia a ideia de que as cotas são negativas, pois não
respeitam o princípio da isonomia, sendo ações que deveriam ser pensadas para o ensino
básico, ferindo assim o direito das demais pessoas que não são beneficiadas com esta
política. Tais argumentos não devem prosperar, pois as discriminações positivas podem
e devem ser praticadas para corrigir a hipossuficiência dos sujeitos, que sozinhos não
poderiam resolver e continuariam a ser excluídos socialmente.
TABELA 11 – AVALIAÇÃO COMO “BOM” DO SISTEMA DE COTAS NA ATUAL
ESTRUTURA
Avaliação positiva do sistema de cotas
Sim
Não
Abstenção
∑
fi
24
15
1
40
fri
0,600
0,375
0,025
1
fri (%)
60,0
37,5
2,5
100
TABELA 12 – AVALIAÇÃO DE QUE O SISTEMA DE COTAS SERIA
MELHOR SE BENEFICIASSE APENAS ESTUDANTES DE ESCOLAS
PÚBLICAS
Avaliação de cotistas apenas em
fi
fri
fri (%)
escolas públicas
10
0,250
25,0
Sim
30
0,750
75,0
Não
40
1
100
∑
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1284
É fato que o estabelecimento de cotas tem caráter meramente paliativo, isto porque
não ataca a causa da desigualdade racial existente no acesso ao ensino superior. Portanto,
somente será válida se estabelecida em caráter temporário, tendo sua adequação limitada
àquele grupo que dela se beneficia. Para as gerações futuras, na verdade, somente a
implantação de melhorias no ensino fundamental e médio, bem como a educação voltada
à formação de consciência social do respeito às diferenças bem como da ilegitimidade de
discriminação negativa qualquer que seja seu fundamento é que poderão igualar
efetivamente os indivíduos no acesso às mesmas oportunidades. Ou seja, somente
mediante a implantação de meios para o exercício pleno dos direitos sociais por todas as
camadas e integrantes da sociedade, independentemente da raça a que pertençam, é que
se pode efetivamente atender ao princípio da igualdade, democratizando-se faticamente
o acesso aos meios de educação, cultura, saúde, habitação e demais direitos sociais
(HALBRITTER, 2005).
Logo, as ações afirmativas somente atendem à razoabilidade se demonstrada sua
vinculação a outros programas de implantação do acesso aos direitos sociais, de modo
que em certo tempo venha a se tornar desnecessária e cesse sua aplicação. Do mesmo
modo, somente diante desta conjuntura é que se poderá afirmar a necessidade da medida,
de modo a beneficiar a geração presente da minoria, igualando-se à geração presente da
maioria, enquanto se alicerçam as bases da igualdade social necessária ao pleno exercício
dos direitos pelas gerações futuras. Quanto à proporcionalidade em sentido estrito, estará
atendida se assegurados meios alternativos para aqueles que comprovadamente venham
a ser preteridos, ainda que com melhores resultados, em razão da implantação do sistema
de cotas (HALBRITTER, 2005).
4 Considerações Finais
Ante o exposto, verifica-se que melhorias foram implementadas no atual modelo
do sistema de cotas, não só no sentido de promover o acesso ao ensino superior pelos
grupos sociais menos favorecidos, mas também pela conscientização da população de que
esta é uma política social necessária para a promoção dos direitos fundamentais dos
indivíduos.
Deve-se salientar que ainda há muito a se fazer, pois, apesar dos progressos
obtidos, o preconceito contra as minorias sociais ainda é presente na sociedade e continua
mesmo para os beneficiários do sistema de cotas que são vistos como inferiores no nível
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1285
de inteligência. Todavia, as pesquisas têm indicado que eles estão em geral acima da
média dos demais estudantes, não correspondendo a um pensamento difundido pela
população e, muitas vezes, pela mídia.
Também se faz necessária a abertura do mercado profissional, visto que estas
minorias ainda predominam nos menores cargos e com as remunerações mais baixas com
relação aos seus pares.
O direito a igualdade deve ser tratado com prioridade nas políticas sociais,
ampliando as possibilidades dos grupos sociais menos favorecidos, que sofrem com o
status de inferioridade imposto pela sociedade, não tendo garantidos os seus direitos
fundamentais pela limitação das oportunidades. A educação é um instrumento de
mudança da consciência social, transformando as pessoas em respeitadoras das
diferenças.
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Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015
1288
BELMONTE: INCLUSÃO SOCIAL E FORMAÇÃO POR MEIO DA MÚSICA
Antonio Marcos Gomes da Silva1
Antônia Carlos da Silva2
Resumo
O presente trabalho tem como proposta apresentar o surgimento e desenvolvimento da
Escola de Educação Artística Heitor Villa-Lobos e, principalmente, o seu funcionamento
como núcleo de alfabetização de crianças, jovens e adultos no munícipio do Crato no final
da década de 1980 e parte da década de 1990. Levamos em consideração as ideias de
fundação desse importante núcleo de ensino, e acima de tudo a visão coletiva emanada
pelo Monsenhor Ágio Augusto Moreira, idealizador da escola de música. A criação da
escola contribuiu na formação de uma parcela da população do lugar, quanto de outras
pessoas que a procuravam encantados por aprender a música, e em segundo lugar a
desmistificação do mundo das letras, uma vez que boa parte dos integrantes daquele
ambiente não sabia ler e escrever e é através dos processos e dos métodos de alfabetização
que se “formam músicos letrados".
Palavras-chave: Educação de jovens e adultos; música; alfabetização.
1 Introdução
O presente trabalho tem como proposta apresentar o surgimento e
desenvolvimento da Escola de Educação Artística Heitor Villa-Lobos e, principalmente,
o seu funcionamento como núcleo de alfabetização de crianças, jovens e adultos no
munícipio do Crato-CE no final da década de 1980 e parte da década de 1990. Levamos
em consideração as ideias de fundação desse importante núcleo de ensino e, acima de
tudo, a visão coletiva emanada pelo Monsenhor Ágio Augusto Moreira idealizador da
escola de música.
A criação da escola contribuiu primeiramente na formação de uma parcela da
população do lugar e de outras pessoas que a procuravam para aprender a música. Após
a criação desse espaço, o lugar passa a contribuir na desmistificação do mundo das letras,
uma vez que boa parte dos integrantes desse ambiente não sabia ler e nem escrever.
É sabido que a educação em nosso país, em alguns casos, é tratada como
ferramenta indispensável para mudanças das condições de vida do povo brasileiro. Essa
ferramenta foi utilizada também na região do Cariri, sobretudo na ausência do poder
1
Professor do ensino básico, Escola de Ensino Fundamental São Pedro, Juazeiro do Norte-CE/Brasil, email: [email protected]
2
Professora do Departamento de Geociências, Universidade Regional do Cariri, Crato/Brasil, e-mail:
[email protected]
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1289
público que a um só tempo atendia aos interesses das classes dominantes. É nesse sentido
e levando o contexto do período militar no nosso país que vai de 1964 a 1985, de repressão
e de uma "educação" destinada ao meio técnico, justamente pelas grandes levas rurais que
migram da Região Nordeste em busca da Região Sudeste. A data da criação da Escola de
Educação Artística está inserida nesse contexto histórico, político, social e econômico,
ou seja, o final da década de 1960.
A escolha da escola de música como lócus de pesquisa se deu por apresentar
elementos propícios em se pensar à história da educação do Cariri; o desenvolvimento da
sociedade do distrito do Belmonte, zona rural do Crato; e inclusão social por meio do
ensino da música e alfabetização frente aos desafios educacionais. Podemos dizer que a
criação da escola foi uma ideia original e audaciosa que colheu e ainda colhe os "frutos"
de um projeto que "Semeando arte e fé pelo bem da humanidade", ainda gera o interesse
de pessoas ligadas à música, intelectuais, universidades e parcerias por meio de entidades
públicas como a prefeitura e governo do estado do Ceará. Diante disso, e por meio dos
relevantes serviços surge à criação da "Vila da Música", por parte do Governo do Estado
do Ceará, certamente uma das grandes conquistas do Monsenhor Ágio no auge dos seus
98 anos de idade.
O presente trabalho está estruturado de forma a mostrar o trato com a educação.
Inicialmente, procuramos abordar o tema da educação e a sua importância nos tempos
passados, com uma análise histórica da introdução da educação por parte dos jesuítas em
nosso país; em seguida é feito um recorte temporal no estado do Ceará especificamente
no Cariri Cearense, quanto à implantação das unidades de ensino por parte do poder
público e as medidas por parte das figuras como o Padre Ibiapina; posteriormente
traçamos uma linha de investigação que envolve o munícipio do Crato; elementos que
condicionam a pensar sobre para quem era voltado o ensino no Cariri; e as relevâncias de
se estudar a história da educação. Por fim, passamos a abordar a história da Escola de
Educação Artística Heitor Villa-Lobos; o funcionamento das turmas de alfabetização e as
possíveis comprovações.
2 O trato da educação nos tempos passados
Dentro do estudo das relações humanas e no contexto do estudo das ciências, se
faz necessário o estudo do passado, da sociedade, para que tenhamos uma ideia de como
chegamos ao presente. Porém, estudar esse passado, além de muito rigor e critério há a
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1290
necessidade de uma abordagem sistemática do que pretende se estudar desse passado,
assim como também representá-lo, ou seja, a escrita deve atender as informações colhidas
desse passado de forma a representar o sentido pretendido. Estudar a Educação é antes
de tudo fazer uma análise da sua “evolução” ao longo do tempo, no que pese as várias
linhas de investigação científica. A preocupação em estudar a educação não é restrita aos
tempos modernos, há muito, alguns filósofos já abordavam o tema da educação como
algo importante, é o que escreve Aristóteles no livro Política. Para ele a educação é
responsável por desempenhar inúmeras funções dando destaque as seguintes:
A felicidade foi definida na Ética como o perfeito exercício da virtude, sendo
esta última compreendida não como uma qualidade condicional mas no sentido
absoluto. Ora, um homem adquire esse tipo de virtude com o auxílio da
natureza, do hábito e da razão. O hábito e a razão são frutos da educação, que
precisa, portanto, ser discutida. [...] nossa educação deve ser estruturada para
produzir o homem bom. Ela deveria desenvolver todas as capacidades dos
homens e torná-los aptos a todas as atividades da vida; mas as capacidades e
as atividades mais elevadas devem estar a serviço da educação [...] A educação
deve [...] incluir aqueles assuntos úteis a todas as pessoas deveriam ser capazes
de dominar, mas que nada degrade a mente ou o corpo. (ARISTÓTELES,
2008, p. 48 e 49)
Levando em consideração o período em que foram feitas essas considerações a
respeito da educação, nota-se claramente a necessidade da discussão sobre a temática, no
entanto, a educação era [é] restrita, não atendia [atende] de forma quantitativa e menos
ainda qualitativamente. É necessário, nesse sentido, entender de como se inicia a
introdução da Educação Formal no Brasil, a fim de correlacionar com as disparidades que
existiram [existe] e as lacunas deixadas em alguns períodos, como o da ditadura militar,
por exemplo.
No trato da introdução da educação no Brasil, muitas vezes ficaram a cargo das
organizações religiosas em virtude até mesmo do próprio processo de colonização e
catequização dos indígenas, em que os europeus em especial os portugueses definiam
com os acordos tratados, tendo um público definido na sua operacionalização:
A educação restringiu-se, para os filhos de colonos e os índios aldeados, às
primeiras letras e noções superficiais de religião. Ler, escrever, contar e orar
eram objetivos da educação colonial, nem sempre, aliás, atingidos. A educação
foi, em grande parte, obra dos jesuítas. Os colégios da Companhia de Jesus- 21
ao todo no século XIII, mais sete seminários para a formação de sacerdotesensinavam gramática, aritmética e os demais estudos básicos. (WEHLING;
WEHLING, 1994, p. 287)
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1291
As classes dominantes, principalmente, ao longo da história, foram as maiores
beneficiadas com os investimentos em educação por parte do poder público. Enquanto às
classes sociais massivas restavam apenas contar com alternativas quase sempre
incipientes em busca do conhecimento, em se tratando de apoio a tais buscas, destaca-se
o apoio de instituições de cunho religioso em alguns casos.
 Organização das atividades
Os procedimentos metodológicos levados em consideração nesse artigo foram
contemplados com a pesquisa bibliográfica e de campo que deu conta das vivências e
relatos das pessoas que fizeram e fazem parte da escola de música Escola de Educação
Artística Heitor Villa-Lobos conhecida também como: Escola do Padre Ágio; Sociedade
Lírica do Belmonte-SOLIBEL, pois entendemos que a ciência se faz por meio da relação
teoria e prática. A pretensão desse trabalho seguiu por critérios e prioridades quanto ao
objeto de pesquisa, contudo a realidade das idas a campo nos levou a outros lugares,
outrora não pensados nos nossos objetivos específicos do projeto.
Por meio da delimitação do problema da pesquisa procuramos selecionar o
material de base científica em que buscamos associar à temática; elaboramos entrevistas
semiestruturadas e estabelecemos diálogos com o Monsenhor Ágio Augusto Moreira,
com a Professora Raimunda Gonçalves Felipe [ex-aluna e hoje trabalha na escola], sendo
realizadas seis visitas aos sujeitos que apresentamos, ressaltamos que ainda conversamos
com outas pessoas que fazem ou fizeram parte da escola, a saber, o senhor Antônio Luiz,
e o Maestro Felipe, todos músicos e ex-alunos que contribuem na formação das pessoas
que procuram o espaço.
Procuramos utilizar os meios de pesquisas disponíveis com o intuito de
promover uma apropriação qualitativa do nosso objeto de pesquisa. Utilizamos fontes que
trouxessem informações relevantes sobre a temática como livros, revistas, artigos de
jornais, páginas da internet. Estabelecemos contatos com os integrantes da escola de
música e posso dizer que fizemos descobertas incríveis; dialogamos com pessoas que
estudaram na escola; e em meio a isso utilizamos dos relatos orais e fomos checando as
informações e montando o corpo trabalho.
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 Algumas considerações sobre o surgimento da educação no Ceará
A História da Educação Formal no Ceará, segundo Cavalcante teve início na
primeira metade do século XIX, o que abre precedentes para se investigar a educação no
Ceará, sem deixar de levar em consideração a Educação não Formal que contribuiu
também para a formação do povo cearense.
Já na terceira metade da década do século XIX, encontraremos o seu
Presidente, José Martiniano de Alencar, criando uma Escola Normal, que, se
por falta de recursos não saiu logo do papel, registrou a preocupação com a
instrução pública como impulso ao progresso. Todavia, não se tratava de
qualquer escola, mas de uma espécie de fábrica de mestres, com efeito
multiplicador da cultura letrada e normatizador de sua disseminação. Por onde
houvesse um mestre, uma mestra, haveria a promessa ou a certeza de uma
escola. (CAVALCANTE, 2002, p.25)
Ainda nesse mesmo artigo Cavalcante (2002), revela que antes mesmo do Estado
Constituído, e a sociedade privada exercer o papel de estimular mecanismos que
permitissem o acesso à Educação no Ceará, existia por parte núcleos pertencentes a alas
da Igreja Católica [ligados às causas sociais] e outras instituições a incumbência de levar
o letramento e esperança aos desassistidos, de sobremaneira as grandes levas rurais, uma
vez que boa parte da população residia no campo, para a autora:
[...] a Igreja Católica ou leigos desenvolvendo suas práticas de caridade em
prol dos desvalidos, de sua alfabetização e cristianização, já que o poder
público e suas escolas não chegam para atender as necessidades culturais e
sociais da maioria da população. (CAVALCANTE, 2002, p. 33)
A Região Sul do Ceará - Cariri, assim como os sertões padeciam por conta das
intempéries das irregularidades das chuvas, e no bojo das misérias ocasionadas por tal
situação se pode dizer que recebeu as primeiras demandas quanto a escolas e casas
destinadas a atender as demandas dos desvalidos, ou seja, antes mesmo das realizações
das ideias elaboradas pelos governantes. Para Cavalcante (2002, pp. 25 e 26)
Enquanto aquela ideia de governantes não se materializava, faltavam escolas,
especialmente, nos sertões. [...] tamanho abandono inspirou o lendário Padre
Ibiapina, em obra missionária e pedagógica, a fundar as suas famosas Casas de
Caridade. [...] Onde o poder público faltava, entrava a caridade, capturada pela
força e carisma pessoal do obstinado.
Ao passo que se instalavam essas instituições nos lugarejos e vilas que iam se
formando, as ações do Padre Ibiapina, contribuíam à crença em melhores condições de
vida por boa parte da população desassistida em toda sorte social, espiritual e intelectual.
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A educação entra nesse contexto principalmente nas ações pedagógicas desenvolvidas
por esse importante olhar do Padre Ibiapina, órfãos, viúvas, moças, miseráveis e outros
eram acolhidos quase em sua totalidade, conforme a disponibilidade de suas instalações.
É importante lembrar que um dos seguidores dos ensinamentos de Ibiapina é Cícero
Romão, Cratense, que se viu “aperreado” com a morte do pai e se viu acolhido em
conjunto com sua família seja de forma concreta com ajudas financeiras ou ainda
ideológicas por meio dos seus ensinamentos
“[...] o Cariri é missionado por Ibiapina e fustigado pelo cólera. As populações
desassistidas pelos poderes públicos se excedem nas práticas religiosas que
comovam os santos e se pegam às orações mais fortes que debelem o flagelo.
[...] Entre os mortos pela epidemia se encontra Joaquim Romão Batista,
segundo Padre Azarias Sobreira, “devoto de Maria Santíssima”, seguidor das
prédicas de Ibiapina. Homem de pequenos recursos, deixa na orfandade três
filhos dos quais Cícero Romão Batista é o único homem. A viúva dona Quinô
se defronta com os credores, a obrigação com duas filhas e o desejo do filho
de seguir o sacerdócio, pretensão quase impossível para as pessoas de baixa
camada econômica na sociedade em que vivia. [...] Os biógrafos do Padre
Cícero são unânimes em retratá-lo, nessa fase, como uma criança e um
adolescente já tocados pelo fervor religioso do mundo sertanejo de sua época.
O ambiente familiar de profundo respeito ao padre Ibiapina, a leitura da vida
dos santos, a assiduidade à Igreja, a vivência das missões forma o clima de
religiosidade de sua vida ” (BARROS, 2008, p. 119-121)
Essa referência nos faz pensar no conjunto que envolve as práticas realizadas por
Ibiapina em consonância os seus seguidores e ou admiradores, que a um só tempo tem
como característica acolher os desvalidos. Concidentemente esse trabalho realizado trata
da figura emblemática de um sacerdote, preocupado com a educação, causas rurais,
música e fé.
 Vestígios para estudar a História da Educação no Crato
Dentre as cidades do Cariri Cearense é a cidade de Crato que melhor representou
uma visão voltada para o desenvolvimento intelectual. Sendo assim, é de fundamental
importância o estudo de como se formou as bases da Educação do Cariri, tendo o Crato
como arcabouço para tal entendimento, pois além de um celeiro artístico, concentra boa
parte da História e Memória da Educação Caririense. Nos escritos de Irineu Pinheiro
percebe-se uma estreita relação entre as instalações dos Seminários e Colégios tanto em
Fortaleza como no Crato, doravante voltados para atender aos interesses das famílias
abastardas.
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Através dos Seminários de Fortaleza e do Crato, [...] fundados pelo novo Bispo
nas eras de 60 e 70, educandários da mocidade masculina e feminina, é que,
como se disse atrás, foi o Bispado do Ceará poderoso elemento de cultura e
civilização do nosso povo. [...] Tanto mais importante a função educacional
dos Seminários quanto, não faz muito, eram raros os colégios de instrução
secundária na capital e interior cearense. [...] Favoreceu o Colégio à instrução
feminina das classes mais abastardas do Crato. (PINHEIRO, 2010, p.p. 90-91)
Dentro dessas nuances que envolvem a educação no município do Crato e os
aspectos relacionados à instalação de unidades de ensino que sejam elas pelos poderes
públicos; sociedade civil ou Igreja, é que cabe uma linha de investigação de como se deu
o seu desenvolvimento nesse lócus, em que podemos considerar o nascedouro das
unidades de ensino do interior cearense. A História da Educação é uma área ampla que
pode concentrar profissionais das mais diversas áreas do conhecimento, é nesse âmbito
da História da Educação que se faz necessário interpretar e interligar essas ramificações,
a fim de programar ações voltadas para o melhoramento da educação, enxergando no
processo histórico e recorte espacial as influências que surgem na atualidade pois,
Entendemos que a pesquisa histórica no campo educacional tem dupla valia:
tanto pode recuperar o passado educacional de uma região, quanto alimentar o
sistema local e estadual de planejamento educacional, em relação às
necessidades presentes e futuras da sociedade [...]. Como área de múltiplos
interesses, a história educacional pode envolver professores e alunos da área
de história, geografia, sociologia, antropologia, letras, engenharia, saúde, etc.
Do ponto de vista do seu aprimoramento metodológico, a área só tem a ganhar
com a formação de equipes multidisciplinares, desde que não perca de vista a
sua função primordial de reconstrução do passado educacional como fonte de
reflexão para uma prática futura. (QUEIROZ, 2006, p.1069)
Sendo a Geografia uma ciência que contribui para o entendimento da sociedade
e das relações do homem com o espaço e, principalmente, uma importante disciplina
escolar que auxilia na formação humana, merece especial destaque no entendimento do
processo de se estudar a História da Educação, justamente pela complexidade da temática.
 Para quem foi pensada a educação no Cariri?
A educação no Brasil, assim como outros “direitos” básicos dos cidadãos
passaram por mudanças significativas, principalmente no que se refere à oferta e é a partir
disso que:
Podemos inferir desse percurso preliminar pelo século XX, que, no Ceará e no
Brasil, se os primeiros 50 anos foram o momento da edificação do sistema
escolar, a segunda metade, conforma-se, em certo sentido, em mantê-lo, esticálo ou esconder as feridas deixadas por um processo político incapaz de efetivar
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a sonhada promessa de democratização da escola [...] (CAVALCANTE, 2002,
p. 36-37)
Devemos atentar também às particularidades regionais, o que significa dizer,
que em algumas regiões a educação assim como outros direitos recebem atenções
diferenciadas, e possivelmente isso justifique a acentuada característica do Cariri
Cearense trabalhada por Queiroz (2006), porém esse estudo fragmentado por assim dizer
não é e nem pode ser tratada por um simples determinismo geográfico. É perceptível uma
estreita relação entre a criação da Vila Real de Crato e a implantação de núcleos
educacionais, equacionados aos fatores de ordem política principalmente, a autora destaca
essa questão regional no sentido de ser visto como uma totalidade:
O espaço regional não é visto como um espaço social isolado, mas parte de
uma teia de relações de mobilidade espacial e cultural, material e simbólica da
atividade social que acabam por ligar todos os lugares e tempos do mundo. O
resgate da História Educacional tem, neste contexto, um papel relevante a ser
considerado - a formação do professor pesquisador. Observamos que a
experiência tem permitido a formação de um professor que busca conhecer sua
realidade local, suas relações com as outras realidades e a construção de sua
identidade de professor que conhece e vivencia a sua história. (QUEIROZ,
2006, p.1069)
A realidade da educação, que condiciona à segregação criando padrões de
hierarquia no Nordeste, no Ceará, e Cariri Cearense e no município do Crato, não difere
da realidade nacional. A estruturação e instalações das instituições de ensino surgiram em
outrora para atender a demanda das classes dominantes existentes.
No Nordeste, assim como no Ceará, essa prática era mais presente. Os principais
protagonistas da educação locais segundo Silva (2008) pertenciam às famílias de tradição
agrária. “Os protagonistas da educação local, em sua maioria, pertenciam às famílias de
tradição agrária, detentora da hegemonia política local”. A partir do pensamento de Silva,
surge um questionamento: como a educação era pensada para as classes sociais menos
favorecidas, em especial no município do Crato? É uma pergunta que pode carregar não
apenas uma resposta, mas diversas. E é por meio dessa pergunta que as possíveis respostas
poderão ser encontradas no estudo da História da Educação. Para Gonçalves e Santos
(2012), a educação exerce um importante papel, sobretudo na transmissão do
conhecimento produzido, o que acaba de certa forma contribuindo à segregação entre as
classes sociais, ou simplesmente dividindo a sociedade em letrados e não letrados, ou
seja, quando Silva (2008) traz a informação dos protagonistas da educação, infere-se que
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uma parcela da sociedade fica de fora da fatia da transmissão do conhecimento produzido,
logo:
A educação, cuja função social consiste em transmitir o conhecimento
produzido, a cultura e demais características que perpassam a sociedade em
um determinado momento, integra o desenvolvimento das sociedades humanas
como pode ser observado na historiografia. (SANTOS e GONÇALVES, 2012,
p.67-84)
O que nos interessa nesse trabalho é identificar alternativas pensadas por pessoas
e seguimentos da sociedade que de certa forma dispuseram de tempo e dedicação na
tentativa da construção de uma sociedade com menos disparidades, no campo
principalmente do direito à educação. Consideramos uma premissa base na preservação
cultural de um lugar.
 Um estudo relevante sobre educação no Cariri
Com os levantamentos feitos a respeito da educação no Brasil, e em especial no
Ceará, procuramos salientar a importância de se estudar a criação Escola de Educação
Artística Heitor Villa-Lobos, bem como a função social da referida escola dentro do
munícipio do Crato-CE e os possíveis vestígios que confirmem o funcionamento de uma
unidade regular de ensino entre os anos de 1988 a 1998 voltadas à alfabetização de
crianças, jovens e adultos inserindo-se dessa forma, como uma porta de entrada para
inclusão social. Nesse caso por duas razões: primeiro a música e posteriormente a
educação. Diante do exposto e como linha de pesquisa resolvemos estudar os aspectos
que envolvem a criação de um importante centro de ensino voltado para atender meeiros,
camponeses e agricultores da Zona Rural do Crato-Ce, a partir do ideário de um Padre. A
Escola desenvolveu e continua desenvolvendo relevantes serviços à população. Por
muitos anos a sua função principal era educar os filhos dos agricultores do distrito do
Belmonte na Cidade do Crato, em primeiro lugar pela música e em segundo plano por
meio da alfabetização do conhecimento das letras propriamente dita.
A Escola de Música do Crato é outro feito que não pode ser esquecido, por
contribuir para a educação de jovens cratenses, principalmente aqueles
oriundos da classe baixa. A Escola de música foi criada em 1967, pelo Padre
Ágio Augusto Moreira, no Sítio Belmonte, na Serra do Araripe. Suas ações
foram desenvolvidas no sentido de proporcionar ao homem rural o
desenvolvimento das suas habilidades artísticas. Ao longo da sua história, esta
teve que se ampliar, oferecendo serviços como teatro, pintura e escultura.
Atualmente, ela funciona como Sociedade Lírica, ainda sob a direção do Padre
Ágio. (QUEIROZ, 2006, p.1073)
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Entendemos que o surgimento dessa escola no Crato, dá uma maior visibilidade
cultural que abrange o Cariri Cearense. São agregados princípios de boas condutas. A de
maior envergadura nesse trabalho versa sobre a alfabetização de crianças, jovens e adultos
na zona rural do município. A fé, música e a educação são os alicerces da Escola do Padre
Ágio.
 A música e o surgimento de uma escola
No processo de se estudar, a História da Educação com ênfase no Cariri
Cearense, até aqui, pelas questões e ideias debatidas pelos teóricos, se mostra
indispensável para um aprofundamento e registro científico da criação da Escola de
Música Heitor Villa-Lobos, na Zona Rural do Munícipio de Crato. Entender os aspectos
que motivaram a criação da Escola é fundamental, principalmente pelo contexto das
relações sociais que norteiam os motivos para tal fim:
Recuperar o processo histórico indo a fundo nas questões triviais do dia-a-dia,
foi o ponto de partida para a compreensão e interpretação crítica da história de
uma comunidade que a um só tempo puxa o cabo da enxada no trato da terra,
a mais primitiva de todas as atividades humanas e arranca das cordas de um
violino os sons melodiosos de uma música clássica, as mais belas da arte
musical. Estamos nos referindo a Escola de Música Vila rural do sertão
cearense que tem por nome Belmonte. Bastou um pequeno estímulo para que
aflorasse o enorme potencial artístico de um contingente de meeiros,
arrendatários e cortadores de cana, subempregos e desempregados; gente cujo
o talento encontrava-se adormecido. (FELIPE, 2001, p.33)
As ideias levantadas por Felipe (2001) quanto ao meio rural que aparecem nos
seus escritos remetem às peculiaridades do lugar. Esse lugar de criação e instalação da
escola é caracterizado por estar encravada no sopé da Chapada do Araripe, área que era
essencialmente agrícola.
Placa comemorativa dos 25 anos de serviços da
SOLIBEL. Foto: SILVA, 2015.
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A criação dessa escola, a priori, surge do sonho de seu principal idealizador o
professor e Padre Ágio Augusto Moreira, onde esse ideal nasce por perceber a
necessidade de fornecer o conhecimento à população, principalmente voltada para a
parcela da população do meio rural. Essas evidências dão conta dos primeiros anos na
cidade de Assaré, ou seja, a ligação do padre com o meio rural é antiga, o que talvez tenha
motivado na realização de tal objetivo. O professor José Newton de Figueiredo qualifica
o Padre Ágio da seguinte forma:
Falar de Padre Ágio Augusto Moreira é, ao mesmo tempo, uma missão
bastante árdua e prazerosa. Árdua, em virtude da complexidade de sua vida,
repleta de construção de obras e pessoas. [...] Para ser esse homem de coração
e mente aguçados e destinados a forjar a completude dos homens é que a
gloriosa Assaré mãe dadivosa, no dia 05 de fevereiro de 1918, abre seu ventre
umedecido e nutrido pelas águas do inverno, tão ausente três anos antes, 1915,
e num gesto de prodigalidade e generosidade, oferece, dá para o mundo
caririense mais um grande filho, cujo destino seria o de contribuir para a sua
grandeza e transformação. (1998, pp. 21-25)
A história de criação desse espaço educacional segue em linhas gerais a história
de vida de seu idealizador. Um dos principais motivos segundo o próprio Padre, foi a sua
vocação e desejo pela música, assim como também pela educação uma vez que exercera
a profissão de professor de geografia e outras disciplinas por um longo tempo. Em
entrevista o Padre destacou os principais fatos que marcaram a sua vida dentre eles a sua
ida a São Paulo na primeira metade do século XX: “Nasci entre a primeira e a segunda
guerra mundiais; aos 12 anos recebi convite para ir a São Paulo, estudar; foram oito
longos dias de navio até a chegada a Jundiaí; saí de um forno e entrei numa geladeira”.
(MOREIRA, 20143), essa afirmação revelou o seu conhecimento sobre climatologia.
Nessa mesma entrevista o Padre Ágio trata de sua volta ao Ceará e em especial
para o Crato e os primeiros passos na música:
Cheguei ao Ceará, no Crato em janeiro de 1937, um dos meus irmãos era
diretor do colégio Diocesano, e me incentivou para ir ao seminário da prainha
em Fortaleza, lá desenvolvi latim e grego com facilidade. Li, traduzi e analisei
o livro “Eneida” de Virgílio do latim, como requisito de permanência no curso
superior (risos). Nesse mesmo período tocava violino com um padre Alemão,
nos intervalos das aulas, porém tinha outro padre que tocava e ensinava órgão,
ou seja, tocar violino era quase uma ofensa(risos). Em 1952 organizamos a
orquestra do Seminário São José com participação democrática. (MOREIRA,
2014)
3
Entrevista concedida em março de 2014.
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A aquisição de uma propriedade na zona rural do Crato e a experiência com
a música clássica fez com que o Padre implantasse a escola de música destinada a atender
aos que a procurassem, sempre de forma gratuita, e foi nesse espaço que se formaram
homens e mulheres à vida em meio às dificuldades.
 O contexto econômico de uma época
O “nascimento” da Escola de Educação Artística Heitor Villa-Lobos está ligado
aos ideais do Padre Ágio de sobremaneira à arte em especial na música clássica, como foi
evidenciado na entrevista que concedera em março de 2014. Contudo esse desejo em
trabalhar a música no meio rural está relacionado com as experiências proporcionadas
pelas diferentes paróquias onde exerceu a função de pároco ou em retiros. Como bom
observador, foi numa dessas situações em que “brotou” tal desejo.
Felipe (2001) destaca que na realidade foram dois os motivos que o levaram a
pensar nessa possibilidade, primeiro no que pese e destaque ao conhecimento vindo do
empírico, ou por meio das relações com o próprio meio rural. Conhecedor das
características culturais celebradas no meio rural é que o Padre passa a explorar de forma
positiva as potencialidades do homem do campo.
A ideia de criar uma escola de música surgiu, quando em julho de 1948,
passava o padre Ágio férias em Jamacaru, distrito de Missão Velha, situado no
sopé da Chapada do Araripe. Lá, teve oportunidade de ouvir e ver pela primeira
vez canções folclóricas regionais, cantadas por camponeses, além de
espontâneas em tom xistoso. Eram adultos e jovens de ambos os sexos que
improvisavam coros a duas vozes com perfeita afinação na melodia e muita
harmonia, nos mutirões por ocasião da colheita do café, arroz e algodão. Outro
motivo que o levou a sonhar novamente com um trabalho de arte na zona rural
foi quando, ouviu também pela primeira vez a cantoria dos penitentes. Um
canto religioso de caráter penitencial de melodias dolentes e lentas de harmonia
original e afinação sem igual, dando a impressão de um coral clássico de vozes
masculinas. (FELIPE, 2001, p.34)
Embora Felipe (2001), trate como algo de desejo, percebe-se que essa postura,
do Padre, em criar uma escola de música na zona rural no Crato, se aproxima de uma
postura política particular, talvez, adotada em meio às demandas por mão de obra nas
grandes cidades, ou seja, o homem do meio rural passa a ser “aliciado” pela oferta e
promessa de melhores dias na zona urbana e nas cidades, e a valorização do conhecimento
técnico científico implantados pelos regimes ditatoriais, sobretudo a partir da implantação
das Regiões Metropolitanas.
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1300
O contexto da criação dessa escola perpassa pelo período de industrialização
do estado do Ceará, que se inicia a partir do nascimento da república. Para Amora (2007)
esse fenômeno da industrialização no Ceará tem três períodos distintos, o que pode ter
proporcionado a saída do homem do campo para a cidade, uma contribuição a mais no
processo de urbanização4:
No Ceará, em geral, identifica-se três períodos de implantação industrial que
correspondem a momentos distintos da divisão internacional e nacional do
trabalho: o primeiro, inicia-se no final do século XIX e estende-se até os anos
de 1950; o segundo, compreende os anos de 1960 até meados da década de
1980, quando começa um terceiro período, ainda em curso. (AMORA, 2007,
p. 371)
A industrialização no Ceará assim como em todo o Brasil era uma “porta de
saída” das mazelas vividas pelo homem sertanejo; e outra de entrada em vidas melhores
nos centros urbanos que se fortaleciam a partir da década de 1970, principalmente em
algumas capitais dos estados brasileiros com implantação e instalação das regiões
metropolitanas. Nessas cidades o homem do campo via as possiblidades de tais mudanças,
no entanto, a mão de obra era desqualificada e também a ida às cidades não era garantia
de emprego nem tão pouco de melhoria nas condições de vida. O ambiente e as relações
eram outros. Na busca de alternativas de sobrevivência e de vida as levas de homens e
mulheres do interior do Nordeste brasileiro principalmente, gerou uma superlotação nas
cidades que recebiam esse contingente ocasionando outros problemas sociais, ou seja, as
políticas públicas a época se é que existiam não atenuava para todos os públicos que
compunham a sociedade brasileira. E nesse sentido, os meios para o sertanejo sobreviver
e aprender a conviver e permanecer no seu lugar é que não foram criados e nem tão pouco
levados em consideração.
 A criação de um espaço voltado à educação de crianças e jovens
A função social desenvolvida pela Escola do Padre Ágio foi além da relação
vertical professor aluno. Existia e existe na criação dessa escola uma relação de
autonomia pessoal, profissional, espiritual e sacerdotal das pessoas que a procuram.
Desde o fim da década dos anos de 1960, que essa escola desempenha relevantes serviços
4
Essa leitura do espaço urbano permite chegar a uma definição geral dele através das contradições e das negações
imbricadas: o que se constitui é um tempo-espaço diferencial. O tempo e o espaço do período agrário são acompanhados
de particularidades justapostas: as dos sítios, dos climas, da flora e da fauna, das etnias humanas etc. O tempo e o
espaço da era industrial tenderam e ainda tendem para a homogeneidade, para a uniformidade, para a continuidade
constrangedora.( LEFEBVRE 1970, pp. 86-87)
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na sociedade cratense. A educação passava por transformações importantes, justamente
resultantes das conquistas adquiridas pela nova constituição Federal de 1988, contudo é
importante ressaltar que nesse período a educação era regida pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação de 1971, na qual já tratava a partir do seu artigo 24 até o 28 sobre o
nível de ensino supletivo destinado a atender o público de adultos e jovens que não
concluíram os estudos. Conforme apontado no Artigo 24, “o ensino supletivo terá por
finalidade: a) suprir, a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não a
tenham seguido ou concluído na idade própria”5.
É a partir do ano de 1988 que a escola de música passa a assumir um papel
decisivo na formação das crianças, adolescentes, jovens e adultos da comunidade. É
nesse ano, que através da pesquisa de campo e utilizando-nos da oralidade que se
apresenta o ensino e alfabetização como mecanismo de promoção social. Assim, nos
relatos da professora Raimunda, torna-se evidente a necessidade de alfabetizar os
participantes da conceituada Sociedade Lírica do Belmonte - SOLIBEL, pois a escola de
música já ganhava status a nível nacional.
Plano de fundo do auditório da
escola. SILVA, 2015.
A referida escola passou a funcionar também como espaço de alfabetização por
meio de uma crítica feita pelo Padre Ágio aos representantes da educação estadual do
Ceará, pois na escola de música havia muitas crianças e jovens que não sabiam ler e
escrever. Após essa informação os representantes oferecem uma sala de Educação de
Jovens e Adultos, com o intuito de atender ao pedido do Padre e dessa forma contribuir,
com o desenvolvimento da população do lugar, e assegurar o acesso à escola definido
5
BRASIL. Lei nº 5.692, 11 de agosto de 1971. Fixa as diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras
providências.
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pela constituição federal de 1988. É importante refletir, também, sobre o período da
ditadura militar que se instalou no Brasil a partir de 1964 até 1985, em que boa parte da
população vivia sob fortes repressões estatais, inclusive escolas, igrejas, universidades e
movimentos sociais.
Através de uma ação punitiva exemplar contra os setores chamados de esquerda e de
um forte controle sobre os trabalhadores (controle sindical e salarial, esvaziamento da
Justiça do Trabalho), o governo autoritário implantado a partir de 64 conseguiu
reorientar os objetivos da acumulação acelerada, da modernização tecnológica e de
baixos níveis de investimento social (na educação, na saúde, no saneamento, etc.).
Assim, tanto as massas populares como os setores políticos considerados de esquerda
são excluídos dos mecanismos de participação social (NORONHA,1994, p. 225)
O acesso à educação como destaca Xavier (1994), ou falta de acesso, pode ser
ocasionado por motivos diferentes. No município do Crato na década de 1980, as áreas
centrais da cidade concentravam boa parte dos colégios, porém a escola do Padre Ágio
era um capítulo à parte nessa história. A escola por se localizar na zona rural do munícipio,
à época, e distante da cidade assumia um caráter de formação às pessoas. Com a falta de
transportes escolares, e escolas convencionais na comunidade e políticas públicas ao
contingente rural contribuíam para a permanência dessa população de semianalfabetos e
analfabetos.
Ainda segundo a senhora Raimunda, que foi professora de alfabetização nesse
período, a sala de Educação de Jovens e Adultos- EJA, foi impulsionada por meio de um
pedido do Padre Ágio às autoridades da educação, em um dado encontro realizado pela
18º Coordenadoria Regional de Educação do Ceará-CREDE 18. Essa possibilidade de
uma sala de ensino destinado ao ensino e aprendizagem dos habitantes do Belmonte,
Lameiro e de todos que procuravam a escola de música. Essas duas primeiras
comunidades se restringiam ao ensino proferido pelas aulas de música do Belmonte, pois
a partitura de certo modo foi capaz de fornecer o primeiro contato com as letras-musicais.
Uma extensão de uma sala de Educação de Jovens e Adultos no ano de 1988 foi uma das
soluções adotadas para tentar erradicar o analfabetismo tanto na escola como na
comunidade do Belmonte, embora de forma incipiente e insuficiente, pelo tamanho da
comunidade e da demanda que se apresentava.
Os estudos sobre o analfabetismo no Brasil foram alarmantes entre as décadas
de 1980 e 1990, contudo é a partir da realidade brasileira e não diferente do cariri cearense
que temos a percepção do papel social desempenhado pela alfabetização da Escola Heitor
Villa-Lobos em Crato.
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O perfil filantrópico da escola é também de encontro ao letramento e das
palavras; e é nesse intuito que assim como a introdução musical, desenvolvem-se os
talentos. A função de desmistificar o mundo das letras é uma missão que gera um
contentamento por parte de quem ensina e principalmente por quem apreende os
conteúdos partindo do seu contexto. A falta de acesso à escola e à educação pode
significar "desigualdades de direitos"; é partindo dessa afirmativa que passamos a
entender as dualidades entre cidade-campo; urbano-rural; assim como as criações dos
estereótipos envolvendo os letrados e não letrados. Tuan destaca que é quase natural a
oposição entre os pares, ou seja, assim como a dualidade entre o campo e a cidade,
notadamente os ambientes tem características físicas diferentes a começar pela paisagem,
o que faz pensar que possam existir relações sociais diferentes e nesse sentido requerem
analises de estudos especificas. “A mente humana parece estar adaptada para organizar
os fenômenos não só em seguimentos, como para arranjá-los em pares opostos.
Fragmentamos o espectro das cores em faixas discretas e então vemos “vermelho”, como
o oposto de “verde”. O vermelho é sinal de perigo, e o verde é sinal de segurança”
(TUAN, 1980, p.18). Porém, essa análise das “desigualdades de direitos” e a importância
da criação escola de música na zona rural do Crato se embasa também em pensar a relação
das instituições de ensino criadas na cidade e principalmente nas implicações políticas,
sociais e econômicas do Brasil, Ceará e munícipio do Crato à época no surgimento e
desenvolvimento da Escola do Padre e as dicotomias que servem como mascarar algumas
questões pontuais.
 O funcionamento das turmas
Com a criação de uma unidade de alfabetização na comunidade além das pessoas
que circulam e frequentam a escola ganharam em desenvolvimento intelectual como o
próprio lugar, pois o número de jovens e analfabetos que praticavam música era
significativo. Contudo como destaca a entrevistada: "os meninos aprendiam as partituras
rápido, as partituras são como desenhos, e mais eram jovens de cabeça boa e logo
aprendiam." Segundo a senhora Raimunda Gonçalves em entrevista concedida em 2014
e em 2015 ela afirma que a escola com o letramento das crianças, jovens e adultos
analfabetos significou ganhos positivos à sociedade, uma vez que a procura era
significativa por esse serviço.
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Ainda se apropriando dos momentos da entrevista realizadas com a Senhora
Raimunda, a escola atendia a dois turnos específicos: pela manhã alfabetizava-se às
crianças com a utilização do método da casinha feliz, ou seja, era ensinado conforme a
semelhança das sílabas, utilizando-se do canto como uma das metodologias. No turno da
noite era a vez dos adultos, já para esse público apresentava-se uma dificuldade maior,
pois a grande maioria passava a maior parte do dia no trato com a terra ou desempenhando
outas atividades; para esse público não dispunham de material didático ao contrário das
turmas das crianças.
 Vestígios do ensino para crianças, jovens e adultos
Na pesquisa realizada buscamos informações quanto à instalação dessa sala de
alfabetização. Além dos relatos orais por parte do Padre, encontramos a professora que
lecionou nesse período. Fomos no ano de 2014 até o Centro de Educação de Jovens e
Adultos-CEJA de Crato a fim de obtermos documentos que comprovassem a existência
desse núcleo, porém sem sucesso. Anteriormente e em posse de um livro que traz
inúmeros artigos sobre relatos de professores; instituições de ensino; diários de
professores dentre outros, entramos em contato pela segunda vez com a professora citada.
Perguntamos à professora se ela tinha algum material dessa natureza ou algo semelhante
que pudesse nos ajudar na estruturação da pesquisa. À primeira vista ela ficou um pouco
sem entender a nossa proposta, e para nossa surpresa ela se comprometeu em verificar na
sua residência se ainda tinha algum material da época em que foi professora de
alfabetização naquela escola.
Foto: Livro apoio ao professor na alfabetização
dos adultos. SILVA, 2015.
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Contrastando com a falta de informação das instituições responsáveis pelo
registro das escolas no munícipio, a professora nos dispôs de um livro destinado ao auxílio
dos professores, utilizado por ela como auxílio em suas atividades. A ficha catalográfica
traz as seguintes informações: "Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos.
Livro do professor. Orientações Básicas. Rio de Janeiro, 1986. Programa de Educação
Básica- Alfabetização 1". Esse livro foi elaborado pelo Ministério da Educação em
parceria com a Secretaria de Ensino de 1º e 2º Graus - SEPS, voltado especialmente para
os jovens e adultos, deixando detalhes suficientes para se pensar a existência de uma
unidade de ensino.
A professora ainda nos apresentou outro livro destinado na sua atuação
profissional, no método já apresentado conhecido como "Casinha Feliz". Esse livro
apresenta na capa as seguintes informações: "3ª Delegacia Regional de Educação. Curso
de Formação de Professores. Método Fônico Repetitivo: A Casinha Feliz. 1986”.
Livro utilizado na alfabetização das
crianças. Foto: SILVA, 2015.
A senhora Raimunda ainda nos apresentou um trabalho científico de sua autoria
no qual aponta informações quanto à função exercida pela Escola de Educação Artística
Heitor Villa-Lobos, - e que utilizamos como fonte de pesquisa na realização desse
trabalho – que de certa forma foi uma fonte importante diante da falta de informações das
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instituições públicas que poderiam ter em seus arquivos tais informações. Segundo ela, a
instituição surgiu
Em 20 de agosto de 1974 foi registrada no serviço social do MEC, Nº 243505.
Em 20 de agosto de 1975 foi escrito no C.G.C nº 07.390/0001-01. Em 21 de
maio de 1974, a sociedade foi reconhecida como Utilidade Pública Municipal,
Lei nº 949. Em 25 de junho de 1976 foi reconhecida como Utilidade Pública
Estadual, Lei nº 11.875. (FELIPE, 2001, p. 39)
Ainda motivados por maiores informações procuramos a 18º CREDE em
Crato, no intuito de registros, contudo não obtivemos sucesso. Detivemo-nos, as
informações colhidas oralmente, porém descontente com a dura realidade da falta de
documentos por parte das autarquias responsáveis por tais registros.
3 Considerações finais
Como se apresenta é importante entender o passado sobre qualquer aspecto. No
trato com o passado na educação no nosso país não é diferente, assim como também no
estado do Ceará, pois estudar esse importante seguimento social é fundamental para o
entendimento das conquistas.
A Escola de Música Heitor Villa-Lobos, foi uma dessas instituições que
contribuiu para o desenvolvimento da sociedade caririense, e continua a pensar grande na
construção social. A primeira visão era de apenas ensinar música, contudo foram-lhe
atribuindo outras funções e hoje é reconhecida pelos serviços prestados na sociedade,
onde a principal função é a de "Semear arte e fé pelo bem da humanidade".
Com os serviços prestados e pela incorporação do serviço de alfabetização de
crianças, jovens e adultos que frequentavam a escola, mostrou-se que a educação pode
ser trabalhada a partir da ideia de socialização do conhecimento, graças às ações
desenvolvidas por seu idealizador o Padre Ágio é que podemos enxergar que basta
compartilhar o que se sabe para se ter a formação de bons cidadãos.
Destacamos, também, as funções desempenhadas pela professora Raimunda
Gonçalves de Moraes Felipe, pois além do Padre, essa senhora conhecida carinhosamente
como Dona Mundinha, foi fundamental nessa pesquisa, que não tem a pretensão de se
encerrar por aqui, aliás, sobre as considerações, podemos dizer que não são as finais,
muito pelo contrário são as iniciais.
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DANÇANDO, CONSTRUINDO LAÇOS E DANDO NOVOS
SIGNIFICADOS AO ENVELHECIMENTO
Ticiana Maria Gomes Guedes 1
Maria da Penha Sousa Lima2
Magnóllya Moreno de Araújo Lelis3
Paula Cristiane de Lyra Santos4
Resumo
A população idosa está aumentando em todo o mundo. Estudos comprovam que a prática
da dança mostra-se substancial para um envelhecimento saudável e uma forma de
inserção social. O objetivo maior dessa pesquisa é analisar se a dança do forró promovida
pelos idosos da Associação Pro-Melhoramento do Bairro Seminário, Crato/CE contribui
para a autonomia, autoestima, saúde e inserção social dos mesmos. A pesquisa foi do tipo
qualitativo, de natureza descritiva e método indutivo. A construção dos dados partiu da
observação sistemática e entrevistas com os idosos. No tratamento dos dados, optou-se
pela análise de discurso. Concluiu-se que a participação nos forrós torna os idosos ativos
promove a autonomia, melhora a autoestima, contribui na autonomia, além de ser
transformadora da condição de vida, saúde e inserção social dos mesmos. Os momentos
da dança permitem o encontro consigo e com o outro, dando novos significados ao ser
idoso.
1- Introdução
Pesquisas recentes constatam o aumento da população idosa em escala mundial.
No Brasil, estima-se que, em 2020, já seremos o sexto país do mundo em número de
idosos. Essa população enfrenta situações de desvalorização social, preconceito e ainda
convive com doenças crônicas e limitações funcionais próprias da idade. Alguns idosos,
por esforços próprios, criam possibilidades e caminhos para estabelecer espaços na
sociedade e, a dança, tem sido uma dessas oportunidades. Estudos comprovam que a sua
prática mostra-se substancial para um envelhecimento saudável, pois desempenha o papel
Especialista em Saúde Pública. Graduada em Enfermagem pela Universidade Regional do Cariri – URCA, Email:
[email protected]. COREN: 129.683.
1
2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional Sustentável (PRODER) da Universidade
Federal do Cariri (UFCA). Especialização em Psicopedagogia pelo Faculdades Integradas de Patos, Brasil(2008).
Graduada em História e professora do Secretaria da Educação Básica do Ceará, Brasil.
E-mail:
[email protected].
3
Mestranda em Desenvolvimento Regional Sustentável pelo PRODER- UFCA. Graduada em Enfermagem pela
Universidade Regional do Cariri – URCA, E-mail: [email protected]
4
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará. Professora do Departamento de História da Universidade
Regional do Cariri- URCA. E-mail: [email protected]
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de desenvolver a pessoa holisticamente, previne e retarda o surgimento de doenças
crônicas degenerativas como hipertensão, diabetes, osteoporose e Alzheimer.
O mundo moderno caracteriza-se pela sociedade de consumo, incremento da
tecnologia, aumento da produtividade e valorização do belo. Nessa sociedade, o
envelhecimento torna-se descartável, como nos afirma Sousa et al (2010, p.10) “um
produto do qual o prazo de validade expirou.” Portanto, além dos muitos problemas que
a própria idade acarreta, seja em seus aspectos físicos, sociais e psicológicos, a pessoa
idosa ainda convive com vários preconceitos e tende ao isolamento social e familiar.
A Universidade Federal do Cariri – UFCA, através do Mestrado em
Desenvolvimento Sustentável vem buscando empreender uma discussão mais ampla do
conceito de desenvolvimento sustentável, considerando não só a dimensão ambiental e
econômica, mas também, as questões sociais, políticas, culturais e humanas. O conceito
de sustentabilidade aqui adotado se alinha com um pensar sistêmico, com a harmonia
entre meio ambiente, as comunidades humanas, bem como toda a biosfera que dele
depende para existir. O mesmo se vincula à possibilidade de encontrar caminhos,
alternativas, planos e/ou soluções, a partir da busca por práticas sustentáveis na vida das
pessoas e do meio ambiente como um todo.
Motivadas por esse debate, assumimos o desafio de estudar uma temática ainda
pouco explorada no meio acadêmico, porém de significação, no entendimento de um
mundo sustentável, que valorize a vida e a sua continuidade, como elementos da
sustentabilidade. Nesse sentido, o objetivo maior dessa pesquisa é analisar se a dança do
forró promovido pelos idosos da Associação Pro-Melhoramento do Bairro Seminário,
Crato/CE contribui para a autonomia, autoestima, saúde e inserção social.
O principal esteio de abordagem do método da pesquisa se fundamenta na
formação de um vínculo de amizade e confiança com os idosos participantes, resultante
de um aprimoramento de quem deseja captar a própria vida manifestada no sujeito que
escuta e no sujeito que fala. Assim, fomos sujeitos e objetos ao mesmo tempo. Sujeitos
enquanto buscávamos e indagávamos saber. E, objetos, no papel de ouvintes e
registradores das falas, memórias e vivências dos idosos. Portanto, nossa proposta não é
somente trazer amostragem, quantificações, antes o intuito que nos levou a empreender a
pesquisa foi o olhar observador e o registro da voz e, através dessas ferramentas, traduzir
a vida e o sentimento de pessoas que têm muito a expressar.
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2- Fundamentação teórica
É unânime entre os estudiosos que o envelhecimento, ainda que não seja igual
para todos, é um fenômeno que atinge todas as pessoas independentemente. Reconhecese também que é um processo dinâmico, progressivo e irreversível, e que está associado
aos fatores biológicos, sociais e também psíquicos. Assim, não poderíamos deixar de
iniciar as primeiras palavras desse diálogo, trazendo a concepção de sociedade contida no
Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento (Madrid, 2002, parágrafo 19), no
qual reconhece que:
Uma sociedade para todas as idades possui metas para dar aos idosos a
oportunidade de continuar contribuindo com a sociedade. Para trabalhar neste
sentido é necessário remover tudo que representa exclusão e discriminação
contra eles.
A primeira década do século XXI traz o agravamento de uma série de
problemáticas em nível mundial, sejam elas ambientais, ecológicas, como também
culturais, sociais e políticas. Essa realidade nos impõe um novo pensar da sociedade, em
que no lugar da exclusão, fome, destruição do meio ambiente, segregação social e do
abandono, o ser humano assuma o papel de cuidar da vida em todas as suas dimensões.
Não há como continuar ignorando todas estas questões que envolvem o idoso,
pois segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), do período de 1975 até 2025, se
reconhece como a “Era do Envelhecimento.” Sem dúvida, os avanços tecnológicos da
ciência, sobretudo no campo da medicina, têm propiciado o prolongamento da vida,
repercutindo no envelhecimento da população mundial. No Brasil, os estudos constatam
um significativo aumento da população idosa. Veras (2007, P. 1) aponta que “o Brasil é
um jovem país de cabelos brancos. Todo ano, cerca de 650 mil novos idosos são
incorporados à população brasileira...”
Não há dúvidas de que a sociedade industrial é maléfica para os idosos. A falta
de assistência, principalmente no que diz respeito às atividades de lazer, a desvalorização
social, e ainda convivem diariamente com o preconceito, é uma realidade que precisa ser
mudada, do contrário apenas avançaremos no prolongamento da vida, mas não
consolidaremos a promessa do direito de desfrutar uma melhor qualidade de vida. Souza
et al. (2010) observam que as sociedades capitalistas excluem alguns grupos do desfrute
e convívio social e aponta que é perceptível nesse século XXI a exclusão do idoso.
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Essa realidade também tem provocado muitos debates na direção de um novo
olhar que projete a possibilidade de relações sociais mais saudáveis entre os seres
humanos e entre estes e o meio ambiente. No centro dessa discussão surge o conceito de
desenvolvimento sustentável, com o Relatório de Brundtland (Nosso Futuro Comum).
Em 1987, o tema ganha notabilidade e divulgação em escala mundial. O ponto norteador
do documento centra-se na definição do conceito de desenvolvimento sustentável como:
"o atendimento das necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as
gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades" (WCED, 1987).
O tema desenvolvimento sustentável aparece, inicialmente, ligado à questão
econômica e ambiental, deixando de fora as questões sociais, políticas, culturais e
humanas. Então, nos vem uma grande pergunta: sustentabilidade para que e para quem?
Entendemos que não tem como pensar um mundo sustentável, sem colocar no centro da
discussão, a dimensão humana. Uma interessante pesquisa do Instituto Akatu, realizada,
em 2012, intitulada “Rumo à sociedade do Bem-Estar”, revela alguns indicativos de que
o brasileiro relaciona o bem-estar muito mais ao convívio social do que ao consumo.
Outro dado revelado na pesquisa aponta que ser feliz para o brasileiro é poder está e se
relacionar bem com a família e os amigos e, também, ter saúde.
Não há como pensar em sustentabilidade para os idosos sem compreender que
passa necessariamente pela valorização da pessoa humana, pela construção de espaços
que permitam a integração entre esse grupo e a sociedade. Passa também pela
compreensão de que o idoso, além de boa qualidade de vida, precisa de carinho, atenção,
lazer, cuidados e, principalmente, contato social e autoestima. Essa possibilidade se torna
muito difícil em países como o nosso, pois os espaços para essa parcela da população
ainda é muito incipiente, principalmente para as classes menos favorecidas. A cidade de
Crato/CE, não foge ao contexto nacional.
No entanto, as adversidades nem sempre imobiliza, a prova disso é a existência
da Associação Pro-Melhoramento do Bairro Seminário, que tem, entre outras, ações
voltadas para os idosos, proporcionando atividades diversas de lazer e descontração, das
quais se destaca “o forró dos idosos”, também conhecido como “Forró de D. Lourdes,”
principal organizadora dos eventos. Aos 81 anos, D. Lourdes diz-se satisfeita em ver os
outros idosos felizes. Afirma que a sua saúde se deve ao fato de está sempre envolvida.
Durante a velhice, deveríamos estar ainda engajados em causas que nos transcendem, que
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não envelhecem, e que dão significado a nossos gestos cotidianos. Talvez seja esse um
remédio contra os danos do tempo (BOSSI, 1984, p. 80).
Os estudos têm demonstrado que a dança exerce uma influência bastante positiva
na vida das pessoas, além de ser uma atividade prazerosa e transcendente, tem ainda o
poder de incentivar a prática da atividade física nos idosos sedentários, contribuindo na
manutenção da força muscular, equilíbrio, sustentação e mudanças no estilo de vida. Para
Brito (2008)5, a participação de idosos em grupos de convivência demonstrou que todos
os idosos pesquisados se disseram:
(...) muito felizes em serem participantes, mesmo que lembrem, às vezes de
algumas dificuldades em suas vidas que aparecem com a idade, como por
exemplo, certas doenças. Todos se mostram felizes em se reunirem com seus
amigos para conversar, brincar, enfim terem uma melhoria na qualidade de
suas vidas.
Uma das principais causas para as doenças crônicas degenerativas, dentre elas,
a hipertensão, osteoporose, acidente vascular cerebral, doenças cardiovasculares, é o
sedentarismo. A dança vista como prática de atividade física, além de tornar o corpo mais
ativo, debelando o sedentarismo, contribui também para a manutenção da aptidão
funcional do organismo, melhorando o funcionamento geral do corpo (SOUZA et al.
2010)
De acordo com Sassaki (1999), o ato de dançar se apresenta como uma
possibilidade de mudança, pois aumenta à autoestima, combate ao estresse, favorece a
independência do idoso na comunidade e melhora sua imagem corporal, propiciando o
aumento da força muscular, fatores essenciais na prevenção de quedas e fraturas em
idosos.
Estudos reforçam que a prática da dança tem forte característica de
sociabilização e motivação. Corroborando com esta premissa, Mazo e Silva (2007),
afirmam que dançar promove a integração social, melhora o estado emocional, contribui
para a autoestima, autoconceito, além de ajudar no humor, positividade, autocontrole
psicológico, ainda tira o idoso da inatividade e do isolamento.
Para além do movimento, a dança influencia na autonomia, propicia uma
sensação de liberdade e melhora “o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e para
5
Estudo realizado em 2008, coincidentemente também no locus da nossa pesquisa, no Bairro do Seminário/Crato-Ce.
Dissertação de Mestrado, intitulada: Memória Social e memória educacional: o caso do Grupo de idoso São José
do Seminário, Crato/Ce, da pesquisadora, Luiza Amanda Santos Brito, pela Universidade Federal do Ceará/ UFC.
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influenciar o mundo, questões centrais para o processo de desenvolvimento.” Sen (2000,
p. 33). Portanto, é no passo da dança, que se dá o encontro com a autonomia, autoestima,
saúde e sustentabilidade.
3- Procedimentos metodológicos
A Pesquisa tem caráter qualitativo, de natureza descritiva. Optamos pelo método
indutivo, por se adequar aos objetivos do estudo. A construção dos dados partiu da
observação sistemática e entrevistas com os idosos. No tratamento dos dados, optou-se
pela análise de discurso, por entendermos que a expressão da fala é antes de tudo uma
prática social. (FOUCAULT, 2005). Assim as falas colhidas foram interpretadas para
além das palavras, considerando o contexto vivido pelos idosos, além de possibilitar a
interpretação simbólica da fala, suas influências sociais, políticas e ideológicas.
O locus da pesquisa é o entorno, onde se localiza a Associação PróMelhoramento do Bairro Seminário, Crato/CE. Entidade fundada em 1982, somando
atualmente, oitenta associados.6 O Bairro Seminário, localizado a oeste da cidade, é um
dos bairros mais antigos do município, e sua fundação está diretamente ligada à
construção do Seminário São José7. O bairro ao longo do tempo vai adquirindo uma
relativa “autonomia” do centro da cidade, atualmente conta com duas farmácias, alguns
supermercados, postos de saúde, posto de gasolina, escolas estaduais e municipais e, a
fábrica Grendene, e o mais recentemente e o maior atrativo turístico de Crato, a Encosta
do Seminário8. O município do Crato tem uma População estimada para o ano de 2014,
segundo o Instituto de Geografia e Estatística – IBGE de 127.657 mil habitantes, dos
6
Segundo Dona Lourdes (Presidente da Associação), os seus fundadores foram: Monsenhor Bosco Esmeraldo, Madre
Esmeraldo (já falecida) e Padre Teodósio – que durante muitos anos foi pároco da Igreja do Seminário São José.
7
O Seminário São José está localizado no Alto do Seminário, podendo ser visto de qualquer lugar da cidade, bem
como de lá se tem uma bela vista da cidade de Crato. Idealizado a partir de Dom Luiz Antônio dos Santos Bispo do
Ceará, que em agosto de 1874, ordena Pe. Enrile a dá início a construção do Seminário do Crato. Bem antes da sua
fundação, as primeiras aulas aconteceram em barracões de palha. Durante o final do século XIX e boa parte do século
XX, o Seminário São José foi o mais importante centro cultural e educacional do Cariri Estados vizinhos (Pernambuco,
Piauí e Paraíba), sendo ainda o primeiro estabelecimento de ensino religioso e superior do interior do Nordeste.
8
Recuperação Ambiental e Urbanização do Bairro Seminário, como assim é chamado, foi uma ideia que iniciou suas
discussões a mais de seis anos, sendo inaugurada, no mês de julho de 2015. O projeto tem em sua infraestrutura
saneamento, urbanização, iluminação, praças, sinalização, academia e várias áreas de lazer. Sua construção gerou vários
debates de ambientalistas, população em geral, engenheiros, sobretudo das famílias que tiveram de ser retiradas ao
longo da obra. O orçamento de todo o projeto da Encosta do Seminário tem um investimento de cerca de R$ 33
milhões de reais.
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quais a maior parte se encontra no Bairro Seminário, com cerca de 12.859 habitantes,
sendo sua população idosa em torno de 8% do total.9
Figura 1- Localização da área de estudo. Fonte: Bases cartográficas Google Maps. Elaboração
Matheus Salustriano, 2015.
Dentre os 5.565 municípios, o Crato encontra-se na colocação 1514º, em índice
de Desesenvolviemento Humano – IDH, segundo dados de 2010 do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento – PNUD. O conceito de Desenvolvimento Humano,
adotado pelo PNUD tem como pressuposto que para se aferir “o avanço na qualidade de
vida de uma população é preciso ir além do viés puramente econômico”, assim considerase também características sociais, culturais e políticas, por entenderem que esses aspectos
influenciam diretamente na qualidade da vida humana, em outras palavras:
9
Dados que encontra-se no site: http://populacao.net.br/populacao-seminario_crato_ce.html (acesso em 02/08/2015),
as informações contidas no site, se baseiam no senso de 2010.
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Diferentemente da perspectiva do crescimento econômico, que vê o bem-estar
de uma sociedade apenas pelos recursos ou pela renda que ela pode gerar, a
abordagem de desenvolvimento humano procura olhar diretamente para as
pessoas, suas oportunidades e capacidades (PNUD, 2010, p 80)
Na impossibilidade de entrevistar os 80 (oitenta) associados, elegemos alguns
critérios de seleção dos sujeitos participantes, a saber: frequentar regularmente as
reuniões da Associação, participar das atividades desenvolvidas que envolvem o forró,
tais como: dia das mães, dos pais, dia do ancião, festas natalinas, juninas, passeios e ser
associado (a) a mais de cinco anos. Nessas condições, totalizaram 30 idosos, sendo 25
mulheres e cinco homens dos quais, entrevistamos 5 idosas e 1 idoso.
A pesquisa terá duração de cinco meses. Durante todo o período é intenção
incluir 20 participantes no rol de entrevistas. As questões obedecem a perguntas abertas,
permitindo aos entrevistados uma liberdade maior nas respostas. A intenção é ter uma
conversa franca e aberta, onde os idosos ficassem mais a vontade para expressar seus
sentimentos e emoções.
As observações também assumem papel fundamental na coleta e construção de
dados. Nos dois primeiros meses, participamos de uma reunião, um forró que acontece
mensalmente e o dia do ancião – atividade que envolve o forró. Também fomos a um
forró em que os idosos da Associação participaram no Distrito de D. Quintino, a 25 km
do município de Crato. Os diários de campo, fotos e filmagens feitos nesses dias reúnem
um material muito rico em informações e impressões.
4- Resultados e discussões
A primeira década do século XXI nos traz uma alerta de que precisamos rever e
mudar nossa mentalidade na maneira de ver e pensar o ser humano, em especial o idoso.
A dança para os idosos pesquisados se mostrou ser uma atividade prazerosa, que
possibilita uma melhora no desempenho das atividades de vida diária, preservação de suas
capacidades funcionais, contribuindo para uma maior autonomia, autoestima, melhorias
na saúde e mudanças no estilo de vida.
De maneira geral, todos os idosos pesquisados evidenciaram a alegria e a
felicidade, quando indagados sobre o que sentem ao dançar. Isso pode ser visto
claramente nas falas:
“Sinto muita alegria, sou muito feliz quando tou dançando (risos) (...) eu me
sinto muito feliz, não só eu, mais todas as idosas.” [Idosa B].
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“é só alegria né (...) a gente se diverte (...) me sinto muito bem.” [idosa D].
“me sinto muito feliz ... a gente gosta e acha bom mesmo ... dançar aquelas
músicas boa da gente dançar ... eu mesmo me sinto muito bem quando eu tou
dançando. (risos) [idosa C]
Figura 2- Foto do Forró dos Idosos. (Arquivo pessoal)
A sensação de alegria, felicidade e prazer em estarem dançando foi o que mais
nos marcou nesse dia em que acompanhamos e participamos do forró, os idosos e idosas
nos receberam com muita satisfação, faziam questão em passar por perto de onde
estávamos, muitos até faziam poses para que a gente fotografasse. Como pode ser
observado, na foto, o lugar não tem nenhum luxo, o grupo que frequenta e participa do
forró e das outras atividades promovidas pela Associação, são em quase sua maioria,
formada por mulheres, cerca de 80%, destas, a maior parte são viúvas ou separadas, e
muitas moram sozinhas. Os outros 20% são homens, alguns viúvos, separados ou casados
com alguma das idosas do grupo. A maior parte são aposentados (as) com renda não
superior ao salário mínimo, renda que muitas vezes ajuda a filhos e netos dessas (es)
idosas (os).
Um fato que nos chamou atenção, em todos (as) os idosos (as) diz respeito ao
apoio da família, principalmente dos filhos, em gostarem de ver os pais fazendo alguma
atividade física, além de fazer novos amigos e se divertirem.
“... meus filhos faz é mandar eu ir (...) meu próprio marido quando tava doente
(...) ele já mandava eu ir. (idosa D).
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“ todo movimento de comunidade eles me apoia (...) porque eles gosta
também, também não querem me desgostar, e eles também me ajuda." (idosa
C)
“... os filhos acha bom eu ir pro forró (idosa A)
Muitos foram os aspectos mostrados nas falas que comprovam a contribuição da
dança na autonomia dos idosos. Aqui é importante destacar que, praticamente, todas as
atividades e/ou ações desenvolvidas na Associação são motivadas pelo forró, quais sejam:
dia das mães, dia dos pais, dia do ancião, festas juninas, natal, dentre outras. Os
entrevistados (as) confirmaram a liberdade, independência em sair de casa para dançar.
“ Eu vou só, sempre vou só, moro sozinha [...] tenho 81 anos, mas gosto de ir
pro forró, de vez em quando levo uma amiga de frente comigo [...] mas quase
sempre vou só.” [idosa A]
“ ... vou mais minha irmã, amigas e os casais vizinhos.” [idosa D]
“ ... moro sozinha, faço minhas coisas, vou pra rua [...] também pro forró
sozinha e às vezes com a minha irmã que é viúva [...] risos. [idosa B]
Essas falas revelam a independência dos entrevistados em sair de casa para
dançar. Poder decidir por sua própria vontade, inclusive determinar os horários de sair e
retornar para casa, o que demonstra um grau elevado de liberdade. Mesmo com as
limitações que a idade lhes impõe, não significa empecilhos para sua autonomia, talvez
isso tenha relação com o fato de alguns morarem sozinhos, como bem é demostrado na
fala.
Não importa como ou com quem dancem, os idosos querem mesmo é se divertir
e apreciar o que a dança tem de melhor. Isso pode ser verificado nas falas e nas
observações de campo. Dos seis entrevistados (as), todos revelam esse sentimento:
“Danço mais minha irmã [...] danço só [...] danço com as outras idosas. Só
não gostava de dançar com homem não sei por quê... Quero mesmo é dançar.”
[Idosa B]
“Quando tem com quem eu dançar eu danço, quando não tem é sozinha mesmo
[...] não é só com homens que eu danço, eu danço mais as idosas também” ...
[Idosa D]
“Danço com mulher, com o esposo [...] o importante é se mexer.” [Idoso C]
“minha fia dançar é tão bom que danço mais mulher e mais homem, mas
dançar com as mulheres é melhor [...] mais sozinha não, risos.” [Idoso F].
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Figura 3- Foto do Forró dos Idosos. (Arquivo pessoal)
Pouco se ver pessoas paradas, dançar é a satisfação maior, como está
demonstrado nessa foto, ou sozinha, ou acompnahada, pouco importa, principalmente
para as idosas, os homens já são mais tímidos, geralmente procuram uma companhia para
dançar. Essa foto também demonstra o grau de liberdade, autonomia, essa senhora fez
questão de se aproximar da câmara para ser fotografada, como que quisesse nos mostrar
o quanto estava feliz. As observações, conversas e das histórias contadas, arriscamos dizer
que os sentimentos, as emoções, a sensação de bem estar, alegria, felicidades são próprias
do ser humano, idependentemente da sua condição sócio-econômica.
Ficou bastante evidente o quanto a dança traz de benefícios, sobretudo à saúde
dos idosos. A pesquisa revela também que a participação em todas as atividades
oferecidas pela Associação torna os entrevistados mais ativos, pensantes e úteis. As
reuniões em que podem opinar, serem ouvidos e escutados, tornam-se um excelente
exercício para a mente e para o corpo.
“Me sinto disposta, saudável... Quando eu assim vou dançar, se for possível
danço a noite todinha, quando chego em casa faço minhas coisas [..] a dor
parece que se some... gosto de tudo lá (...), participar é bom pra mim [...] me
sinto bem.”[Idosa B]
“... graças a Deus, saúde até hoje eu tenho [...] melhora as dores [...] quando
tem festa de dia, almoço lá, passo o dia todo, ajudo a organizar, me sinto
filiz.”[Idosa C]
“Os médicos mesmo diz, dançar faz bem à saúde” [Idosa C]
Porque é bom para saúde né [...] eu posso tá doente [...] se eu der uma
dançada minhas juntas já melhoram [Idosa B]
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Eu sentia dor na coluna, no joelho em todo canto, quando eu danço, eu me
sinto saudável, me sinto bem [...] é uma física né que a gente faz... [Idosa B]
“a dor faz é passar, [...] a gente num sente é nada.” [idosa E]
“Dançar é uma diversão boa, é boa pras perna da gente, dançar é uma física
boa, eu acho” [...] as vezes eu danço sozinha, dentro de casa pra ver se as
minhas pernas melhoram, se amolece mais as pernas” (risos intensos) [idosa
A]
“as pernas ficam mais leve, mais maneira”... a gente vai fazendo movimento
né... a gente fica alegre, fica mais disposta, as dores diminuem, pois quando
eu me levanto da cadeira eu levanto toda dura, seu eu não me segurar eu caio,
aí fazendo movimentos é melhor para as dores, aí melhora a pressão.” [idosa
A]
Tanto nas observações, como nos relatos, os entrevistados deixam transparecer
sentimentos positivos, sensação de bem-estar, e se não dançam sentem-se tristes. Fica
claro o quanto dançando evitam a depressão, aliviam as preocupações e melhoram a
autoestima. Nesse sentido, revelam:
“Eu morava só né, então quando eu me sentia triste e ia dançar, bom demais,
eu sentia alegria né, ali com minhas amigas, dançando, eu me sentia feliz, ai
eu esquecia aquelas angustias que eu sentia né, a pessoa que mora só sempre
tem um dia que é tristeza. [Idosa B]
“É porque muitas [...] preocupações, quando a gente tá ali dançando vai
simbora é tudo [Idosa C]
“A pessoa que mora só, para ali, fica pensando em muita coisa boa que passou
em sua vida ai vai pensar também em que de ruim também passou na vida [...]
recordações [...] ai eu saiu, me divirto e pronto aquilo ali esqueço.” [Idosa B]
“...muitas vezes a gente sai de casa com aquela tristeza e angústia por dentro,
[...] por exemplo eu que fiquei viúva há dois anos saio lembrando meu esposo
[...], quando chego lá que eu começo a pensar nele ai eu digo: vou é dançar e
vou brincar e já vou esquecendo aquela passagem de tristeza e é só alegria.”
[Idosa D]
Ribeiro (1997) afirma que a socialização através da dança reconduz os idosos ao
convívio social, na medida em que participam e reintegram-se. Portanto, é na relação com
o outro e consigo que se dá o encontro com a felicidade, autoestima e saúde, isso é ser
sustentável, do ponto de vista do desenvolvimento e da dimensão humana, características
essenciais para a qualidade de vida. Os relatos demonstram muito bem isso:
“... o idoso não pode se isolar porque prejudica né. Tem que se alegrar no
forró dos idosos... [Idosa B]
“quando chego no forró, encontro com as pessoas amigas, aí vai se divertir,
vai conversar [...] para mim não tem terapia melhor.” [idosa D]
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“lá eu me encontro com pessoas, converso, é um lazer, uma terapia, lá é um
lugar que tem muito respeito e alegria, me sinto realizada, completa.” [Idosa
E]
Figura 4- Foto do Forró dos Idosos (Arquivo pessoal)
Essa senhora da foto é Dona Lourdes, organizadora do forró, e presidente
da Associação. A presença de pessoas mais jovens não os/as intimidam, muito pelo
contrário, nosso colaborador da pesquisa entrou na dança também, numa
demosntração de quebra de barreiras entre o ser idoso e a sociedade que, em sua
quase totalidade, privilegia os jovens, sobretudo em relação ao lazer e a diversão.
Nos chamou atenção, o fato das mulheres, sem nenhum constragimento chamarem
os homens para dançar, e não importa se é idoso ou jovem, quando uma mais
extrovertida toma a iniciativa, é o caminho para as outras acompanharem, e por
incrível que possa parecer cansam os mais jovens, e elas/eles (idosos) continuam a
dançar.
Buber (1982) reforça a importância de que o homem só assume a condição
humana pelo encontro e pela capacidade de se relacionar e estar junto ao outro. De fato,
a dança torna os idosos mais felizes, mais ativos, com um grande prazer de viver e uma
melhor saúde e maior qualidade de vida.
5- Considerações finais
A participação nos forrós da Associação torna os idosos ativos, promove a
autonomia, melhora a autoestima, contribui no empoderamento, além de ser
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transformadora da condição de vida, saúde e inserção social dos mesmos. Os momentos
da dança permitem o encontro consigo e com o outro, dando novos significados do ser
idoso.
De acordo com os resultados da pesquisa realizada com o grupo de pessoas
idosas, ficou claro que a dança desempenha um papel importantíssimo na vida dos
mesmos. Proporciona além do prazer físico e emocional, um caminho inicial para
atividades físicas e despertar a sociedade a ter uma nova visão sobre o conceito de
envelhecer.
As inferências não são conclusivas, porém, em relação a esta pesquisa, podemos
verificar que os entrevistados afirmaram ter melhorado a sua saúde. Revelaram também
que a dança é uma atividade prazerosa, motivante e proporcionadora da felicidade.
Alguns idosos afirmaram se sentirem sozinhos, e após frequentar a dança do “forró dos
idosos” relataram mudanças significativas, sobretudo na questão da autoestima. Estes
fatores contribuem substancialmente para a prevenção do surgimento das doenças
crônicas degenerativas e ameniza os problemas decorrentes do envelhecimento.
Consideramos este trabalho importante, por tratar da questão do idoso sem
deixar de contemplar aspectos importantes que se apresentam no contexto cultural, social,
político, econômico e humano. É relevante e desperta, além da consciência do trato com
o idoso, o sentido que tem a dança na vida deles, como ferramenta socializante,
motivadora, integradora e holística.
REFERÊNCIAS
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das Letras, 1994.
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Grupo de idoso São José do Seminário, Crato/Ce. Fortaleza: Universidade Federal do
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SOUZA, Mônica F. de, MARQUES, Janaina P. VIEIRA, Andrea F. et al. Contribuição
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Revista Digital. Buenos Aires, Ano 15, Nº 148, septiembre, 2010. Disponível em:
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SEABRA, Giovanni de F. Pesquisa científica: o método em questão. Brasília: Editora
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FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense
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DIREITO DOS IDOSOS UM ESTUDO DA EFETIVAÇÃO E
FORTALECIMENTO DE DIREITOS SOCIAIS NO GRUPO DO CENTRO DE
REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL-CRAS-ALTO DA PENHA CRATOCE
Andressa Duarte Feitosa1
Ana Luiza de Melo Pinho2
Aldair Péricles Bezerra Monteiro3
Jéssica Luanna Cardoso Braz Gonçalves4
RESUMO
Esse trabalho tem como objetivo compreender os rebatimentos do Serviço de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos, do Centro de Referência de Assistência
Social- Alto da Penha na efetivação do acesso da pessoa Idosa aos direitos sociais.
Fornecendo algumas reflexões acerca dos Direito dos idosos: um estudo da efetivação e
fortalecimento de direitos sociais no grupo do CRAS- Alto Da Penha, Crato-Ce. Dessa
forma, o presente trabalho busca compreender o que dificulta no grupo de idosos a
efetivar a garantia aos direitos sociais no Crato-CE, surgindo o interesse pelo presente
estudo através do estágio supervisionado I e II realizado no período de 2014. Para tanto,
foi desenvolvida uma pesquisa de campo, caráter qualitativo, descritiva, utilizando a
técnica da entrevista semiestruturada com alguns idosos do grupo do CRAS, buscando o
conhecimento e a análise das ações desenvolvidas no Centro de Referência da Assistência
Social. Concluímos que há um desconhecimento dos idosos em relação aos serviços e aos
direitos, com isso torna-se vulnerável o atendimento dos serviços na dinâmica das
políticas públicas. Assim, esse estudo não se encerra por aqui, pois tem como foco servir
para outros estudos relacionados á velhice, como fonte de pesquisa para outros trabalhos.
PALAVRAS-CHAVE: Direito, Idoso, Grupo de Convivência.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho monográfico procura apresentar algumas reflexões
referentes às práticas desenvolvidas pelo o Centro de Referência da Assistência - CRAS
Alto da penha, mostrando de que forma é garantida a efetivação das políticas de
1
Graduanda em Serviço Social pela Faculdade de Ciências Aplicadas Dr. Leão Sampaio, Juazeiro do Norte, CE, Brasil,
[email protected]
2
Graduanda em Serviço Social pela Faculdade de Ciências Aplicadas Dr. Leão Sampaio, Juazeiro do Norte, CE, Brasil,
[email protected]
3
Professor Orientador Esp. pela Faculdade de Ciências Aplicadas Dr. Leão Sampaio, Juazeiro do Norte, CE, Brasil,
[email protected]
4
Graduanda em Serviço Social pela Faculdade de Ciências Aplicadas Dr. Leão Sampaio, Juazeiro do Norte, CE, Brasil,
[email protected]
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assistência social dirigida aos idosos, a partir da realização do grupo de convivência
social, como um dos instrumentos utilizados para busca do fortalecimento dos vínculos
familiares e comunitários e de uma fase idosa que busque a efetivação de seus direitos
através da política do Idoso e Estatuto. A escolha do tema resultou do período vivenciado
no estágio curricular no CRAS – Alto da penha no Bairro Alto da penha no Município de
Crato/CE, especificamente com o grupo de convivência social para o idoso, no período
de fevereiro de 2014 a novembro de 2014. Onde fez desenvolver os objetivos do trabalho,
como forma de Perceber qual é a função social do Idoso na sociedade capitalista, analisar
como funcionam as atividades do CRAS enquanto meio para informação acerca do
estatuto do Idoso, e Identificar como esse reordenamento dos serviços de convivência e
fortalecimento de vinculo contribui para oferta dos serviços para o Idoso.
Dessa forma, podemos perceber o interesse de realizar estudos nesse campo e,
no caso deste trabalho, optou-se por compreender os rebatimentos do SCFV do CRASAlto da penha na efetivação do acesso da pessoa Idosa aos direitos sociais. No bairro Alto
Da Penha no município de Crato/CE, enquanto ação desenvolvida pelo CRAS. Durante
as atividades ofertadas pelo grupo de convivência aos idosos, perceberam-se as
dificuldades que os mesmos enfrentam no seu cotidiano por não obterem o conhecimento
acerca da política que lhe assegura, e muito menos o Estatuto onde poucos conheciam.
Por acreditar que o requisito para uma melhor condição de vida, é o potencial do
individuo, o respeito, dignidade, e autonomia. Podemos perceber a importância de se
trabalhar essa temática, pois a garantia de direitos dos Idosos é um fator determinante
para o significado do Idoso na sociedade e sua importância. Contudo, o ambiente familiar
pode determinar e propiciar um comportamento adequado e saudável junto aos Idosos.
Diante dessas questões iniciais, podemos afirmar que nos sentimos instigados a realizar
uma pesquisa que pudesse contribuir para as discussões sobre o idoso e suas dificuldades
na efetivação dos direitos sociais, e falta de clareza acerca do conhecimento dessa
temática.
Apresento a experiência no estudo onde ocorreu a identificação com o espaço
sócio ocupacional que propiciou a aproximação da realidade em si, e sobre tudo, a
construção de um estudo teórico-prático dessa vivência na área da Política de Assistência
Social operacionalizada pelo CRAS.
Contudo, esse trabalho foi desenvolvido com base na realização de uma pesquisa
de campo, de cunho qualitativo, bibliográfico e de caráter exploratório para qual
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foramlançados procedimentos metodológicos como: levantamento bibliográfico, visitas
institucionais e aplicação de uma entrevista aos Idosos do grupo de convivência e
fortalecimento de vinculo do CRAS, os quais poderão oferecer suporte para um maior
aprofundamento do tema, explorando a área de pesquisa a partir de uma análise teórica,
bem como a obtenção de dados que facilitaram uma compreensão mais ampla sobre o
assunto, buscando identificar os elementos presentes no objetivo do estudo selecionado.
Abordando o envelhecimento no contexto da sociedade capitalista, o direito ao
envelhecimento saudável e a gestão da proteção social básica na defesa dos direitos
sociais da pessoa Idosa.
Onde ao final apresenta-se o percurso metodológico, a coleta de dados voltada
para a investigação sobre a experiência com o grupo de convivência na proteção social
básica, seus Serviços direcionados aos idosos. Contudo ser idoso é a maneira de se
permanecer jovem através da sabedoria, carregando no rosto a caminhada pesada que trás
nos olhos daqueles que tem o privilegio de chegar o verdadeiro sentido de viver, pois
somos todos iguais em tempos diferentes.
1 ENVELHECIMENTO NO CONTEXTO DA SOCIEDADE CAPITALISTA
1.1 O direito ao envelhecimento saudável: ensaios críticos sobre a participação do idoso
na vida cotidiana.
O envelhecimento é um tempo de descobertas inesperadas, que transforma a vida
do ser humano destinada á limitações impostas sobre o mercado. Com intuito de impor
suas propostas aos idosos, diante de uma lógica de bens e serviços voltados para uma
nova fase no mundo do capital. (BARTHOLO, 2003) Falar nessas limitações da pessoa
idosa, não significa dizer que esta esteja fadada ao fracasso, e restrita as suas atividades
cotidianas.
É no processo de envelhecer que surgem os novos desafios relacionados ao
convívio com os outros, e o relacionamento deve se dar de forma próxima e saudável. A
atenção de todos é voltada a cuidados, restando ao idoso silenciar-se com a rotina
estabelecida pelos familiares e as imposições sociais, na limitação do acesso as outras
atividades em beneficio do seu desenvolvimento intelectual, social e cultural
(BEAUVOIR, 1990).
Limitar e impor uma rotina de intensos cuidados, tratando o
idoso como alguém doente e incapaz, torna-se uma realidade deturpada da velhice, onde
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o cotidiano destes deve ser dotado de atividades que lhes instiguem a um bom
desenvolvimento e qualidade de vida.
Isso faz supor que, o idoso através do conhecimento sobre a vivência de suas
experiências de vida vem adquirindo consciência do seu desenvolvimento participativo
nos diferentes campos, assim evidenciam-se fatos oriundos da sua rotina, que levam a
responder aspectos contemporâneos referentes aos seus interesses, e dialogar sobre os
conflitos ocasionados da nova era, levando a contribuir para um crescimento participativo
da pessoa idosa no âmbito social, vindo a desmitificar fatores de que a velhice só trás
limitações e aspectos negativos. (MORAGAS, 2010).
Por tanto, é preciso lutar contra a ideia de que o velho é funcionalmente
limitado. Embora exista a possibilidade de que seja, esta não é a realidade da
maioria da população idosa, apesar do que possa parecer a muita gente. A
velhice humana origina redução na capacidade funcional devidas ao transcurso
do tempo, como ocorre com qualquer organismo vivo, mas essas limitações
não impossibilitam o ser humano de desenvolver uma vida plena como pessoa
que vive, não somente, com o físico, mas, sobretudo, com o psíquico e o social.
A velhice como qualquer idade, possui sua própria funcionalidade, visto que a
maioria das pessoas vive como pessoas “normais” dentro de uma sociedade
contemporânea. As barreiras á funcionalidade dos idosos são, com freqüência,
frutos das deformações e dos mitos sobre a velhice, mais do que o reflexo de
deficiências reais. (MORAGAS, 2010, p.22)
Presume-se que o idoso hoje tem desmistificado muitos mitos referentes à sua
idade, pois tem ocorrido nesse contexto novas atividades e participação destes no
enfrentamento as barreiras que tentam limitar o seu desenvolvimento tanto social como
familiar. Desse modo, a velhice tem ganhado um novo espaço sobre a busca de uma
melhor qualidade de vida, estando menos vulneráveis, porém ainda assim estes
pressupostos de trazer a velhice como um fardo e uma pessoa incapacitada em suas
instâncias são bastante evidenciados na sociedade.
Isso não significa desenvolver neste a perda de identidade, liberdade e
independência em algumas atitudes, pois pode tornar estas pessoas incapacitadas, sendo
que muitos não as têm. Onde esta incapacidade é criada no cotidiano da sociedade através
de uma perpetuação conservadora da população em relação à velhice.
Para Moragas (2010) esse momento relacionado à rotulação da pessoa idosa, se
distingue a partir de opiniões estabelecidas na atualidade sobre o conceito de beleza e
juventude, assim, o interesse da sociedade pelo consumo, impõe á velhice uma nova
roupagem na aparência, diante das inovações do mundo na concepção de juventude,
trazendo nessa lógica um intenso modelo de supervalorização da estética e indústrias de
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cosméticos que busca através do novo estereótipo engrandecer o uso desses serviços a
favor da beleza.
A modernidade tem tornado o consumo a cada dia mais intenso, pois é sobre a
lógica do mercado que intensifica a acumulação do capital, sobre essa perspectiva de
juventude atrelada ao marketing enraizado na mídia, induz a população a uma falsa ideia
de rejuvenescer, através da criação de produtos, mercadorias e serviços que busque
aumentar o consumo exacerbado. (BARTHOLO, 2003)
No que tange ás representações no mundo atual, observa-se certa rejeição aos
valores anteriormente ligados á velhice. Em uma sociedade em que a
experiência dos velhos é tomada como ultrapassada, assim como seu
conhecimento interessa menos pelo que é trazido na memória do que pela sua
capacidade de manter-se atualizado, as representações da velhice vão se
tornando contraditórias. De um lado, o esforço em manter-se jovial, com a
saúde e boa aparência, do outro, as reivindicações pela aposentadoria, devido
ao ingresso na “terceira idade”. Os esforços pelas mudanças nos termos
“idoso”, “terceira idade”, “melhoridade”. Aliás, ao mesmo tempo em que se
evidencia o envelhecimento da população, rejeita-se a velhice. (SIERRA,
2011, p.95)
Partindo desse fato, a atual realidade vivenciada pelo idoso nos novos
segmentos da sociedade vai deixando de lado os princípios que os fizeram chegar a essa
idade, propondo inovações no que diz respeito à aparência, impondo ao idoso uma figura
jovial, antenados pelas definições dos novos conceitos de mudança na realidade do
mercado.
Conforme Beauvoir (1990) o envelhecimento acerca do Estatuto do Idoso como
uma política tem proporcionado mudança diante dos novos paradigmas imposta pelo
capitalismo, levando segurança sobre seus direitos sociais. Assim, diante das novas
conquistas que se evidenciaram no decorrer do tempo, vem motivando cada vez mais a
capacidade dos idosos de se mostrarem aptos a se unir vindo a criar mecanismo de
transformações diante da lógica vigente.
A Política Nacional do Idoso (PNI) tornou-se fundamental para efetivação dos
direitos sociais, na procura de inserir a população Idosa nos programas destinados a
proteção e promoção do bem estar e qualidade de vida, juntamente com a participação da
sociedade civil. (TEIXEIRA, 2008).
Art. 3° A política nacional do idoso reger-se-á pelos seguintes princípios:
I - a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os
direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo
sua dignidade, bem-estar e o direito à vida;
II - o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo
ser objeto de conhecimento e informação para todos;
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III - o idoso não deve sofrer discriminação de qualquer natureza;
IV - o idoso deve ser o principal agente e o destinatário das transformações a
serem efetivadas através desta política;
V - as diferenças econômicas, sociais, regionais e, particularmente, as
contradições entre o meio rural e o urbano do Brasil deverão ser observadas
pelos poderes públicos e pela sociedade em geral, na aplicação desta lei.
(BRASIL, POLITICA NACIONAL DO IDOSO, 1994)
Dessa forma, é estabelecido em lei o direito de participação da pessoa idosa em
qualquer decisão que envolve seu cotidiano, convivência familiar, social e comunitária,
atribuindo a sua autonomia nos processos referentes à garantia dos direitos sociais e a
qualidade de vida.
Porém no cotidiano o que mais se observa é o desrespeito aos direitos inerentes
à pessoa idosa, onde diversos segmentos da população lhes tratam como uma pessoa a ser
descartada, tratando-as com desrespeito e sem dignidade, não é por conta de seu
envelhecimento que esta se torna incapacitada e destituída de sua autonomia e de seus
direitos enquanto pessoa humana, estes é quem mais deveriam ter uma vida saudável e de
bem-estar nesta fase da vida. Um maior trabalho de conscientização da sociedade em
geral para com o idoso deveria ser empenhado pelas políticas governamentais em
conjunto com a sociedade civil.
Dessa forma, o direito de se sentir bem na sociedade, família, ou grupos aos
quais os idosos participem, é um dever do Estado5 promover mecanismos de defesa dos
direitos ao idoso, pois, para obter uma qualidade de vida digna, é essencial a busca sobre
um equilíbrio entre o idoso e o seu meio social de forma saudável com ausência de
doenças, sobre a finalidade de promover seu bem estar na efetividade da política. (NERI,
2008)
Como se pode ver, o direito a convivência familiar vai muito além do que apenas
garantir alguns direitos destinados a essa população, pois é através da lei que busca
garantir os direitos tanto civis como sociais de proteção ao idoso, no dever de cumprir
com os cuidados destinados as suas necessidades, e afirmar a responsabilidade do Estado
perante a execução da política, com a exigência de ações e serviços de forma correta aos
5Art.
10. Na implementação da política nacional do idoso, são competências dos órgãos e entidades públicos: I - na
área de promoção e assistência social: a) prestar serviços e desenvolver ações voltadas para o atendimento das
necessidades básicas do idoso, mediante a participação das famílias, da sociedade e de entidades governamentais e nãogovernamentais. b) estimular a criação de incentivos e de alternativas de atendimento ao idoso, como centros de
convivência, centros de cuidados diurnos, casas-lares, oficinas abrigadas de trabalho, atendimentos domiciliares e
outros; c) promover simpósios, seminários e encontros específicos; d) planejar, coordenar, supervisionar e financiar
estudos, levantamentos, pesquisas e publicações sobre a situação social do idoso; e) promover a capacitação de recursos
para atendimento ao idoso. (BRASIL, POLÍTICA NACIONAL DO IDOSO, 1994)
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idosos, cabendo à família e sociedade civil fiscalizarem o acesso a esses serviços.
(TEIXEIRA, 2008)
Fica demonstrado, que a partir da convivência familiar pode proporcionar a
satisfação para pessoa idosa, através dos significados dados a ela nesse ambiente. Assim,
a partir da sensação de bem estar social, pode tornar-se mais prazeroso a vivência nesse
espaço, embora os novos segmentos tenham exigido um novo padrão ao idoso, dificultado
a participação destes na sociedade, fragmentando a sua autonomia. (NERI, 2007)
Percebemos que a participação do idoso no cotidiano ainda se restringe as
novas tecnologias e criações de rótulos designados a estes, pois mesmo com todas as
mudanças ocorridas no mundo, ainda existem dificuldades de se relacionar e legitimar a
sua independência referente aos seus direitos instituídos na lei. Contudo, apesar de terem
uma política que lhes asseguram na intenção de promover seu bem estar, autonomia e
respeito, a mesma não busca fiscalizar o acesso do idoso aos serviços direcionados a eles.
1.2
A gestão da proteção social básica na defesa dos direitos sociais da pessoa Idosa
A política de assistência social é integrada as outras políticas na busca de
enfrentar as desigualdades societárias, com intuito de prover os mínimos sociais através
dos serviços ofertados na tentativa de ampliar o acesso aos serviços socioassistenciais
básicos e especiais, com centralidade na família, na universalização dos direitos sociais
vindo a garantir a convivência familiar, social e comunitária.(POLÍTICA NACIONAL
DA ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2004)
Desse modo, o Centro de Referência de Assistência Social- CRAS, como
unidade de proteção social básica tem o dever de prevenir situações de risco e
vulnerabilidade social dos indivíduos em seu território, sendo uma unidade integrada ao
Sistema Único de Assistência Social- SUAS que é instituído como referência para os
serviços direcionados a população em específico ao seu território em abrangência. Assim,
os serviços socioassistenciais são ofertados pelo CRAS com o propósito de fortalecer os
vínculos familiares e comunitários no acesso aos direitos sociais. (TIPIFICAÇÃO
NACIONAL DE SERVIÇOS SOCIOASSISTENCIAIS, 2009)
Isso demonstra que, os direitos sociais para pessoa idosa são também um campo
de intervenção dos serviços socioassistenciais no âmbito da proteção social básica,
através do Centro de Referencia de Assistência Social- CRAS, como o BPC- Beneficio
de prestação continuada, que integra a proteção social básica em meio ao Sistema Único
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de Assistência Social- SUAS, em consonância com o Ministério do Desenvolvimento e
Combate à Fome e a Política Nacional de Assistência Social-PNAS. (POLÍTICA
NACIONAL DO IDOSO, art. 1º § 1º).
A proteção social básica oferta serviços, programas e projetos voltados á garantia
dos direitos sociais para a pessoa idosa, pois estas poderão estabelecer o reconhecimento
da velhice no âmbito público demonstrando a sua necessidade de inserção nos programas
desenvolvidos para garantir o envolvimento das atividades voltadas para a terceira idade,
com intuito de promover através de políticas setoriais o direito da pessoa idosa.
(TEIXEIRA, 2008).
Tem-se a proteção social como meio de firmar um compromisso sobre a
concretização dos direitos referentes à pessoa idosa, sobre uma lógica de atender as
necessidades destinadas a diminuir os conflitos existentes nesse contexto, firmando um
atendimento voltado para incluir os objetivos e princípios desta ação como suposta
resolução a problemática. (FALEIROS, 2007)
No entanto não podemos afirmar que esses serviços são realmente efetivados a
esse público, pois ocorre à falha da política na relação de participação do idoso nos
serviços e na defesa da efetivação dos direitos sociais ofertados a sua qualidade de vida,
assim, não há a prática espelhada na teoria.
Para Teixeira (2008) a lei garante os direitos civis, e o envelhecimento
personalíssimo através de sua proteção como está inscrita na legislação vigente sendo
responsabilidade do Estado priorizar a legitimação dos serviços voltados para os idosos,
de forma a propor condições dignas no formato da organização voltada para efetivação
do acesso aos mínimos destinados a esse público que se encontra fragilizado mesmo com
as reformas ocorridas diante da política que se destina a eles.
Isso permite afirmar que a PNI contemplam os direitos dos idosos no que se diz
respeito á autonomia, integração e participação na sociedade, com total proteção do
Estado, desde que ocorram organizações voltadas ao atendimento articulado para os
serviços e efetividade da política nacional (TEIXEIRA, 2007).
Desse modo, mesmo o idoso tendo assegurado a sua participação nas decisões
em lei, com intuito de melhorias em relação à efetivação dos seus interesses na sociedade,
não vem ocorrendo a sua autonomia referente à qualidade de vida e bem estar. Porém
mesmo com toda informação e clareza prestada a população idosa, esses direitos previstos
em leis, muitas vezes não são respeitados.
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Ficou evidente que através dos serviços prestados da proteção social básica, cabe
afirmar os idosos como público prioritário em articulação com o Serviço de Proteção e
Atendimento Integral a Família-PAIF, em propósito de cumprir com as ofertas desse
serviço de forma a garantir a qualidade de vida e prevenir a ruptura dos vínculos.
Entretanto, os serviços que são prestados ao idoso devem possuir materiais que
possibilitem potencializar o acesso à autonomia e trocas de vivência entre os mesmos, na
intenção de contribuir para sua melhoria. (TIPIFICAÇÃO NACIONAL DE SERVIÇOS
SOCIOASSISTENCIAIS, 2009). Nesse contexto, é diante do cotidiano que ocorre á
percepção da violação de direitos a pessoa idosa, cabendo a estes serviços priorizarem a
defesa aos direitos referentes ao idoso de caráter universal, vindo a cumprir com suas
especificidades tanto nos programas educacionais incluídos na proteção social básica em
favor da preservação e valorização a pessoa idosa, com dever de abranger as demais
atividades realizadas na instituição em favor do lazer, cultura, troca de vivências e bem
estar ao idoso. (FALEIROS, 2007)
Vale ressaltar, a existência das falhas desses programas sobre o acesso a
efetividade referente aos idosos sendo devido à falta de fiscalização por parte dos órgãos
instituídos na Política Nacional do Idoso, pois essa relação estabelecida em lei na prática
é de difícil legitimidade, ocorrendo obstáculos na prestação dos serviços voltados para
pessoa idosa que atrasam a efetivação e a participação desse público sobre decisões dos
projetos e programas.
Isso demonstra que as ações competem a LOAS, definir e qualificar,
potencializar com melhorias os serviços socioassistenciais prestados à população, de
modo a desempenhar a qualidade dos serviços como forma de garantir o sentimento de
pertencimento do público atendido pela proteção social básica, tornando a articulação
entre o público e os serviços. (LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2009).
Dessa forma, a rede do SUAS propõe a proteção social básica condições que
gerem espaços no qual venham a colaborar com as ações desenvolvidas para melhorar a
condição e que multiplique os efeitos positivos a essa população alvo. Contudo, é
importante a participação social nas ações dos projetos voltados para o público de modo
a articular, integrar ações e recursos que melhorem a efetividade desses projetos
destinados à garantia dos direitos sociais e gerem a autonomia do idoso nas decisões as
quais propiciem mudanças. (PNAS, 2004).
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Partindo desse princípio, ainda é precário o acesso da pessoa idosa na
participação a essas redes, as quais predominam as barreiras tanto políticas quanto
econômicas voltadas para diminuir a autonomia do idoso sobre os programas e projetos
na sociedade, como forma de controle social.
2 A EXPERIÊNCIA COM O GRUPO DE CONVIVÊNCIA E A RELAÇÃO DE
INTERFERÊNCIA ENTRE O ESTATUTO E O IDOSO NA PROTEÇÃO SOCIAL
BÁSICA.
2.1 Percurso Metodológico
O presente trabalho é de cunho descritivo, bibliográfica, e de campo com
abordagem qualitativa, com o objetivo de Compreender os rebatimentos do SCFV do
CRAS- Alto da penha na efetivação do acesso da pessoa Idosa aos direitos sociais. Assim
de acordo com Richardson (2008) a pesquisa qualitativa não se utiliza de medidas, nem
de métodos estatísticos, pois o método qualitativo se configura sobre investigações que
podem ser presentes através das informações colhidas.
Onde a pesquisa bibliográfica como explana Gil (2007) se constitui a partir dos
materiais elaborados, como livros, artigos cientifico, construída através de pesquisas
bibliográficas. Desta forma requer ao pesquisador experiência, leitura, reflexão, debate,
livros, artigos e revisões bibliográficas.
Para Gil (2007) a pesquisa de campo tem como propósito o aprofundamento das
alternativas apontadas, e busca o estudo somente de um único grupo, obtendo no campo
de estudo a utilização de técnicas da observação.
Foi utilizado como instrumento de coleta de dados a entrevista semi- estruturada,
que acarreta na formulação de questões através de um diálogo, em que permite aprofundar
questões e compreender os dados mais amplos, limita o número dos sujeitos no estudo,
permitindo a flexibilidade relacionada a questões e tópicos, atribuindo ao pesquisador
selecionar aspectos mais relevantes para a pesquisa. (RICHARDSON, 2008).
A realização da pesquisa teve como sujeitos da pesquisa o grupo de Idosos junto
aos serviços de convivência e fortalecimento de vinculo, executado no Centro de
Referência de Assistência Social - CRAS Alto da Penha, localizado na cidade de CratoCE, com uma amostragem de 05 Idosos, no mês de abril de 2015.
A pesquisa foi realizada no período de 2015.1, em que essa temática é bastante
relevante, tendo em vista o trabalho realizado junto à pessoa idosa em específico,
mostrando assim a real importância do sistema de garantia de direitos sociais, pois foi
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através do estagio supervisionado I e II, onde ocorreu a inquietação sobre a inexistência
das informações por parte de alguns usuários, aos devidos conhecimentos sobre os
direitos sociais, da pessoa idosa, e o interesse dos mesmos sobre essa questão.
Será utilizado o método crítico dialético para análise de dados, onde busca a
interpretação dinâmica da totalidade crítica (RICHARDSON, 2008), analisando todos os
aspectos inerentes a temática.
Com isso, foi importante destacar o significado dos equipamentos ligados a
Política Nacional de Assistência Social, e os direitos sociais que teve como objetivo,
fixando em sua finalidade a execução destes serviços, bem como a efetivação destas
garantias junto a esse público.
2.2 Apresentação do espaço da Pesquisa
O Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), enquanto parte da rede
de proteção e promoção social que o Governo Federal vem implantando no Brasil, é uma
unidade pública estatal descentralizada da Política Nacional de Assistência Social
(PNAS). É responsável pela organização e oferta de serviços de proteção social básica
nas áreas de vulnerabilidade social, atuando junto ao sistema único de Assistência Social
(SUAS). É o lugar da convergência de diferentes ações e não se limita apenas a um
programa.
As ações desenvolvidas pelo CRAS são ofertadas através do Serviço de Proteção
e Atendimento Integral à Família, o PAIF, em que é o principal serviço ofertado pelo
CRAS, que busca um caráter continuado em função de fortalecer os vínculos familiares,
buscando a redução da ruptura desses vínculos como público alvo. Constituem-se as
famílias participantes do Programa Bolsa Família e dos beneficiários do Benefício de
Prestação Continuada, o BPC; e os serviços de convivência com programas de segurança
alimentar e nutricional e, também, com outras políticas sociais.
Os CRAS atuam com mulheres, homens, crianças, jovens e idosos, reafirmando
a importância da família e da comunidade, para que essa política pública venha a prover
serviços ás famílias, que deles necessitem, e venha a contribuir com a inclusão e a
equidade dos usuários e grupos específicos, ampliando o acesso aos bens e serviços
socioassistenciais.
A pesquisa foi desenvolvida no âmbito do Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos para pessoa idosa no CRAS- Alto da Penha, onde
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desenvolve-se atividades voltadas para o bem estar físico, psicológico e cultural. Tendo
como objetivo fortalecer os laços de afinidade uns com os outros e instigar a participação
em rodas de conversas com intuito de melhorar os laços de convivência dos vínculos
familiares e comunitários. Como também trazer para estes a informação sobre as
legislações e os direitos inerentes a pessoa idosa, onde estes poderão ir à busca de uma
maior efetivação destes.
Assim, os idosos através das experiências no seu cotidiano podem adquirir
conhecimento sobre diversas questões que levem a uma melhor qualidade de vida,
buscando contribuir para uma consciência acerca dos direitos sociais.
2.3 Um estudo acerca do grupo de convivência e fortalecimento de vínculos inerentes a
pessoa idosa do CRAS- Alto da Penha Crato-CE
Através do Estágio Supervisionado no CRAS Alto da Penha na cidade do CratoCE a fragilidade no tocante aos direitos da pessoa idosa, surgiu a curiosidade em
empreender tal estudo com relação a estes, analisando os aspectos inerentes ao idoso em
seus parâmetros tanto no seio familiar como na sociedade, trazendo para a discussão os
direitos sociais regulamentados e que muitos ainda não os conhecem e nem se apropriam
destes.
A entrevista foi realizada com cinco idosas sendo que o grupo de idosos conta
com 20 idosos cadastrados, em que no dia da realização da entrevista, constava apenas
oito, nas quais participaram apenas cinco, os mesmos do Serviço de convivência e
fortalecimento de vínculos do CRAS Alto da Penha, que serão identificados através do
codinome IDOSO de 1 a 5, sendo dialogado com eles sobre questões relacionadas a vida
cotidiana, o relacionamento com seus membros familiares e comunitários e sobre os seus
conhecimentos acerca dos direitos sociais inerentes a estes.
As entrevistadas foram todas do sexo feminino, pois no grupo de idosos do
CRAS, só se encontra frequentando mulheres. Desse modo, o sexo masculino ainda tem
receio de participar do grupo por conta da fragilidade que se instituiu na comunidade, de
que o grupo é feito somente para as mulheres.
Este tipo de estereótipo é muito comum, precisando ser empreendido uma busca
de reversão deste panorama, instigando a entrada dos idosos do sexo masculino nos
grupos de convivência, como nas demais políticas sociais, como exemplo a política de
saúde que ainda encontra-se distanciada do público alvo masculino, não por sua falta de
políticas voltadas a este, mas pela resistência destes em procurá-las.
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A maioria das entrevistadas tinham entre 60 e mais de 75 anos, pois o grupo
geralmente desenvolve atividades voltadas para esse público com intuito de melhorar a
sua qualidade de vida, e promover o bem estar tanto no âmbito familiar como social, na
tentativa de adquirir novas modalidades que proporcione a interação entre elas.
A heterogeneidade desse segmento extrapola a da composição etária. Dadas as
diferentes trajetórias de vida experimentadas pelos idosos, eles têm inserções
distintas na vida social e econômica do país. A heterogeneidade do grupo de
idosos, seja em termos etários ou socioeconômicos, traz também demandas
diferenciadas, o que tem rebatimento na formulação de políticas públicas para
o segmento. (MELLO, 2000, p. 26)
Assim, a população por vivenciar um período novo repleto de descobertas, e a
troca de experiências vem contribuindo para os novos modelos dados a eles. Contudo, a
faixa etária não interfere na interação com o meio social ou econômico, mas tem ajudado
com benefícios para uma vida saudável.
O estado civil demonstra que a grande maioria das idosas entrevistadas é casada,
e somente duas nunca tiveram um marido e nem se consideram solteiras, pois as mesmas
se titulam modernas por relatar que nessa idade não se pode ter estado civil.
Dessa forma, buscam romper com o tradicionalismo existente na família de que
nessa idade deve-se ter casado, desmitificando a forma tradicional de família. Pois no
atual contexto já vivenciam essa mudança nesse âmbito.
TABELA 1: Origem da renda dos idosos entrevistados no grupo de
convivência do CRAS Alto da Penha no Crato-CE
ORIGEM DA
RENDA
Nº DE IDOSOS
Fonte: Primária
APOSENTADO
(A)
2
BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO
CONTINUADA
1
OUTROS (AS)
2
A entrevista demonstra que parte das idosas são aposentadas, e somente uma
possui o beneficio de prestação continuada (BPC). Dessa forma as outras duas não
possuem nenhum tipo de aposentadoria ou renda, relatando as mesmas que dependem dos
filhos.
A solução para os problemas dos aposentados contemporâneos consiste em
transformar esse “papel sem papel” na sociedade industrial em um “papel com
papel”, que lhes atribua responsabilidades, status e prestígio social. Os países
que há mais tempo têm proporções importantes de população idosa
reconhecem que para isso, é necessário desmistificar socialmente a
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importância do trabalho durante a vida ativa e dignificar socialmente o
descanso dos aposentados reconhecendo a validade do lazer em sociedades que
idolatraram o trabalho, suas consequências econômicas e seu prestigio social.
(MORAGAS, 2010, p.196)
Assim, mesmo aposentados não significa serem descartáveis para sociedade,
pois já contribuíram muito para poderem gozar de todos os direitos de uma vida digna,
saudável, e construtiva que lhe atribuam papeis importantes na vida cotidiana.
Ressalta-se que a aposentadoria, como uma garantia de direitos einclusão do
idoso na sociedade democrática, do ponto de vista econômico, não permite o atendimento
pleno das necessidades de sobrevivência, especialmente das camadas mais vulneráveis da
população em que o envelhecimento podem vir com consequências patológicas e com
incapacidades associadas, requerendo maior demanda de recursos tanto do Estado,
sociedade civil como da família. (SANTOS, s/d)
Ao serem entrevistados obteve-se um grande avanço em saber que a maioria já
ouviu falar do Estatuto do Idoso, ou seja, três disseram que sim e duas idosas que não. As
que relataram conhecer, só sabe que existe por conta de uma ação desenvolvida no CRAS
onde possibilitou conhecer, mais ainda declaram não saberem a fundo a importância dessa
política de defesa para elas. Tornando falha as informações desse serviço ofertado para
esse público.
Ao lhe ser questionado qual a importância do idoso para a sociedade, a grande
maioria se mostrou contente, e percebe que há uma grande mudança em ser idoso hoje na
sociedade, onde são mais valorizados e respeitados que antes.
É muito suave, todo mundo trata a pessoa bem e é bem recebida. Antigamente
era como se estivesse levando uma bandeja, hoje aonde eu chego se tiver
alguém na frente diz passe pra “cá” que a senhora já é idosa. (IDOSO 1)
(...)
Ta perto da morte. Risos. Só tem problema de saúde, toda “engembrada,” dor
nos ossos, dor dos pés a cabeça, só dor, dor, dor.(IDOSO 2)
(...)
Eu acho que é uma grande coisa, uma grande riqueza, só em eu tá viva e ter
gosto de dizer eu sei viver porque eu amo a vida, eu cultivo a vida, zelo a vida,
foi o presente que deus me deu. (IDOSO 3)
(...)
Pra mim eu acho bom o que nós aprendemos aqui, acho bem. (IDOSO 4)
(...)
Eu acho importante, a gente aprender as coisas, ter mais educação. (IDOSO 5)
Percebe-se que na atualidade há um grande avanço com relação aos idosos e seus
direitos, apesar de ainda ser necessário muito caminho a percorrer para essa efetivação.
Contudo muitos ainda acham que são um fardo para o social, e se consideram um
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problema, como coloca IDOSO 2, que trata-se apenas de um acúmulo de doenças, esse
pressuposto pode ser percebido de forma clara como uma reprodução do que se houve
dos demais ao seu redor, rebaixando este sujeito, precisando haver um maior trabalho
com os membros da sociedade sobre a importância e o respeito para com o idoso.
Na condição humana o envelhecimento e a velhice são categorias construídas.
Os seres humanos não apenas envelhecem, eles significam culturalmente o
envelhecimento que experienciam em suas realidades físico-biológicas. Dito
de modo mais simples os homens não apenas ficam velhos, eles pensam em
condições socialmente determinadas seu envelhecimento, e ao pensarem-no
produzem representações expressam simbolicamente os diferentes momentos
da vida, fixando-lhes valorações, identidades e condutas correspondentes... É
assim importante ressaltar que“... as representações sobre velhice, a posição
social dos velhos e o tratamento que lhes é dado pelos mais jovens ganham
significados particulares em contextos históricos, sociais e culturais distintos”.
(BARTHOLO, 2003, p.114)
Desse modo, a sociedade hoje tem se caracterizado por diferentes contextos em
relação ao idoso, nas quais a industrialização contribui para as transformações referentes
a estes. Entretanto, existem dificuldades de ser idoso hoje pelo formato desenvolvido na
sociedade que titula cada passo da pessoa idosa atribuindo significados.
Já outros percebem que ser idoso hoje é um presente e encontram-se satisfeitos
com seu envelhecimento, se consideram saudáveis, felizes e agradecidos. Para isso a
própria família tem de incentivar e buscar um bom relacionamento e pertencimento com
estes, em vista o seu desenvolvimento saudável e que a comunidade tratem estes como
sujeitos de direitos, efetivando-os.
De acordo com Santos (s/d apud Minayo, 2000) a politização dos idosos esta
associada aos ideais dos tempos pós-industriais, que teve um novo modo de pensar e agir
no âmbito do envelhecimento que tem influenciado as políticas públicas e os direitos dos
idosos, sendo primeiramente com a quebra da centralidade do trabalho, este anteriormente
como um aspecto dominante na sociedade industrial, permitindo ao idoso construir uma
identidade pautada no não trabalho, mas tendo utilidade e sentido da vida; a segunda é o
pluralismo de ideias, de comportamento e atividades, desmistificando estereótipos
inerentes a velhice; a terceira é a valorização da subjetividade como primordial e devendo
ser incluída nos diversos níveis da vida, ciência e políticas em geral.
Voltando-se a relação com a família sendo esta também de suma importância
busca o entendimento de como este é tratado por tal, há uma divergência, onde na maioria
das respostas acontecem um bom tratamento e convívio já em outros há o desprezo e
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indiferença. O que acarreta um desrespeito por alguém que por sua idade é excluído e não
compreendido.
São carrascos. Tem delas que eu dou um pouco de razão, através de ser rebelde
demais, tem delas que sabe do o porque realmente sente, mas é muito bruto
sabe, não sabe ler, não sabe escrever, não sabe de nada. Eu pelo menos não sei
ler mas to na escola faço meu nome errando mais faço. (IDOSO 1)
(...)
Graças a Deus sou. (IDOSO 2)
(...)
Sou graças a Deus. Todos eles me respeitam, filhos netos e bisnetos, nenhum
me atrapalha não. (IDOSO 3)
(...)
Bem tratada e bem amada. (IDOSO 4)
(...)
Sou bem tratada. (IDOSO 5)
Percebe-se que o convívio com a família, muitos se sentem acolhidos,
pertencidos, amados e felizes, entretanto a mídia mostra com frequência casos de maus
tratos, abandono, desrespeito dos direitos inerentes a pessoa idosa, o que é um agravante
na sociedade. Dessa forma, não sendo efetivado o que frisa o Estatuto do Idoso de 2003.
Art. 10º É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a
liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos
civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis. §
2o O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física,
psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da
autonomia, de valores, idéias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais.§
3o É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de
qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor. (BRASIL, ESTATUTO DO IDOSO, 2003)
Dessa forma cabe ao Estado legitimar todos os direitos referentes à pessoa idosa,
que venha a contribuir para a sua autonomia social, familiar e comunitária. Garantindo
em todos os espaços a valorização e a sua contribuição enquanto cidadão. Porém, a rede
de proteção que deveria ser prestada a pessoa idosa nem sempre é legitimada, estes
acabam sendo vítimas do sistema, e do desrespeito enquanto ser humano, até pelo fato de
muitos ainda não terem conhecimento suficiente dos seus direitos garantidos em lei.
A forma de participação dos idosos no cotidiano de suas famílias é algo
primordial,
assim
se
percebe
todas
as
complexidades
inerentes
aos
seus
desenvolvimentos, tanto dos idosos como dos demais membros.
Da minha família só do meu marido, dos outros eu sou tudo afastado por causa
das ingratidão, porque num tem, se você faz uma coisa pra mim tenho que
pagar a você no máximo possível bem, mas quando você chega que é
maltratado, eu pelo menos sou muito sentida, só em eu vê, só em eu mim
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“apruximar” que a pessoa já vira a cara, já sei que a pessoa não gosta deu.
(IDOSO 1)
(...)
Eu não sei nem dizer é presente, graças a Deus meus filhos fica tudo perto de
mim, quase tudo, todo final de semana tão “tudim” comigo, todo final de
semana, sábado e domingo “todim”, tem uns que chegam
no domingo e só sai segunda feira...(IDOSO 2)
(...)
Pela minha origem que fui criada, assim criei meus filhos, tem uma grande
diferença, participo na humildade, no amor, no respeito, na realidade em tudo.
(IDOSO 3)
(...)
Me sinto bem, com minhas filhas mim abraça, só não bota comida na boca
porque eu não confio, eu acho bom eu acho maravilhoso. (IDOSO 4)
(...)
Participo todo mês, eu dou um dinheiro pros netos.(IDOSO 5)
Os arranjos familiares têm como membro principal o idoso, que faz desenvolver
nesse meio um contato importante para uma melhor qualidade de vida nesse ambiente. É
visível hoje na família o interesse pelo idoso para a manutenção dos membros e das
despesas domesticas, assim ocorre à relação cotidiana pautada em questões financeiras,
onde muitas vezes essa relação de parentesco utiliza-se destes somente para usufruir do
seu dinheiro.
Muitas vezes as famílias têm dificuldades para entender essas mudanças de
papéis e lidar com elas. Ajudá-las nessa questão é uma das finalidades do meu
trabalho, já que a interação familiar é vital para o bem-estar do velho e ele
próprio faz parte desse sistema. Aliais, foi por intermédio dele que o grupo se
formou. A família deve ajudar o velho a viver não só mais como melhor, de
forma a não se tornar um peso para si e para os que o cercam, e sim uma pessoa
integrada no sistema familiar. (ZIMERMAN, 2000, p.51)
As famílias têm o dever de inserir o idoso no contexto familiar, dando a ele total
liberdade de se expressar, e opinar diante dos fatos que ocorrem nesse âmbito. Dessa
forma, a família é fundamental para o envolvimento dos mesmos nas questões
relacionadas a sua qualidade de vida, tornando-o um membro importante para as tomadas
de decisões.
O relacionamento entre o idoso e a família, tem se tornado conflituoso e de difícil
acesso para atender as dificuldades e necessidades destes com a família. Contudo ocorre
um distanciamento entre eles a partir do cenário posto na sociedade que vem a influenciar
na vivência as novas conjunturas voltadas á esse público. (MORAGAS, 2010)
Os motivos que levam a participação dos idosos no serviço de convivência e
fortalecimento de vinculo têm sua importância no momento em que levam a socialização
entre seus membros, fazendo destes importantes tanto para o serviço como também na
comunidade em que estão inseridos.
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Foi uma colega minha que mim levou. Maria vamos pro CRAS...que CRAS
menina? Não Maria lá tu vai ver como é. Eu fui o primeiro dia eu já pedia pra
chegar o dia de ir de novo, porque era tanta gente boa senhora de idade “né",
era muito bom, tinha um professor que ele é de salgueiro, ave Maria muito
bom, to com uma saudade tão grande dele... (IDOSO 1)
(...)
Mulher eu vim só por vim mesmo, eu não me envolvo em nada não, eu faço
por fazer, foi através de um colega que já vinha de muito tempo que as amigas
passavam lá em casa e me chamava, e eu nem nunca me interessei em vim, até
quando foi um dia eu num to fazendo nada mesmo, vou o menos andar, ai vim
só por vim mesmo, ai quando é no dia das festinhas eu vou mais também é
mesmo que não ta em festa, eu não tenho animação com nada, minha vida toda
vida foi essa. (IDOSO2)
(...)
A física é muito bom, a presença das meninas, das minhas amigas, das nossas
professoras, pessoas ótimas. (IDOSO 3)
(...)
Foi minhas colegas quando vieram pela primeira vez eu não vim, ai foi uma
colega que mim carregou pra cá e hoje eu dou graças a deus a ela. (IDOSO 4)
(...)
As meninas me chamaram ai eu vim, eu gostei e fiquei vindo. (IDOSO 5)
O serviço de convivência e fortalecimento de vinculo ofertado pelo CRAS tem
o propósito de socializar e promover a autonomia do grupo, vindo a prevenir situações de
vulnerabilidade, envolvendo todos para um melhor condicionamento de vida. Deixando
a desejar nas atividades ofertadas por esse serviço, pois acabam infantilizando os idosos
e não percebem a necessidade de um atendimento individual para os mesmos, pois muitos
deles são carentes de um acompanhamento.
Os grupos com Idosos têm algumas peculiaridades. Á medida que os anos vão
passando, as perdas de pessoas aumentam e os grupos exigem uma
reestruturação. O que acontece com muitos velhos é que, por uma série de
razões, eles acabam não fazendo seus contatos e ficando sem seus grupos,
sejam familiares, de trabalho, de lazer ou outros. Há uma grande necessidade
de fazê-los participar de novos grupos e ajuda-los a se enquadrar naqueles que
mais satisfação vão lhes dar. (ZIMERMAM, 2000, P.75)
Assim, ocorre a necessidade de uma reestruturação desse grupo aos novos
parâmetros que se formam nesse âmbito, que venha a proporcionar um sentido de
satisfação dos idosos, e um acompanhamento adequado as necessidades destes.
O serviço de convivência e fortalecimento de vinculo tem como prioridade a
mudança na vida dos idosos que frequentam o CRAS, seu objetivo é socializar esse
público e fortalecer seus laços de afetividade uns com os outros e a família.
Uma hora ta bom, eu acho que pro idoso tem que ser umas pessoas mais bem
aproximadas mesmo do CRAS, porque o CRAS ele tem muita coisa pra dar e
participar pra gente, o que ele fez de bom pra mim é de prato limpo, só em eu
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num ter precisando de andar e bater e adular advogado, e o CRAS não quando
eu participei dois anos.eu contando pras meninas do CRAS ai de la ela disse
Maria pois vamos fazer assim, você vai la pro CRAS que eu to lhe esperando
la, quando cheguei la passaram pra ela, ai pronto “nega veia”, Maria tal dia tu
vem aqui ai quando eu fui foi só pra assinar um papel, ai pronto as meninas
tomaram de conta, ai quando eu dei fé já foi me chamando pra ir pro “ss”
(inss).(IDOSO 1)
(...)
Pra mim não mudou nada, porque eu não sou desse povo animado pra chegar
nos cantos, pra mim animar, dançar, cantar, aqui tem as brincadeiras, as
festinhas do CRAS, mais eu não em envolvo, pelejo pra me animar, mais não
me animo com nada, é a mesma coisa, venho só por vim mesmo, pra não ta em
casa. (IDOSO 2)
(...)
Mudou muita coisa, me sinto melhor, mais sadia, me sinto mais forte, com
mais disposição, pra tudo nesta vida, tenho conhecimento. (IDOSO 3)
(...)
Mudou muita coisa que eu só vivia doente cheia de dor, e depois que eu
participei daqui eu sinto dor porque a gente sente mesmo, mais é mais pouco
do que o que eu sentia. (IDOSO 4)
(...)
Mudou muita coisa porque eu sentia dor nas pernas, nos braços e não sinto
mais. (IDOSO 5)
O grupo de idosos tem como dever proporcionar o melhoramento da auto estima
e socialização do todo, e vem tornar a participação um importante elemento para o
relacionamento dos indivíduos. Mesmo com as dificuldades no seu cotidiano, e as
atividades não sendo suficientes para o suas necessidades, o grupo tem ajudado a
contribuir para o relacionamento tanto familiar, como social, tornando seres humanos
mais felizes e realizados.
“Os valores e as atitudes políticas em relação aos idosos, refletidos nas
disposições legais, concretizam-se e desenvolvem-se em políticas gerontológicas que
definem as orientações para os programas e ações da administração pública.” [...]
(MORAGAS, 2010, p.264)
Dessa maneira, as orientações são essenciais para o andamento dos programas e
a eficiência dos serviços voltados para essa população. Contudo, após o ingresso desse
público é necessário a atribuição das políticas voltadas sobre o acompanhamento da
administração.
Só meu marido e os outros diz que eu to rica, e tou. (IDOSO 1)
(...)
Eles não percebem não que eu sou do mesmo jeito, eu sou uma pessoa tão sem
influência e quando eu saio pra uma diversão não me divirto, eu sou uma
pessoa que numa me diverti na minha vida. (IDOSO 2)
(...)
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Eu lhe digo nesse instante, que eu morava no sertão, cheguei aqui entre a vida
e a morte, larguei tudo lá, passei dois meses na casa da minha filha, vim fazer
uns exames, um tratamento que lá não tinha, porque lá não tinha socorro pra
mim, vim pra aqui e aqui me tornei outra pessoa, aqui eu estudei, aqui eu
trabalho na igreja com o grupo mãe rainha, trabalho no ministro da eucaristia,
trabalho no conselho, sou catequista, aqui tem o meu movimento, isso tudo me
ajuda a viver, porque a pessoa ta só dentro de casa, dentro de casa, num faz
nada, tem que se dirigir a uma coisa.(IDOSO 3)
(...)
Quando percebe essa mudança, é quando eu ando, faço movimento, então ai
elas “tudim” acha bom, imagina a pessoa que eu era, que não saia nem de casa.
(IDOSO 4)
(...)
Elas percebem que eu to “mais melhor” do que eu sentia. (IDOSO 5)
A mudança ocorre de acordo com a participação dos idosos e a interação com os
demais, na busca de um melhor direcionamento para uma vida saudável, levando em
conta os benefícios prestados a esses que antes não desenvolviam nenhuma atividade
voltada á sua socialização, ficando notório para a família.
Assim, através da interação com os membros do grupo que favorece a relação
tanto pessoal, como social e comunitária em beneficio de uma maior amplitude sadia no
contexto de trocas de experiências.
A importância do Serviço para pessoa idosa é de grande relevância, pois ajuda
na interação e socialização entre estes, de modo que busque a qualidade de vida na forma
de atividades e serviços voltados para os mesmos.
É bom. Sempre eu aconselho muita gente. Muita gente eu chamo pro CRAS,
vá porque você ainda não se aposentou e lá você vai encontrar apoio, você vai
ter uma felicidade, muito obrigado meu deus do céu. (IDOSO 1)
(...)
Bom. Pra quem tem a cabeça mais ou menos se “interte” muito, agora eu não
me envolvo não, num sei fazer nada mesmo, eu sou tão desinteressada.
(IDOSO 2)
(...)
Acho muito bom, sabe por que, porque eu conheço, já tenho a minha
maturidade, se eu ensino também aprendo, porque aqui ninguém sabe de nada,
no momento em que eu, você sabe, ainda tem muito que aprender, tenho
conhecimento e aquela participação, tem aquela animação, aquela atividade,
com as minhas colegas, tudo isso pra mim é uma festa. (IDOSO 3)
(...)
Pra mim, importante pra mim, eu acho bom. Eu amo, eu adoro, eu gosto.
(IDOSO 4)
(...)
Muito bom a auto - estima melhora e agente se dá bem. (IDOSO 5)
O serviço voltado para o idoso tem contribuído para um aprimoramento do seu
ritmo diário, de modo que eles próprios notam a diferença e aconselham outros a
participarem do CRAS, adquirindo experiência em relação as vivencias encontradas lá.
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Entretanto os serviços não são eficazes em alguns casos, deixam escapar pelo fato de a
política está em alguns momentos em turbulências com a população, na falta de serviços
prestados a garantia dos direitos sociais.
“Art.10. É obrigação do Estado e da sociedade assegurar á pessoa idosa a
liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis,
políticos, individuais e sociais, garantidos na constituição e nas leis. (BRASIL,
LEGISLAÇÃO DO IDOSO, p.13)”
É prioridade do Estado, prover de todas as garantias estabelecidas em lei que
garanta todos os direitos aos idosos, cabendo a sociedade está inserida a legitimar essas
garantias.
A entrevista possibilitou perceber, que uma grande parte conhece a lei, mais
nunca tiveram seu direito mesmo efetivado, relatam que só é bonita no papel na prática é
difícil de realizar. Mais ainda existe uma parte que não conhece nenhum tipo de lei que
garanta os direitos referentes à pessoa idosa. Dessa forma percebe-se uma grande
necessidade de informações acerca dessa política, tornando a inserção dos serviços frágeis
em relação à garantia de direitos a pessoa idosa nesse grupo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A garantia dos direitos sociais aos idosos vem sendo um assunto bastante
discutido pelos profissionais, pois se observa a luta dessa população para garantir o
respeito, a qualidade de vida e autonomia nas decisões referentes a estes. Esse direito vem
sendo construído dês da trajetória da Política de Assistência Social, com intensa luta dos
trabalhadores que veio alcançando outras categorias.
Assim, através da pesquisa e sobre o conhecimento teórico dos autores
possibilitou compreender na observação do grupo de convivência do CRAS- Alto da
Penha - Crato-CE, os serviços e seus rebatimentos na vida social e familiar dos idosos.
Percebendo a fragmentação e limitação do conhecimento desse público sobre questões
que garantam uma melhor efetivação da política social.
Desse modo, a sociedade vem traçando metas na busca de uma melhor qualidade
de vida, instituindo de maneira restrita os serviços, programas e projetos sobre questões
que venha a levar informações, e autonomia da pessoa idosa tanto no seu espaço familiar
como social e comunitário, no intuito de controlar essa população.
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No entanto, outros aspectos importantes foram percebidos durante a pesquisa,
como as práticas infantis desenvolvidas nas atividades ofertadas a esse grupo, a falta de
atendimento individual, o não acompanhamento familiar, e a dificuldade dos serviços,
pois, não ocorre com frequência palestras que busquem promover a sociabilidade, e
conhecimento acerca da Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso, deixando claro
que parte dos idosos não tem uma consciência da garantia da política e seus benefícios
pertencentes a estes.
Porém no cotidiano o que mais se observa é o desrespeito aos direitos inerentes
à pessoa idosa, onde diversos segmentos da população lhes tratam como uma pessoa a ser
descartada, tratando-as com desrespeito e sem dignidade, não é por conta de seu
envelhecimento que esta torna-se incapacitada e destituída de sua autonomia e de seus
direitos enquanto pessoa humana, estes é quem mais deveriam ter uma vida saudável e de
bem-estar nesta fase da vida. Um maior trabalho de conscientização da sociedade em
geral para com o idoso deveria ser empenhado pelas políticas governamentais em
conjunto com a sociedade civil.
Assim, a grande maioria conhece paliativamente a política, mais não sabem o
significado e nem para que serve, existindo uma grande dificuldade na efetivação dos
serviços que busque a garantia dos direitos sociais. Com isso, a política de assistência
social torna-se cada vez mais falha nas atividades voltadas para esse publico.
No entanto, a Política de assistência social como unidade de viabilização de
direitos sociais através do seu serviço prestado ao público, se constitui em sociedade, nas
relações sociais e delas deveriam ocorrer à participação do todo nas decisões que
competem o interesse da população em beneficio a sua comunidade, pois o social se
constrói no coletivo e não na individualidade. Tornando a relação entre a política e o meio
social conflituosa, impossibilitando em alguns casos os cidadãos desfrutarem do acesso á
uma vida plena, que garanta os direitos sociais como um dever do Estado estabelecido
em lei, mas que se propague na prática.
Contudo, esse estudo possibilitou através do estágio supervisionado I e II
adquirir a criticidade sobre os rebatimentos que existe na política de assistência social,
com relação à garantia dos direitos sociais ao idoso nos serviços de convivência do CRAS.
Que dificulta as informações e o acompanhamento do serviço para pessoa idosa na defesa
dos seus interesses, pois esse público ainda possui o desconhecimento sobre os seus
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direitos tanto no contexto do CRAS, como na sociedade civil, estando estes vulneráveis
a esse processo.
Conclui-se, a existência da seletividade ofertada para pessoa idosa no âmbito da
garantia e viabilização da política para com este público, em relação a sua participação,
autonomia na busca de uma melhor qualidade vida em todos os segmentos da sociedade.
Essa pesquisa atribuiu a aproximação da teoria com prática, assimilar os entraves
estabelecidos no cotidiano da profissão, nas quais resultou no aprofundamento nos
campos teórico metodológico, técnico operativo e ético político sobre o acompanhamento
tanto dos profissionais como do público na instituição.
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GRUPO DE CONVIVÊNCIA PARA IDOSOS COMO AMBIENTE
PROPÍCIO PARA SUSTENTABILIDADE? UMA REVISÃO INTEGRATIVA
Magnollya Moreno de Araújo Lelis1
Daniela Cavalcanti Moraes e Silva 2
Renata Peixoto de Oliveira3
Verônica Salgueiro do Nascimento4
Resumo
Em 2050, 64% da população brasileira será composta por idosos, uma faixa etária que
infelizmente vem se excluindo ou é excluída do convívio social. Afirma-se que o grupo
de convivência para os idosos é uma possibilidade de resgatar este indivíduo para o
convívio em sociedade buscando melhorar a sua qualidade de vida. Objetivou-se fazer
uma revisão integrativa sobre a relação do grupo de convivência como estratégia de
promoção da sustentabilidade. Realizou-se uma pesquisa eletrônica na base de dados da
Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), onde foram levantados artigos científicos publicados
nos últimos 10 anos. Utilizou-se os termos “Grupos de Convivência para Idosos”,
“Centros Comunitários para Idosos” e “Sustentabilidade” consultada no DeCS
(Descritores em Ciência e Saúde). Foram encontrados 20 artigos referentes ao grupo de
convivência para idosos, 20 abordando os centros comunitários e 86 com o termo
sustentabilidade. Entretanto apenas 11, compuseram a amostra deste estudo e nenhum
relacionou com a temática da sustentabilidade. Os resultados encontrados evidenciam a
necessidade de mais pesquisas que abordem a relação de grupos de convivência para
idosos como estratégia de sustentabilidade. Precisa-se planejar e implementar políticas
que melhorem a qualidade de vida dos idosos. Os grupos de idosos é uma estratégia
imprescindível.
Palavras-chave: Idoso. Grupo de Convivência. Sustentabilidade.
1-Introdução
Nos últimos anos, o Brasil vem apresentando uma nova configuração do padrão
demográfico percebido pela redução da taxa de crescimento populacional e por
transformações importantes na composição de sua estrutura etária, com um significativo
aumento do número de idosos. O censo do IBGE (2010) aponta que entre os anos de 1999
1
Enfermeira, mestranda em Desenvolvimento Regional Sustentável pela Universidade Federal do Ceará, Ceará/Brasil.
E-mail:[email protected]
2
Enfermeira, mestranda em Ciências da Saúde pela Facudade de Medicina do ABC Paulista, São Paulo/Brasil. Email:[email protected]
3
Enfermeira pela Universidade Regional do Cariri, Ceará/Brasil. E-mail: [email protected]
4 Professora da Universidade Federal do Ceará, doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará, Ceará/Brasil.
E-mail: [email protected]
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1350
a 2009, o percentual de idosos passou de 9,1% para 11,3% com projeção de crescimento
para 28,3% em 2020 e aumentando para 64,1% em 2050.
Apesar desta realidade, o envelhecimento ainda é algo que muitas pessoas têm
medo de enfrentar, pois apesar de se constituir um estágio do desenvolvimento humano,
vivenciam-se um conjunto de perdas e ganhos. Associada a velhice vem a idéia de
incapacidade, doença, afastamento e dependência (NERI e SOMMERHALDER, 2001),
enfatizada principalmente após a Revolução Industrial e o desenvolvimento do
capitalismo passando a significar decadência, sendo assim excluída e marginalizada.
Assim a velhice é encarada como algo feio e ruim, vista com preconceitos de
inutilidade, dependência, e “conjunto de doenças” o que faz com que essa população se
exclua e seja excluída encontrando dificuldades para interação social inclusive com seus
familiares, sentindo-se na maioria das vezes sozinhos e abandonados. Esses fatores
desencadeiam altos níveis de ansiedade e depressão comprometendo a qualidade de vida
deste grupo etário (BORGES et al., 2013, MINGHELLI et al., 2013, e FRUTUOSO,
1999). Carneiro (2007) acrescenta afirmando que as deficiências em habilidades sociais
parecem constituir um fator de vulnerabilidade para a baixa qualidade de vida e para a
depressão em indivíduos da terceira idade.
É de fundamental importância que esse panorama mude! Encontra-se na
sustentabilidade social, uma das principais dimensões da sustentabilidade defendida por
Maia e Pires (2011) e Sachs (2002), a possibilidade de mudança através de ações que
visem melhorar a qualidade de vida desta população. O termo sustentabilidade refletia
anteriormente para conceitos econômicos e ecológicos (SARTORI et al., 2014,
LOZANO, 2012 e AYRES, 2008). Hoje, vai mais além, reflete a necessidade das pessoas
em manter-se sem comprometer a existência e a permanência de outras pessoas com ações
que diminuam as desigualdades sociais, ampliem os direitos e garantam acesso aos
serviços que possibilitem às pessoas o pleno direito à cidadania (MENDES, 2009).
Obedece a um dos princípios fundamentais para o desenvolvimento sustentável propostos
no relatório Brundtland (ou nosso futuro comum), o da equidade social. Compreende o
respeito à diversidade, empoderamento de grupos excluídos socialmente, incentivo à
resolução pacífica de conflitos e convivência saudável com a família e sociedade.
Como estratégia desta sustentabilidade social tem-se nos grupos de convivência
para idosos, uma alternativa para inseri-lo no convívio social, ocupando espaço e posição
perante a sociedade e melhorando seu convívio familiar.
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Interagir socialmente, sobretudo com amigos da mesma geração, possibilita ao
idoso construir novos laços de relação e favorece o bem-estar físico, psicológico e social
(NERI e SOMMERHOLDER, 2001 e MONTEIRO, 2001). As pessoas que têm maior
contato social vivem mais e com melhor saúde quando comparadas às pessoas com menor
contato social (DRESSLER, 1997 apud ALMEIDA et al., 2010). A pobreza de relações
sociais tem sido considerada um fator de risco à saúde, tão danoso quanto o fumo, a
pressão arterial elevada, a obesidade e a ausência de atividade física (BOWLING ET. AL.
2003).
Como mencionado, os autores afirmam os benefícios dos grupos de convivência
para idosos. È importante também conhecer o que os idosos que vivenciam experiências
nestes grupos pensam a cerca deste assunto, uma vez que a sua percepção como sujeitos
do processo contribui para o aprimoramento de práticas e políticas que funcionem em seu
benefício.
Leite (2002) ao ouvir idosos em seu estudo sobre a importância dos grupos da
terceira idade estes informaram um resgate da vaidade, do prazer, da satisfação e da
alegria de poder estar com as outras pessoas, podendo realizar diversas atividades e ao
mesmo tempo conversar, sorrir, dançar, contar piadas, fortalecer laços e fazer novas
amizades. Boht (2012) acrescenta que ao pesquisar sobre a percepção de velhice na voz
de idosos inseridos em grupos de terceira idade encontrou que os idosos afirmam que este
é um espaço de construir e fortalecer vínculos de amizade e se constitui em um local de
diversão. Rizzolli e Darlan (2010) também enriquecem o assunto quando encontraram
relatos positivos de idoso a cerca da contribuição das experiências vivenciadas nos grupos
no que concerne a desenvolvimento das atividades diárias e reconhecimento pelos
familiares e sociedade em geral.
Diante disto surge o interesse em pesquisar qual o estado da arte da produção
científica no que diz respeito à importância do grupo de convivência para idosos e sua
relação com a sustentabilidade? Partimos do pressuposto de que esses grupos trazem
grandes melhorias e mudanças positivas na vida dos idosos ao desenvolverem a autoconfiança, a auto-estima, favorecer o relacionamento familiar e intergeracional, promover
saúde, melhorar o desenvolvimento das funções diárias, aumentar a valorização e o respeito
pela sociedade.
Embora a literatura enfatize a importância da manutenção da qualidade de vida
do idoso e das medidas disponíveis para contribuir para a melhora desta, são escassos os
estudos que investigam os benefícios dos grupos de convivência (MINGHELLI, 2013)
bem como a percepção que os idosos têm a cerca destes grupos.
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Acreditamos que este estudo trará grande contribuição por despertar para a
necessidade de conhecer a percepção deste grupo como ferramenta base para elaboração
de políticas que assegurem o aumento da longevidade e favoreçam a garantia da
felicidade, satisfação pessoal e a inserção social.
2-Fundamentação teórica
2.1-Epidemiologia do Envelhecimento
Nos últimos anos é perceptível uma nova configuração do padrão demográfico
percebido pela diminuição da taxa de crescimento populacional e por transformações
importantes na composição de sua estrutura etária, com crescimento mais lento do número
de crianças e adolescentes e com um significativo aumento do número de idosos.
Atualmente são 810 milhões de pessoas com 60 anos ou mais no mundo, o que
representa 11,5% da população global, e a expectativa é de que esse número alcance um
bilhão em menos de 10 anos e mais que duplique em 2050, alcançando dois bilhões de
pessoas, ou seja, 22% da população global (Bodstein, Lima e Barros, 2014).
No Brasil essa modificação na pirâmide etária não é diferente. É evidenciado
uma redução proporcional da população jovem e um aumento na proporção e no número
absoluto de idosos. Rizolli e Sudy (2010), afirmam que nas décadas de 1950 e 1960, as
taxas de crescimento anual da população mantiveram-se elevadas,mas a partir da década
de 1970, essa taxa mostrou sensível redução, acentuando-se na década de 80.
Simultaneamente,
a
distribuição
etária
da
população
brasileira
se
alterou.
Anderson(1998) e Papaleo (1996) adicionam que no início do século, os idosos
constituíam apenas 3,3% da população, percentual que foi elevando paulatinamente ,
atingindo 4,1% em 1940, 5,1% em 1970 e 6,1% em 1980. O censo de 1991 evidenciou
que os idosos brasileiros já são 7,4% da população nacional.
O censo demográfico do IBGE (2010) mostra que entre os anos de 2000 a 2020
o mesmo duplica, ao passar de 13,9 para 28,3 milhões, aumentando-se, em 2050, para 64
milhões. Em 2030, de acordo com as projeções, o número de idosos já supera o de
crianças e adolescentes (menores de 15 anos deidade), em cerca de 4 milhões, diferença
essa que aumenta para 35,8 milhões, em 2050(64,1milhões contra 28,3 milhões,
respectivamente). Nesse ano, os idosos representarão 28,8% contra 13,1% de crianças e
adolescentes no total da população.
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1353
A expectativa é de que, no período de 1950 a 2025, o grupo de idosos no Brasil
deverá ter elevado em quinze vezes, enquanto a população total, em cinco. Se isso se
confirmar, o país atingirá o sexto lugar quanto ao contingente de idosos, alcançando, em
2025, cerca de 32 milhões de pessoas com 60 anos ou mais de idade (Bodstein, Lima e
Barros, 2014).
É urgente a presença de discursões que envolvam essa transformação no perfil
demográfico para que sejam planejadas ações e reformulação de políticas social,
econômica e de saúde, refletindo as especificidades e peculiaridades de cada de cada
região, uma vez que iram demandar novas demandas.
2.2- Conceitos, “Pré-conceitos” e Efeitos
O envelhecimento (processo), a velhice (fase da vida) e o velho ou idoso
(resultado final) representam um conjunto cujos componentes estão intimamente
relacionados (BODSTEIN, LIMA E BARROS, 2014).
Minayo e Coimbra Jr. (2002, p. 15) apontam quatro diferentes sentidos
atribuídos ao envelhecimento que indicam heterogeneidade e polissemia:
(a) como híbrido biológico-social, ou seja, a velhice vem sendo
desnaturalizada, refletindo a percepção de que esta consiste em um fenômeno
social e culturalmente construído; (b) como problema, ao passo que pode ser
associado à sobrecarga dos cuidadores, à redução de capacidade laboral, ao
aumento de despesa para o sistema previdenciário etc.; (c) como questão
pública, dado que as pessoas idosas vêm se tornando um grupo social com
crescente visibilidade, em número e em organização, atribuindo um novo
significado ao que era percebido tradicionalmente como decadência física e
inatividade, e (d) o idoso como “ator social”, individual e coletivo, que está
redefinindo relações familiares, influenciando os rumos da política e criando
uma nova imagem de si.
O envelhecimento ainda é algo que muitos indivíduos têm medo de enfrentar,
pois apesar de representar um estágio do desenvolvimento humano onde vivenciam-se
um conjunto de perdas e ganhos, há deturpações com relação aos seus conceitos e
entendimentos.
Nos últimos séculos, principalmente após a Revolução industrial e
desenvolvimento do capitalismo, a ideia de velhice tem sido relacionada à decadência,
debilidade, fraqueza, classe improdutiva, sendo assim excluída e marginalizada, como
enfatiza Paz (2001, p. 232):
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“O acentuado desenvolvimento do capitalismo da era moderna vem desprezando
a tradição humana e sua memória, e culturalmente descaracterizando a velhice, pelo
processo de desprestigio, exclusão social e anulação”.
Assim o idoso é descrito genericamente como aquele ser fisicamente incapaz e
mentalmente debilitado, tornando sua exclusão social uma contingência natural e
irreversível, não sendo compreendido como uma questão biológica.
Outra variável que confunde a descrição de um indivíduo idoso é a autonomia,
onde se nota naturalmente uma maior dependência destes indivíduos em relação aos seus
familiares ou até mesmo em relação ao Estado, devido à sua maior vulnerabilidade física
e, é claro, econômica, como explica Saad (1990, p. 4):
Com freqüência, a pessoa é considerada idosa perante a sociedade a partir do
momento em que encerra as suas atividades econômicas. Em outras ocasiões,
é a saúde física e mental o fator de peso, sendo fundamental a questão da
autonomia: o indivíduo passa a ser visto como idoso quando começa a
depender de terceiros para o cumprimento de suas necessidades básicas ou
tarefas rotineiras.
Associada a velhice vem a ideia de incapacidade, doença, afastamento e
dependência (NERI & FREIRE, 2000) A velhice ainda é vista por muitos como algo feio
e ruim, encarada com preconceitos de inutilidade, dependência, e “conjunto de doenças”
o que faz com que essa população se exclua e seja excluída encontrando dificuldades para
interação social inclusive com seus familiares, sentindo-se na maioria das vezes sozinhos
e abandonados.
Em uma sociedade que valoriza a juventude, a beleza, o "produtivo" e na qual a
velhice é uma fase da vida vista com preconceitos de inutilidade, dependência e
improdutiva, os idosos encontram barreiras para inserir-se. Frente a essas limitações o
idoso isola-se, mesmo que esteja morando com sua família, muitas vezes, não possui
poder de decisão, permanece sozinho em casa.
A exclusão do idoso do convívio social gera elevados níveis de ansiedade e
depressão comprometendo a qualidade de vida deste grupo etário (MINGHELLI et al.
2013, BORGES et al. 2013 e FRUTUOSO, 1999). Carneiro (2007) adiciona afirmando
que as deficiências em habilidades sociais parecem representar um fator de
vulnerabilidade para a diminuição da qualidade de vida e para a depressão em indivíduos
da terceira idade. A pobreza de relações sociais tem sido mostrada como um fator de risco
à saúde, tão danoso quanto o fumo, a pressão arterial elevada,a obesidade e a ausência de
atividade física (BOWLING et. al. 2003).
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1355
2.3- Sustentabilidade e Desenvolvimento Regional Sustentável
A problemática da sustentabilidade assume, no final de século XX, um destaque
central na reflexão em torno das dimensões do desenvolvimento e das alternativas que se
configuram para garantir eqüidade e articular as relações entre os indivíduos e meio
ambiente.
Segundo Jacobi (1999) o conceito de desenvolvimento sustentável surge como
uma idéia força integradora para qualificar a necessidade de pensar uma outra forma de
desenvolvimento. Seu fundamento provém da necessidade percebida de busca de um
equilíbrio em relação às capacidades e às limitações existentes. O mesmo autor acrescenta
que o desenvolvimento e o bem estar humanos requerem um equilíbrio dinâmico entre
população, capacidade do meio ambiente e vitalidade produtiva.
A Conferência de Ottawa (CARTA DE OTTAWA, 1986) estabelece cinco
requisitos para se alcançar o desenvolvimento sustentável: a integração da conservação e
do desenvolvimento; a satisfação das necessidades básicas humanas; o alcance de
eqüidade e justiça social; a provisão da autodeterminação social e da diversidade cultural;
a manutenção da integração ecológica.
O desenvolvimento sustentável deve ser uma conseqüência do desenvolvimento
social, econômico e da preservação ambiental (BARBOSA, 2008), não podendo esta
dissociados, mas sim interligados( Figura 1):
Figura1-Desenho esquemático relacionando parâmetros para se alcançar o desenvolvimento sustentável(
Fonte: BARBOSA, 2008, pág. 10)
Na Conferência “Rio-92” firmou-se o conceito de Desenvolvimento Sustentável
contido na Agenda 21 e incorporado em outras agendas mundiais de desenvolvimento e
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de direitos humanos (BARBOSA, 2008), mas o conceito ainda está em construção
segundo a maioria dos autores que escrevem sobre o tema, como por exemplo, Carla
Canepa (2007) e José Eli da Veiga (2005).
Outro documento importante escrito na “Rio 92”, com uma grande participação
de organizações não governamentais e representantes da sociedade civil, foi “A Carta da
Terra”. Ela trás importantes reflexões sobre a forma de comportamento do ser humano e
as relações sociais:
Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em
que a humanidade deve escolher seu futuro. À medida que o mundo torna-se
cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo,
grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer
que, no meio de uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida,
somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino
comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global
baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça
econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo
que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com
os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações (A
Carta da Terra 2002, pág. 6).
Além da Conferência “Rio- 92”,foram organizadas outras conferências mundiais
como a Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável em Johanesburgo,
realizada dez anos mais tarde, na África do Sul. Após um retrospecto sobre os dez anos
que se passaram entre a Conferência do Rio e a da África do Sul, destaca-se que muitas
foram as frustrações quanto as perspectivas positivas da Rio-92, mas o que avançou foi o
reconhecimento do desenvolvimento sustentável como uma possível e aceitável solução
para os problemas ambientais e sociais enfrentados pelo mundo (CAMARGO, 2004).
O desenvolvimento sustentável é um processo de aprendizagem social de longo
prazo, que por sua vez, é direcionado por políticas públicas orientadas por um plano de
desenvolvimento nacional. Esse desenvolvimento deverá ser pautado em políticas
públicas que se interliguem e que contribuam para beneficiar não apenas interesses
próprios e para a menor parte da população, mas sim interesses comuns que tragam efeitos
positivos para grande parcela da população melhorando o convívio social, os índices
econômicos, e a relação com a natureza.
A definição de sustentabilidade, assim como a de desenvolvimento sustentável
é muito complexa. Para Cavalcanti (2003) sustentabilidade significa a possibilidade de se
obterem continuamente condições iguais ou superiores de vida para um grupo de pessoas
e seus sucessores em dado ecossistema.
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Para facilitar a compreensão do conceito de sustentabilidade, Sachs (1993)
descreve como:
Sustentabilidade ecológica – refere-se à base física do processo de
crescimento e tem como objetivo a manutenção de estoques dos recursos
naturais, incorporados as atividades produtivas. Sustentabilidade ambiental
– refere-se à manutenção da capacidade de sustentação dos ecossistemas, o que
implica a capacidade de absorção e recomposição dos ecossistemas em face
das agressões antrópicas.
Sustentabilidade social – refere-se ao desenvolvimento e tem por objetivo a
melhoria da qualidade de vida da população. Para o caso de países com
problemas de desigualdade e de inclusão social, implica a adoção de políticas
distributivas e a universalização de atendimento a questões como saúde,
educação, habitação e seguridade social.
Sustentabilidade política – refere-se ao processo de construção da cidadania
para garantir a incorporação plena dos indivíduos ao processo de
desenvolvimento.
Sustentabilidade econômica – refere-se a uma gestão eficiente dos recursos
em geral e caracteriza-se pela regularidade de fluxos do investimento público
e privado. Implica a avaliação da eficiência por processos macro sociais.(
SACHS, 1993, Pag. 37)
Essas dimensões da sustentabilidade estão intimamente interligadas. Na
sociedade a dimensão social é responsável pela mudança de comportamento dos
indivíduos, que por sua vez, está influenciada diretamente pela dimensão política,
caracterizada principalmente, pelos jogos de poder e pela dimensão econômica, tendo em
vista o paradigma de consumo e trabalho imposto pela sociedade capitalista. As
dimensões ecológica e ambiental aparecem devido aos impactos negativos de
desequilíbrios à manutenção da vida na terra, afetando o modo de viver do ser humano,
ou seja, afetando as outras dimensões.
Atualmente há inúmeros obstáculos que dificultam e até retardam o
desenvolvimento para uma sociedade sustentável, pois como critério básico e integrador,
precisa estimular constantemente pensamentos e responsabilidades éticas. Aspectos
basicamente econômicos e individualistas impregnados pelo sistema capitalista precisam
ser repensados e dar lugar a aspectos como a equidade, a justiça social e ética de todos os
seres vivos.
O momento atual exige que a sociedade esteja mais motivada e mobilizada para
assumir um caráter mais propositivo para implementar políticas pautadas pelo binômio
sustentabilidade e desenvolvimento num contexto de crescentes dificuldades para
promover a inclusão social.
2.4- Inclusão social como estratégia de sustentabilidade
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O mundo passa agora a missão de se adequar a esta nova dinâmica demográfica
e de enfrentar os problemas dela decorrentes. È necessário planejar e desenvolver
políticas que sejam resolutivas e melhorem a qualidade de vida dos idosos uma vez que
a responsabilidade é de toda a sociedade.
Encontra-se na sustentabilidade social, uma das principais dimensões da
sustentabilidade defendida por Maia e Pires, (2011) e Sachs, (2002), a possibilidade de
mudança através de ações que visem melhorar a qualidade de vida desta população. O
termo sustentabilidade refletia anteriormente para conceitos econômicos e ecológicos.
Hoje, vai mais além, reflete a necessidade das pessoas em manter-se sem comprometer a
existência e a permanência de outras pessoas com ações que minimizem as desigualdades
sociais, ampliem os direitos e permitam o acesso aos serviços que possibilitem às pessoas
o pleno direito à cidadania. Obedece a um dos princípios fundamentais para o
desenvolvimento sustentável propostos no relatório Brundtland (ou nosso futuro comum,
1998), o da equidade social. Compreende o respeito à diversidade, empoderamento de
grupos excluídos socialmente, incentivo à resolução pacífica de conflitos e convivência
saudável com a família e sociedade.
Como estratégia desta sustentabilidade social tem-se os grupos de convivência
para idosos, uma alternativa para inseri-lo no convívio social, ocupando espaço e posição
perante a sociedade e propiciando seu convívio familiar.
Rizolli e Sudy(2010)
conceituam grupo de convivência como espaços nos quais o convívio e a interação com
e entre os idosos permitem a construção de laços simbólicos de identificação, e onde é
possível partilhar e negociar os significados da velhice, delineando novos modelos,
paradigmas de envelhecimento e construção de novas identidades sociais. Corrobora com
essa idéia Campos (1994) ao evidenciar que a presença dos idosos nos grupos de
convivência leva a um aprendizado, uma vez que compartilham idéias, experiências, e
também ocorre reflexão sobre o cotidiano da vida destas pessoas.
3- Metodologia
Utilizou-se como método de pesquisa a revisão integrativa que segundo Silveira
(2005), emerge como uma metodologia que proporciona a síntese do conhecimento e a
incorporação da aplicabilidade de resultados de estudos significativos para a prática.
Seguiram-se as etapas da elaboração da revisão integrativa propostas por Souza,
Silva e Carvalho (2010): Elaboração da pergunta norteadora, busca na literatura, coleta
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de dados, análise crítica dos estudos incluídos, discussão dos resultados e apresentação
da revisão integrativa. Este rigor metodológico é necessário para que o produto oriundo
da revisão integrativa possa trazer contribuições relevantes tanto para a ciência e como
para a prática clínica.
A questão norteadora da pesquisa foi: qual o estado da arte da produção científica
no que diz respeito a importância do grupo de convivência para idosos e sua relação com
a sustentabilidade?
Os dados foram coletados no mês de julho de 2015 e seguiu duas etapas.
Inicialmente, realizou-se busca na base de dados LILACS (Literatura Latino-Americana
e do Caribe em Ciências da Saúde) e MEDLINE (Medical Literature Analysis and
Retrieval Sistem on-line). Utilizou-se os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS):
“Grupos de Convivência para Idosos”, “Centros Comunitários para Idosos” e
“Sustentabilidade”.
Os critérios de inclusão (filtros) obedecidos foram: 1- literaturas disponíveis na
íntegra, 2- artigos originais, 3- artigos publicados em português, inglês e espanhol, 4publicações nos últimos 10 anos.
Os textos foram identificados e selecionados através da combinação dos
descritores, totalizando 20 artigos.
Num segundo momento, após a leitura dos 20 textos encontrados na busca baseada
na questão norteadora, foram selecionados 11 artigos e compõem a base de análise deste
estudo. Os demais foram excluídos por não se adequar à temática ou por serem repetidos.
Para a análise dos dados, os artigos foram organizados em uma Tabela específica
(Tabela 1). As variáveis identificadas foram: Ano de publicação; Base de dados; Conteúdo
abordado no estudo; e conclusões, que são exploradas nos resultados e discussões deste
estudo.
4- Resultados e discussões
Foram encontrados 126 artigos listados pela base de dados referentes ao Centro
de convivência para idosos, 09 foram descartados, sendo 03 por apresentarem-se repetidos
e 06 por não terem relação com a temática. Ao utilizar o descritor “Centros comunitários
para idosos”, encontrou-se 20 artigos publicados, porém não foram incluídos, já que eram
repetidos. Ao pesquisar o descritor “sustentabilidade” 86 estudos foram encontrados, sendo
todos descartados por não obedecer aos critérios de inclusão devido à falta de relação direta
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1360
com a temática. E como surpresa, quando se buscou a união dos dois descritores nenhum
trabalho foi encontrado. Assim, evidencia-se pouco interesse em desenvolver artigos que
abordem o tema apesar do crescente envelhecimento populacional, o que é extremamente
preocupante.
Durante a revisão das publicações alguns aspectos foram identificados como
relevantes no processo de análise dos conteúdos. Para análise das informações foi realizada
a organização do conteúdo encontrado quanto ao ano, base de dados e essência do conteúdo
recomendações/conclusões dos autores, descritos na Tabela 1.
Tabela1- Apresentação dos artigos selecionados
Ano
2008
Referência
LILACS
Conteúdo
Conhecimento sobre HIV/AIDS nos
grupos de convivência
Recomendações/conclusões
Necessidade de aprimoramento dos
programas de saúde pública
2008
LILACS
Caracterização dos idosos
2009
LILAC
2010
LILACS
2010
LILACS
2011
LILACS
2012
LILACS
2013
LILACS
2014
MEDLINE
2013
MEDLINE
2011
MEDLINE
Consequências sociais e de saúde com o
aumento do número de idosos
Qualidade de vida e depressão em idosos
participantes e não participantes de
grupos de convivência
Identificar condições de saúde de idosas
que frequentam o grupo de convivência
Associação da atividade física e a
capacidade física de idosos participantes
de um grupo de convivência
Associação entre condições de saúde e
nível de atividade física em idosos
participantes e não participantes de
grupos
Síndrome da fragilidade e suas relações
com a capacidade e desempenho
funcional em idosos que frequentam um
grupo de convivência
Prevenção de quedas e acidentes
domésticos através da atividade física em
participantes de um centro de
convivência nos EUA
Avaliar o efeito atividades desenvolvidas
em centros de convivência com foco na
mudança do estilo de vida no controle da
Hipertensão Arterial Sistêmica (EUA).
Atividades desenvolvidas em Centros de
convivência e a prevenção de quedas e
fraturas em idosos.
Necessidade de direcionamento das
ações
Necessidade de política eficaz
Mais grupos de convivência
As idosas que participam de grupos
têm melhor percepção de saúde
Importância da atividade física
desempenhada pelos grupos
Melhor percepção do estado de saúde e
manutenção após participação nos
grupos
A
fragilidade
compromete
a
funcionalidade dos idosos o que pode
ser melhorado com a participação em
grupo de convivência
Diminuição do índice de quedas e
melhora do equilíbrio em idosos.
Os centros de convivência são locais
propícios para promoção da mudança
no estilo de vida, sendo um ponto
importante de disseminação.
Evidencia-se que uma intervenção de
prevenção
queda
multifatorial
oferecidos em centros de idosos e
prestados por pessoal treinado pode ser
benéfico
para
melhorar
a
comportamentos
que
possam
contribuir para diminuir o risco de
quedas e fraturas em idosos.
O quantitativo de referências por ano encontrado mostra um percentual igual de
9,0% das publicações nos anos de 2009, 2012 e 2014. Já nos anos de 2008, 2010, 2011 e
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1361
2013 as publicações foram de 18,1%. Não foram encontradas publicações no período de
2004 a 2007. A base de dados da LILACS possui 72,8% dos artigos indexados e 27,2% na
MEDLINE.
Com relação a essência do conteúdo estudado nas referências e as suas produções
no conhecimento encontramos que 87,5% das referências investigam as relações sociais,
de qualidade de vida e de saúde nos grupos de convivência; 12,5% das referências analisam
os dados sociodemográficos dos idosos que frequentam o grupo. Verifica-se assim algo de
suma importância nestes dados, o interesse pelos autores em destinar esforços em pesquisas
que objetivem identificar os benefícios dos grupos de convivência para idosos nas relações
sociais e de saúde com consequente melhoria na qualidade de vida como enfatizado por
Benedetti (2008) e Almeida (2010) ao afirmarem que a participação nos grupos de
convivência contribui para a melhor percepção do estado de saúde, menor ocorrência de
depressão e melhoria na qualidade de vida para os idosos.
Assim a formação de grupos de convivência para idosos deve ser estimulada e
discutida como política de saúde pública para que contemplem suas necessidades,
recomendação feita por todos (100%) os autores encontrados nesta revisão sobre grupos de
idosos. Lazarotto (2008) demonstrando a necessidade de programas de saúde pública para
idosos. Veras (2008) acrescenta que política pública brasileira deveria priorizar a
manutenção da capacidade funcional dos idosos, com monitoramento das condições de
saúde, com ações preventivas e diferenciadas de saúde e de educação, com cuidados
qualificados e atenção multidimensional e integral.
A ausência de estudos abordando a relação dos grupos de convivência e grupos da
terceira idade com a sustentabilidade é intrigante. A sustentabilidade na sua dimensão social
enfatiza o desenvolvimento de ações que possibilitem melhorar a qualidade de vida das
pessoas, redução das desigualdades sociais, garantir dos direitos e acesso à serviços que
garantam o pleno direito à cidadania. Não está ligada apenas a questões ambientais,
ecológicas e econômicas como muitos indivíduos pensam, o que talvez justifique a carência
de estudos na área.
5- Considerações finais
Os resultados encontrados evidenciam a necessidade de mais estudos que abordem
a relação de grupos de convivência para idosos como estratégia de sustentabilidade, uma
vez que estamos diante de uma inversão demográfica e precisamos prevenir e enfrentar da
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melhor forma os problemas delas decorrentes. Precisa-se planejar e implementar políticas
que melhorem a qualidade de vida dos idosos. Os grupos de idosos é uma estratégia
imprescindível.
Por meio da presente revisão integrativa, foi possível visualizar além das
evidências de estratégias eficazes provenientes de pesquisas envolvendo o
envelhecimento ativo, a necessidade de intensificar esforços, segundos os artigos
analisados nesta temática.
É necessário ainda esclarecer à sociedade as dimensões da sustentabilidade para
que aumentem os estudos na área como também para que viabilizem o desenvolvimento de
atitudes e ações sustentáveis.
No estudo, é nítido que as estratégias de promoção da saúde são vitais para o
envelhecimento ativo, onde a formação de Grupos de convivência por exemplo, favorece
a autonomia do ser idoso através de um cuidado específico que prioriza a qualidade de
vida. Assim, enfermeiros e idosos devem atuar em uma relação interpessoal, baseada na
comunicação e em princípios éticos.
Apesar das publicações estarem aumentando nos últimos anos, no que se refere
aos estudos sobre envelhecimento ativo, faz-se necessária a realização de outras pesquisas
na área de enfermagem. Essas poderão ressignificar a produção científica já produzida,
adequando-a aos inúmeros cenários sobre o processo de envelhecimento e as dimensões
da sustentabilidade
visto que segundo esta revisão integrativa, há poucos estudos
específicos na área, incluindo estudos interdisciplinares que envolvam a temática.
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HOMOAFETIVIDADE E OS DIREITOS DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE: UMA ANÁLISE NA REGIÃO DO CARIRI
Jessica Luanna Cardoso Braz Gonçalves1
Maria Denyse Lima Rolim Alves2
Maridiana Figueiredo Dantas3
Suelen Saraiva da Cruz Alexandre4
Resumo:
O presente trabalho tem por finalidade trazer uma aproximação com o debate contemporâneo
acerca da homoafetividade e os direitos da criança e do adolescente. Trazendo na discussão
aspectos relativos ao conceito de família, destacando alguns conceitos que serviram de baliza para
nortear a pesquisa em questão. Procura-se caracterizar o cenário contemporâneo trazendo uma
aproximação com a realidade da Região do Cariri visando analisar a Rede de Proteção dos
Direitos da Criança e do Adolescente no tocante a homoafetividade, tecendo uma análise dessa
rede de proteção com seus limites, fragilidades e possibilidades. Compreende-se que na atual
conjuntura a nova forma de interação e de comportamento vem ganhando novos conceitos que
são construídos na sociedade ao longo do tempo. Nessa ótica, o trabalho em questão traz uma
aproximação com os diversos paradigmas que perpassam o tema aqui proposto. Proporciona aos
interessados em aprofundar os estudos a possibilidade de nortear novas pesquisas, uma vez que
traz indicações de autores podendo contribuir para publicações posteriores.
Palavras-chave: Homoafetividade, Rede de Proteção, Criança e adolescente.
Abstract:
The present work aims to bring about a rapprochement with the contemporary debate
about homoafetividade and the rights of children and adolescents. Bringing the discussion aspects
of the concept of family, showing some concepts that served as a beacon to guide the research in
question. It seeks to characterize the contemporary scene bringing a rapprochement with the
reality of Cariri analyzes to Network Protecting the rights of children and adolescents in the areas
of homoafetividade platted a review of this safety net to its limits, weaknesses and possibilities.
It is understood that at this juncture a new form of interaction behaviors and gaining new concepts
that are constructed in society over time. In this view, the work in question brings a different
approach to the paradigms that underlie the proposed here. Provides those interested in further
study the possibility of guiding further research, since it brings indications authors may contribute
to subsequent publications.
Keywords: Homoafetividade, Safety Net, Child and Adolescent
1
Graduada em Serviço Social pela Faculdade de Ciências Aplicadas Dr. Leão Sampaio Juazeiro do Norte,
[email protected]
2
Graduada em Serviço Social pela Faculdade de Ciências Aplicadas Dr. Leão Sampaio Juazeiro do Norte,
[email protected]
3
Docente na área de Serviço Social na Faculdade de Ciências Aplicadas Dr. Leão Sampaio Juazeiro do Norte,
[email protected]
4
Graduada em Serviço Social pela Faculdade de Ciências Aplicadas Dr. Leão Sampaio Juazeiro do Norte,
[email protected]
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1367
INTRODUÇÃO
No mundo contemporâneo, podemos perceber transformações na constituição das
famílias, se outrora tínhamos apenas as famílias nucleares constituídas de pai, mãe e
filhos, atualmente com novos arranjos familiares surgem novas formas de famílias tais
como: famílias unilaterais, comunitárias e as homoafetivas.
Muito tem se discutido sobre a constituição de uma família homossexual onde
ainda é muito polemizada e lançada a margem da sociedade, por estar fora de um padrão
social pré- estabelecido e conservador.
Embora ainda ocorra o preconceito em relação à nova conjuntura familiar e a
privação de alguns direitos, alguns movimentos como o LGBT (Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transgêneros), têm sido organizados com a intenção de serem
reconhecidos socialmente como cidadãos de direito com objetivo de alcançarem o
respeito e a dignidade humana. Podemos dizer que esses movimentos resultaram em
algumas conquistas tais como a união estável e o direito a adoção, o que nos leva a pensar
numa sociedade em transformação.
Desse modo nota-se que as relações homoafetivas estão presentes na fase da
adolescência, fase esta de desenvolvimento peculiar do Ser; e de descobertas da
sexualidade. Momento de muitas dúvidas sobre os desejos sexuais, e de confronto na
relação familiar.
Percebe-se, uma sociedade de reprodução e o que estiver fora das normas e
regras é tratado como o diferente, ou aquele sujeito que necessita de ajuda para superar
seu desvio de conduta; deixando de compreender que o adolescente se modifica, não só
em seus aspectos fisiológicos como também seu comportamento e visão de mundo. Se
antes, na infância, o sujeito tinha uma relação de dependência quase que absoluta dos
pais, agora ele se lança em um universo onde tudo parece ser novo, onde as coisas de
criança já não fazem tanto sentido e a busca pela sua identidade passa a ser construída,
através das relações sociais, do convívio familiar e das relações intrapessoais na
adolescência.
Diante do exposto, o artigo tem como objetivo discutir sobre a homossexualidade
na adolescência e a Rede de Proteção Social na Região Metropolitana do Cariri e os
rebatimentos nas relações familiares e sociais deste ser em desenvolvimento.
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1368
A HOMOXESSUALIDADE NA INFÂNCIA
Partiremos da compreensão do significado da família e seu papel dentro da
sociedade, conforme Cechinatto (2013), diz “a família foi e sempre será o padrão de
referência para todas as vivências do ser humano, ninguém surge do nada”. A família
tem suas raízes e transições, mas sempre fez parte da história mesmo com mudanças
significativas no seu núcleo.
Todo ser humano tem necessidade de viver em comunidade e estabelecer laços,
afeto, cuidado, intimidade e respeito, necessidades estas, que muitas vezes são supridas
no seio familiar.
É importante salientar que as transformações históricas também modificam as
relações e surgem novos arranjos familiares. A pré- história da humanidade nos ajuda a
compreender os diferentes momentos da constituição familiar e sua organização social,
período em que a humanidade sai da fase da Barbárie onde a raça humana era livre para
povoar a terra, para a fase da civilização onde a família era constituída a partir da
monogamia com intuito de constituir filhos legítimos e herdeiros legítimos, percebe-se
que dentro de cada período o núcleo familiar vai se constituindo de acordo com o período
e a cultura de sua época, de modo que os papéis sociais dos membros das famílias vão se
modificando.
A família contemporânea é considerada relacional, isto é, está ligada por laços de
afinidade, solidariedade e pertencimento e não sendo necessário serem representados
mais apenas pelo núcleo família tradicionais pai, mãe e filhos, ela está marcada pela
proteção individual de seus membros, ou seja, proteção da criança e do adolescente, do
idoso, da mulher, do homoafetivo.
Diversos estudos antropológicos mostram que a homossexualidade existiu desde
os primórdios da humanidade, em diferentes culturas, sendo considerada em muitas
sociedades uma forma normal de vínculo amoroso. A partir da segunda metade do século
XIX, o homoerotismo foi condenado pela igreja como uma forma de perversão sexual e
pecado, pela sociedade, sendo crime ou desvio de conduta contra a tradicional família,
depois considerado como doença.
Em 1948, com a divulgação do Relatório Kinsey, uma extensa pesquisa sobre
a sexualidade de homens e mulheres, realizada nos Estados Unidos, foi
constatada um universo de aproximadamente 10% da população com alguma
experiência homossexual, 25 anos mais tarde, em 1973, a Associação
Americana de Psiquiatria retirou o "Homossexualismo" da sua lista de
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distúrbios psiquiátricos; entretanto, apenas em 1995 a OMS – Organização
Mundial da Saúde - deixou de considerar a homossexualidade uma doença.
(FRANÇA, 2009, S/P).
A homossexualidade é uma das três principais categorias de orientação sexual,
de modo que em 17 de maio de 1990 a Organização Mundial de Saúde retirou o termo
Homossexualismo da lista internacional de doenças, por compreender que a orientação
sexual não se tratava de uma doença psíquica e nem tampouco de uma mutação genética
onde o termo reforçava a ideia pejorativa e preconceituosa. Exclui também o termo
Opção Sexual, pois se entende que se trata de orientação sexual intrínseca ao ser humano.
Com tantas modificações nos termos surge o termo Homoafetividade, que deu respaldo
para compreensão do termo Orientação sexual.
O termo homoafetivo, introduzido pela Desembargadora Dra. Maria Berenice
Dias, do Rio Grande do Sul, vem sendo cada vez mais utilizado, substituindo
a palavra homossexual, por se tratar acima de tudo de inclinação afetiva, e não
apenas sexual, por outra pessoa do mesmo gênero, lembrando que gênero na
língua portuguesa é na maioria das vezes definido pelo sexo da pessoa –
masculino ou feminino. (FRANÇA, 2009, S/P).
Existem alguns relatos de que a atração pelo mesmo sexo se dá na adolescência,
e que a prática da homoafetividade não é recente, mas sim histórica. Pode- se dizer que
as restrições a sua externalidade sempre se deu por um conservadorismo e por padrões
sociais e morais pré- estabelecidos socialmente e pela igreja de modo que a constituição
familiar aceita é a família nuclear; ideologia imposta pela Igreja e pela sociedade,
desconsiderando a particularidade e a individualidade de cada ser humano.
Pensar o adolescente homoafetivo nos remete a compreensão dos conflitos
vivenciados no seio familiar, é o momento em que a família deve se preparar para as
mudanças nos relacionamentos familiares, nessa etapa da vida, os jovens, onde os
mesmos passam a construir relações extra-familiares o que gera nos pais conflito e
inseguranças sociais, este sentimento de perca vivenciado pelos pais estimula a
necessidade de influenciar na identidade de gênero de seus adolescentes, no seu modo de
existir no mundo, a partir de construções sociais e culturais do que é ser homem, ser
mulher, ser pai e ser mãe. Dessa forma os dois gêneros desenvolvem a capacidade de se
vincular socialmente como homem ou mulher, ou de qual seu papel de gênero na
sociedade.
Pesquisas mostram que em geral a revelação ocorre primeiro com a mãe,
depois com os irmãos, e por último com o pai (se é que ocorre...). Um estudo
americano mostra que 50% dos gays e lésbicas não conseguem se assumir
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como tal, diante de seus pais, enquanto apenas 25% deles não se assumem para
suas mães. Entre aqueles que ousaram expor sua orientação sexual, no entanto,
apenas uma percentagem de 10 a 15% se sentiu totalmente confortável e aceito
pela família, enquanto entre 70 a 75% obtiveram algum grau de aceitação, e o
restante, de 10 a 15%, se sentiu não aceito ou rejeitado, mesmo em longo prazo.
(FRANÇA, 2009, S/P).
Nota-se que a primeira forma de preconceito e rejeição vivenciada pelo
adolescente homoafetivo ocorre no seio familiar; local este que deveria ser de apoio e
respeito pela orientação de sexual do ser em desenvolvimento, entendendo que o
adolescente é sujeito de direitos civis, políticos e sociais, não devendo sofrer qualquer
tipo de discriminação, preconceito ou violação.
Devido este sentimento hostil de exclusão e preconceito que os homossexuais
sofrem independente de sua faixa etária, surgem movimentos sociais em busca de respeito
e dignidade humana o que nos leva a pensar numa sociedade em transformação e mais
justa.
LIMITES E POSSIBILIDADES ACERCA DA REALIDADE HOMOAFETIVA
Após muita luta e reivindicações, através de movimentos sociais evidenciam-se
os avanços com relação aos direitos e a desconstrução das formas de preconceitos
advindas da construção da sociedade, porém esse momento atual vem de um processo
amplo em meio à historicidade.
Tomando como ponto de partida os movimentos sociais em defesa da
homoafetividade, se têm o primeiro movimento gay na América Latina, em Nova York,
no ano de 1969, onde alguns homossexuais que se encontravam em um bar chamado
Stonewall, se rebelaram contra policiais que os repreendiam, tendo em vista que este era
um dos principais bares gays da década.
Assim, os distúrbios de Stonewall deram origem ao "Gay Power"5 marcando o
início dos protestos contra a discriminação\preconceito de homossexuais. Muitos
tratamentos foram sendo utilizados para o “homossexualismo” antes do apogeu dos
movimentos na década de 1970, como terapias e hipnoses, para reparação das
preferências e desejos, como também uma cirurgia, a lobotomia que retirava parte do
cérebro (LIMA, 2012).
5Jornal
com discussões e propostas para expressar o desejo de uma imprensa independente e militante com relação à
homoafetividade. (LIMA, 2012)
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Para tanto, os ativistas começaram a observar a necessidade de combater a
homofobia e ajudar assim, aqueles que não se assumiam em público, organizaram
protestos, grupos de luta e jornais com discussões sobre a temática. Os avanços
começaram a acontecer ainda na mesma década, onde em 1973, a homossexualidade foi
desclassificada como patologia e os danos das terapias foram trazidos à tona. Este
constituindo um avanço enorme em decorrência de sua época.
Os primeiros grupos significativos de protestos no Brasil surgiram e ganhou força
no final dos anos 1970, momento em que a ditadura militar começava a dar sinais de
enfraquecimento e esgotamento, já que os movimentos sociais foram imensamente
reprimidos, de forma agressiva no momento da Ditadura Militar.
A partir de 1980 se inicia a atuação do Grupo Gay da Bahia, que vai ter uma
influência muito grande nos anos de 1980 e que, de certa forma, vai ajudar
também a fortalecer o ativismo no Nordeste. Em 1981, o jornal Lampião
encerra suas atividades. Entre 1981 e 1985 acontece uma campanha nacional
coordenada pelo Grupo Gay da Bahia para retirar a homossexualidade do
código
de
doenças
do
Inamps,
ou
seja,
a
luta
pela
despatologização. (FACCHINI, 2011, p. 14)
Nos anos 1980, um dos grupos que mais se destacou no Brasil foi o Movimento
Gay da Bahia (MGB)6, sendo a mais antiga associação em favor do homoafetividade e
contra a homofobia, oferecendo espaços para outras entidades que tragam assuntos
similares, esse movimento persiste avança com sua força na luta até os dias atuais.
No Brasil em 1990 a Organização Mundial da Saúde desclassificou a
homossexualidade como doença como coloca Lima (2012), sendo que para a psicologia
esse avanço só aconteceria em 1999.
Mudanças importantes ocorrem no campo legislativo, mercado (onde estes vão se
inserir com mais frequência e ter mais respeito neste meio)
e novos espaços de
sociabilidade, além do surgimento de novas entidades de defesa e as paradas do orgulho
gay, onde vai haver um reflorescimento do movimento. (KICH, 2008)
A homoafetividade vai ampliando seu terreno na cena mundial e abrindo portas
para além do preconceito, o que não era visto em cenários anteriores, também contando
com o avanço da imprensa na cobertura do tema através de filmes, novelas, programas e
noticiários.
Apesar de sua relevância na história para conquistas no âmbito da
homoafetividade, na atualidade os movimentos gays perderam um pouco o foco de suas
6
Ver: Grupo Gay da Bahia. Disponível em: http://www.ggb.org.br/
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lutas, onde suas paradas gays realizadas todos os anos no país, se tornaram uma espécie
de festival e não um espaço de luta e reivindicação por direitos.
Contudo, os aparatos legais vêm avançando precisamente e a partir de 2011 foi
aprovada pelo Superior Tribunal Federal-STF a união estável entre pessoas do mesmo
sexo,
assim,
configurando-se
como
família,
com
esta
aprovação
cresce
consideravelmente os direitos destes, como: Comunhão parcial de bens, Pensão
alimentícia, Pensões do INSS, Planos de saúde, Políticas públicas, Imposto de Renda,
Sucessão, Licença-gala (licença após a união) e Adoção.
Diante do exposto, a decisão do STF traz além de direitos civis, uma forma de
desconstrução das discriminações em torno da homossexualidade como sendo algo ilícito.
A decisão tem fundamento primordial na dignidade humana, sendo esta legal, trazendo a
liberdade de orientação sexual,
[...] Já que a legislação brasileira não fixou o modo como a sexualidade humana
deve se expressar, e nem poderia fazê-lo, senão interferiria indevidamente na
liberdade de escolha e na vida privada e autonomia das pessoas, o STF
reconheceu que as pessoas têm à sua livre disposição como se orientarão sexual
e afetivamente. (FARO ; PESSANHA, 2014, S/P)
Fica claro, que a Constituição Federal de 1988 não trata de homossexualidade em
um tópico específico, porém ao falar da liberdade e isonomia7, respeitando assim a
dignidade humana, já traz um certo sentido para todos os aspectos da vida humana, onde
seria contra esta lei a proibição e discriminação já presumindo o pressuposto da liberdade
sexual e afetiva dos indivíduos.
Essa proibição à discriminação entra em consonância com o pressuposto da
liberdade de expressão (individual e de personalidade), no que se diz a identidade pessoal
e de integridade física e psíquica. É enfatizada nessa discussão a inviolabilidade de
intimidade e vida privada como base para a construção do direito à orientação sexual,
sendo a discriminação desta como um desrespeito ao princípio maior elencado na
Constituição Federal; a dignidade humana. (DIAS, S.D)
De acordo com Simões (2009), a dignidade é um princípio único, porém, é relativo
ao se confrontar com o de outra pessoa, onde esta também deve ser considerada. Este
valor é a base das regras civis, sobre os direitos da personalidade sendo relevante para a
7
Isonomia significa igualdade de todos perante a lei. Refere-se ao princípio da igualdade previsto no art. 5º, "caput", da
Constituição Federal, segundo o qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Assim, de
acordo com tal princípio, os méritos iguais devem ser tratados de modo igual, e as situações desiguais, desigualmente,
já que não deve haver distinção de classe, grau ou poder econômico entre os homens. (Dicionário Jurídico, 2013)
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proteção individual. Diante do referido, os direitos da personalidade são intransferíveis e
irrenunciáveis, assim, assegurados pelo poder público, relacionando o direito ao próprio
corpo, ao nome e a imagem.
Desta forma, as práticas homofóbicas trazem um desrespeito aos princípios do ser
humano amparados em lei, Sendo estas práticas cada vez mais constantes na sociedade
brasileira, onde ainda têm a homossexualidade como algo a ser desprezado e excluído.
A homofobia constitui-se como a repulsa, preconceito a homossexualidade,
julgando ser a heterossexualidade a forma certa de relacionar-se com outra pessoa, ou
seja, com uma pessoa de sexo oposto, tendo como base a ideia da reprodução social, e
remetendo-se aos princípios da doutrina religiosa que continua firme perante os devotos.
De acordo com a Lei Estadual 10.948\2001, estabeleceram-se no Estado de São
Paulo diferentes formas de punição para várias atitudes discriminatórias á pessoa que
tenha manifestação sexual perseguida por homofóbicos e intolerantes. (GUIA DOS
DIREITOS, 2014)
A Constituição Federal Brasileira não cita a homofobia diretamente como um
crime. Todavia, define como “objetivo fundamental da república” (art.3º, IV)
o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade ou quaisquer outras formas de discriminação”. É essencial ter
consciência de que a homofobia está inclusa no item “outras formas de
discriminação” sendo considerada como crime de ódio e passíveis de
punição.(GUIA DOS DIREITOS,2014)
Apesar da prática homofóbica não ser reconhecida legalmente como crime, esta
pode ser colocada como uma discriminação implícita nas entrelinhas da Constituição
Federal do Brasil. A homofobia pode ocorrer com formas verbais, físicas e morais,
estando em um dos enfoques de grande discussão na contemporaneidade, estando em
tramitação à proposta de criminalização da homofobia.
Um grande problema a ser enfrentado é tratar homossexualidade e homofobia
entre as crianças e adolescentes, mas precisamente no meio escolar, por ser um ambiente
onde se desenvolve de forma clara a problemática, precisando avançar mais em termo de
prevenção contra as práticas homofóbicas.
A escola tem papel muito relevante, sendo este um espaço decisivo para inserção
do indivíduo na sociedade, porém esse papel está entrando em questionamento na
atualidade, onde os jovens se deparam com ameaças, perseguições, maus-tratos,
evidenciando-se a exclusão social e a violência, o que pode trazer o desestímulo pelos
estudos. (ABRAMOVAY; RUA, 2002, apud SILVA; BARRETO, 2012).
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Nos espaços escolares é de grande frequência os casos relacionado a homofobia,
em que de acordo com Silva; Barreto (2012), a homofobia pode ser considerada como
uma forma de bullying que é bastante evidenciada no âmbito escolar em que alunos
rejeitam outros por conta de sua orientação sexual. Assim, percebe-se a necessidade de
que os ambientes escolares, juntamente com as famílias e a comunidade, tragam para este
espaço atividades de conscientização para combater e prevenir estas práticas, ajudando
tanto o agredido como o agressor.
O bullying é uma violência que consiste em atitudes agressivas, tanto verbais
como físicas desenvolvendo-se em vários ambientes, porém, o bullying escolar pode
desencadear diversas complicações no desenvolvimento social e psicológico destes
jovens, como o aumento de insegurança, inibição, evasão escolar ou seu baixo rendimento
e até mesmo a agressividade, tendo em vista seu momento de transformações e
desenvolvimento que pode perdurar por toda a vida.
Contudo isso se percebe a desconstrução do que trata nos artigos do capítulo II
do ECA, onde no art. 15 Coloca que a criança e o adolescente têm direito à liberdade,
respeito e dignidade como pessoas em desenvolvimento e com direitos civis, humanos e
sociais garantidos na Constituição e nas leis, onde o art. 16 vai completar em seu inciso
II a opinião e expressão destes como um direito a liberdade.
O respeito a estes jovens é bem colocado nos art. 17 e 18, em que o direito consiste
na inviolabilidade física, psíquica e moral destes, preservando-se a imagem, identidade,
autonomia, valores, ideias e crenças e é “[...] dever de todos velar pela dignidade da
criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento,
aterrorizante, vexatório ou constrangedor.” (BRASIL, ECA, art.18)
Assim o que se percebe é que apesar de todos os avanços voltados para a proteção
dos direitos sociais e civis, ainda estamos vivendo em uma sociedade “conservadora”,
onde, não de forma generalizada é visto muitas formas de discriminação e preconceitos,
sem respeito ao próximo, de certa maneira ocorrendo um retrocesso de direitos já
alcançados.
CRIANÇA E ADOLESCENTE HOMOAFETIVO E SUAS RELAÇÕES SOCIAIS
Para entender como se dá a dinâmica das relações sociais no que tange a discussão
da homoafetividade na fase da criança e do adolescente, se faz necessário compreender o
processo pela qual se dá origem dos conflitos internos e externos da fase peculiar do
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desenvolvimento do adolescente nas relações que o circundam. Dentro dessa perspectiva
não se pode deixar de discutir esse assunto sem mencionar a família, uma vez que o seio
familiar é onde acontecem as primeiras formas de socialização do individuo.
Para Cechinatto (2013), “a família continua sendo o alicerce de qualquer pessoa
que tenta viver uma vida digna, sendo assim o homossexual também deve contar com a
família para ter dignidade num mundo ainda preconceituoso...”. Essa análise remete-se a
ideia de que essa instituição se caracteriza como parte integral e elementar para que o
jovem na sua fase de descobrimento da orientação sexual consiga desenvolver-se de
forma saudável e harmoniosa. A autora levanta questionamentos que são os mais comuns
apontados pelo próprio adolescente quando decide revelar para a família, nestes estão o
medo da reação dos pais; como ficará o relacionamento dentro de casa com a notícia
relevada; dentre outros fatores peculiares a cada conjunto familiar.
Não tem como definir a família, é possível descrevê-la através de sua estrutura
ou modalidade que assume através dos tempos, não deixa de ser uma
instituição cujas linhagens se voltam aos antepassados da espécie humana: a
origem etimológica da palavra “família” nos remete ao vocábulo latino
famulus, que significa “servo” ou “escravo”, sugerindo que, primitivamente,
considerava-se a família como sendo o conjunto de escravos ou criados de uma
mesma pessoa (OSORIO, 2002, apud CECHINATTO 2013, p.25).
Entendendo a origem da família, percebe-se que esta sofreu ao longo da história
mutações, visto que a dinâmica social é continua e nesse meio, a família encontra-se
rodeada de valores, costumes, condutas e responsabilidades que são a estas agregadas
através de uma cultura que perpassa todas as formas de relações sociais situadas no
processo sócio-histórico.
Como afirma Cechinatto (2013), “Quando ocorre alguma mudança nos padrões
da família ela deve ser capaz de se adaptar, a família na verdade deve responder às
mudanças internas e externas, deve ser capaz de se transformar de maneira que atendam
as novas circunstancias.” Perceber essas mudanças torna-se fundamental, inclusive para
a própria compreensão e aceitação da homoafetividade entre filhos como algo natural e
inerente as práticas sociais desenvolvidas na sociedade.
O que vai interferir na relação entre pais filhos, são as novas concepções que são
criadas, principalmente no mundo onde há inversões dos valores humanos e a troca do
real significado da família que é acima de tudo proteger, educar e formar jovens,
mostrando-os limites e possibilidades de conseguir desenvolverem-se dentro da
sociedade sem discriminação por ser diferente ou fora dos paradigmas impostos pela
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própria sociedade. Essa analise torna-se importante, quando não há introjeção de uma
expectativa dos pais em relação à orientação sexual do seu filho, algo que vai de encontro
aos paradigmas imposto pela própria sociedade e a partir desta percepção as relações entre
pais e filhos ficam mais saudável garantido o direito da sexualidade do adolescente no
seio familiar.
Na atual conjuntura os modelos de família segue uma linha onde prevalece os
laços muito mais afetivos do que a linhagem consanguínea isso foi transformando seus
paradigmas, alterando-se com medidas que acentuam as relações ligadas aos sentimentos
de afeto, felicidade e amor familiar, valorizando as relações ancoradas no afeto.
Segundo Lopes (2008), A sociedade sofre mudanças constantes e estas devem
ser, quando necessário, regulamentadas pelo Direito, é o caso da homossexualidade que
é uma questão que não pode mais ser deixada de lado, é gritante a urgência em se
regulamentar situações que ferem diariamente os direitos fundamentais do homem.
Os homossexuais não são diferentes, somos todos seres humanos, estão incluídos
dentro de todos os direitos inerentes ao ser humano, e merecem uma atenção redobrada,
tanto por parte do legislativo como do judiciário. È necessário prestar mais atenção a este
grupo social que sofre diariamente o preconceito por sua orientação sexual, que lhe é
permitido de acordo com o seu direito a liberdade e a vida privada.
De acordo com Franca (2009), a relação homoafetiva entre jovens é algo pouco
discutido, visto quase como uma doença pela família, por uma sociedade conservadora
que não aceita as escolhas e mudanças das pessoas.
São inúmeros os fatores que vão contra o jovem que se assume numa relação
homoafetiva. Que vão da família que se mantém em confronto com o filho, até a
sociedade julgadora dos princípios morais do indivíduo. A maioria das reações dos pais
ao descobrir a relação do filho nesse viés, é caracterizada pelo repúdio, não aceitando a
intimidade do jovem. (FRANCA, 2009)
Dessa forma, ambos os lados são machucados pelas discussões e brigas, que
podem ocasionar verdadeiros traumas para quem sofre o preconceito, precisando de um
acompanhamento terapêutico a todos os membros da família.
Apesar dos inúmeros casos de homofobia no país, vem crescendo
consideravelmente nos últimos anos as pessoas assumindo uma relação homoafetiva, e
formalizando a relação com o “casamento homossexual”. E mesmo assim, vem tendo
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uma visibilidade e aceitação entre os profissionais para lhe dá com as questões que
garantam o direito individual dos cidadãos. (FRANCA, 2009)
Se detendo a estudos da sociedade, é possível identificar que a
homossexualidade acompanha a humanidade desde seu primórdio. Tratadas
como relações naturais de determinadas sociedades de antigamente. Podendo
ser vista como algo de desvio de conduta a partir do século XIX, por inúmeras
razões. (FRANÇA, 2004, apud FRANCA, 2009, p.3).
A criança nasce e se identifica qual o seu sexo, mas a seu gênero (feminino ou
masculino) só se manifesta a partir dos dois anos e meio. Como forma da sociedade a
menina é mais tratada com carinho e atenção, e o menino de forma mais firme.
Desenvolvendo o papel da sua identidade de gênero, atrelados às formas sociais de tratar
os devidos sexos. (FRANCA, 2009)
Para os adolescentes que estão descobrindo sua sexualidade, do conhecimento
de gostar de alguém do mesmo sexo é mais conturbada para ele mostrar para a família e
a sociedade, já que cresceu num contexto que recrimina essas relações afetivas.
A conversa do jovem sobre a sua relação homoafetiva com os seus pais, vai
depender da relação que mantém no seio da sua vida cotidiana. Manter uma relação
afetuosa e de extrema proximidade, fica mais fácil à revelação para o indivíduo, mas se
há conflitos e sem uma intimidade com a família fica mais complexo contar sobre sua
orientação sexual.
A melhor forma de manter uma relação saudável é o jovem conversar com a
família e mostrar o seu lado, permitindo que os pais possam entendê-lo e o apoiar. Com
isso, pode evitar a homofobia dentro do seu seio familiar, e assim fica “mais fácil
enfrentar o preconceito da sociedade”. (FRANCA, 2009)
Para Lopes (2008), com a evolução da sociedade estes direitos estão começando
a desabrochar com inovadoras, mas ainda tímidas, jurisprudências, mas como a maioria
do que é regulamentado no Direito começa a ser decidido e regulamentado pela
jurisprudência, analogia e princípios gerais do Direito, este está sendo o mais importante
e principal passo na garantia dos direitos deste grupo social.
Sendo assim, é a partir deste contexto que estão surgindo às primeiras garantias
com relação aos direitos dos homossexuais e é isto que pretendemos mostrar neste
trabalho, a importância do estudo dos direitos da criança e adolescente homoafetivos em
face da família homoafetiva e a evolução destes direitos.
Nesse Sentido Dias, 2008 apud Pessanha, 2009, p.128 afirma que:
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O centro da gravidade das famílias situa-se modernamente na mútua
assistência afetiva, e é perfeitamente possível encontrar tal núcleo afetivo em
duplas homossexuais, erradamente excluídas do texto constitucional.
Nessa ótica, entende-se o amor ligado a comunhão de vida plena entre duas
pessoas, não importando o sexo entre elas, que seja de forma pública, contínua e
duradoura como elemento protegido pelo Estado, pela Constituição e Leis
Infraconstitucionais.
Com esse pensamento passou a ser alicerçada em alguns laços de afetividade,
garantindo, portanto, o básico da Constituição Federal que é a dignidade da pessoa
humana. Neste mesmo sentido, Vecchiatti (2008) versa que:
Mudou-se o paradigma da família: de uma entidade fechada dentro de si, válida
por si mesma, passou a existir somente em função do amor entre os
cônjuges/companheiros, tendo em vista que a sociedade passou a dar mais
relevância à felicidade, portanto à afetividade amorosa, do que à mera
formalidade do casamento civil ou a qualquer outra forma preconceituosa de
família. (p.220)
Assim, entendemos que o afeto é a ligação atual da família, com a intenção de
constituir um amor familiar entre pessoas, não importando a sexualidade destas, eis que
afeto significa sentimento de afeição ou inclinação para alguém, também como a amizade,
paixão ou simpatia, portanto é o elemento essencial para a constituição de uma família
nos tempos modernos, pois somente com vínculos familiares fortalecidos consegue-se
manter a estabilidade de uma família que é independente e igualitária com os demais,
aplicando assim o princípio da dignidade da pessoa humana.
A REALIDADE DA HOMOAFETIVIDADE NA REGIÃO METROPOLITANA
DO CARIRI
A presente pesquisa foi realizada a partir de entrevistas realizadas com
profissionais de diversas áreas com o intuito de analisar a realidade da homoafetividade
na Região do Cariri.
Como instrumento de coleta de dados realizou-se entrevistas com os seguintes
profissionais: uma psicóloga, um teólogo, um Assistente Social, dois Conselheiros
Tutelares, um líder da Associação de Defesa de Homossexuais da cidade de Crato como
também com uma família que vivencia essa realidade.
Para caracterizar os entrevistados utilizaremos os seguintes caracteres fictícios
para preservar a identidade de cada profissional. Assim utilizaremos “Defensor” para
identificar o líder da Associação de Defesa de Homossexuais, ”Essência” para o
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Assistente Social, ”Guerreiro” e “Estrela” para os Conselheiros Tutelares, “Psiquê” para
o Psicólogo, ”Crença” para o teólogo e “Filho” e “Mãe” para identificar os membros de
uma família entrevistada.
Nesse sentido, buscou-se a partir de pesquisa bibliográfica e análise do discurso
dos profissionais envolvidos no universo da pesquisa evidenciar a realidade da
homoafetividade na região metropolitana do Cariri.
Apesar da região caracterizar-se como berço cultural e religioso nas mais diversas
vertentes, não existia um espaço democrático que possibilitasse o direito da livre
expressão, se antes a cultura homoafetiva existia de maneira mais oculta, na
contemporaneidade observa-se uma camada cada vez mais crescente desse grupo que se
solidifica afim de garantir os direitos dos homoafetivos.
Nesse cenário, apesar do crescimento e busca do fortalecimento dos movimentos
sociais, na atual conjuntura evidencia-se um elevado índice de crimes homofóbicos.
Os crimes de homofobia são muito fortes na região, em média 40
homossexuais foram mortos vítimas de crueldade na região do Cariri. Em
alguns casos houve justiça, outros ainda não (DEFENSOR, 2014)
Nessa ótica, entende-se que os casos de crimes homofóbicos são constantes na
região, onde evidencia-se a falta de punição dos agressores. Nesse sentido há uma busca
pela criminalização da homofobia refletida no Projeto de Lei 122/2006 que permanece
em tramitação no Congresso Nacional.
O Mapa Conceitual a seguir demonstra os crimes de ódio e homofobia na Região
do Cariri:
Fonte: PINHO, et al,2013
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Considerando o mapa conceitual acima pode-se observar que os crimes
ocorridos por ódio e homofobia teve o nível de crueldade bastante elevado, com
características de premeditação vindas de pessoas próximas que tinham uma ligação de
natureza intima e afetiva com suas vítimas. Conforme PINHO, et al, 2013, constata-se
que a maioria dos crimes homofóbicos não foram solucionados em tempo lépido.
Por sua vez, apesar das adversidades vivenciadas pelos homoafetivos, no Brasil
houve um reconhecimento de políticas públicas para a diversidade de gênero, articulação
dos movimentos em favor das minorias. Na esfera jurídica já houve um passo conquistado
como a união estável e a adoção por casais do mesmo sexo. Todas essas conquistas são
resultados da luta por uma sociedade mais justa e equânime e pelos direitos de cidadania.
Segundo Azevedo (2010), ao fazer uma análise histórica das principais
conquistas sociais, a maioria decorreu de grandes mobilizações da sociedade civil. Os
movimentos sociais têm acompanhado vários processos democráticos em várias nações
inclusive, no Brasil. Podemos dizer que os movimentos sociais sempre existiram e
representam forças sociais organizadas.
Verifica-se no cenário contemporâneo da realidade local que os movimentos
sociais têm como foco principal o combate aos diversos tipos de violência, logo as ações
na esfera da prevenção e defesa dos direitos dos homoafetivos acabam ficando em
segundo plano.
Na região do Cariri, o Movimento LGBT encontra-se fragilizado, tendo como
única forma de manifestação a Parada Gay. Se fazendo necessário uma maior
participação por parte dos integrantes do Movimento, para um acúmulo de
força na luta pela igualdade de direitos. (MAIA et al, 2013, s/p)
No tocante aos aspectos inerentes a esfera familiar buscou-se analisar a questão
da homoafetividade evidenciado as relações sociais e familiares diante dessa questão.
Entende-se que a adolescência é uma fase de transição do desenvolvimento humano onde
o individuo passa por diversas transformações ocorrendo alterações no comportamento e
nas relações sociais.
Comecei a me descobrir quando tinha 14 anos de idade, eu ficava com
mulheres só que eu ficava para disfarçar, só que na realidade eu gostava
mesmo era de homem, só para esconder da família. (FILHO, 2014)
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Assim muitos adolescentes reprimem a sua orientação sexual, o que gera
conflitos internos e externos. Muitas vezes esses conflitos são gerados por medo da
família e como consequência a não aceitação da sociedade.
No começo fiquei muito chocada, chorei muito, até bater nele eu queria bater,
só que não adianta a pessoa bater, foi uma escolha que ele escolheu pra vida
dele, ai eu tenho que aceitar... Aceitei de todo coração (MÃE, 2014)
Para Borges (2009), as regras, normas e expectativas sociais e vivências sexuais
influenciam pais e mães a constituírem sua identidade de gênero, seus modos de existir
no mundo, a partir de construções sociais e culturais do que é ser homem, ser mulher, ser
pai e ser mãe. (p. 212)
Essa concepção é própria de uma cultura que impõe normas e padrões, onde
quem se encontra “fora” desses padrões sofrem preconceito, inclusive por parte de suas
famílias.
Quando cheguei para contar minha família já sabia. No tempo eu morava com
meus avós... sofri até um pouco de preconceito onde eles me expulsaram de
casa, não aceitaram, a única pessoa que me acolheu foi minha mãe. Ela tinha
preconceito, mas ela sempre aceitou. (FILHO, 2014)
Diante desse cenário entende-se que a família tem um papel de total relevância
na vida desses adolescentes no que tange o respeito e compreensão de suas escolhas.
Contudo, ainda é comum a não aceitação da família em relação a orientação sexual dos
seus filhos, tendo em vista os aspectos culturais e religiosos da região, onde o
patriarcalismo ainda é muito vigente. Conforme Saffioti (2001), “Se é verdade que a
ordem patriarcal de gênero não opera sozinha, é também verdade que ela constitui o caldo
de cultura no qual tem lugar a violência de gênero, a argamassa que edifica desigualdades
várias, inclusive entre homens e mulheres”. Isso se justifica por conta de uma construção
social eminentemente masculina, onde há aversão a todo e qualquer comportamento
passivo de feminilidade.
Com o intuito de analisar a Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente
realizou-se entrevistas com profissionais que atuam nessa esfera. A rede de proteção
constitui-se numa ação integrada entre instituições com o intuito de atender crianças e
adolescentes em situação de risco. O atendimento em rede visa fortalecer os vínculos
familiares, prevenir o abandono, combater estigmas e preconceitos, assegurar proteção
social imediata e atendimento interdisciplinar. Nessa ótica buscou-se verificar se na
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região do Cariri existe esse trabalho articulado, buscando analisar os limites e
possibilidade dessa proteção integral à criança e ao adolescente.
Conforme Motti; Santos(S/D), trabalhar em rede é, antes de tudo, reconhecer que
todos os indivíduos e organizações são dotados de recursos, de capacidades e de
possibilidades e que também são possuidores de fragilidades, carências e de limitações.
No tocante ao trabalho em rede na Região do Cariri, segundo relato do
conselheiro tutelar de Juazeiro do Norte existe esse trabalho articulado onde a partir da
demanda recebida é realizado os devidos encaminhamentos às instituições, ou seja, há
um trabalho em parceria.
Dentro dessa discussão o profissional afirma que diante de uma situação de
violência contra jovens homoafetivos realiza-se um trabalho de orientação com a família,
pois está é a principal responsável pelo jovem.
Num caso desse mesmo sendo... nós chamamos os pais que são os
responsáveis...por ele ser ou não a responsabilidade é da família, portanto a
gente conscientiza tanto um lado como o outro.(GUERREIRO,2014)
No entanto, de acordo com a Constituição Federal de 1988, sabe-se que a
responsabilidade da proteção não é apenas da família, ou seja, cabe ao Estado e a
sociedade intervir nesses casos visando proteger de maneira integral esses jovens que
sofrem algum tipo de violência.
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocálos a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, art.227)
Com relação às fragilidades encontradas no âmbito do Conselho Tutelar I este
aponta que não há uma maior efetivação de direitos devido às condições precárias de
trabalho. Por sua vez, ao entrevistar a profissional que atua no Conselho Tutelar II, esta
relata que existe o trabalho em rede, contudo, no cotidiano enfrenta inúmeras
dificuldades.
Existe essa rede, porém há inúmeras dificuldades em efetivar o trabalho em
rede, muitas instituições recebem a demanda e encaminham para o Conselho
Tutelar e com a dificuldade de transporte e de locomoção o Conselho Tutelar
não consegue efetivar, às vezes requisitamos algum serviço e não é atendido e
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da mesma forma o CRAS8 e o CREAS, Todo suporte que deve ser dado a esta
rede é fragilizado (ESTRELA, 2014)
Diante do exposto, percebe-se que mesmo atuando com intuito de efetivar
direitos, há um desconhecimento da temática em questão, onde as práticas ainda possuem
um caráter pragmático e conservador no que se refere ao Conselho Tutelar I. Em
contrapartida o que pôde ser observado na entrevista à profissional do Conselho Tutelar
II revela um conhecimento acerca da temática em questão, onde suas ações estão pautadas
na defesa dos direitos das crianças e adolescentes, contudo, atribui às fragilidades da rede
a questões estruturais que por muitas vezes impede uma atuação mais efetiva.
Analisando a rede de proteção à criança e ao adolescente no âmbito da Proteção
Social que tem como objetivo central a prevenção de situações de vulnerabilidade social
como também a fragilidade e o rompimento dos laços afetivos relacionados a
discriminação etárias étnicas, deficiência, de gênero entre outros verifica-se a importância
dessa articulação com diversas instituições. Nesse sentido, ressalta-se a importância
desses aparatos para as demandas relacionadas à homoafetividade.
Conforme a psicóloga entrevistada que atua na Proteção Social Básica, as
demandas relacionadas à questão de gênero chegam de forma reprimida e íntima dessa
forma na rede de proteção verifica-se a falha na efetivação de direitos de tais indivíduos
no que tange a homoafetividade, pois muitas vezes essa demanda não é incorporada pela
instituição deixando uma lacuna na efetivação desses direitos.
Existe uma falha na efetivação desses direitos clara... mas eu acredito que já
se tem um movimento de busca pela conquista e efetivação desses direitos
(PSIQUÊ,2014)
Do ponto de vista religioso a homoafetividade não é totalmente aceita, pois
existe um modelo de família pré-estabelecido, dessa forma o que difere da
heteronormatividade foge a este padrão, contudo este posicionamento está sendo revisto
de forma a acolher esses indivíduos.
O discurso social hoje, não é simplesmente discriminar outras formas, acolher
é respeitar, de acordo com o princípio religioso do cristianismo, acolher o
pecador, mas, orienta-se a não prática do pecado. (CRENÇA, 2014)
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Nesse sentido, percebe-se o caráter conservador no que tange o aspecto religioso,
onde a homoafetividade ainda é percebida com um olhar tradicional, ou seja, apesar das
novas discussões, a visão doutrinária acerca do pecado continua a mesma. Assim, faz-se
necessário pensar essa questão de gênero a partir da totalidade, percebendo esses
indivíduos como sujeitos de direitos.
No que tange as possibilidades e os entraves da rede de proteção na região do
Cariri para efetivar o reconhecimento social dos homoafetivos, percebe-se que nem
sempre ocorre a efetivação desses direitos.
Não existe uma rede de proteção especial que atenda a demanda do
adolescente homoafetivo, mas, dentro da rede socioassistencial tem-se
percebido uma demanda de violência, onde o profissional tem que ativar os
equipamentos da rede, principalmente o CREAS9, Conselho Tutelar e
sobretudo a Delegacia... Diante dessa demanda faz-se necessário que o
profissional não revitimize o sujeito, pois este já está fragilizado e vitimizado
por conta da intolerância sexual. (ESSÊNCIA, 2014)
Contudo, a rede de proteção existe e as demandas no tocante da questão da
homoafetividade devem ser incorporadas por estas instituições. Portanto, apesar da
existência de uma rede de proteção aos direitos da criança e do adolescente na região do
Cariri e da articulação desta com os diversos equipamentos socioassistenciais, verificamse as fragilidades ainda existentes para ações efetivas no tocante a homoafetividade na
região do Cariri.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desta forma no decorrer de diferentes conjunturas percebe-se a evolução da
família, passando a evidenciar mutações em sua formulação e relações entre si, onde
agora se podem perceber as relações homoafetivas como família, apesar de ainda ser
intenso na sociedade o preconceito e discriminação, que vem arraigado de conjunturas
conservadoras, por meio do tradicionalismo da família, formada por pai, mãe e filhos.
Pelo fato de ainda existir em grande parte estas famílias e comunidades com
pensamentos tradicionais, as relações homoafetivas entre adolescentes se torna algo
difícil e conturbado, onde estes tem receio muitas vezes de levarem a sua orientação
sexual para dentro do seio familiar e acabam se reprimindo e esquivando-se.
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Estes jovens acabam sendo vítimas de discriminações constantes seja na família,
comunidade e\ou espaço escolar, causando danos psicológicos e sentimentais ou até
mesmo ser alvo de agressões físicas. Esse tipo de acontecimento é preconceituoso e
ultrapassado, precisando ser superado pela população, sendo a homoafetividade nem um
tipo de doença ou motivo de discriminação.
A religião é outra grande aliada nas práticas conservadoras, levando em
consideração a sua conjuntura sócio-histórica, onde desde seus primórdios há ações de
preconceito, discriminação e repúdio com relação à homossexualidade, tratando esta
como algo ilícito, pecaminoso e algo a ser combatido, porém, nos últimos anos há um
significativo avanço neste âmbito, onde o tradicionalismo está começando a ser
repensado.
A necessidade de intervenção para mudança dessas práticas é extremamente
relevante, precisando da colaboração de toda a população para sua própria sensibilidade,
essa intervenção tem seu maior foco na educação, sendo assim, as escolas é um dos
principais lugares de proliferação de ações contra a homofobia, tendo em vista as crianças
em desenvolvimento e estas como os adultos do futuro que podem trazer grandes
mudanças à sociedade.
O que também é perceptível é a falta de conhecimento teórico por parte dos
profissionais acerca do tema relacionado à homoafetividade, onde se faz necessário
romper com os diversos paradigmas que perpassam o tema em questão. Desta forma,
apesar dos limites e fragilidades da rede também há possibilidades, através de uma
intervenção que vise a efetivação de direitos.
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O ABORTO, A ILEGALIDADE E A VIOLÊNCIA
Suamy Rafaely Soares1.
RESUMO
O debate acerca do aborto tem se configurado – historicamente – como polissêmico,
multifacetado e rodeado de preconceitos e tabus. Nas últimas décadas, esse debate tem se
acirrado em virtude da expansão do conservadorismo neopentecostal e das bancadas
cristãs no legislativo brasileiro; bem como a partir das ações dos movimentos feministas
e de mulheres pela descriminalização e legalização de tal prática. A presente reflexão tem
como objetivo analisar os impactos da ilegalidade no fortalecimento da violência
institucional contra as mulheres em situação de abortamento; bem como situar os avanços
e retrocessos da luta pela descriminalização e legalização, enquanto uma luta por direitos
humanos.
PALAVRAS-CHAVE: aborto; ilegalidade; violência
1 Notas introdutórias: “se o corpo é da mulher ela faz o que quiser?”
Eu aborto,
Tu abortas,
Somos todas clandestinas
(palavra de ordem do movimento feminista)
Em primeiro lugar, cabe assinalar que nas últimas décadas assistimos a uma
ofensiva conservadora que tem questionado a laicidade do Estado, a democracia e o
Estado de direito; bem como a materialização dos direitos fundamentais. Tal processo
tem se aprofundado em virtude da expansão da bancada cristã nos espaços de decisão
política, especialmente o legislativo. Esta tem pautado as questões sob um prisma
moralizante, restritivo e criminalizante, e no caso do aborto têm – sistematicamente –
tentado suspender os permissivos legais do Código Penal de 1940 e da decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF) em relação aos fetos anecéfalos. Ademais, também
convivemos com a agudização das desigualdades sociais e seus rebatimentos para vida
das mulheres, por este ser um segmento – historicamente - mais pauperizado e submetido
a múltiplas violações.
1
Assistente social do Instituto Federal do Ceará (IFCE), doutoranda pelo Programa de Pós Graduação em
Serviço Social da UFPE e integrante da Frente de Mulheres dos Movimentos do Cariri
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Nessa égide o debate acerca dos feminismos e, dentro deles, dos direitos sexuais
e reprodutivos é amplamente deturpado e colocado na esfera moral-religiosa e criminal.
Como apregoa as feministas, o aborto passa a ser veiculado a um pecado mortal, um delito
penal ou um fruto de irresponsabilidade promíscua. Dessa forma, ignora-se o aborto como
questão de saúde pública, de direitos humanos das mulheres e de autonomia sobre o corpo
e a vida. O feto passa a ser o foco central do debate conservador; anulando a vida e a
morte das mulheres em virtude da ilegalidade das práticas abortivas.
A presente reflexão tem como objetivo analisar os impactos da ilegalidade no
fortalecimento da violência institucional contra as mulheres em situação de abortamento;
bem como situar os avanços e retrocessos da luta pela descriminalização e legalização,
enquanto uma luta por direitos humanos.
2 O debate sobre o aborto e a ilegalidade: “tire seus rosários de nossos ovários”
“Se o Papa fosse mulher...
O aborto seria legal”
(Palavra de ordem do movimento feminista)
Em primeiro lugar, há de se afirmar que a sexualidade foi historicamente
colocada no âmbito privado e doméstico, sendo constituída a partir da elaboração social
de preconceitos, tabus, estereótipos, normas de condutas, padrões e valores dirigidos pela
Igreja, Estado e família. Para Lhomond (2010, p.232) “[...] a sexualidade foi objeto de
controle por parte da Igreja, hegemônica até o século XVIII, no que a sucederam, sem
jamais destroná-la totalmente, a Medicina e os Direitos civil e penal”.
No que diz respeito à construção da sexualidade feminina a invisibilidade é
ampliada, em razão das múltiplas desigualdades vivenciadas pelas mulheres. Com isto, a
sexualidade feminina fundamenta-se na subalternização e invisibilidade da mulher, sendo
explicada a partir do pressuposto do prazer masculino, bem como de sua
complementaridade. Isto impõe um modelo hegemônico de vivência sexual, balizado na
maternidade e no casamento e a oposição a essas normas causa desprestígio social e
ruptura com o padrão conservador de feminilidade.
O debate acerca da sexualidade ganha ampla visibilidade a partir da década de
1970 com o movimento feminista radical, que o dimensiona como uma questão de ordem
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pública afirmando que “tudo é político” e, sendo assim, o “pessoal também é político”.
Assim, a crítica feminista se coloca, radicalmente, na luta pelo controle do corpo,
sexualidade e fecundidade feminina, com destaque para a tentativa de ruptura com o
padrão heteronormativo e a limitação da identidade da mulher a vivência da maternidade.
Desta maneira, o feminismo coloca a possibilidade de recusar a maternidade não desejada
enquanto um elemento importante para a autonomia e o controle sobre o corpo da mulher.
De acordo com Collin e Laborie (2010, p.135):
Os slogans das feministas pós-68 – ‘teremos as crianças que quisermos, se
quisermos’ e ‘nosso corpo nos pertence’– testemunham a vontade coletiva de
que a maternidade dependa da liberdade de decisão de cada mulher. Contudo,
a legalização do aborto não resolve o problema daquelas que, tendo ou
desejando filhos, recusam a contradição entre sua vontade de autonomia e seu
desejo de assumir a maternidade no sentido escolhido por elas, do mesmo
modo que o acesso a contracepção não evita que as mulheres sejam
confrontadas com a complexidade do desejo de ter um filho.
Tais proposições colocavam a discussão acerca da maternidade e do aborto como
direito individual das mulheres em decidir o que fazer com seus próprios corpos, negando
a intervenção do Estado, das religiões, das regulamentações jurídicas, das corporações
médicas e dos homens. Por certo, também consideravam o risco de morte que ameaçava
as mulheres que recorriam ao aborto inseguro, postulando leis para regulamentar o aborto
enquanto direito social. Segundo Ferreira (2009, p.54) “a legalização do aborto é uma das
prioridades da luta feminista e expressa uma de suas reivindicações mais radicais:
liberdade e autonomia de nós mulheres sobre nossos corpos”.
Ademais, é preciso dimensionar o aborto enquanto uma prática histórica e uma
questão política, no sentido de recusar que o debate seja posto à esfera privada e da
culpabilização dos sujeitos. Historicamente, os processos de negociação e decisão no
campo da reprodução são realizados a partir das necessidades masculinas e mesmo com
a difusão de métodos de contracepção que restringiu o controle dos homens sobre o corpo
feminino, as mulheres – ainda - são responsabilizadas pela contracepção e as possíveis
falhas na prevenção à gravidez. Este quadro se aprofunda quando analisamos a
externalidade da gravidez ao corpo masculino e a possibilidade destes se excluírem das
decisões e consequências dessa vivência.
Convêm dizer, que o aborto só passa a ser considerado uma prática delituosa ou
imoral a partir do processo de desenvolvimento tecnológico e científico, especialmente
da Medicina, em que se compreende o corpo feminino, a gestação e a saúde reprodutiva.
Isso possibilita o corpo das mulheres ser subjugado ao discurso médico e, posteriormente,
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ao jurídico. Até esse momento o desconhecimento sobre a fecundidade feminina permitia
a interrupção das gestações, pois havia uma indistinção entre aborto, infanticídio e
contracepção, de modo, que embora tais práticas fossem reguladas pelas normas morais
e pelas religiões eram realizadas de forma cotidiana. Para tanto, a medicalização da vida
das mulheres repercutiu na proibição de práticas abortivas e na articulação dos médicos
com a Igreja e o Estado para formulação de leis proibitivas alicerçadas na questão do
controle da natalidade2.
No plano mundial destacam-se três momentos centrais no debate sobre o aborto:
o primeiro refere-se a sua legalização na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS) para resguardar a saúde da mulher e prevenir os riscos de morte e complicações
advindas da clandestinidade; o segundo diz respeito ao pós-segunda guerra mundial, com
a explosão demográfica que se convencionou chamar de baby boom, e que rebateu na
formulação de políticas de natalidade severas, inclusive com esterilizações sem a
anuência das mulheres na América Latina e no Caribe; e o terceiro diz respeito aos
rebatimentos de maio de 1968 com a crítica a moralidade conservadora e seus impactos
na construção da sexualidade. Nesse momento a legalização do aborto aparece como
bandeira dos movimentos feministas e como rebatimento dessa liberação dos anos 1970
temos em vários países do mundo a adoção de legislações favoráveis ao aborto ou da
abertura de permissivos legais, principalmente na Europa ocidental. (MATOS, 2010).
Destacamos o protagonismo e a radicalidade das feministas francesas no repúdio
ao natalismo de Estado que limitava tanto as práticas contraceptivas quanto as abortivas
e engendraram a luta pela legalização do aborto na década de 1970. Aqui frisamos a
colaboração nos procedimentos de abortos clandestinos e a publicação do Manifesto das
343 sem-vergonhas em que as feministas declaravam ter abortado3. Tais elementos
rebateram na legalização do aborto na França em 1975 para mulheres cujo estado de
gravidez as colocassem em situação de miséria, angústia ou perigo, com menos de 10
2
A questão do controle da natalidade irá aparecer de maneira contundente entre os séculos XVIII e XIX com o processo
de crescimento demográfico. Destaca-se aqui o pensamento de Thomas Malthus que relacionava o aumento da
população a dificuldades de subsistência e – nessa égide – apontava o controle de natalidade das famílias pobres como
resolução a esta problemática. Dessa maneira, sua resposta girava em torno da indicação do casamento tardio, da
abstinência sexual, da atividade sexual mínima entre os casais e da proibição do aborto e contracepção. Tal pensamento
ganha importância no século XIX com correntes conservadoras e anarco-sindicalistas (MATOS, 2010).
3Segundo
Ferrand(2008, p.36) “Esse manifesto proclamava Eu declaro ter abortado e estava assinado por numerosas
anônimas, mas, sobretudo por mulheres conhecidas, como Simone de Beauvoir, Catherine Deneuve e muitas outras,
que, por sua notoriedade, acreditava-se que não seriam processadas. Elas realmente não o foram”.
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semanas de gestação e em hospital autorizado e com a anuência de um psicólogo
(FERRAND, 2008).
Já na particularidade da América Latina o aborto foi historicamente considerado
ilegal, e no caso brasileiro é crime inscrito no Código Penal de 1940, com ressalva nos
casos de estupro e risco de vida a mulher. Acrescenta-se a esses permissivos a decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF) de legalizar os abortos de fetos com anencefalia.
Um aspecto importante da questão do aborto no Brasil diz respeito a sua
ilegalidade está mais vinculada à centralização do poder político e econômico, do que a
moral religiosa cristã, embora as religiões tenham grande relevância na criminalização de
tal debate na contemporaneidade. Aqui, o processo de colonização tinha como intenção
realizar o povoamento e garantir a propriedade das terras a partir de uma política natalista
que configurava a mulher como reprodutora e o feto como produto do Estado Luso.
Entretanto, não existiam leis proibitivas, sendo a problemática objeto de julgamento
moral-religioso, mas não criminal.
Com isto só teremos uma legislação contra o aborto no Brasil em 1830 no
Código Criminal do Império, em que não se puniam as mulheres que abortavam apenas
quem realizava o procedimento. Por seu turno, a criminalização das mulheres em situação
de abortamento acontecerá no Código penal de 1890 (DEL PRIORE,1994) quando houve
uma articulação entre a medicina, o judiciário e o Estado no controle do corpo das
mulheres, principalmente, na criminalização das práticas abortivas e no fortalecimento
das políticas natalista.
Matos (2010, p. 25) sublinha enfaticamente que:
Num contexto mais geral – de afirmação da ginecologia e a tentativa de seus
profissionais de se diferenciarem das parteiras; de preocupação com a entrada
da mulher no mercado de trabalho e sua emancipação no geral; de garantia da
supremacia religiosa da Igreja Católica; e de preocupação do Estado em
garantir o adensamento populacional, aliado a uma preocupação eugênica,
logo, contra a mestiçagem – é que podemos pensar na aliança entre a medicina
e a justiça. Os médicos atuavam como intelectuais – enquanto possuidores do
conhecimento – do Estado na repressão ao aborto
Tal repressão era direcionada as mulheres das classes trabalhadoras, solteiras,
negras e populares que geralmente eram denunciadas por vizinhos (as) e empregadores
(as). Essas mulheres não estavam dentro dos padrões idealizados pelo judiciário brasileiro
e daí já se percebe o teor de classe e raça/etnia que a questão do aborto agrega, pois as
mulheres das classes abastadas realizavam tais procedimentos sob o olhar cuidadoso dos
médicos. Os mesmos que ideologicamente se contrapunham a tal prática.
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Com a criminalização do aborto no Código Penal de 1940 consolidou-se o
discurso médico e jurídico de falta de autonomia das mulheres sobre o seu próprio corpo
e de responsabilização das mulheres pelo ato de interrupção da gravidez. Ademais, as
mulheres vítimas de violência sexual ou sob risco de vida não tinham acesso a realização
do aborto legal nos serviços públicos de saúde, uma realidade presente na
contemporaneidade. Essa ilegalidade da prática abortiva potencializa as tentativas – por
parte da Igreja Católica e de parlamentares conservadores - de suprimir os permissivos
legais. E, dimensionam o aborto legal como uma questão individual-moral; segundo a
qual a mulher que foi estuprada ou que está sob risco de morte não pode recorrer a um
pecado para justificar outro.
Por sua vez, na década de 1980 o debate do aborto ganha visibilidade com as
proposições e lutas dos movimentos feministas e de mulheres.Aqui se destaca o ato pela
legalização do aborto no Rio de Janeiro em 1980, o posicionamento do Centro Brasileiro
de Estudos da Saúde (CEBES) a favor da descriminalização e da defesa da realização do
aborto enquanto função do Estado, e o ato de 1983 que elaborou um documento afirmando
o aborto enquanto direito social e a necessidade de serviços públicos de atendimento ao
aborto legal. Todavia, só teremos avanços nos serviços de aborto legal a partir de 1989
com a implantação do primeiro serviço de aborto legal na cidade de São Paulo.
(BERQUÓ, 2003).
Esse protagonismo do feminismo brasileiro foi decisivo na instalação da
Assembleia Nacional Constituinte em 1986, criando um contundente processo de
mobilização dos vários movimentos de mulheres do Brasil em torno das palavras de
ordem: constituinte prá valer tem que ter palavra de mulher e constituinte sem mulher
fica pela metade. O lobby do batom pontuou a defesa dos direitos das mulheres e entre
eles a questão do aborto ficou marcada como a mais polêmica, tendo o debate polarizado
entre a Igreja Católica e as feministas. Assim, o Projeto Nós e a Constituinte
protagonizado pelo Conselho Nacional de direitos da Mulher (CNDM) realizou
discussões em todo o país culminando na produção da Carta das mulheres aos
constituintes que defendia os direitos das mulheres e dentre eles o controle ao corpo e a
interrupção da gravidez. Todavia, as feministas – em acordo com os parlamentares mais
progressistas – retiraram a pauta do aborto e acordaram que esta deveria ser
regulamentada em legislação ordinária. A Constituição Federal de 1988 apesar de não
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tematizar o aborto enquanto matéria constitucional avança no momento em que não
incorpora a premissa do direito à vida desde o momento da concepção.
A partir da década de 1990 os tensionamentos em torno da descriminalização e
legalização do aborto, bem como de supressão ou ampliação dos permissivos legais se
intensificaram no plano político nacional. Nesse contexto foram aprovadas duas
mudanças: a retirada da Lei de contravenções penais do artigo referente à proibição de
anunciar-se “processo, substância ou objeto” relativo a contracepção, mas mantendo-se a
proibição de anúncio de remédios abortivos; e a modificação no artigo 131 da CLT
relativo ao abono de faltas as mulheres que abortaram seja de forma espontânea ou
induzida. Além disso, foi aprovada em 1998 a Norma Técnica sobre a prevenção e
tratamento à violência contra a mulher que ampliava os serviços de abortamento legal
(MATOS, 2010).
Tal momento propiciou uma contra-ofensiva patriarcal liderada por setores
conservadores que se expressa em diversos espaços, entre eles: as doutrinações religiosas
que compreendem o aborto como pecado e defendem a supressão da laicidade do Estado,
com destaque para a encíclica católica Evangelium Vitae (1995) que nega a validade
jurídica das leis que autorizam o aborto; nas postulações médicas e das comissões de ética
acerca das novas tecnologias reprodutivas que reforçam a tendência de tratar o feto como
pessoa quase independente; e nas formulações do senso comum que trazem a interrupção
da gravidez como reflexo da promiscuidade, confundem aborto com assassinato e
afirmam que a quantidade de métodos contraceptivos deveriam diminuir as gestações
indesejadas.
Essa ofensiva conservadora vai ganhar concretude na década de 2000 a partir de
dois elementos: o primeiro é a ampliação das bancadas religiosas no legislativo brasileiro
e, em certa medida, do fundamentalismo religioso que é resultado – dentre outros
elementos - da crise de 1970 com a deterioração das condições de vida e o ressurgimento
dos ideais místico-religiosos. Em consequência disso as correntes religiosas no interior
do Estado Laico tendenciam a recristanizar a sociedade, principalmente nas questões
relacionadas aos direitos sexuais e políticos. O segundo é a Campanha da Fraternidade
realizada pela CNBB em 2008 que definiu como tema Escolhe pois, a vida; nesse
momento não apenas se defendia o direito a vida desde a concepção, mas se contrapunha
as pesquisas com células-tronco, a eutanásia, a reprodução assistida, entre outras formas
de intervenção na vida humana.
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Na contramão desse conservadorismo os trabalhadores em saúde, especialmente
os médicos representados pelo Conselho Federal de Medicina e a Federação Brasileira
das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASCO), também despontam como
sujeitos políticos na discussão do aborto, na defesa da implantação dos permissivos legais
de forma humanizada e no apoio a legalização de tal prática. Podemos também mencionar
o Conselho Federal de Serviço Social enquanto interlocutor na defesa da
descriminalização e da legalização do aborto.
3 O aborto e a violência institucional
“Essa hipocrisia
Dá hemorragia”
(Palavra de ordem do movimento feminista)
Na presente análise, o aborto é entendido como uma violação aos direitos das
mulheres, um direito individual e uma questão de saúde pública que rebate de forma
desigual na vida das mulheres, dependendo das condições sociais, econômicas, políticas
e culturais em que vivem. O contexto de ilegalidade incide diretamente na saúde das
mulheres pobres, jovens, negras, com pouca ou nenhuma escolaridade e acesso a serviços
de saúde deficitários. Nesse sentido, os abortos são realizados através de procedimentos
inadequados, sem segurança e em espaços sem padrões sanitários que possibilitam
inúmeras complicações pós-aborto, entre elas o útero perfurado, hemorragias, infecções,
infertilidade e morte.
A maioria das mulheres que abortam dão início ao procedimento com a junção
de chás abortivos e cytotec – remédio utilizado em casos de úlcera que produz dilatações
no colo do útero possibilitando assim a expulsão do feto, com comercialização proibida
no Brasil. A entrada do medicamento na ilegalidade permitiu a emersão de uma
verdadeira indústria do aborto clandestino e da sua falsificação, que por um lado encarece
o produto em virtude das dificuldades de encontrá-lo, e por outro diminui ou anula os
seus efeitos. E isso incide nas mulheres pobres que tem menos acesso a métodos
contraceptivos e pouca capacidade de autodeterminação e poder sobre sua saúde
reprodutiva. Posto isso, cabe dizermos que acabam realizando a interrupção da gravidez
com métodos invasivos, isto é, introduzem objetos pontiagudos na vagina perfurando o
útero com antenas de televisão, talos de mamona, agulhas de tricô e, por conseguinte,
aumentam as possibilidades de complicações pós-aborto e de morte, além das
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repercussões para a saúde mental. Já as mulheres abastadas acessam essa prática pela via
das clínicas particulares, com métodos avançados e acompanhamento de ginecologistas,
demarcando que a questão da classe está intimamente imbricada ao controle sobre o corpo
e a reprodução feminina.
Mas quem são essas mulheres que abortam? O Ministério da Saúde brasileiro
traçou um perfil dessas mulheres e constatou que são: “Predominantemente, mulheres
entre 20 e 29 anos, em união estável, com até oito anos de estudo, trabalhadoras, católicas,
com pelo menos um filho e usuárias de métodos contraceptivos, as quais abortam com
misoprostol” (BRASIL, 2009, p.18).Neste esboço preliminar, é importante apontar que o
recurso do aborto não é uma especificidade das mulheres pobres e sem escolarização,
pois, segundo uma pesquisa do Sistema Único de Saúde as jovens universitárias abortam
4,6 e 3,8 vezes mais que as mulheres pobres e menos escolarizadas (FERREIRA, 2009).
A chegada aos serviços públicos de saúde para finalização do processo de
abortamento dá início a outra etapa de violência, subsidiada pelo Estado e alimentada pela
ilegalidade, que é a violência obstétrica. Parte das mulheres que chegam as maternidades
públicas com abortamento incompleto são recebidas com a negação total ou parcial de
ações médicas sanitárias, descaso, negligência, omissão, inexistência do serviço ou até
polícia. E isso independe do aborto ser induzido ou espontâneo. Segundo o Ministério de
Saúde (BRASIL, 2009, p.14):
Os resultados confiáveis das principais pesquisas sobre aborto no Brasil
comprovam que a ilegalidade traz consequências negativas para a saúde das
mulheres, pouco coíbe a prática e perpetua a desigualdade social. O risco
imposto pela ilegalidade do aborto é majoritariamente vivido pelas mulheres
pobres e pelas que não têm acesso aos recursos médicos para o aborto seguro.
O que há de sólido no debate brasileiro sobre aborto sustenta a tese de que “o
aborto é uma questão de saúde pública”. Enfrentar com seriedade esse
fenômeno significa entendê-lo como uma questão de cuidados em saúde e
direitos humanos, e não como um ato de infração moral de mulheres levianas.
E para essa redefinição política há algumas tendências que se mantêm nos
estudos à beira do leito com mulheres que abortaram e buscaram o serviço
público de saúde: a maioria é jovem, pobre e católica e já possui filhos.
A organização mundial de Saúde (OMS) define violência institucional como a
imposição de um grau significativo de dor e sofrimento evitáveis materializados pelo
Estado. No âmbito do Sistema Único de Saúde a violência institucional é definida como
“aquela exercida nos/pelos próprios serviços públicos, por ação ou omissão” (BRASIL,
2009, p.23). Inclui-se aí a falta de acesso à saúde, má qualidade e inexistência dos
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serviços, abusos cometidos em virtude de relações assimétricas de poder entre usuários e
profissionais e dano físico e/ou psicológico intencional.
Sabe-se bem que o exercício de poder nas práticas hospitalares/médicas é uma
prática corriqueira nos serviços de saúde. Esse contexto será aprofundado quando se
refere a relação medicina-mulher pela dimensão objetificada que se dá ao corpo feminino.
Para Menicucci (1998, p.30) “a mulher é entendida como um corpo meramente biológico
e passível de invasão, de um exercício sobre o qual não é necessário autorização ou
consentimento”.
Ademais, a violência institucional sofrida pelas mulheres não é objeto específico
da área de saúde, apesar de se articular intrinsecamente a ela em virtude das
vulnerabilidades que o processo saúde-doença ocasiona. Se levarmos em consideração
que na sociedade patriarcal há uma valorização da maternidade e do amor materno –
quase de forma compulsória – poderíamos supor que as mulheres em trabalho de parto e
puerpério não vivenciariam múltiplas violações, o que não se concretiza já que o
Ministério de saúde (BRASIL, 2009) aponta que uma em cada quatro mulheres sofre
algum tipo de violência durante o parto. Entre essas agressões identificam-se:
procedimentos dolorosos desnecessários; realização de exames na posição ginecológica
com portas abertas e sem resguardar a privacidade e a intimidade das mulheres;
cumprimento de vários exames de toque com mais de um profissional e na presença de
pessoas desconhecidas da mulher; aceleraçãodo parto por meio da ingestão de hormônios;
não permissão que a mulher seja acompanhada; realização da episiotomia4 sem
consentimento; desrespeito a dor que o momento provoca, entre outras.
Ora, se essas expressões de violação são encontradas na atenção ao parto e
puerpério, elas se aprofundam quando se refere à situação de abortamento, seja este
espontâneo, autoprovocado ou legal. As mulheres são percebidas – em geral – enquanto
criminosas e as condutas materializadas pelos profissionais de saúde passa a ser de
culpabilização e punição pelo ato. No caso do aborto espontâneo as mulheres são
desresponsabilizadas pelo acontecimento e quando internadas pós-curetagem são
chamadas de mãezinhas como forma de socialização e colocadas no mesmo espaço físico
das parturientes, desconsiderando as condições subjetivas das mulheres. De acordo com
a Norma Técnica de Atenção humanizada ao abortamento:
4Pequeno
corte feito na área muscular situada entre a vagina e o ânus com o objetivo de alargar o canal vaginal para
aumentar espaço para expulsão do bebê durante o parto.
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O abortamento espontâneo ocorre em aproximadamente 10% das gestações,
envolvendo sentimentos de perda, culpa pela impossibilidade de levar a
gestação a termo, além de trazer complicações para o sistema reprodutivo,
requerendo atenção técnica adequada, segura e humanizada. Para grande
contingente de mulheres, o abortamento resulta de necessidades não satisfeitas
de planejamento reprodutivo, envolvendo a falta de informação sobre
anticoncepção, dificuldades de acesso aos métodos, falhas no seu uso e
ausência de acompanhamento pelos serviços de saúde. É preciso destacar que
para outras mulheres a gestação que motiva o abortamento resulta de relações
impostas pelos seus parceiros ou de situações de estupro (BRASIL, 2012,
p.07).
Já a identificação do aborto autoprovocado por parte dos profissionais de saúde
determina inúmeras violações para as mulheres, entre elas: a negligência aos sinais e
sintomas de complicação pós-abortamento, omissão de assistência médica, tratamento
desumano, tentativa de punição das mulheres, diferenciação entre os internamentos para
o parto ou/e para o aborto, pressão para que declararem que autoprovocaram a interrupção
da gravidez, desrespeito a auto-imagem e privacidade da mulher e sua personalização
como mãe – quando esta não é. A esse quadro analítico acrescentamos a peregrinação das
mulheres nos serviços de saúde e a negativa em serem atendidas, a precariedade das
maternidades brasileiras e a falta de condições estruturais de trabalho.
Entretanto, as mulheres em situação de abortamento, independente dele ser
induzido ou espontâneo, devem receber uma atenção humanizada e ética que se oriente
pelos princípios bioéticos de beneficência, não maleficência, autonomia e dignidade da
pessoa humana, sendo vedada qualquer forma de discriminação, preconceito, restrição
e/ou negação do acesso a assistência a saúde. Por isto, a Norma Técnica de Atenção
humanizada ao abortamento indica a necessidade de uma padronização na atenção às
mulheres sustentada nas seguintes linhas de ação:
- Parceria entre a comunidade e os prestadores de serviço para a prevenção das
gestações indesejadas e do abortamento inseguro, para a mobilização de
recursos e para garantir que os serviços reflitam e satisfaçam as expectativas e
necessidades da comunidade;
- Acolhimento e orientação para responder às necessidades de saúde emocional
e física das mulheres, além de outras preocupações que possam surgir;
- Atenção clínica adequada ao abortamento e suas complicações, segundo
referenciais éticos, legais e bioéticos;
- Oferecimento de serviços de planejamento reprodutivo as mulheres pósabortamento, inclusive orientações para aquelas que desejam novas gestações;
- Integração com outros serviços de promoção a saúde da mulher e de inclusão
social às mulheres.
A ineficácia das políticas públicas de contracepção atrelada as leis punitivas e a
incapacidade de realizar a contracepção durante toda a vida acaba por impor as mulheres
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o recurso a aborto ilegal e todas as suas repercussões para a saúde reprodutiva e
psicológica. De acordo com Organização Mundial de Saúde (OMS) 21% das mortes
maternas na América Latina são em decorrência de complicações pelo aborto ilegal,
sendo que no Brasil é a terceira causa de morte materna. As mulheres negras apresentam
um risco 3 vezes superior de morrer por essa causa quando comparadas as mulheres
brancas, o que confirma que as contradições impostas as mulheres negras pela simbiose
racismo-patriarcado-capitalismo repercutem em uma maior violência do Estado contra
esse segmento.
Um dado que precisa ser reflexionado diz respeito a subnotificação, pois as
mulheres que entram nos serviços públicos vítimas de um aborto incompleto/mal
sucedido em geral vem a óbito por hemorragias, infecções e embolias que tiveram origem
no aborto. Todavia, não são notificadas pelo motivo inicial – o aborto – mas pelas
complicações ocasionadas no processo de internação.
4 Considerações finais: “teremos os filhos que quisermos, se quisermos e quando
quisermos”
Essa criminalização do aborto no Brasil deve ser considerada para além da defesa
da mulher ou do feto – travestida em defesa da vida, pois refere-se a uma expressão do
patriarcado e da questão social, que viola os direitos das mulheres e as expropria do seu
próprio corpo. Desse modo, a luta pela descriminalização e legalização do aborto
emperrada pelas postulações religiosas e moralizantes no interior do Estado Laico, mais
do que uma questão de saúde pública ou de direito civil individual, diz respeito à
autonomia de escolher livremente o que fazer com o seu próprio corpo, sexualidade e sua
vida. Segundo Emmerick (2008, p.28) “ao não reconhecer às mulheres o direito à
autodeterminação sobre seu corpo, sua sexualidade e sua reprodução o Estado nada mais
faz que violar os direitos humanos das mulheres”
Nas afirmações feministas há que se entender o aborto a partir da perspectiva dos
direitos humanos e da democracia, construindo uma mediação com as categorias de
classe, raça/etnia e geração. A criminalização de tal prática impõe a reflexão radical sobre
o Estado Democrático de direito, a laicidade constitucional e a construção normativa e
política dos direitos sexuais e reprodutivos enquanto direitos humanos. Desse modo, a
luta pela legalização e descriminalização do aborto é uma questão central para libertação
das mulheres e sua emancipação. Por isso, os movimentos feministas tem a tarefa de
promover o debate acerca desta temática – que não é consensual e nem homogênea – e
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encampar ações mais radicais, a fim de que as mulheres deixem de ser taxadas de
clandestinas. Se as mulheres que abortam são clandestinas, então seguiremos em marcha
até que todas sejamos livres ou seremos todas clandestinas.
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O complexo econômico do Cariri em meados do século XIX: terra, trabalho e a
desigualdade social.
Darlan de Oliveira Reis Junior1
Resumo
O presente artigo discute a questão agrária na segunda metade do século XIX, na região
do Cariri cearense. A relação terra-trabalho assumiu vários contornos e feições no
decorrer do processo histórico brasileiro e é ainda inconclusa, devendo ser analisada
dentro de um quadro mais amplo. Desse modo, são apresentadas as características que
compunham o complexo econômico brasileiro no período, bem como as atividades
existentes no Cariri. A riqueza da classe senhorial estava diretamente relacionada à
apropriação das terras e à exploração dos trabalhadores pobres e dos escravizados, o que
gerava a desigualdade social existente e a relação entre a pobreza e a riqueza na região.
A relação entre o sistema agrário, injustiça social e o trabalho dão sentido à palavra
agrário no contexto brasileiro.
Palavras-chave: Agrário; Trabalho; Relações Sociais.
Introdução
Para um entendimento das questões que envolvem o mundo do trabalho e da
propriedade é necessário que o procedimento metodológico do pesquisador leve em conta
os recortes temporal e espacial, pois as relações que se estabelecem são históricas. As
relações sociais de produção são ativas e dinâmicas, permeadas por continuidades e
descontinuidades e se inserem em um quadro maior, o do meio histórico, um espaço social
revelador das contradições, divisões e desarmonias, mas também das solidariedades e da
convivência cooperativa 2. No trabalho humano está inserida a relação com as demais
forças da natureza, o intercâmbio entre elas, dentro do processo histórico 3. Entender o
mundo do trabalho em todas as suas dimensões significa não ficar preso somente à
atividade propriamente dita, pois ele diz respeito aos valores, tradições, experiências,
1
Doutor em História Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professor Adjunto do Departamento de História
da Universidade Regional do Cariri (URCA). Coordenador do Centro de Documentação do Cariri (CEDOCC) e líder
do Núcleo de Estudos em História Social e Ambiente (Grupo de Pesquisa cadastrado no CNPq).
“Para considerar dialeticamente a relação homem/natureza, é preciso superar a dicotomia, incorporando os dois termos
num terceiro termo mais vasto: que os englobe, e que é o meio histórico, ou seja, a História humana entendida como
sendo, ao mesmo tempo, prolongação e ruptura em relação à História Natural. E para poder realizar esta ampliação de
perspectiva, é necessário interpor entre o grupo humano e a natureza o resultado da relação dialética mencionada, ou
seja, as forças produtivas. Estas compreendem os homens que intervem no processo econômico (seu número, suas
aptidões físicas e mentais) e as técnicas, no sentido mais amplo da expressão (objetos de trabalho, meios de trabalho,
divisão social e técnica do trabalho, técnicas produtivas, de transporte, etc.)”. In: CARDOSO, Ciro Flamarion Santana.
Agricultura, Escravidão e Capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1979, p. 18.
2
MARX, Karl. O Capital – Crítica da Economia Política. Livro Primeiro – o processo de produção do capital,
volume 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971, p. 202.
3
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conflitos e solidariedades que os seres humanos estabelecem em suas relações de trabalho
e com o espaço social em que vivem. O mais apropriado seria dizer “os mundos” do
trabalho. Como afirma Sidney Chalhoub, no que diz respeito a esses mundos, cada
história recuperada através dos documentos é uma encruzilhada de muitas lutas na
sociedade: na estigmatização dos pobres, nas estratégias de controle social dos agentes
policiais e judiciários, na reação dos trabalhadores e suas experiências de resistência e
afirmação 4.
Assim também ocorre com a questão da propriedade. No caso brasileiro passou
por diferentes formas jurídicas que conviveram no mesmo período histórico, até serem
substituídas por novas formas, o que está relacionado às transformações estruturais do
país. A formação social brasileira na segunda metade do século XIX apresentava um
mosaico de atividades que formavam o complexo econômico. Segundo José Heder
Benatti, no espaço agrário brasileiro, uma estratégia própria para se apossar dos recursos
naturais renováveis foi gerada em cada região. O que levou à formação de propriedades
distintas: a propriedade sesmarial, a propriedade senhorial e a propriedade moderna
brasileira, que se imbricavam e se combinavam na transição para o capitalismo no Brasil,
particularmente no século XIX 5.
No século XIX, o Brasil apresentava a predominância da agricultura e demais
atividades vinculadas ao mundo rural, sendo aquelas voltadas para a exportação, o
sustentáculo de sua economia, onde a força de trabalho escravizada tinha grande
importância. O que não significa dizer que sua economia era homogênea, “antes se
desenvolveu a partir de peculiaridades regionais”, formando um mosaico de atividades,
diferenciando-se nas relações de trabalho, de tecnologias, de produtos, de mercados e
formas de propriedade 6. João Luís Fragoso afirma que existiu um mosaico de formas não
capitalistas na formação social brasileira, criando espaços tais como o de um escravismo
ligado ao abastecimento interno, uma unidade camponesa que podia utilizar escravos ou
não e uma produção que se valia do uso de trabalhadores livres sob a forma de trabalho
4
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle
époque. – 2ª ed. – Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2001, p. 41.
5
BENATTI, José Heder. Apropriação privada dos recursos naturais no Brasil: séculos XVII ao XIX (estudo da
formação da propriedade privada). In: NEVES, Delma Pessanha (Org.). Processos de constituição e reprodução do
campesinato no Brasil, v.2: formas dirigidas de constituição do campesinato. São Paulo: Editora UNESP; Brasília,
DF: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2009, p. 211-238.
6
PAULA, João Antônio de. O processo econômico. In: CARVALHO, José Murilo de (coordenação). A construção
nacional 1830-1889. – volume 2. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 182.
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não assalariado. Segmentos estes, segundo
Fragoso, subordinados nessa formação
econômico-social, ao eixo do escravismo ligado ao mercado internacional 7. Nesse
processo, surgiu uma estrutura rural que definiu em parte a organização social, as formas
de trabalho e as desigualdades e hierarquias nas diversas regiões brasileiras. A síntese
feita por João Antonio Paula traduz bem a questão.
É uma importante conquista da historiografia brasileira a superação da
perspectiva em que a história econômica do Brasil era tomada como um
somatório de ciclos de produtos (açúcar, ouro, café), os quais teriam trajetórias
similares (nascimento, auge, declínio). Tal maneira de ver as coisas resultou
num reducionismo problemático, ao ignorar a existência de “complexos
econômicos”, para além da exportação de alguns produtos. A economia
nordestina, mesmo no auge da exportação de açúcar, nunca foi apenas
açucareira, como também não foi só mineratória (ouro e diamantes) a
economia de Minas Gerais no século XVIII e assim por diante. Trata-se então
de entender a economia brasileira no século XIX como regionalmente
diversificada do ponto de vista da produção, dos mercados, das relações de
trabalho, das estruturas fundiárias. 8
As atividades econômicas se complementam e não podem ser explicadas
somente por elas mesmas, ou isoladamente. Um declínio em certo momento não deve ser
tomado como extinção da atividade a priori. A ideia de ciclo pode levar a este tipo de
pensamento, mas que, segundo estudos como o feito por João Antônio Paula demonstram,
resultam em reducionismo. Parece-me que a análise através do conceito de complexo
econômico permite entender que a economia regional está articulada à nacional, sentindo
os efeitos de um crescimento, de uma crise, da política econômica de determinado
governo, refletindo na circulação de pessoas, ideias, mercadorias. Mesmo em períodos de
crise ou de diminuição de uma atividade, as pessoas continuam a consumir, produzir,
vender, trocar, trabalhar dentro das possibilidades que se apresentam 9. Além disso, o
complexo econômico permite entender as particularidades locais. Por fim, outra questão
ainda deve ser levada em consideração. A afirmação de que as atividades econômicas em
determinada época produziram o crescimento econômico, ou uma retração, deve levar em
7
FRAGOSO, João Luís. Homens de grossa ventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de
Janeiro (1790-1830). 2ª ed. rev. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
8
Paula, op. cit., p. 183.
9
Como explica Mészáros, não é a atividade econômica que determina a riqueza ou a pobreza das pessoas, mas sim as
relações que são estabelecidas entre elas. “É evidente que nenhuma sociedade, nem mesmo de complexidade limitada,
pode surgir sem a produção de alimentos básicos que excedam as exigências individuais dos trabalhadores. Mas é
igualmente evidente que a existência de um produto excedente agrícola não encerra em si nenhuma determinação
econômica quanto à maneira de sua apropriação. Ele pode ser apropriado por um grupo limitado de pessoas, mas
também pode ser distribuído com base na mais estrita igualdade”. In: MÉSZÁROS, István. A teoria da alienação em
Marx. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 129.
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conta as consequências das mudanças não só no que elas geralmente são mais evidentes,
ou seja, não só nos números, nos índices, mas também nas alterações das relações sociais
de produção, na renda das pessoas, em suas condições materiais, na mudança técnica.
Quem foi beneficiado ou prejudicado, qual foi o custo social do processo? É preciso
enxergar tanto as mudanças como as permanências, quanto mais, numa paisagem
predominantemente rural como era o Cariri na segunda metade do século XIX.
Além da predominância das atividades agrícolas e da preponderância econômica
da produção voltada para a exportação, algumas características importantes destacavam
a economia brasileira. Mike Davis ressalta que o Brasil do século XIX compartilhou além
da ação do fenômeno El Niño, duas outras características com a Índia: independente em
termos nominais, sua economia era dominada por investidores e credores ingleses, sendo
um exemplo clássico de “colônia informal”. A outra característica seria um crescimento
econômico em escala nacional até uma interrupção durante a segunda metade do século
XIX, sem nenhum aumento considerável na renda ou na produtividade per capita. Um
crescimento que não diminuiu a desigualdade existente no país.
Contudo, enquanto na Índia a vulnerabilidade cada vez maior à fome
combinou-se com uma notável modernização da infra-estrutura em fins do
século XIX, a história moderna do sertão impressiona pela ausência de
qualquer papel significativo do Estado no desenvolvimento até a década de
1960 e a ameaça de revolução. 10
As atividades econômicas voltadas para a exportação, desde o início da
colonização e chegando ao período imperial, foram as mais destacadas ou que chamaram
a atenção das autoridades políticas e dos grandes agentes econômicos. Predominância que
não quer dizer exclusividade, ou homogeneidade e que, antes se desenvolveu a partir de
peculiaridades regionais. Nesse processo, a estrutura agrária definiu em parte a
organização social, as formas de trabalho e as desigualdades e hierarquias nas diversas
regiões brasileiras, conforme as relações políticas, a conjuntura do mercado internacional
e as decisões do estado. A diversidade de condições sociais, exclusões, enriquecimento
de alguns em detrimento de outros, parecem ser a regra. Havia pequenos produtores que
trabalhavam com suas famílias e que, em alguns momentos, utilizavam escravos. Mas
também havia trabalhadores que atuavam como jornaleiros e ao mesmo tempo,
produziam em pequenas roças, alimentos para sua sobrevivência e a de suas famílias.
10
DAVIS, Mike. Holocaustos coloniais. – tradução de Alda Porto – Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 389-390.
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Além destes, viam-se camponeses que perdiam suas terras enquanto outros conseguiam
uma diferenciação econômica e obtinham mais posses. Diferenças de riqueza e de status
entre a classe senhorial também estavam presentes, incluindo-se aí as diferenças
regionais.
Sendo a economia do Brasil diversificada, apesar de sua dependência estrutural,
o Ceará não era diferente, estava inserido na formação social brasileira, apresentando
múltiplas atividades. Se não é correto afirmar que a economia brasileira era somente
escravista, de monocultura, com a supremacia do latifúndio e voltada para a exportação,
também não se pode reduzir o interior cearense à pecuária, com sua utilização do
trabalhador livre ou às atividades agrícolas de subsistência, sempre associada aos
trabalhadores agregados, moradores nas terras dos senhores, ou aos parceiros e pequenos
produtores. O mosaico de atividades, relações de trabalho, formas de ocupação do solo
também se fazia presente no sertão, ocasionando a existência do lugar como plural, os
sertões, no caso em estudo, os sertões cearenses, e em particular, a região do Cariri.
O complexo econômico do Cariri em meados do século XIX
O Cariri do século XIX teve a predominância de um mundo rural, não a
exclusividade deste. As cidades eram os centros administrativos, políticos e jurisdicionais
do poder estabelecido, onde também se desenvolviam atividades econômicas que
cresciam no Brasil Imperial, contribuindo para sua diversificação. A historiografia aponta
que houve no Cariri, no decorrer dos oitocentos, principalmente a partir da década de
1850, um crescimento econômico caracterizado pela modernização do espaço, melhorias
nos transportes, aumento nos índices de produção, o que refletiu no crescimento das vilas
e das cidades. Para efeito de demonstração, recorre-se à comparação com a primeira
metade daquele século, quando a região teria tido uma atividade econômica mais
modesta. Ralph Della Cava aponta a relação entre a produção regional e as questões do
mercado internacional. Segundo o autor, nas primeiras décadas do século XIX, a
conjuntura econômica não era favorável, pois sua produção não atendia aos interesses
daquele mercado.
Mais importantes para o relativo declínio do vale no conjunto do
Ceará, entre 1824 e 1850, foram no entanto, os reveses econômicos
que marcavam o pós-independência. O Cariri, por exemplo, ainda não tinha
produtos, como o algodão, de que a Europa carecia e os quais comprava mais
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barato das regiões litorâneas do Ceará, que começavam a ser cultivadas e
ficavam mais perto. 11
Segundo Antonio José de Oliveira, a economia local naquele período tinha como
principal atividade, a produção canavieira, com seus engenhos dominando a paisagem e
estruturando a vida material dos habitantes. Além disso, havia o comércio local e as
atividades artesanais - oficinas onde os artesãos produziam ferramentas ou consertavam
engenhos e instrumentos para as casas de farinha, máquinas de descaroçar algodão etc.;
a fabricação de roupas nos teares movidos pela força humana eram atividades com
considerável peso. Por fim, Oliveira destaca as atividades da agricultura de subsistência,
muitas vezes combinada com a prática da criação de animais.
Apesar das grandes possibilidades de crescimento de uma variedade de
indústria, o setor mais marcante foi a indústria canavieira; com a fabricação da
rapadura nos engenhos se originou a principal atividade lucrativa na região,
que na atualidade ainda é uma das principais atividades que permanece
contribuindo consideravelmente para a receita tributária da localidade.
Concentrada em sua maioria nas terras das Vilas de Missão Velha, Crato,
Barbalha, Brejo Grande e Jardim, a lavoura canavieira, no período colonial, foi
bastante consistente e a produção da rapadura, nos engenhos, preserva uma
estrutura de produção e mão-de-obra que resiste até a atualidade. 12
Valendo-se de fontes como os inventários post-mortem, Oliveira demonstra que
ocorria o predomínio dos engenhos de rapadura, condicionando as demais atividades
econômicas. Segundo ele, constituiu-se “um sistema econômico e social bem peculiar”
13
. Fazendas, sítios, pequenas posses, combinavam atividades relacionadas à cana-de-
açúcar e a produção para a subsistência. Não só nos engenhos, pois havia também,
pequenas indústrias caseiras. Em sua análise, destaca o fato de que a base da economia a
produção dos engenhos e da indústria caseira de rapaduras sempre esteve associada à
produção de um gênero alimentício importante: a farinha de mandioca, base da
alimentação caririense. Estariam interligados, na maior parte dos casos analisados em sua
pesquisa. A soma dessa produção, quando atingia o patamar além da própria subsistência
dos produtores, era destinada às feiras do Crato, Barbalha e outras vilas. Este comércio
realizado nas feiras locais teria sido um item importante dentre as atividades econômicas
DELLA CAVA, Ralph. Milagre em Joaseiro. – tradução Maria Yedda Linhares. – 3ª ed. – São Paulo: Companhia
das Letras, 2014, p. 60-61.
11
12
OLIVEIRA, Antonio José de. Engenhos de Rapadura do Cariri: Trabalho e Cotidiano (1790-1850). Dissertação
(Mestrado em História Social) – Universidade Federal do Ceará, Departamento de História, Fortaleza, 2003, p.44.
13
Ibid. p. 33.
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regionais. E a base para todas essas atividades era o emprego da mão de obra de dois
tipos:
Ao lado desses proprietários, e da pequena produção de subsistência, crescia
também uma população migrante. Caboclos, mulatos, mestiços que, atraídos
pela “abundância” de terras e de trabalho, ocupavam as áreas que circundam
os engenhos e pequenas fazendas. Nessa perspectiva, originam-se dentre várias
categorias de trabalhadores, duas; escravos e livres, formando dois grupos
sociais predominantes no setor da produção e da relação social de trabalho no
Cariri. 14
Dessa maneira, apesar de não contar com os grandes latifúndios existentes em
outras regiões do Brasil, o Cariri cearense tinha atividades econômicas comuns a outros
lugares, além da utilização de trabalhadores escravizados e livres. No entanto, a lógica
da argumentação para a atração de uma população migrante parece-me contraditória. Não
obstante Antonio José de Oliveira argumentar que a participação da população mestiça
teve importante influência na sociedade e cultura caririenses, considera que a relação
entre senhores e trabalhadores não “foi tão rígida como no litoral. No interior, a sociedade
de algum modo tinha maior mobilidade social” 15. E apresenta como fator que atrairia a
população originada da mestiçagem, a oferta de trabalho e de terras.
Considero que a classe senhorial não estava disposta a conceder as melhores
terras disponíveis para a população migrante. E discordo que as relações sociais de
produção no interior foram menos rígidas do que as existentes no litoral. Que os senhores
reclamavam por mais braços para trabalhar em suas propriedades, este sim é um aspecto
da realidade no século XIX. Que discriminavam a população mais pobre, eis outra
afirmação que pode ser comprovada. Que pudessem estabelecer as mais variadas
estratégias de obtenção de mão de obra para suas fazendas e demais propriedades,
também é um fato observável na documentação.
Agricultores, pequenos produtores, fazendeiros, oleiros, carpinteiros, ferreiros,
mercadores, tropeiros, homens e mulheres livres e também escravos circulavam pelos
caminhos do Cariri, em seus povoados, vilas e na cidade do Crato, trabalhando,
comercializando, trazendo notícias, visitando familiares e amigos. Em meados do século
XIX, o predomínio das atividades ligadas ao mundo rural era combinado com as exercidas
nos núcleos urbanos das vilas e da cidade do Crato:
14
15
Ibid., p. 35.
OLIVEIRA, op.cit., p. 36.
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Benedicto da Silva Garrido, acaba de reorganizar sua Botica, achando-se a
mesma bem provida, especialmente dos mais recentes productos chimicos, que
a experiencia tem demonstrado sua grande utilidade, como a celebre Santanina,
producto activo de sementes contra os vermes, sendo sufficiente dous grãos
deste medicamento misturados em assucar, para fazer expellir quantidade de
vermes em uma creança de dous a quatro annos de idade. A Botica acha se, e
continua, sobre a gerencia do mesmo. 16
Além do comércio tradicional, como o de secos e molhados, outros serviços,
antes inexistentes, também eram repetidamente anunciados naquele jornal, demonstrando
que havia um público consumidor nas vilas, das mercadorias provenientes de outras
localidades. Produtos que iam além do comércio tradicional de gêneros alimentícios ou
relacionados à pecuária:
O ARRANCAR NAÕ É CURAR, É DESTRUIR.
AFFONSO JOSÉ DE NORONHA E Vasconcellos, Serugião Dentista e
Galvanista, tem a destincta honra de patentiar ao respeitavel publico desta
cidade, que colloca dentes artificiaes pelos processos mais modernos, e seguros
que excedem aos naturaes, na solidez, e sensibilidade; bocas inteiras de molas
verticaes pelos processos de chapa, enxerto, de mola e pela pressaõ do ár,
advertindo que naõ emprega as inalaçoens do Ether Sulfurico, nem o
Cloroformio. Alimpaõ-se bocas para prevenir males futuros, e asseio desse
importante orgaõ, que falecita a degestaõ. Chumbaõ-se todos os dentes
furados, que nunca mais doem, nem apodressem por formulas ainda
desconhecidas. Arrancaõ-se dentes com a menor sensibilidade que se pode
imaginar. Consertaõ-se maquinas de todas as qualidades, e vende-se modelos
de emgenhos. Adverte-se mais, que protesto-se no jornal P. II. contra alguns
charlatões, que vagam por estes centros acobertados com o nome do
annunciante, iludindo, e roubando os povos sem terem sufficiente habelitaçaõ
da arte. -CRATO 14 DE JULHO DE 1856- 17
Existiam anúncios mais tradicionais, sobre a compra ou venda de terras, assim
como de escravos, que podiam ser encontrados em quase todos os números de O Araripe,
revelando que as transações comerciais envolviam de forma assídua, o mundo agrário.
ANNUNCIO
Antonio Machado do Nascimento, vende por preço commodo o sitio
Mangueiras, com açude, casas de morada e de engenho farriada: casa de
farinha, e bem fabricado de cannas, e uma casa de vivenda. Huma posse de
terra no sitio Volta, cercada e cheia de cannas, e uma vivenda. Duas posses de
terra no Juaseiro com um bom cercado para plantações. Tres moradas de casa
nesta cidade, sendo duas na rua do Commercio velho, e uma na rua do fogo,
todas de tijollo. Recebe em paga dinheiro, cavallo e escravos.
Crato 26 de Dezembro de 1857. 18
ANNUNCIOS
16
Jornal O Araripe. O ARARIPE, 25 de Setembro de 1857, p. 4. Coleção Digital, Centro de Documentação do Cariri
(CEDOCC).
17
O ARARIPE, 19 de Julho de 1856, p. 4. Coleção Digital, CEDOCC.
18
O ARARIPE, 09 de Janeiro de 1858, p. 4. Coleção Digital, CEDOCC.
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- Compraõ-se escravos de boa figura, e pagão se a mais de 1:000$000: rs quem
os tiver e os quiser vender entendasse na Villa da Barbalha com Lucio Aurelio
Brigido dos Santos. 19
Na definição deste mundo rural, levo em consideração a observação de Ângela
Maria Endlich, de que o rural e o urbano não são coisas dadas, mas sim dimensões sociais
produzidas no decorrer da história
20
. Do ponto de vista histórico, considero
imprescindível levar em conta as permeabilidades entre os dois mundos, pois a relação
entre ambos é de complementaridade e não de oposição. Como foi dito, havia um
processo de urbanização incipiente em algumas áreas do Brasil, com atividades
econômicas que compunham um mosaico de atividades, diferenciando-se nas relações de
trabalho, de tecnologias, de produtos, de mercados e formas de propriedade. No entanto,
a predominância das atividades vinculadas ao mundo rural, particularmente ligada ao
setor agrário, era uma característica do Cariri, não obstante o crescimento de seus núcleos
urbanos.
A produção historiográfica recente indicou a questão do crescimento econômico
regional na segunda metade do século XIX. Além das mudanças culturais e políticas, os
estudos apontam para as transformações econômicas. São apresentados argumentos que
afirmam o incremento na produção agrícola, na pecuária, na modernização progressiva
dos meios de transporte e de comunicação, no aumento do comércio, enfim, toda uma
diversificação e incremento na economia local. Algumas atividades foram desenvolvidas
por todo aquele século, mas a partir da década de 1850, o destaque ao crescimento é
evidenciado.
Na segunda metade do século XIX, o Cariri Cearense era uma região populosa,
com atividades econômicas bastante desenvolvidas e bem definida quanto a
organização administrativa. As cidades que compunham esta região dividiamse em duas Comarcas: Crato, que englobava este município e mais os de
Barbalha e Missão Velha, e Jardim, que além dele, incluía o de Milagres. Na
primeira Comarca se presenciava uma cultura canavieira mais intensa e, na
segunda, sobressaía a criação do gado vacum. 21
19
O ARARIPE, 16 de Janeiro de 1858, p. 4. Coleção Digital, CEDOCC.
20
ENDLICH, Ângela Maria. Perspectivas sobre o urbano e o rural. In: SPOSITO, Maria Beltrão; WHITACKER,
Arthur Magon (Organizadores). Cidade e campo: relações e contradições entre urbano e rural. – 2.ed. – São Paulo:
Expressão Pouplar, 2010, p. 19.
21
CORTEZ, Ana Sara Ribeiro Parente. Cabras, caboclos, negros e mulatos: a família escrava no Cariri Cearense
(1850-1884). Dissertação (Mestrado) em História Social. Universidade Federal do Ceará. Departamento de História,
Fortaleza, 2008, p. 25.
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Registram-se
aumento
populacional,
diversificação
do
comércio,
fortalecimento das atividades econômicas. Ocorreu um crescimento das povoações e
vilas. A vila do Crato, por exemplo, foi elevada à categoria de cidade no ano de 1853.
Irineu Pinheiro e José de Figueiredo Filho descreveram-na:
Em janeiro de 1854, estendia-se a área urbana do Crato, de norte a sul, desde
a Travessa das Olarias, que pensamos ter passado pelo lugar apelidado, de
primeiro, Fundo da Maca, hoje uma das extremidades da Rua Senador
Pompeu, até o sítio do Pisa, na atualmente chamada Praça da Bandeira, e de
nascente a poente, da Rua da Boa Vista à da Pedra Lavrada, agora
denominadas, respectivamente, Nelson Alencar e D. Pedro II. Naquela época
atingiria a dois mil, ou mais, o número de seus habitantes. Nos anos 50 do
século XIX, prestes a ser cidade ou após sê-lo, organizou o Crato vários
serviços necessários à sua vida coletiva. Recordemos alguns que lhe foram,
realmente, utilíssimos: a construção do mercado e do cemitério, uma elementar
tentativa de abastecimento de água à cidade, a edição de seu primeiro jornal,
que indicou, naqueles anos já tão distantes, lhe interessarem à elite, muito
reduzida, é certo, coisas da inteligência e do espírito. 22
De qualquer maneira, o peso das atividades vinculadas ao mundo rural era
predominante na economia, tanto pelo número de propriedades e estabelecimentos
vinculados ao setor agrário, bem como pelo tamanho dessas atividades no conjunto da
economia local. Quanto à chegada de novos serviços, mercadorias e das progressivas
melhoras nas estradas e meios de comunicação citados anteriormente, eles por si só não
definiam o caráter urbano, posto que predominassem as relações de trabalho e de
propriedade vinculadas ao mundo rural. Para exemplificar a questão, apresento a
descrição de algumas vilas, povoados e cidades feita por Thomaz Pompeu de Sousa
Brasil, em seu ensaio estatístico sobre a província do Ceará, no início da década de 1860.
Villa do Saboeiro – Esta villa, assentada á margem esquerda do Jaguaribe
n’um terreno pedregoso a 96 leguas da capital pelos caminhos ordinarios, e a
26 do Icó, é pequena mas tem boas casas, uma boa matriz, cadêa e cemiterio.
[...] Assaré – Povoação pequena situada á 10 leguas do Saboeiro, e á 100 da
capital; é a sede da matriz. Sancta Anna do Brejo-Grande a 7 leguas do Crato
é outra povoação; cabeça do districto de seu nome; pertence no civil ao
municipio do Crato. [...] S. Matheus – Foi creada villa em 1833, suprimida em
1851, e restaurada em 1859. Fica sobre a margem esquerda do rio Jaguaribe,
é pequena e pouco notavel. Depois de sua restauração, ainda não foi
inaugurada como villa. [...] Cidade do Crato – Está situada a 7° 14’ 2” de
latitude meridional sobre a abundante corrente do Grangeiro, a 112 leguas da
capital e a 32 do Icó, tem 550 casas de telha e 600 de palha, e dos arredores
outro tanto; consome diariamente 8 rezes, entretem bastante commercio, e
FIGUEIREDO FILHO, José de; PINHEIRO, Irineu. Cidade do Crato. – Fac-símile da edição de 1955, publicada
pelo Departamento de Imprensa Nacional, Rio de Janeiro. Fortaleza: Coedição Secult/Edições URCA/Edições UFC,
2010e, p. 10-11.
22
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presume-se que terá só a cidade, de 6 a 8 mil habitantes. [...] Villa da Barbalha
– É pequena, porém bem regada pelo Salamanca; tem 100 casas de telha e 200
de palha; dista 2 leguas do Crato e 100 da capital. [...] Povoados e capelas –
Tem duas povoações, Missão-Velha e Missão-Nova: a primeira é a cabeça da
freguezia, e antigamente de todo o Cariry, situada á margem do rio de seu
nome: tem uma boa igreja dedicada a S. José, e uma capella a N. S. do Rosario;
esta povoação vae em decadencia, tendo desaparecido ruas inteiras. [Missão
Velha, nota minha]. Villa do Jardim – É pequena, desvantajosamente situada
n’um sacco cercado de montanhas, bastante humida no tempo de inverno; tem
apenas 200 casas, e uma igreja, a matriz. [...] Villa – Está edificada sobre a
margem de um ribeiro, é grande, tem umas 300 boas casas de telha, uma boa
casa de mercado, uma boa matriz: dista do Crato 15 leguas e da capital 120.
[Milagres, nota minha]. 23
A questão, portanto, é de complementaridade e não de oposição. No processo de
constituição das atividades econômicas, os espaços, as técnicas e as relações devem ser
entendidos dentro desta perspectiva e não como dicotômicos. Assim, o Cariri deve ser
analisado levando em conta as suas peculiaridades, tal como a importância da Chapada
do Araripe no conjunto regional, que dentro das condições históricas estabelecidas na
segunda metade do século XIX, favoreciam determinadas atividades, enquanto tornariam
outras mais complexas ou inviáveis do ponto de vista econômico.
O Cariri pode ser entendido como uma região em que o caráter rural de suas
atividades mantinha uma grande força, condicionando as atividades humanas. E os
contemporâneos também assim compreendiam, não sem analisar as causas das
dificuldades que os produtores agrícolas enfrentavam.
A agricultura, que taõ lentamente progride nos paises em que mais prospera,
conserva-se nesta comarca completamente estacionaria, posto que a produçaõ
tenha acompanhado o incremento da populaçaõ, com tudo a quantidade e
qualidade dos produtos agriculas, naõ corresponde a extrema uberdade do solo,
nem, a relativa densidade de sua populaçaõ, e isso porque a antiga rotina pesa
com toda sua força de inercia sobre a agricultura. Nem um processo
aperfeiçoado dos mais communs em outro qualquer paiz, tem substituido aos
imperfeitissimos processos tradicionaes de nossa terra, atraso sem duvida
divido a difficuldade, que tem o nosso agricultor de obter conhecimentos
profissionais, que o habilitem para subtrair-se ao jugo da velha rotina.
Alem disso as difficuldades com que lutaõ nossos agricultores pela falta de
braços, que é bastante sensível entre nós, em rasaõ da escacez dos escravos;
via de transporte; exorbitante pressaõ de juros; convencional recusa da
populaçaõ a certos trabalhos agriculas, que julgaõ distinctivos da escravidaõ;
e afinal as incalculaveis e offensivas destruiçõoes das plantas, operadas pelos
gados sem pastores: tudo isso concorre para o estado estacionario de nossa
agricultura. 24
23
BRASIL, Thomaz Pompeu de Sousa. Ensaio Estatístico da Província do Ceará. Tomo II, 1864. Disponível em <
http://memoria.org.br/trf_arq.php?a=00027002 >. Acesso em maio de 2012, p. 93-129.
24
Carta de A.G., morador de Missão Nova, enviada em 29 de fevereiro de 1856 e publicada em O ARARIPE, 01 de
março de1856, p. 2, CEDOCC.
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Essa vinculação entre o espaço físico propício à agricultura é tão forte que
noventa e oito anos depois da carta acima, Antonio Bezerra assim escreveu na Revista do
Instituto do Ceará:
Constitui o Cariri a zona ubérrima que se estende ao sopé da Serra do Araripe
numa extensão de cerca de 200 quilômetros, com largura irregular, a qual é
banhada por correntes perenes como o Caldas na Barbalha, Grangeiro e
Batateira no Crato, que formam as nascenças do Rio Salgado, e por inúmeros
olhos d’água, alimentos da agricultura, de cuja exuberância só tem podido ser
bem avaliada em anos de sêca.
Por conta de sua posição e fertilidade está aquele delicioso oásis isento da
tremenda calamidade.
Terreno predileto da cana e dos cereais, em bem poucos lugares deste país se
ostentam aquelas gramineas com mais viço e esplendor.25
Ao autor não ocorreu analisar em quais condições no “terreno predileto da cana
e dos cereais” se realizava o trabalho. E nem esse era seu objetivo. Acontece que as
relações entre os seres humanos e as demais forças da natureza se dão em determinado
contexto histórico, temporal-espacial. A realização de uma nova formação social a partir
da colonização portuguesa levou ao surgimento de uma sociedade que herdou concepções
clássicas e medievais de organização e hierarquia, porém com graduações que levavam
em conta a cor, a condição social, a ocupação profissional e principalmente a distinção
jurídica entre livres e escravos, com princípios hierárquicos baseados na escravidão26.
Nela, a desvalorização do trabalho, visto como atividade degradante e de exclusividade
para os estratos inferiores. Ao chegarmos à segunda metade do século XIX, as
desigualdades com base na condição social e na condição jurídica e as discriminações a
partir da cor e do gênero permaneciam.
Além da distinção social baseada na riqueza a partir da propriedade da terra e
das atividades econômicas ligadas a ela, o discurso determinista da natureza se fazia
presente. Tanto na destinação do espaço para determinadas atividades, como no
comportamento das pessoas conforme sua classe social. No século XIX, o discurso sobre
a personificação da natureza foi sendo alterado. Na Europa, autores reconheciam a
natureza como criadora seletiva. A questão mais crítica nesse âmbito era se a natureza
BEZERRA, Antônio. Cariri. Revista do Instituto do Ceará - ANNO LXVIII – 1954, p. 257. Disponível em
<http://www.institutodoceara.org.br/Rev-apresentacao/RevPorAno/1954/1954-Cariri.pdf>. Acesso em julho de 2009.
25
26
SCHWARTZ, Stuart B.. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. Tradução
Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 209.
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incluiria o homem27. Predominou então a visão de que a “história natural” e a “história
social” estariam separadas. A natureza nesse novo sentido seria tudo o que não era
humano, tudo o que não fora tocado ou estragado pelo homem. Segundo Williams, uma
separação entre o homem e a natureza não é apenas uma produção da indústria e do
urbanismo modernos, mas uma característica de muitos tipos anteriores de trabalho
organizado, incluindo-se aí o trabalho rural28. Se do ponto de vista abstrato, operou-se
uma distinção entre a “natureza” e o “homem”, do ponto de vista histórico, da formação
social brasileira no século XIX, essa distinção se dava não só entre a natureza e os seres
humanos, mas também entre os próprios seres humanos.
A relação terra e trabalho
O campo e a cidade são realidades históricas em transformação tanto em si
próprias quanto em suas inter-relações, mas a ideia de campos e cidades como realidades
dicotômicas ainda conserva força acentuada. “Isto, porém, dá origem à tentação de reduzir
a variedade histórica de formas de interpretação aos chamados símbolos e arquétipos, ou
seja, de abstrair até mesmo estas formas tão evidentemente sociais e dar-lhes um status
basicamente psicológico ou metafísico29”. Dessa raiz surgem idealizações sobre uma
suposta vida mais bucólica nas áreas rurais em contraposição ao ritmo das cidades, ou
sobre o caráter do “homem do campo”, homogeneizando os indivíduos numa espécie de
tipo ideal de camponês, ou de homem pobre livre, que variava conforme a região, mas
sempre com um sentido depreciativo. “Caipira”, “matuto”, “cabra”, “caboclo” ou
“roceiro”, são exemplos da difusão de estereótipos. As vilas e cidades do Cariri na
segunda metade do século XIX tinham uma ascendência do mundo rural. O mosaico de
atividades que se completavam não retirava a força da produção agrícola, da criação dos
rebanhos de gado, dos senhores de terras e de escravos, senhores que controlavam
também o trabalho dos livres pobres que estavam submetidos a diversas formas de
WILLIAMS, Raymond. Ideias sobre a Natureza. Cultura e Materialismo. – tradução André Glaser- São Paulo:
Editora Unesp, 2011.
27
Ibid., p. 111. Ainda afirma Williams: “Uma parte considerável do que chamamos “paisagem natural” possuí a mesma
história. Trata-se de um produto do planejamento humano e, ao ser admirado como natural, importa muito se
suprimirmos dele o trabalho ou se o reconhecemos. Algumas formas dessa ideia popular moderna da natureza parecem
depender de uma supressão da história do trabalho humano, e o fato de estarem sempre em conflito com o que é visto
como exploração e destruição da natureza pode, ao cabo, ser menos importante do que o fato não menos certo de elas
com frequência confundirem-nos sobre o que são e o que deveriam ser a natureza e o natural”, p. 104.
28
29
WILLIAMS, RAYMOND. O campo e a cidade: na história e na literatura. Tradução Paulo Henriques Britto. São
Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 387.
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exploração: moradores que eram meeiros, parceiros, ou trabalhadores ocasionais nos
engenhos e lavouras.
A ocupação do interior do Ceará ocorreu através da subordinação dos indígenas
e sua “pacificação”, seguida da submissão dos trabalhadores livres pobres e dos escravos,
além do monopólio sobre a terra, seja através das propriedades sesmariais ou da ocupação
através da posse, gerando as propriedades senhoriais. Os senhores de terras pretendiam
exercer seu domínio sobre as pessoas e para isso valiam-se das instituições. Como afirma
Victor Leonardi, a vida social no grande sertão brasileiro se construiu, nos séculos XVIII
e XIX a partir de um emaranhado de instituições, processos econômicos, comunicações
verbais, formas de comportamento30. Acrescento: de disputas, consensos e dissensos,
exploração, violência, conflito e solidariedades. O que Leonardi chamou de ocupação
violenta: “No Ceará, a ocupação do território teve um caráter ainda mais nitidamente
conquistador, dada a resistência dos povos indígenas durante quase um século”
31
.A
sociedade rural que se constituiu teve início com o que Leonardi chamou de colonialismo
interno. Não só portugueses, mas também brasileiros; não só brancos, mas também
mestiços; diversos grupos praticaram o domínio através da violência e do controle das
terras e riquezas, além da escravização tanto de povos nativos como de africanos e seus
descendentes. A pobreza não era uma determinação da natureza, uma tragédia imposta
por forças sobrenaturais, mas sim resultado do processo de apropriação do espaço e da
exploração do trabalho humano.
Os primeiros habitantes já haviam sofrido um processo de expropriação e
também de tentativa de apagamento de sua memória. O relato do Diretor Geral dos Índios
para a província do Ceará é exemplar da situação vivida por aqueles povos.
Quando em virtude do decreto de 24 de Janeiro do corrente anno, pelo qual
S.M.I. houve por bem nomiar-me Director Geral dos Indios desta Provincia,
tomei posse no dia 23 de março deste mesmo anno, naõ fis e nem podia fazer
uma perfeita ideia do grande trabalho, responsabilidade, comprometimento, e
despezas, que tinhaõ de pezar sobre mim na ardua e espinhosa tarefa dos
deveres inherentes a esse honrado Emprego, pm agora, depois de um tirocinio
de poucos mezes, em que, a despeito de meos esforços e assiduo trabalho, ainda
naõ pude conseguir o perfeito restabelecimento de todas as Aldeias dos Índios,
que montaõ a oito em diferentes pontos da Provincia, alem da antiquissima
Aldêa de Missaõ Velha do Crato, aonde existem terras, q foraõ dadas aos
Indios, e me consta haverem athe Indios selvagens nas extremas desta mesma
Provincia, [...].
30
LEONARDI, Victor Paes de Barros. Entre Árvores e Esquecimentos: história social nos sertões do Brasil.
Brasília: Paralelo 15 Editores, 1996, p. 309.
31 Ibid., p. 48.
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Estou que o Governo, que elaborou, e organizou aquelle Regulamento naõ
podia prever o estado desgraçado, em que se achavaõ as Aldeas, e que porisso
se tornasse uma pratica excessivamente onerosa aos Directores Geraes o
comprimento dos seos deveres, como tenho experimentado, e succederá a
todos aqueles de Provincias, que tenhaõ tantas Aldeas como esta, e em que os
Indios tenhaõ sido dispersos, e esbulhados de suas terras, gravadas de mais a
mais com a fome, que continua e continuará até que a Divina Providencia nos
depare as chuvas, e hajaõ produções, por isso que naõ cessaõ de reclamar por
socorros para salvarem actualmente a vida, e poderem trabalhar em preparar
terreno, em que plantem, quando chegar o inverno. 32
Em que pese a supervalorização de suas tarefas no cargo, o diretor geral acusava
a situação precária dos povos nativos e a perda até das terras destinadas a eles nos
aldeamentos criados pelo governo Imperial, fato corrente no Brasil. No desenvolvimento
dessa conquista do espaço, a classe dominante no Cariri procurou diversos mecanismos
para manter uma hegemonia e definir os papéis sociais que competiam a cada indivíduo,
conforme sua visão de mundo e seus interesses. Aos trabalhadores em geral, preconizava
a submissão através do trabalho, atividade vista como essencial para a manutenção da
ordem e progresso do país. Não sem antes apresentar os benefícios que o trabalho traria
para os setores da população mais empobrecidos. Da desqualificação social surgia
também a possível solução. Sendo vistos como inferiores pelos estratos dominantes,
caberia aos mais pobres, segundo aqueles, o trabalho desvalorizado, caminho para a
manutenção da ordem social e do enriquecimento da nação. Assim, dois pensamentos
entrelaçavam-se: o Cariri como um “oásis” no sertão, e, os homens livres pobres como
fadados ao trabalho, em conjunto com os escravizados.
A sociedade brasileira estava organizada em termos antagônicos. O trabalho
ainda visto como degradante era realizado por escravos e homens livres que estando numa
situação de pobreza, tinham como atribuições as atividades consideradas “manuais” e de
pouco valor social. Além da violência inerente à escravização de seres humanos, as
relações paternalistas criavam situações de dependência que reproduziam as hierarquias
e as desigualdades sociais. Apesar da opção brasileira de uma monarquia constitucional
de base liberal, que teoricamente considerava todos os cidadãos livres e iguais, a
manutenção da escravidão e a restrição legal do gozo pleno dos direitos civis e políticos,
com base em critérios censitários, demonstram bem a distância entre a formalidade dos
32
PROVÍNCIA DO CEARÁ. Ofício do Diretor Geral dos Índios da Província do Ceará, ao Ministro e
Secretário de Estado dos Negócios do Império, Joaquim Marcelino de Brito, em 28 de setembro de 1846,
Livro *IJJ9 176, Arquivo Nacional (AN).
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princípios “liberais” e a vida cotidiana desses brasileiros
33
. Na linguagem atual, os
“excluídos”, aqueles que são de alguma forma, alijados do processo de crescimento
econômico e sobrevivem com recursos mínimos, em condições degradantes de moradia
e de trabalho.
Um problema a ser enfrentado é o da falta de dados mais precisos, relativos às
atividades econômicas. E a questão não diz respeito somente à economia dos setores
geralmente marginalizados, mas também a dos senhores. Mesmo os contemporâneos, que
se dedicaram a fazer o registro e levantamento de informações, informavam que o quadro
era incompleto e aproximado. Um exemplo é a obra de Thomaz Pompeu de Sousa Brasil.
Ao destacar a importância da lavoura da cana-de-açúcar na economia da região, fez um
alerta sobre os números que apresentou em seu ensaio estatístico 34. Segundo ele, não era
possível determinar a superfície plantada de cada cultura, a quantidade e o valor da
semeação anual, o valor e o preço de cada produção por freguesia e município, o consumo
dos produtos agrícolas em cada localidade e o comércio dos mesmos. Para realizar seu
levantamento no que diz respeito à agricultura, valeu-se dos dados alfandegários e de
outros órgãos públicos que não citou explicitamente
35
. Lamentava ainda que a
agricultura, apesar de sua importância, fosse geralmente desprezada estatisticamente. E
dividia, para fins de estudo, as atividades agrícolas em dois ramos: a agricultura e a
criação de animais. Não obstante, Thomaz Pompeu Brasil também destacava as
características naturais da região e seus principais produtos agrícolas. Cito o exemplo da
Comarca do Crato.
A Comarca do Crato fica no valle formado pela serra do Araripe, que se chama
Carirys, nome derivado da tribo indigena que n’ella habitava. O terreno é
baixo, entrecortado de ribeiros e oiteiros, como todo o sohpé da serra,
circumdado pelo Araripe, de cujas fraldas emanam rios abundantes d’agua, que
em varios corregos banham fartamente aquelle sólo fertilissimo e rico de
producção. A canna, legumes, mandioca, algodão, e nas fraldas da serra o
caffé, dão como em parte alguma. A agricultura é a industria principal do paiz,
e para alli correm não só a prover-se de mantimentos, como a refrigerar-se das
seccas, os habitantes dos sertões visinhos da Bahia, Pernambuco, Rio-Grande
do Norte, Parahyba e Piauhy. 36
MATTOS, Hebe Maria. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. – 2. ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2004.
33
34
BRASIL, Thomaz Pompeu de Sousa. Ensaio Estatístico da Província do Ceará. Tomo I, 1863. Disponível em
<http://memoria.org.br/trf_arq.php?a=00027001 >. Acesso em maio de 2012.
35
Ibid., p. 340.
36
BRASIL, 1864, (Tomo II), p. 101-102.
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Apesar da explicação de Thomaz Pompeu Brasil, de que não haveria como
quantificar a produção, o comércio e o consumo da província do Ceará com precisão, em
seu ensaio é possível identificar informações sobre o Cariri. Por exemplo, um importante
item da alimentação consumida pelos cearenses, a farinha de mandioca.
Faltam-me dados seguros para calcular a producção da farinha em toda a
província. Tenho apenas informações, em cuja exactidão não posso confiar.
Destas resulta que ha na provincia 11,000 estabelecimentos de farinha, grandes
e pequenos, produzindo 600,000 alqueires, que ao valor minimo actual de
2$500, importa em 1,500:000$000.
37
Valendo-se das informações obtidas nas freguesias, a produção de farinha de mandioca
apresentava o quadro seguinte.
Tabela 1 – Produção de farinha de mandioca em localidades do Cariri.
Freguesias
Estabelecimentos
Missão Velha
Milagres
Barbalha
Crato
Assaré
Jardim
120
60
130
4.054
125
1.828
Quantidade
alqueires
10.000
4.000
20.000
70.000
2.800
38.000
de
Fonte: Elaborada pelo autor a partir dos dados apresentados, in: BRASIL, Thomaz P., 1863, (Tomo I), p. 368.
No caso da farinha de mandioca, os números não dizem quem consumia e em
qual quantidade. Porém, os dados apresentados dizem respeito ao que era registrado da
produção nos aviamentos de fazer farinha, bem de raiz que não era acessível a todos os
moradores da região do Cariri, por exemplo. A casa de farinha era um bem que nem todos
possuíam, o que, obrigava a muitos trabalhadores pedir permissão aos donos para obter o
alimento. Isso gerava uma relação de dependência entre as pessoas, diretamente ligada a
um gênero alimentício importante. Interessante é a diferença entre o número de
estabelecimentos da vila de Barbalha e a quantidade de alqueires de mandioca cultivados,
quando os mesmos dados são comparados com os referentes à vizinha cidade do Crato.
O que pode indicar que em Barbalha, os produtores eram em menor número e detinham
mais terras, enquanto no Crato, a quantidade de alqueires de mandioca estava mais
distribuída entre pequenos produtores. A busca por referências ao que se produzia, levou-
37
BRASIL, 1863, (Tomo I), p. 368.
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me aos registros das Câmaras Municipais. No ano de 1875, a Câmara do Crato, informava
ao governo da província do Ceará, o quadro da produção existente.
Não se pode apreciar a superficie da terra cultivada deste municipio, por quanto
sua mor parte, ainda se acha inculta: e a occupada pelos diferentes ramos de
agricultura ainda não acha-se devidamente precisado o seo numero. Entretanto
esta municipalidade calcula a superficie da terra deste municipio em 100 leguas
quadradas; um terço desta occupado quase que exclusivamente com
agricultura. 38
Os vereadores lamentavam as condições das vias de acesso e de transporte de
mercadorias, como faziam em quase toda correspondência emitida para o governo
provincial onde o tema era a economia e o desenvolvimento material. De qualquer modo,
apresentavam o que consideravam as principais atividades desenvolvidas.
Esta Municipalidade sente não dispor dos dados estatísticos, à mão, para
comprovar a V. Exca o que vem de expender; entretanto afirma-o pello que
sabe de experiencia propria. Este municipio em geral presta-se a todo genero
de cultura, usado na provincia: a canna d’assucar, o café, o algodão, fumo,
milho, arros, a farinha (mandioca), feijão, batatas, constituem os diverços
generos de cultura. Occupa o primeiro lugar a canna d’assucar: constitui ella a
principal fonte de riquesa do extenso valle do Cariry – e as moagens são quase
todas para o fabrico de rapadura e aguardente, que servem de consumo aos
seos visinhos. Tem 26 engenhos de ferro puchado a boi, 100 engenhos de
madeira. Calcula-se de 40 a 50:000 cargas (centos) de rapaduras, produsindo
liquido de 300 a 400 contos de reis: Calcula-se o fabrico de aguardente em 400
à 450:000, canadas, produsindo-se liquido 200 à 300 contos. Os demais
generos, cuja exportação não podem ser calculados servem para abastecer ao
mercado publico; e são consumidos nos sertões visinhos. não se pode faser um
calculo approximado dos seos productos e rendimentos. Ha tão bem alguma
criação de gado vaccum, cavalar, lanigem, e suino, porem tudo de pouca
significação. [...] Os systemas de cultura das terras, seus processos, e
ferramenta agricula. Em geral, como acima já se fes sentir a V. Ex ca não ha
menor industria em nos diferentes systemas de culturas das terras, seus
processos e ferramenta agricola. Abandonada e esquecida como é a agricultura
no alto sertão desta provincia, ella resente-se de tudo. Seo systema de industria
não passa do que por si pode conceber um lavrador rude e material. Seo
processo limita-se ao que naturalmente produs a campina em cujo seio deposita
o grão de qualquer simente. As ferramentas compõe-se da – enxada, maxado,
facão, foice, e em sua maior parte fabricadas por artistas desta Cidade. 39
O quadro apresentado pela Câmara diferia dos discursos geralmente
pronunciados sobre o Cariri, porém talvez seus objetivos fossem o de angariar mais
recursos para a cidade, que chegariam aos produtores mais ricos. Melhores vias de acesso,
empréstimos, obras, podiam ser os interesses dos vereadores do Crato ao apresentarem as
38
CÂMARA MUNICIPAL DO CRATO. Ofício ao governo da Província do Ceará, em 26 de Junho de 1875, caixa 35,
APEC.
39 Ibid.
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dificuldades vividas. De qualquer maneira, demonstravam a incapacidade de registrar a
produção em termos mais exatos. As referências eram sempre aproximadas, mas
forneciam um retrato daquele momento, por volta do último quarto do século XIX. Os
dados sempre eram mais precisos, ainda que aproximados, quando as atividades eram
referentes às propriedades dos senhores. Sobre a extensão das propriedades, o problema
era diferente. Tanto nas correspondências, bem como nos registros de demarcação de
terras ou nos inventários, os proprietários não conseguiam apontar o tamanho das
propriedades. Ou não desejavam. Algo comum às várias regiões do país: a imprecisão
nos registros sobre os limites das propriedades. Uma prática dos senhores, como explica
Márcia Menendes Motta, ao analisar as estratégias daquela classe, na questão da Lei de
Terras e nos registros paroquiais. Os registros não servem de parâmetro para comprovar
a área ocupada pelos fazendeiros, pois os limites eram descritos de maneira vaga, e feitos
dessa maneira, favoreciam as futuras invasões das terras dos pequenos produtores
40
.A
imprecisão dos dados não parece ser fruto apenas da falta de estrutura governamental,
mas também uma estratégia de muitos senhores para atingir seus objetivos. Por outro
lado, escapar do controle do estado e de sua pulsão fiscal e extrativa parece ter sido
também uma tática dos trabalhadores. Não se tratava apenas de uma questão geográfica,
de distância entre os diversos sítios de camponeses e o poder das câmaras municipais e
da coletoria de rendas. Comunidades de ex-escravos, como a da Serra dos Chagas, em
Salitre, ou habitações isoladas na vastidão da Chapada do Araripe e seu entorno, não iriam
espontaneamente revelar suas condições de vida e submeter-se à pulsão extrativa e fiscal
do estado imperial brasileiro.
Diante das colocações apresentadas é necessário refletir sobre algumas questões
relacionadas ao complexo econômico, como a relação entre a riqueza e a pobreza no
Cariri; as formas de apropriação dos recursos naturais; a relação entre o trabalho e a
injustiça social. E isto deve ser feito de maneira que a análise inclua a economia dos
trabalhadores, sejam camponeses, escravizados ou assalariados, sem deixar de considerar
as imbricações com a economia dos senhores e a conjuntura do país. Entender como o
crescimento econômico regional, destacado pela historiografia para a segunda metade do
século XIX, representou, ao mesmo tempo, a consolidação da pobreza de grande parte da
população livre. Sendo o Cariri retratado como o “oásis” do sertão e o “império” da
40
MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas fronteiras do poder: conflito de terra e direito à terra no Brasil do século
XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 1998, p. 167-168.
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produção, importa explicar a desigualdade social que ali existiu, saindo da versão
tradicional proposta pela classe senhorial, - de que a pobreza seria gerada pela propensão
à vadiagem e à ociosidade por parte dos trabalhadores.
A desigualdade foi gerada no decorrer do processo de ocupação, consolidação
do modelo colonizador e posteriormente, com o desenvolvimento da economia caririense.
Não foi um processo linear ou progressivo. Representou uma tragédia para um número
considerável de pessoas, como ocorreu com as populações indígenas. A classe senhorial
detinha as melhores terras, expandia seu patrimônio e conseguia diversificar suas
atividades econômicas. Na análise dos inventários, é possível identificar a estratégia de
vários homens ricos, que procuravam distribuir suas posses de terras em diferentes
localidades 41.
As potencialidades do recursos naturais da localidade em que essas propriedades
estavam inseridas, as técnicas existentes e as relações de trabalho utilizadas
condicionavam as práticas econômicas. Alguns senhores criavam gados em terras no
Piauí, faziam o transporte do gado para o Cariri e vice versa. Também possuíam lavouras,
sendo que havia um grupo menor que também era proprietário de engenhos de cana-deaçúcar. Os mais ricos conseguiram expandir suas propriedades e negócios na região e nas
províncias vizinhas. Se o Cariri é identificado como um local em que não prosperaram
grandes latifúndios, o fato é que os senhores detinham mais de uma propriedade, além do
que, seus núcleos familiares geralmente estavam próximos. Filhos, sobrinhos, irmãos,
primos, pais, os familiares eram, em muitos casos, vizinhos. Outro fator importante na
definição do preço das propriedades era o acesso aos recursos hídricos. Desde o período
colonial, o acesso às fontes d’água era um fator distintivo na concessão das sesmarias.
Aquelas que seguiam os cursos de rios, por exemplo, eram as primeiras a serem objetos
de requisição. O controle sobre as fontes, olhos d’água e miradouros também foi uma das
expressões do domínio econômico e social no Cariri, não só pelo fato desses recursos
geralmente estarem dentro das propriedades dos senhores, o que lhes permitia a decisão
de quem poderia ter acesso à agua e quando poderia, mas também, através da legislação
que de certo modo lhes favorecia. Mesmo com a existência do costume de se permitir o
acesso à água para moradores e vizinhos, a questão é que um senhor poderia decidir negar
41
Cf. REIS JUNIOR, Darlan de Oliveira. Senhores e trabalhadores no Cariri cearense: terra, trabalho e conflitos
na segunda metade do século XIX. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades,
Departamento de História, Programa de Pós-Graduação em História Social, Fortaleza, 2014.
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este acesso, por alguma contrariedade ou disputa. Aos homens com menos recursos,
geralmente restavam as terras de menor valor, descritas geralmente como “terras secas”.
Já as terras regadias, com a possibilidade de uso das águas correntes, estavam
concentradas nas mãos dos homens mais ricos e poderosos.
Do outro lado, pequenos posseiros, trabalhadores sem terra que moravam nas
áreas de seus senhores, pequenos arrendatários, jornaleiros e trabalhadores das cidades
constituíam a massa de pobres livres que, junto com os trabalhadores escravizados,
realizavam a produção da época. A pobreza de muitos foi gerada em todo este processo,
provocando as disputas e as situações de crise no período. Assim, a condição de ser pobre
não deve ser caracterizada como uma fatalidade, um destino ou causada pelas chamadas
“calamidades naturais”. Momentos de crise social podem fazer com que ela aumente,
levando a população a níveis de miséria, como pode ocorrer nos casos de guerras
prolongadas, secas, terremotos ou outros eventos que desarticulam ou obstruem o sistema
produtivo. No entanto, existe a pobreza do cotidiano, aquela dos tempos considerados
“normais”, ou seja, a que é gerada no desenvolvimento das formações sociais, sendo
resultado do processo aludido anteriormente.
Mesmo com todas as dificuldades, os trabalhadores pobres que viviam das
atividades agrícolas eram a maioria. A luta pela sobrevivência era árdua, exigia muito
trabalho, quase sempre árduo, na lida da terra e demais atividades vinculadas. Não era
fácil a sobrevivência no Cariri, não obstante todo o discurso sobre o “oásis”, banhado por
“águas de fontes cristalinas” e com solos férteis, propícios para os “verdes canaviais” 42.
Restrições ao modo de vida dos pobres, tentativas de submetê-los ao trabalho para os
senhores, pouca disponibilidade de posse da terra sem o domínio da classe senhorial,
dificultavam ainda mais a condição dos que viviam na pobreza. Suas principais atividades
estavam compreendidas principalmente nas lavouras de subsistência, nas atividades
extrativas e na caça. Além dos trabalhadores livres empobrecidos, os trabalhadores
escravizados estavam presentes no Cariri e desempenharam juntos várias funções e
tarefas, apesar de separados do ponto de vista formal, pela condição jurídica. Mas, em seu
cotidiano vivenciavam situações similares.
Até hoje o Crato é denominado “Cratinho de açúcar”, por parte da população, assim como Barbalha é ainda descrita
como a cidade dos “verdes canaviais”. Apesar da demonstração de afetividade pelos lugares, geralmente não são
lembradas em quais condições de trabalho vivia quem se dedicou à lavoura da cana de açúcar ou ao fabrico de
rapaduras, aguardente e açúcar.
42
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1423
Ao lado dos cativos, homens livres e pobres compuseram a massa de
trabalhadores pertencente a região do Cariri na segunda metade do século XIX.
Ao contrário de uma rígida divisão social do trabalho - onde determinados
serviços considerados hostis, como a lida no eito, deveriam ser
preferencialmente realizados pelos cativos, enquanto os homens livres
poderiam optar pelos serviços que quisessem desempenhar - tanto uma
categoria como outra realizavam quaisquer ocupações, ou seja, partilhavam o
mundo do trabalho. 43
Os escravizados estiveram presentes na história do trabalho no Cariri, como
demonstra a documentação - inventários, processos criminais, processos de arrematação
de escravos, jornais que relatavam fugas, a compra e venda de escravos, e outras situações
do cotidiano.
Pella Collectoria desta cidade se fas publico, que em conformidade do artigo
primeiro, do decreto numero dois mil cento e sessenta, do primeiro de maio
corrente anno, se tem de proceder a nova matricula dos escravos maiores de
dose annos, residentes dentro dos limites da cidade: por os respectivos
senhores, ou aqueles que os tiverem de pessoa de fora da cidade, empregados
no seo serviço, ordinario, por aluguel, imprestimo, uso fructo, ou algum outro
meio, deveraõ apresentar nesta repartição, dentro do praso de trinta dias, a
contar da data deste, uma rellação assinada por elles, dos escravos que lhes
pertencerem, ou estiverem em sua administração, com declaração dos nomes,
naçoes, idades, côres, officios, e nome da rua em que residir; tudo da forma
prescrita aos regulamentos numero cento e cincoenta e um, de onze de abril de
mil oitocentos e quarenta e dois. Os que faltarem a este dever, ou derem
informações falsas, encorrem na multa de dez, a trinta mil reis por cada
escravo.
Collectoria da cidade do Crato, em 9 de desembro de 1858.
O Collector, Alexandre Ferreiro dos Santos Caminha. 44
Nos registros dos inventários post-mortem, bem como nos livros de batismo,
casamento e de óbitos, é possível identificar a diversidade da população escravizada no
Cariri, do ponto de vista etário, de gênero, da cor da pele, da ocupação profissional, o
preço de cada escravizado, com as diferenças de valor entre homens, mulheres e crianças,
as enfermidades, dentre outras características daqueles trabalhadores. Segundo Ana Sara
Cortez, uma das características da população no Cariri foi a miscigenação, tanto entre os
escravizados, como entre os livres pobres.
Nesse sentido, o Cariri a partir da segunda metade do século XIX, era um
espaço complexo, de contrastes e semelhanças, com uma forte diversidade
populacional. O número de escravos africanos já era bem menor em detrimento
da quantidade de mestiços que a região apresentava, e, além disso, a presença
do trabalhador livre e pobre já era mais marcante ao lado do escravo. Assim, a
população se mostrava bastante numerosa e, principalmente, miscigenada. O
43
44
CORTEZ, op. cit., p. 81.
O ARARIPE, 11 de Dezembro de 1858, p. 4, Coleção Digital, CEDOCC.
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branco, o negro e o índio se transformaram no decorrer dos oitocentos em
cabras, caboclos, mulatos e pardos. 45
Iris Tavares analisou todas as matrículas de escravizados encontradas no período
de 1872 até 1884, na cidade do Crato. Assim, identificou as atividades laborais dos
trabalhadores, descritas pelos senhores.
Agricultores, cozinheiros e cozinheiras,
lavadeiras, engomadeiras, alfaiates, rendeiras, fiandeiras, mas na maior parte dos casos,
não havia profissão referida ou anotava-se a expressão “nenhuma”
46
. De um total de
cento e sessenta e dois escravos, cento e trinta não possuíam referência sobre a profissão.
Tavares explica a situação pelo fato de existir um percentual elevado de crianças entre o
contingente identificado, cerca de quarenta e três por cento do total. No entanto, sessenta
por cento dos escravizados foram considerados aptos para o serviço.
Tabela 2 – Aptidão para o trabalho dos escravizados matriculados, Crato (18721884).
Aptidão para o trabalho
Capaz de qualquer serviço
Capaz de serviço leve
Qualquer serviço doméstico
Boa
Nenhuma
Não trabalha
Não tem
Não referida
Total
Fonte: TAVARES, op. cit., p. 86.
Número de escravizados
96
24
01
01
02
12
03
23
162
Desse modo, várias crianças eram consideradas aptas para o trabalho, sendo
destinadas de fato para essa atividade desde cedo, conforme as possibilidades e a decisão
de seus senhores. Apesar da população escravizada não ter sido a maioria em nenhum
momento da história do Cariri, o impacto da escravidão, tanto na vida dos escravizados,
quanto na vida da população livre, foi importante definidor de uma série de atitudes,
políticas e modos de vida
45
47
. Segundo Robert Conrad, no Brasil havia um número
CORTEZ, 2008, p. 48-49.
46
TAVARES, Iris Mariano. Entre a sacramentalização católica e outros arranjos parentais: a vida familiar dos
escravizados do Crato – CE (1871-1884). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal da Paraíba.
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em História, João Pessoa, 2013, p. 84.
47
No ano de 1874, a população do Ceará era composta de 686.773 livres e 31.975 escravos, ou seja, aproximadamente
4,4% da população era escravizada. O percentual de escravos no Município Neutro era de 17,2%, na Província do Rio
de Janeiro era de 39,7%, enquanto na Província de São Paulo era de 20,4%. In: CONRAD, Robert. Os últimos anos
da escravatura no Brasil: 1850-1888. – tradução de Fernando de Castro Ferro. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira;
Brasília, INL, 1975, p. 345.
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considerável de pessoas pobres que viviam do trabalho de um ou mais escravos. Conrad
apresenta um dado significativo. No ano de 1870, todos os seiscentos e quarenta e três
municípios do Império que possuíam estatísticas, registravam a presença de escravos 48.
Conclusão
Segundo Maria Yedda Linhares e Francisco Carlos Teixeira, quando os
historiadores associaram a terra ao trabalho, buscando uma explicação histórica,
constituiu-se o sentido da palavra agrário, o qual vai além dos adjetivos - fundiário,
territorial, imobiliário - indo até ao problema da injustiça social e da pobreza na América
Latina. Esse novo sentido associa a estrutura da posse e uso da terra às formas de
organização do trabalho49. Esse processo engloba não só os aspectos legais e econômicos
de ocupação da terra, isto é, a produção e a apropriação social, mas também os aspectos
culturais e políticos. As relações sociais, envolvendo os aspectos econômicos do processo
produtivo e outros aspectos da vida cotidiana, como as experiências, tensões, consensos,
conflitos e idealizações que se desenvolveram ao longo do período que pretendo estudar.
É o que dá sentido ao termo “questão agrária”. No mundo das relações sociais de
produção do Cariri coexistiam diferentes relações de trabalho e trabalhadores nas mais
diversas condições. Desde o trabalhador escravizado, passando pelos livres pobres e que
prestavam serviços na condição de moradores, os pequenos posseiros que realizavam o
trabalho familiar, os jornaleiros que prestavam serviços a diferentes senhores conforme a
oportunidade que surgisse, entre outros. Além desses, existiam aqueles homens que eram
forçados ao recrutamento militar ou a trabalharem em obras públicas, os que se tonavam
jagunços e os que praticavam a mendicância como forma de sobrevivência. Essas
condições variavam conforme a conjuntura, a necessidade ou as oportunidades que
surgissem para cada indivíduo e sua família. Como por exemplo, os homens e mulheres
escravizados, que podiam obter a liberdade formal ou tentar fugir, estavam sujeitos às
variações econômicas e à possibilidade de venda para outras regiões. Assim ao fazer a
análise da estrutura agrária no Cariri da atualidade, o pesquisador deve levar em conta
Conrad cita alguns números: “[...] desde 48.939 no Município Neutro (o distrito da capital) até três escravos
registrados no município baiano de Vila Verde. Os escravos não só eram um elemento quase universal na população,
mas também eram usados em quase todos os tipos de trabalho”. Ibid., p. 6-13.
48
49
LINHARES, Maria Yedda L. & SILVA, Francisco Carlos Teixeira. Terra prometida: uma história da questão
agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1999, p. 47.
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que o trabalho, a propriedade, as técnicas e as relações sociais tem uma historicidade,
bem como a relação entre a riqueza e a pobreza.
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O IDOSO E A CRESCENTE JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À
SAÚDE PARA FINS DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOSREFLEXÕES À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Luênea Leite de Albuquerque 1
Roberta Gonçalves Bezerra de Menezes 2
RESUMO
O presente artigo objetiva discutir a crescente judicialização do direito fundamental à
saúde do idoso, mais especificadamente quanto ao fornecimento de medicamentos por
parte da União, dos Estados e dos Municípios. Para tanto, realizou-se pesquisa qualitativa,
utilizando-se os métodos de procedimento sistêmico e comparativo, elencando os
principais aparatos jurídicos vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, como a
Constituição Federal, o Estatuto do Idoso e a Lei n° 8.080/90, com sua base
principiológica, a dizer os princípios da Dignidade da Pessoa Humana, do Melhor
interesse do Idoso, da Proteção Integral e da Absoluta prioridade, visando a reflexão sobre
a conjuntura que envolve a efetivação do direito à saúde, tratando desde o posicionamento
doutrinário às decisões judiciais promovidas em segunda instância no Estado do Ceará.
Discutir-se-á acerca das competências para fins de responsabilização de fornecimento de
medicamentos essenciais à manutenção da vida e dignidade humana do idoso,
demonstrando a argumentação utilizada pela Administração Pública para a escusa de sua
efetiva prestação. Utilizar-se-á como técnica de pesquisa a documentação indireta
supramencionada, incluindo a pesquisa bibliográfica por meio de livros, dissertações e
artigos, visando uma abordagem atual e condizente com a temática.
PALAVRAS-CHAVE: Idoso; Direito Fundamental à Saúde; Fornecimento de
Medicamentos.
INTRODUÇÃO
A saúde constitui um direito fundamental social inerente ao indivíduo,
constituindo direito de todos os cidadãos, não havendo que se falar em acesso restrito ante
sua baixa ou elevada condição financeira para a devida promoção e recuperação, pois a
Constituição Federal admite o acesso universal e igualitário. Não se trata de mera caridade
concedida por parte do governo vigente, mas sim um dever constitucional do Estado em
se valer de políticas econômicas e sociais com intuito de diminuir o risco de doenças ou
1
Pós-graduanda em Direito Constitucional pela Universidade Regional do Cariri (URCA); Bacharel em Direito pela
URCA; Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos Fundamentais na URCA; Integrante dos
Projetos de Extensão “Idoso Cidadão” e “APAE”, ambos na URCA, em CratoCE; Advogada. E-mail:
[email protected].
2
Graduanda em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA). Bolsista pelo programa PIBIC-URCA.
Integrante do grupo de estudos e pesquisas em direitos humanos fundamentais na URCA, em Crato-CE. Email:
[email protected].
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1429
outros agravos à saúde humana. Contudo, inúmeras são as dificuldades para sua devida
efetivação, inclusive no tocante ao fornecimento gratuito de medicamentos
indispensáveis à manutenção da vida, saúde e da sadia qualidade de vida.
É interessante destacar que no atual contexto de envelhecimento demográfico, o
índice de idosos no Brasil tende a aumentar em ritmo inexorável nos próximos anos.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada em 2013, há
cerca de 21,6 milhões de idosos no país, superando os índices de crianças e adolescentes.
O país transita da condição de indivíduos plenamente jovens para sujeitos que vivenciam
o envelhecimento. Isso implica dizer que o Poder Público deve implementar Políticas
Públicas à luz dos direitos humanos, voltadas, inclusive, à promoção da saúde desses
indivíduos, como também a efetivação dos demais direitos fundamentais do idoso
contidos em legislação ordinária específica (Estatuto do Idoso), proporcionando a sadia
qualidade de vida e a consequente redução dos impactos causados por essa mudança de
status social. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2013)
Para tanto, ante as escusas do Estado para a não efetivação do direito à saúde,
como o exacerbado uso da teoria da reserva do possível (recursos escassos) e a infração
ao princípio da Separação dos Poderes, é inevitável a não intervenção do Poder Judiciário
frente a tal embate, vez que a Carta Magna admite o exercício da cidadania através do
direito de ação do indivíduo em recorrer à via judicial, independente de se constatar lesão
ou ameaça ao direito. Ademais, devido ao princípio da inafastabilidade da tutela
jurisdicional e pela notória violação a esse direito fundamental, é papel desse poder exigir
o cumprimento das disposições legais vigentes em nosso ordenamento jurídico.
Nota-se o aumento da judicialização do direito à saúde, pois a força das decisões
do Poder Judiciário surge como última alternativa para quem necessita da célere prestação
desse direito, como é o caso dos idosos que, ante a idade avançada, com os frequentes
problemas de saúde e a difícil situação financeira, necessitam de uma resposta rápida do
Estado na esperança da concessão de um imediato serviço digno e de meios materiais
indispensáveis à sua sobrevivência, podendo essa resposta ser a ponte que os liga à
manutenção da vida ou ser até mesmo a causa de sua morte, conforme o caso concreto.
1 BREVE HISTÓRICO ACERCA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
À priori, faz-se necessário aduzir acerca dos principais posicionamentos
doutrinários no tocante à classificação do direito à saúde, pois essa identificação é capaz
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de influir no embasamento teórico de determinada decisão jurisprudencial, por conta de
sua imediata exigibilidade ou pela necessidade de implementação por Políticas Públicas.
A atual inserção dos direitos fundamentais na estrutura normativoconstitucional brasileira demonstra a relevância e essencialidade atribuídas a tais direitos,
pois seus referidos desdobramentos constituem valores diretamente relacionados à vida,
igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana, com sua consequente efetivação, vez
que esta é considerada como objetivo do Estado Democrático de Direito.
Para tanto, torna-se indispensável distinguir direitos humanos e direitos
fundamentais, evitando-se o uso inadequado de tais expressões. Embora sejam
comumente utilizadas como expressões sinônimas, a doutrina majoritária brasileira
distingue-as a partir do plano em que são situadas, assim como a Constituição brasileira
ao utilizá-las de maneira diferenciada no decorrer de seu texto, conduzindo a esse
entendimento. Consideram-se direitos humanos aqueles positivados e exigíveis no plano
internacional em pactos ou tratados internacionais. Direitos fundamentais são os direitos
humanos positivados em um ordenamento jurídico interno de um determinado Estado,
atribuindo existência legal e exigibilidade perante o Poder Público ou terceiros.
Nesse passo, Canotilho (1995) admite que os direitos humanos são desprovidos
de qualquer normatividade, enquanto os direitos fundamentais detêm sanções, assim
como as demais normas jurídicas (CANOTILHO, 1995). Não se acredita nesse
posicionamento, tendo em vista que não somente a esfera interna de um Estado, mas
também o âmbito internacional dispõe de procedimentos convencionais e nãoconvencionais para aferir a Responsabilidade do Estado infrator dos direitos humanos do
indivíduo.
Já Marmelstein (2013, p. 17) considera os direitos fundamentais como normas
jurídicas intrinsecamente relacionadas à dignidade da pessoa humana e “de limitação de
poder, positivadas no plano constitucional de determinado Estado Democrático de
Direito, que, por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o
ordenamento jurídico.” (MARMELSTEIN, 2013) Por sua vez, Masson (2013, p. 192)
afirma que a par da diferente nomenclatura, ambos são “valores caros à sociedade”, com
intuitos semelhantes (MASSON, 2013). Embora haja essa divergência formal, considerase que, em sua essência, ambos intentam resguardar a dignidade da pessoa humana,
podendo ser exigíveis em quaisquer esferas, a partir dos meios disponibilizados por
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aquela em que se deu a infração. Seja na esfera judicial ou administrativa, o direito à
saúde é indisponível, irrevogável, com força vinculante e aplicabilidade imediata.
Vale destacar que tais direitos se inseriram no Brasil através de uma evolução
histórica e social, sendo fundamental apontar suas dimensões para fins de melhor
compreensão que, segundo Bonavides (2004, p. 562) seguem a ordem lógica do lema da
Revolução francesa: “Liberdade, igualdade e fraternidade” (BONAVIDES, 2004). Os
direitos de primeira dimensão são aqueles que exigem do Estado uma abstenção, um não
fazer, estando ligados aos direitos civis, políticos e à defesa das liberdades individuais.
Em contrapartida, os direitos de segunda dimensão vislumbram assegurar os direitos
econômicos, sociais e culturais, almejando o bem-estar do indivíduo e a atuação positiva
do Estado, através da implementação de políticas públicas, viabilizando os meios
materiais para a efetivação da sadia qualidade de vida. Já os direitos de terceira dimensão
são atrelados à solidariedade e a fraternidade, tutelando interesses gerais, também
denominados de direitos transindividuais, a exemplo do direito ao desenvolvimento e ao
meio ambiente equilibrado.
Frisa-se que doutrinadores como Ferreira Filho (2009) e Masson (2013)
englobam o direito à saúde na esfera da segunda dimensão, vez que necessitam da
implementação de Políticas públicas direcionadas à sua concretização. Mas, é preciso
lembrar que a saúde nem sempre foi assegurada como um direito de todos, tendo em vista
as evidências encontradas ao longo da história brasileira (FERREIRA FILHO, 2009;
MASSON, 2013).
Historicamente, a saúde constituía um benefício da previdência social, ou seja,
apenas o trabalhador urbano admitido nos moldes formais da lei era possuidor do direito
a atendimento na rede pública, encontrando-se as demais parcelas da sociedade jogadas
à própria sorte, dependendo da caridade de seus semelhantes (BARROSO, 2014).
Após o período de redemocratização e com o advento da Constituição Federal
de 1988, a saúde foi inserida no Título II da Carta Magna, denominado “Dos direitos e
Garantias fundamentais”, ampliando de forma universal o seu acesso. Levando em conta
a fundamentalidade desse direito, partilha-se do posicionamento de que o direito à saúde
deve ser considerado como direito fundamental social.
Nesse passo, em âmbito doutrinário, pactua-se com o posicionamento de
Marmelstein (2013) ao considerá-lo como direito fundamental nos sentidos formal (status
de norma constitucional) e material (ligado à dignidade da pessoa humana), de Aith
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(2007) por considerá-lo como direito subjetivo, ante a possibilidade de acionar a via
judicial para sua devida exigência e de Ordacgy (2014, p. 01) por admiti-lo como um
direito de todo cidadão e dever do Estado, implementado através de políticas públicas
sociais (AITH, 2007; MARMELSTEIN, 2013; ORDACGY, 2014).
Dessa maneira, ante seu caráter de direito fundamental social e sua dimensão
subjetiva, o direito à saúde, essencial para que o idoso exerça e exija os demais direitos
fundamentais, como liberdade e igualdade, pode ser exigível perante o Estado através da
via judicial adequada conforme o caso concreto, inclusive para fins de fornecimento de
medicamentos de forma gratuita, que ensejam em ações preventivas para a garantia do
exercício do direito à vida e à dignidade humanas.
Outrossim, é indispensável conhecer a legislação atinente à temática,
reportando-se deste às disposições constitucionais, com seus princípios específicos até os
atos administrativos federais, como a Política Nacional de Medicamentos (Portaria n°
3.916/98), as Portarias n° 2.577/GM, de 27 de outubro de 2006 e a n° 1.321, de 5 de junho
de 2007, apontando os meios judiciais de efetivação disponibilizados pelo ordenamento
jurídico brasileiro e o posicionamento dos tribunais brasileiros, elencando algumas
decisões transitadas em julgado de fornecimento de medicamentos a idosos.
2 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E OS ENTRAVES À AFERIÇÃO DA
RESPONSABILIDADE DO ESTADO
O direito à saúde encontra respaldo tanto na esfera constitucional (artigos 196 a
200), quanto no âmbito infraconstitucional (Lei nº 8.080/90), necessitando debruçar-se
sobre as legislações pertinentes ao tema, a fim de compreender a estruturação do Sistema
Único de Saúde (SUS) e a responsabilidade das esferas de governo quanto à concessão
de medicamentos a idosos.
Devido a seus laços históricos, a inserção do direito à saúde na Constituição
Federal de 1988, na Sessão II, do Título VIII, “Da ordem Social”, no Capítulo “Da
Seguridade Social” pode passar a falsa noção de que a saúde permanece atrelada a esses
resquícios, contudo o grande diferencial desse documento é seu caráter público, a
universalização desse direito, a gratuidade dos serviços e de medicamentos e a
consequente atribuição ao Estado do dever de efetivá-lo através de Políticas Públicas
(BRASIL, 1988).
Por disposição constitucional, o SUS integra uma rede regionalizada e
hierarquizada. Essa regionalização é compreendida como “a distribuição espacial de
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serviços de saúde, organizados para atender à população de uma região” (SALAZAR e
GROU, p. 46), visando ao atendimento de indivíduos de determinadas áreas que podem
englobar não somente municípios ou micro-regiões, mas também Estados, a depender da
demanda, do número de integrantes do quadro profissional e do cotingente de
estabelecimentos especializados, a exemplo do Hospital Regional do Cariri, situado em
Juazeiro do Norte-CE, atendendo cerca de quarenta e cinco municípios da Região do
Cariri, estimados seus serviços para meio milhão de pessoas (CRISPIM, 2014).
Diferentemente do que se possa imaginar, a hierarquia não significa aqui
subordinação e sim uma escala de valor quanto à prestação da saúde. No dizer de Aguiar
(2014, p. 21) “supõe níveis distintos de complexidade de atenção integral à saúde, a fim
de otimizar recursos”, divididos em três níveis: primário, relativos à pequena
complexidade, como uma simples consulta; secundário, de complexidade intermediária,
como engessar uma mão; e terciário, de alta complexidade, como tratamento de uma
gastrite (AGUIAR, 2014).
O Sistema Único de Saúde possui recursos advindos da seguridade social e dos
entes públicos nas três esferas. Realça-se que embora o SUS seja de caráter público,
admite-se a iniciativa privada na prestação dos serviços voltados à saúde, por contrato de
direito público ou convênio, desde que de forma complementar e em consonância com as
diretrizes deste, priorizando-se entidades filantrópicas e sem fins lucrativos.
Por disposição constitucional, o SUS é organizado em conformidade com as
diretrizes da descentralização com direção única em cada esfera de governo, do
atendimento integral e da participação da comunidade. A descentralização permite aos
entes federal, estadual, distrital e municipal a gestão da saúde na esfera de sua
circunscrição, por meio de órgãos responsáveis, quais sejam respectivamente Ministério
da Saúde e as Secretarias de Saúde ou outro órgão similar. O atendimento integral engloba
ações que, em conjunto, vislumbrem a proteção e o reestabelecimento da saúde,
priorizando as ações de caráter preventivo, a rigor do atendimento básico e da utilização
de medicamentos. Já a participação da comunidade na gestão desse sistema, uma
considerada inovação, regulamentada pela Lei n° 8.142/90, exterioriza o sistema
democrático brasileiro, pois permite aos cidadãos a interferência sobre os serviços
públicos voltados à saúde por tratar de direitos individuais e coletivos (BRASIL, 1988,
art. 198).
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Não obstante, quando se adentra à esfera de competência para o fornecimento de
medicamentos e a interferência judicial, ingressa-se em um grande embate doutrinário e
jurisprudencial sobre qual esfera é competente para essa concessão prestacional. Invocase a ilegitimidade, a afronta ao princípio da separação de poderes e à reserva do possível.
A fim de esclarecer essa equivocada escusa do Estado, é importante analisar as regras
constitucionais de competência e a legislação ordinária sobre o direito à saúde.
A Carta Magna atribui competência concorrente à União, Estados e Municípios
para legislar sobre a proteção e defesa da saúde. Cabe à União a edição de normas de
caráter geral, não o eximindo o Estado de sua competência suplementar. Contudo, caso
não exista norma geral no âmbito federal sobre algum tema de saúde, caberá ao Estado
exercer a sua competência legislativa plena, regulamentando sobre as peculiaridades de
seu território. Em contrapartida, caso seja editada norma federal de caráter geral,
suspender-se-á a eficácia da norma estadual naquilo que lhe for contrária. Os municípios
são competentes para legislar sobre assuntos de interesse local, existindo a possibilidade
de suplementar as legislações federal e estadual no que couber (BRASIL, 1988, arts. 24
e 30).
A respeito da competência comum, quanto ao aspecto da formulação e execução
de políticas públicas, a Constituição Federal outorga competência comum à União,
Estados e Municípios. Assim, todos os entes federados podem simultaneamente elaborar
e efetuar Políticas Públicas de saúde, respeitando os limites constitucionais.
Nesse passo, Aguiar (2014, p. 15) afirma que o intuito de Constituição não se
trata de uma “superposição entre a atuação dos entes federados, como se todos detivessem
competência irrestrita em relação a todas as questões”, mas sim da cooperação entre si,
porque se assim fosse, os serviços de saúde estariam condenados à ineficiência,
requerendo recursos das três esferas para a realização das mesmas atividades (AGUIAR,
2014).
A lei n° 8.080/90 buscou definir a competência de cada um dos entes federativos
em relação ao SUS. Quanto à direção do SUS, a União é responsável pela
descentralização de serviços e ações de saúde nos Estados e Municípios, devendo
cooperar financeira e tecnicamente, incluindo o Distrito Federal. Aos Estados, cabe
descentralizar esses serviços nos Municípios, inclusive dar-lhes apoio técnico e
financeiro, executando-os de forma supletiva. Na última esfera, quais sejam os
Municípios, formular e executar políticas públicas de saúde. Por conta do princípio da
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descentralização administrativa, a União e os Estados só devem intervir para
complementar eventuais ausências dos Municípios (BRASIL, 1990).
No entanto, quando o aspecto efetivador do direito à saúde está relacionado ao
fornecimento de medicamentos, os entraves são ainda maiores. Não há dispositivo
constitucional, nem infraconstitucional que atribua a um ente, de maneira específica, a
obrigação de distribuir medicamentos, restando essa tarefa a atos administrativos federais
estaduais e municipais. O Ministério da Saúde, por meio da Portaria n° 3.916/98, instituiu
a “Política Nacional de Medicamentos”, responsável por garantir a segurança, qualidade
dos produtos, eficácia e o acesso pela população a medicamentos considerados essenciais.
Levando em conta a questão orçamentária e almejando a colaboração entre os
entes, com a junção de esforços da União, Estados e Municípios, criaram-se listas de
medicamentos, responsáveis por definir a qual ente será atribuída a obrigação de concedêlos, tomando-se por base a Política Nacional de Medicamentos.
A esfera federal ficou imbuída de formular a Política Nacional de Medicamentos
e a Relação Nacional de Medicamento, também denominada RENAME. Aos Estados
coube elencar em lista os medicamentos adquiríveis, principalmente aqueles de caráter
excepcional, destinados a “tratamentos de patologias específicas” (BARROSO, 2014, p.
19), atingindo reduzido número de indivíduos, ensejando em alto custo pela sua utilização
a longo prazo e caráter unitário, a exemplo de doenças renais crônicas, esclerose múltipla
e transplantes. Acrescenta-se que as Portarias n° 2.577/GM, de 27 de outubro de 2006 e
a n° 1.321, de 5 de julho de 2007 inserem também a União e o Distrito Federal na
competência para fornecimento de medicamentos essenciais. Por parte dos Municípios
coube a elaboração da lista Relação Municipal de Medicamentos, REMUME, com base
em critérios na referida Relação Nacional, devendo, inclusive, executar a assistência
farmacêutica, visando o atendimento básico de saúde, incluindo a concessão de
medicamentos essenciais contidos no Plano Municipal de Saúde (BARROSO, 2014).
É impreterível destacar que para fins de aferição da Responsabilidade do Estado
pela via judicial, não se concorda com a alegativa de que devem ser respeitadas as listas,
devendo o postulante inserir no polo passivo este ou aquele ente. Vale lembrar que essas
listas reduzem a possibilidade de o indivíduo obter resposta positiva ao seu intento, pois
geralmente o Estado, seja em qualquer uma das três esferas, utiliza-se da alegativa da
ilegitimidade passiva. Entretanto, é nítido o caráter infundado do argumento, pois a
Constituição Federal admite a responsabilidade solidária dos mesmos.
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Outro argumento utilizado para a recusa do fornecimento é o Princípio da
Reserva do Possível. No dizer de Salazar e Grou (2009), há a reserva do possível fática
(ligada ao aspecto material), quando realmente não existem verbas disponíveis nos cofres
públicos para essa finalidade, e a jurídica, referente ao aspecto formal, não havendo
autorização para despesas atreladas à efetivação do direito à saúde (SALAZAR e GROU,
2009).
Vale reforçar que embora o cidadão tenha elegido legitimamente o seu candidato
por meio da democracia, ele não pode ser punido pela má-administração do mesmo,
observando diariamente as consequências de suas decisões. É fato que os Poderes
Legislativo e Executivo não se quedam inertes, no entanto se utilizar da Reserva do
Possível por má utilização dos recursos financeiros públicos ou para alegar inefetividade
de um direito fundamental é submeter sua eficácia às prioridades impostas por quem está
no poder, que nem sempre vislumbram melhores condições de vida para a população.
Contudo, são responsáveis pelo custeio da saúde, a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios. A grande novidade reside na Emenda Constitucional n° 86, de
2015, que dá nova redação ao artigo 198, §2°, I, da Constituição Federal. Ela determina
à União o investimento mínimo de 15% das verbas na área da saúde, complementando as
disposição do artigo 77, ao estabelecer a aplicação de recursos mínimos para aplicação
em ações e serviços de saúde pelo Estado, Distrito Federal e Municípios, cabendo aos
primeiros investir 12% da arrecadação de impostos e ao último, o mesmo percentual da
União, 15% dos impostos.
Embora seja uma medida provável a melhorar a saúde no Brasil, é valido
ressaltar a realidade diariamente noticiada na mídia do caos por que passam alguns
estados brasileiros. A exemplo disso, aponta-se o Estado do Ceará, mais precisamente no
município de Fortaleza. Há uma grande contradição: à medida que alguns meios de
comunicação informam sobre os altos investimentos do Estado na saúde, verifica-se a
gravidade do problema na vida real. Os principais hospitais de Fortaleza carecem de infraestrutura, insumos básicos e até de medicamentos. A situação chega a ser tão crítica que
durante um surto de sarampo, cerca de 429 pacientes foram atendidos nos corredores dos
hospitais, denominados de “corredômetro”, ficando alguns diretamente no chão por conta
da superlotação. Ademais, os profissionais de saúde tem levado medicamentos de seus
domicílios para suprir a ausência destes, pois o Governo do Estado do Ceará emitiu
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decisão em que seriam reduzidos os medicamentos de caráter obrigatório nas farmácias
dos hospitais (BRITTO, 2015).
Vê-se a situação subumana e insustentável em que não há controle social dos
gastos das verbas públicas, como é o caso do direito à saúde, tanto da população em geral,
como no caso específico do idoso, que sofre ao ter seu orçamento integral
corriqueiramente comprometido pela necessidade de aquisição dos inúmeros
medicamento necessários. Em casos como o da crise na saúde do Ceará, o judiciário
emitiu decisão que assegurava a uma idosa a transferência para um leito de UTI, porém,
devido à omissão do Estado, expirou-se o prazo concedido pelo magistrado pela falta de
leitos disponíveis, a senhora Francisca Dias veio a falecer aos 70 anos de idade
(CRISPIM, 2015).
Num país com uma das maiores cargas tributárias do mundo, levando em conta
a má administração pública quanto aos recursos destinados à saúde digna e os desvios de
finalidade ocasionados principalmente em períodos de eleição, sem que haja restituição
integral dos valores bilionários retirados, enquanto a corrupção impera, alegar a falta de
recursos públicos para a concessão de medicamentos capazes de reduzir ou sanar o
sofrimento dos indivíduos é, no mínimo, irônico e inaceitável, tanto pela inversão de
valores, como pela afronta ao fundamento do Estado Democrático de Direito, qual seja a
dignidade da pessoa humana, e objetivo da garantia do desenvolvimento nacional.
Por ser indispensável ao exercício da vida e dos demais direitos constitucionais,
a saúde deveria ser concretizada de imediato, como determina a vontade do legislador
originário. Contudo, o que se observa é a situação do indivíduo em ter de recorrer ao
Judiciário, seja através da Defensoria Pública ou de um Advogado particular, para, quem
sabe, ver o seu direito ao mínimo existencial concretizado. Fala-se em esgotamento da
via administrativa para posterior postulação na via judicial, que realmente é o caminho
mais indicado, porém em situações que envolvem a saúde do idoso, esperar por sua
protelatória resposta pode ser fatal, não restando outra escolha a não ser recorrer à
“Justiça”.
O que se corrobora é a utilização de manobras legislativas pelo ente inserido no
polo passivo da ação, em que um ente transfere a responsabilidade para o outro, ao passo
que se escusa da sua, esquecendo-se de que todos são responsáveis solidários.
Logicamente, se todos podem elaborar, executar e custear Políticas Públicas sobre a
saúde, também serão competentes para responder às demandas judiciais acerca da
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temática. Não cabe aos entes federados a decisão de quem é ou deixa de ser competente,
mas sim ao postulante verificar qual deles é mais propício a atender rapidamente o seu
pedido, sem implicar em retirada da competência subsidiária dos demais.
Acrescente-se ainda a invocação da afronta ao princípio da Separação de
Poderes, inserido em cláusula pétrea, afirmando que o Poder Judiciário estaria
ingressando em sua esfera de competência ao determinar ao Poder Executivo, através de
suas sentenças, obrigação de dar medicamentos. Em sua defesa, o Executivo questiona a
ilegitimidade do judiciário na alteração ou formulação de Políticas Públicas, alegando
interferência na autonomia de suas decisões. Diante disso, Machado (2005) entende pela
ilegitimidade do judiciário nessa atuação, esclarecendo que essas decisões judiciais
deduziriam do Magistrado o poder de decidir para o meio social aquilo que acreditava ser
melhor em detrimento das decisões dos legítimos eleitos pelos cidadãos (MACHADO,
2005).
Em contrapartida ao posicionamento anteriormente explicitado, coaduna-se com
o posicionamento de Arquimimo Carvalho e Armiliato de Carvalho (2008) ao
defenderem que a judicialização do direito à saúde tornou-se fundamental para a solução
de casos urgentes, a rigor de problemas de saúde de idosos, levando em conta a
insatisfação quanto às necessidades relativas ao âmbito da saúde. (ARQUIMIMO
CARVALHO e ARMILIATO DE CARVALHO, 2008)
Nesse ínterim, não podem atos normativos federais se sobreporem aos preceitos
e princípios da Constituição Federal, muito menos com relação à competência e à
proteção e efetivação de um direito fundamental, como a saúde, por sua relevância,
complementariedade, indisponibilidade, imprescritibilidade e ligação intrínseca à vida, à
liberdade, à igualdade, à sadia qualidade de vida e ao direito personalíssimo ao
envelhecimento saudável.
Dessa forma, não se admite a alegação de caráter programático na norma inserida
no artigo 196, da Constituição Federal como pretexto para não realização do preceito
constitucional relativo à saúde, vez que por conter um direito fundamental, ela, por si só,
já é considerada norma de eficácia plena, impondo sua aplicabilidade imediata a quem a
ela negar esse efeito (BRASIL, 1988, art. 198).
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3 A BUSCA PELA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE DO IDOSO
O envelhecimento populacional tem sido um processo inexorável na esfera
mundial, ocasionado pelo constante uso de métodos contraceptivos e pelo aumento da
expectativa de vida, gerando mudanças nos aspectos sociais e culturais, vez que é
verificada uma mudança comportamental de boa parte dos idosos, não se visualizando
unicamente a imagem de indivíduo plenamente passivo, esperando pela “sua hora” e sem
interatividade com questões atinentes ao meio social, mas sim a imagem de um cidadão
ativo, com plenas condições de exigir o cumprimento de seus direitos constitucionais,
principalmente aqueles assegurados na Lei n° 10.741/2003, denominada de Estatuto do
Idoso, utilizando-se dos meios judiciais extrajudiciais e de informação.
Para tanto, em conformidade com a legislação específica, considera-se idoso a
pessoa com idade igual ou superior a 60 anos de idade, gozando dos direitos fundamentais
inerentes a todo e qualquer ser humano, observando-se a devida proteção integral, bem
como todas as oportunidade e facilidades para a sua concretização, conforme dispõe o
artigo 2°, do Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003, art. 2°).
Vale acentuar que o dispositivo retromencionado apresenta um princípio de
grande valia, qual seja o princípio da absoluta prioridade. À luz do princípio da igualdade,
em seu aspecto material, o idoso deve ser tratado de forma diferenciada em razão de sua
idade, levando em conta os problemas e dificuldades advindos com o passar dos anos,
para que seja, de fato, realizado o direito à igualdade. Além disso, através dos princípios
da proteção integral do e da absoluta prioridade, elencados não somente no Estatuto do
Idoso, mas também na Constituição Federal, busca-se a plena efetivação de seus direitos
fundamentais, cabendo à família, comunidade, sociedade e Poder Público assegurar os
direitos à saúde, à dignidade e ao respeito (BRASIL, 1988, art. 230).
Nesse passo, é bastante interessante a abordagem feita por Barletta (2014, p.
130) ao afirmar que os princípios da proteção integral e da absoluta prioridade
direcionados ao idoso, na verdade, constituiriam subprincípios de um princípio maior: o
melhor interesse do idoso. A autora admite que esse seria um princípio análogo àquele
assegurado aos sujeitos em peculiar condição de desenvolvimento, inseridos no Estatuto
da Criança e do Adolescente, tendo em vista que o Estatuto do Idoso admite uma tutela
especial por levar em conta a vulnerabilidade do idoso em função de sua idade avançada,
servindo de “critério teleológico-objetivo” na interpretação de casos concretos, sopesando
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normas e princípios, conduzindo decisões do Poder Público em favor da dignidade
humana do idoso (BARLETTA, 2014).
Ao abordar sobre a vulnerabilidade do idoso, Marques (2013, p.145) afirma que
a sua proteção “faz nascer um direito subjetivo personalíssimo e indisponível ao
envelhecimento sadio, ao qual corresponde uma multiplicidade de direitos e deveres para
assegurá-lo”, a exemplo do direito à vida, à liberdade, ao trabalho, à educação, à cultura
e a ao lazer. São direitos intransferíveis e intrinsecamente ligados, pois sem saúde não se
pode falar em vida digna ou de qualidade ao pleno desenvolvimento humano, em
disposição para exercer seu estudo, trabalho ou para desfrutar de momentos com a família,
muito menos em autonomia para exigir os seus direitos, ficando até mesmo dependente
de terceiros para a execução de ações básicas, o que pode gerar grande insatisfação,
ensejando na prejudicialidade ao bem-estar do idoso e, consequentemente, em
prejudicialidade ao envelhecimento saudável (MARQUES e MIRAGEM, 2014).
Assim, é indispensável aduzir sobre as ligações entre alguns princípios
constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e a igualdade em seu sentido
material, considerando as dificuldades vivenciadas pelo idoso à luz da importância do
princípio do melhor interesse do idoso, inclusive quando da judicialização do direito à
saúde por postular ação em que um dos entes federativos é parte, se não vejamos:
O princípio do melhor interesse do idoso é consectário do princípio da
dignidade da pessoa, que não tolera um tratamento formalmente igualitário e
materialmente desigual entre pessoas de idades díspares em virtude das
vulnerabilidades acarretadas pela velhice. Logo, a pessoa idosa é tutelada
tanto pelo direito constitucional quanto pelas leis setoriais, em seus princípios
e regras, levando-se em conta suas particularidades, seu momento de vida, em
uma palavra: sua unicidade, para que não seja lesada em seus direitos,
principalmente quando se trata da parte fraca de uma relação ou situação
jurídica levada às Instituições Democráticas possuidoras dos poderes,
para apreciação e decisão. (BARLETTA, 2014, p. 130, grifo nosso)
Nesse diapasão, a busca do idoso no judiciário pela concessão de medicamentos
vai muito além daquilo que se pode ver: envolve-se sua dignidade, seus direitos, bemestar e, muitas vezes, a omissão ou a má-administração de recursos orçamentários, e até
a própria vida. Buscando agilizar possíveis demandas judiciais decisivas à efetivação de
direitos indispensáveis à vida do idoso, o Estatuto do Idoso assegura a prioridade na
tramitação do processo, bastando ao interessado comprovar sua idade perante a
autoridade judiciária para que seu processo tramite da forma mais célere possível,
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inclusive quando envolver o Poder Público, não cessando com a sua morte (BRASIL,
2003, art. 71).
Por conta da crescente judicialização do direito à saúde, inúmeras críticas estão
sendo feitas, dentre elas as oposições destacáveis de Barroso (2014), ao afirmar que o
Judiciário não possui conhecimento específico, nem visão global para estatuir Políticas
Públicas de Saúde com base no orçamento disponível, pois acaba intentando a microjustiça, favorecendo apenas àqueles que o procuram (classe média), retirando o direito de
outros indivíduos (com maior carência) a receber medicamentos que, após sentença de
concessão dos mesmos, esses são retirados da lista. Ele afirma ainda que essa crescente
judicialização resulta na transferência de verbas, antes destinadas a programas
institucionalizados a um maior número de pessoas, para execução de determinações
judiciais (BARROSO, 2014).
Dessa maneira, a solução apresentada pelo autor supramencionado é a instituição
critérios e parâmetros para interferência do Poder Judiciário nas políticas de distribuição
de medicamentos. O primeiro, relacionado às ações individuais, admite a atuação
jurisdicional adstrita às listas elaboradas pelas esferas federal, estadual e municipal,
dispensando os medicamentos ali inseridos. A segunda, em relação apenas às ações
coletivas ou, seria a discussão das mencionadas listas, podendo o judiciário revê-la e
determinar a inclusão de um medicamento determinado ou até mesmo por ações abstratas
de controle de constitucionalidade, em que se teria o contexto geral das políticas públicas
retratado, permitir-lhe-ia maior organização e eficiência por parte da Administração
Pública (BARROSO, 2014).
Ora, se as ações do Executivo vão de encontro à efetivação dos direitos
fundamentais do idoso, principalmente quanto à saúde, enraizadamente ligada à vida,
nada mais prudente que a intervenção judicial para a concretização das normas e
princípios adotados pelo Estado Democrático de Direito. Não pretende o juiz legislar ou
executar diretamente Políticas Públicas de Saúde. Na verdade, embora não tenha o
domínio técnico das patologias com que se depara, o conhecimento indispensável é a
primazia dos direitos humanos. Se as políticas são bem formuladas, porém sem a
efetividade delas esperada, não pode o idoso ser sancionado por isso, esperando uma
resposta célere de uma administração tão burocrática.
Além disso, não se concorda com a sobreposição das listas à competência
estipulada pela Carta Magna, pois além de a escusa de escassez de recursos econômicos
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para fornecimento de mercadorias não se sobressair ao direitos fundamentais sociais do
idoso, as normas constitucionais possuem relação de hierarquia em face das normas
infraconstitucionais, sobreposta inclusive quanto a atos administrativos federais, e a
possibilidade de consideração desses atos resulta em detrimento da competência
concorrente, ensejando inconstitucionalidade, por afronta direta ao artigo 23, do mesmo
diploma legal. Dessa maneira, faz-se necessária a intervenção judicial para equilibrar a
relação entre Estado e idoso, sopesando princípios e normas, tudo em favor do melhor
interesse do idoso.
Feitas as considerações teóricas sobre os direitos específicos do idoso e os
fundamentos legais para o fornecimento de medicamentos, passa-se a analisar o
posicionamento do Tribunal e Justiça do Ceará, fazendo um paralelo entre o entendimento
desse egrégio Tribunal com as exposições ora apresentadas.
4 O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A IDOSOS NO ESTADO DO
CEARÁ
Atualmente, embora a situação da saúde não seja como a esperada, o Tribunal
de Justiça do Estado do Ceará se mostra bastante complacente com as necessidades dos
idosos relacionadas a esse direito, minimizando o sofrimento advindo com as doenças
comuns à idade, inclusive quanto a medicamentos não contidos nas listas especificadas.
A turma da sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará negou
seguimento ao reexame necessário, decidindo de forma unânime quanto ao caráter
fundamental do direito à saúde do idoso, admitindo a responsabilidade solidária das três
esferas no tocante à assistência farmacológica para tratamento da Síndrome de Irwine,
também conhecida por Catarata, conforme se verifica abaixo:
DIREITO CONSTITUCIONAL. REEXAME NECESSÁRIO EM AÇÃO
ORDINÁRIA. DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE. PACIENTE
IDOSO PORTADOR DE SÍNDROME DE IRWINE GASS.
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PARA TRATAMENTO
MÉDICO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO (LATO SENSU).
PRECEDENTES DAS CORTES SUPERIORES E DESTA CORTE.
APLICAÇÃO DO ARTIGO 196 DA CF/88 E DA LEI Nº 8.080/1990.
DIREITO LÍQUIDO E CERTO DEMONSTRADO. REEXAME
NECESSÁRIO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1.
Em sucessivos julgamentos, esta Colenda Corte de Justiça firmou consenso
acerca da fundamentalidade do direito à saúde uma vez que a própria
Constituição Federal proclama, aliás, como todos os ordenamentos jurídicos
contemporâneos assentados em um estado democrático de direito, o direito à
vida, cabendo ao Estado, no mínimo, assegurá-lo, tanto no sentido estrito de
dar continuidade à vida, como no sentido de prover condições de vida digna
e sociável, impondo ao Estado, o dever constitucional de garantir, por meio de
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políticas sociais e econômicas, ações que possam permitir a todos o acesso à
assistência médica e farmacológica. 2. No presente caso, é imperioso salientar
que o Poder Público tem dever constitucional de proteger a vida e a saúde,
independentemente da esfera, haja vista que os entes federados (União,
Estados, Municípios e Distrito Federal) respondem solidariamente (art.
23, CF) pelo fornecimento de tratamentos médicos objetivando à assistência
médica. 3. As questões atinentes ao direito em tela estão sobejamente
insculpidas no direito constitucional à vida e à saúde, consubstanciando-se em
dever do Poder Público, nos termos do que preconiza o art. 196 da Carta
Magna. 4. REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO E IMPROVIDO.
SENTENÇA MANTIDA. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acorda, a TURMA JULGADORA DA SEXTA CÂMARA CÍVEL DO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ, por UNANIMIDADE
de votos, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao reexame necessário,
tudo nos termos do voto da Relatora, que faz parte desta decisão
PRESIDENTE RELATORA PROCURADOR (a) DE JUSTIÇA. (TJ-CE REEX: 00108410520068060001 CE 0010841-05.2006.8.06.0001, Relator:
MARIA VILAUBA FAUSTO LOPES, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação:
24/06/2015). (grifo nosso)
No mesmo sentido, o referido Tribunal, através da segunda turma julgadora da
Câmara Cível, decidiu, por unanimidade, a respeito da postulação de uma idosa com
doença pulmonar em estado avançado por um específico respirador portátil, admitindo a
responsabilidade solidária dos entes para fins de concessão de medicamentos, não se
tratando de um privilégio, como entende o doutrinador Barroso (2014), mas sim de uma
situação diferenciada, sobrelevando-se a dignidade da pessoa humana e a consequente
intervenção judicial, não havendo que se falar em interferência direta na separação de
poderes, muito menos em prevalência da aplicabilidade da reserva do possível sobre o
mínimo existencial, vejamos:
REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. DETERMINAÇÃO DO
FORNECIMENTO PELO ESTADO DE RESPIRADOR PORTÁTIL
PARA
VENTILAÇÃO
TIPO
"BILEVEL
BIPAP"
PARA
TRATAMENTO DE PACIENTE IDOSA PORTADORA DE "DOENÇA
PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA (DPOC)", EM ESTÁGIO
AVANÇADO. REJEIÇÃO DA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE
PASSIVA, DIANTE DO SEDIMENTADO ENTENDIMENTO DO STJ
PELA SOLIDARIEDADE PASSIVA DOS ENTES FEDERADOS
QUANDO SE TRATA DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS.
DESCABIDA, EM DECORRÊNCIA, A PRETENDIDA INCLUSÃO DA
UNIÃO NO POLO PASSIVO DA DEMANDA. INEXISTÊNCIA DE
VIOLAÇÃO AO POSTULADO DA ISONOMIA, POR SE ESTAR
APLICANDO UMA MEDIDA ADEQUADA A UMA SITUAÇÃO
DIFERENCIADA, PRIVILEGIANDO-SE O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA. JUSTIFICADA A INTERVENÇÃO DO
JUDICIÁRIO NO CASO, POR SE TRATAR DE DIREITO À SAÚDE,
AUSENTE, PORTANTO, ULTRAJE AO PRINCÍPIO DA
SEPARAÇÃO DE PODERES. PREVALÊNCIA DO MÍNIMO
EXISTENCIAL SOBRE O POSTULADO DA RESERVA DO
POSSÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO DESPROVIDOS.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Reexame Necessário
e da Apelação Cível de nº 0084478-86.2006.8.06.0001. A C O R D A a Turma
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Julgadora da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do
Ceará, por unanimidade, em conhecer do Reexame Necessário e do recurso de
Apelação Cível, para desprovê-los, nos termos do voto da Desembargadora
Relatora. Fortaleza, 17 de junho de 2015. FRANCISCO SALES NETO
Presidente do Órgão Julgador TEREZE NEUMANN DUARTE CHAVES
Relatora. (TJ-CE - APL: 00844788620068060001 CE 008447886.2006.8.06.0001, Relator: TEREZE NEUMANN DUARTE CHAVES, 2ª
Câmara Cível, Data de Publicação: 17/06/2015). (grifo nosso)
Outro caso julgado pelo Tribunal foi o fornecimento de um medicamento para
tratamento de uma enfermidade denominada como “Doença de Paget”. Ao passo em que
causa a destruição dos ossos no organismo, reconstrói-os de forma brutalmente
desorganizada. Embora não tenha um idoso como postulante, vê-se que é um caso que
chama a atenção por conta de sua peculiaridade, demonstrando o posicionamento do
Tribunal de Justiça do Ceará em relação a doenças graves e ao fornecimento de
medicamentos não inseridos na lista, ratificando o direito constitucional do indivíduo,
sendo inadmissível a escusa por parte da reserva do possível, conforme elencado:
REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. DETERMINAÇÃO DO
FORNECIMENTO, PELO ESTADO DO CEARÁ, DO MEDICAMENTO
"ACLASTA 5MG/100ML" PARA TRATAMENTO DA MOLÉSTIA
"DOENÇA DE PAGET". REJEIÇÃO DA PRELIMINAR DE
ILEGITIMIDADE PASSIVA, CONSIDERANDO-SE A ITERATIVA
JURISPRUDÊNCIA DO STJ ACERCA DA RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS EM SE TRATANDO DE
FORNECER MEDICAMENTOS. CREDIBILIDADE DO ATESTADO
EMITIDO PELO MÉDICO QUE ACOMPANHA O PACIENTE,
COMPROVANDO QUE O FÁRMACO PRESCRITO É O MAIS
ADEQUADO AO TRATAMENTO DA DOENÇA. PRECEDENTES DE
TRIBUNAIS PÁTRIOS. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA
ISONOMIA, PORQUANTO NÃO SE TRATA, NO CASO, DE
CONCESSÃO DE PRIVILÉGIO PARA O APELADO, MAS SIM DE
COMPELIR
O
ESTADO
A
EFETIVAR
SEU
MISTER
CONSTITUCIONAL DE CUMPRIR AS POLÍTICAS PÚBLICAS,
MORMENTE QUANDO SE TRATA DE NECESSIDADE INARREDÁVEL
COMO A SAÚDE. JUSTIFICADA A INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO,
POR SE TRATAR DO MÍNIMO EXISTENCIAL, A PREPONDERAR
SOBRE A CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL. REEXAME
NECESSÁRIO E APELAÇÃO CONHECIDOS E DESPROVIDOS.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Reexame Necessário
e da Apelação Cível de nº 0008946-38.2008.8.06.0001. A C O R D A a Turma
Julgadora da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do
Ceará, por unanimidade, em conhecer do Reexame Necessário e do recurso de
Apelação Cível, para desprovê-los, nos termos do voto da Desembargadora
Relatora. Fortaleza, 17 de junho de 2015. FRANCISCO SALES NETO
Presidente do Órgão Julgador TEREZE NEUMANN DUARTE CHAVES
Relatora. (TJ-CE , Relator: TEREZE NEUMANN DUARTE CHAVES, 2ª
Câmara Cível). (grifo nosso)
Portanto, embora no Estado do Ceará o número de decisões em sede de recurso
em causas relacionadas ao fornecimento de medicamentos ao idoso ainda seja
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considerado ínfimo, vê-se que, ao contrário das alegativas estatais e dos doutrinadores
discordantes, é legítima a intervenção do Poder Judiciário para a garantia do mínimo
existencial do idoso, colaborando com a amenização dos impactos ocasionados pelo
avançar dos anos através de suas céleres e favoráveis sentenças sobre o fornecimento de
medicamentos por parte de qualquer ente administrativo, minimizando as relativamente
ineficazes políticas da saúde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessa maneira, com o aumento da população idosa brasileira, para a promoção
do envelhecimento saudável à luz dos princípios do melhor interesse do idoso, da
proteção integral e da absoluta prioridade em consonância com a efetividade dos direitos
fundamentais do idoso, com a necessária qualidade de vida, visando ao desenvolvimento
humano, é imprescindível que o Estado invista em Políticas Públicas de fato efetivas,
voltadas para a saúde do idoso, incluindo outros meios alternativos para através destes
reduzir a crescente judicialização do direito à saúde.
De nada adianta querer culpar o indivíduo que procura o judiciário, pois este
certamente é visto como a sua última válvula de escape, vez que não somente dá
cumprimento à legislação vigente, possuindo uma visão mais humanizada, para além do
aspecto orçamentário. Punir o idoso isolando-o da concessão de um medicamento
essencial à sua plena promoção ou recuperação da saúde por conta da má administração
dos recursos públicos não parece ser prudente, muito menos quando está acometido por
uma doença grave.
Dessa forma, utilizar-se do argumento de que determinada medicação não está
contida em uma lista predeterminada pela União, Estado ou Município, que os recursos
estão escassos ou que não é competência de determinado ente fornecê-lo, parece-nos mais
uma ultrapassada escusa para a não efetivação do direito fundamental social do idoso, vez
que todos são solidariamente responsáveis, conscientes de sua obrigação com o mínimo
existencial do indivíduo, fornecendo-lhe condições básicas para viver dignamente,
inclusive quanto à assistência farmacológica básica ou até mesmo de caráter excepcional.
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Chaves. Órgão julgador: 2ª Câmara Cível. Fortaleza, 2015. Disponível em: < http://tjce.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/199981920/apelacao-apl-89463820088060001-ce0008946-3820088060001>. Acesseo em: 30 jul. 2015.
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SAÚDE DO HOMEM CONFINADO NA UNIDADE PRISIONAL DE
PARINTINS: UMA ANÁLISE A PARTIR DOS DIREITOS HUMANOS
Rosemere Barbosa
Guimarães1
Solange Salvatierra2
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar a saúde do homem confinado na Unidade Prisional de
Parintins na perspectiva dos direitos humanos. A inquietação pela temática saúde do homem
deriva-se, sobretudo, pelo alto índice de mortes que atinge o público masculino. A pesquisa
assumiu uma abordagem qualitativa, utilizando-se técnicas de observação direta, formulário e
entrevista semiestruturada. Constatou-se que a saúde do homem confinado é precária devido às
péssimas condições de higiene e estruturais do prédio em que há necessidade imediata de
investimentos na saúde dessa população para a garantia e efetivação de direitos humanos na
Unidade Prisional de Parintins.
Palavras-chave: Saúde do Homem; Direitos Humanos.
1. INTRODUÇÃO
A saúde como direito de todos e dever do Estado é uma conquista histórica
marcada por lutas. Nessa conjuntura constituiu-se a maior representação da luta de
classes em que a população de massa é protagonista, a Constituição Federal de 1988. Esta
trata dos direitos sociais, reconhecendo a saúde como direito fundamental social para uma
vida digna.
Tendo por base tal documento, criaram-se outros para atender as especificidades
de cada população, permitindo esforços significativos na efetivação da promoção,
proteção e recuperação da saúde de homens e mulheres. A Política Nacional de Atenção
Integral à Saúde do Homem (PNAISH), publicada em 2008 e oficialmente lançada em
2009, é uma política específica para a população masculina, o que representa um avanço
na medida em que os homens não foram, historicamente, sujeitos singularizados nas
intervenções desenvolvidas pelo Estado brasileiro no campo da saúde.
Para a população que se encontra em condição de prisão, foi criada a Legislação
da Saúde no Sistema Penitenciário que é uma iniciativa da SISPE/MS, cujo objetivo é a
1
Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Amazonas-UFAM-Parinitns-Am, Especialista em Saúde
Pública e da Família – Faculdade de Kuriós – FAK, Email: [email protected].
2
Professora na instituição Faculdade de Kuriós – FAK, Email: [email protected].
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gestão do Plano Nacional do Sistema Saúde Penitenciária (PNSSP) em parceria com o
Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), do Ministério da Justiça (MJ). O PNSSP
foi criado com a finalidade de que as ações e serviços de saúde no sistema penitenciário
viessem a ser organizadas com base nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS):
descentralização da gestão, atenção integral e participação da comunidade. Existe ainda,
a Lei de Execução Penal (LEP), que tem por finalidade proporcionar condições para uma
harmônica integração social da pessoa privada de liberdade, condições de saúde como
direitos humanos elegendo o atendimento médico, farmacêutico e odontológico,
elementos que contribuem para o bem estar físico, mental, social e afetivo dessa
população.
Diante do exposto, o presente trabalho tem como objetivo analisar a saúde do
homem confinado na Unidade Prisional de Parintins na perspectiva dos direitos humanos.
A inquietação pela temática saúde do homem deriva-se, sobretudo, pelo alto índice de
mortes que atinge o público masculino, sobretudo, por ser instigada a conhecer como a
PNAISH chega aos serviços de saúde desenvolvido no presídio, em particular os serviços
da Atenção Básica, considerada a porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS).
Buscou-se conhecer, observando e acompanhando as práticas cotidianas, as condições de
saúde em que os detentos se encontram, a concepção de saúde que têm, as ações e serviços
desenvolvidos pelos profissionais da área que atuam na instituição e como o gestor da
Unidade tem atuado em relação à promoção e prevenção da saúde dos homens em
condição de prisão.
Nesse universo esta pesquisa se justifica por dá visibilidade à saúde do homem
recluso como direito humano em que espera-se constituir um novo olhar dos detentos
sobre saúde, para além do determinismo biológico, considerando o bem-estar físico,
afetivo, psíquico, cultural e social dos sujeitos.
2. POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DO HOMEM: DEBATES E
DISCUSSÕES NA SUA EFETIVAÇÃO
As Conferências Internacionais abrem debate para a inserção da saúde como
direito humano. Se configuram sob os argumentos do desenvolvimento da população, do
livre exercício da sexualidade, do direito à informação no campo da saúde das mulheres,
homens, crianças, adolescentes e jovens, direito sexual e reprodutivo, enfim ao que
impulsiona à garantia da saúde da população. Essa iniciativa encaminhou à criação de
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políticas de saúde específica a cada população, tendo no Brasil, a Constituição Federal de
1988 como base para a sua formulação e implementação.
O direito à saúde está preconizado em vários documentos e esse direito tem como
pretensão garantir às pessoas uma vida digna, equânime e desigual, independente da sua
origem, etnia, gênero, idade, condição econômica e social, orientação ou identidade
sexual, religião ou convicção política (ONU, 1948). Para assegurar e garantir tais direitos,
a Carta Magna, institui artigos específicos que tratam da saúde como direito e define ações
para sua promoção e prevenção.
Art. 196 - o direito à saúde deverá ser garantido mediante políticas econômicas
e sociais que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção
e recuperação;
Art. 198 - as ações e serviços públicos de saúde serão organizados em uma
rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único de saúde, de
acordo com as seguintes diretrizes: 1) o atendimento integral, com prioridade
para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; 2) a
descentralização com direção única em cada esfera de governo e 3) a
participação comunitária.
A Política do Sistema Único de Saúde (SUS) no Art. 2º, § 1º e Art. 3º assegura
que o :
 Dever do Estado de garantir a saúde consiste na reformulação e execução
de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e
de outros agravos no estabelecimento de condições que assegurem acesso
universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e
recuperação.
 A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a
alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a
renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços
essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e
econômica do País.
Desse modo, busca-se garantir o acesso da população masculina à atenção
integral à saúde o que confere à política um caráter mais abrangente no cuidado à saúde
do homem. Compreender a saúde como direito social não se reduz à sua dimensão natural
biológica, ao contrário avança na perspectiva dos direitos humanos possibilitando
articular a assistência médica às ações sanitárias de promoção e prevenção gerando
possibilidades de qualidade de vida, o bem-estar afetivo, psíquico e moral dos seres
humanos.
É muito importante reconhecer que as necessidades dos homens em relação à
sua saúde não se limitam aos males da próstata ou outras enfermidades. É
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necessário também levar em consideração os aspectos psicossociais e culturais,
não restringindo as ações às práticas assistenciais ou de caráter emergencial.
Assim, a atenção à saúde deve incluir medidas preventivas e implementar
ações educativas de promoção à saúde, fortalecendo a atenção básica.
(MEDRADO, LYRA e AZEVEDO, 2008, p.64).
Pois, os homens estão em primeiro lugar em número de homicídio, suicídio,
mortes no trânsito em veículos a motor. São eles também que mais sofrem de doenças
provocadas pelo uso excessivo de bebida alcoólica e drogas ilícitas; é a maior população
carcerária por terem sido autores de roubos e assaltos, assim como são os principais
responsáveis por violência física perpetrada com outros homens, mulheres e crianças, seja
em espaços públicos ou domésticos. Neste sentido, considerar o homem como ser forte,
ter corpo resistente e ser invulnerável são percepções que podem torná-los mais propensos
às doenças e/ou aos agravos da saúde e, consequentemente, menos interessados em adotar
hábitos preventivos e acessar serviços de saúde.
Destarte, é o cenário emergente para tratar as categorias gênero e masculinidade
em torno da necessidade de promover e prevenir a saúde do homem na perspectiva dos
direitos humanos.
3. SAÚDE DO HOMEM EM SITUAÇÃO DE PRISÃO NO CONTEXTO DOS
DIREITOS HUMANOS
Os Direitos Humanos são os direitos fundamentais de todas as pessoas, que
devem ser respeitados e sua integridade física protegida e assegurada garantindo
existência digna. Pensar o homem como sujeito de direitos e como parte das políticas de
saúde, é um caminho em construção, visto que nos últimos vinte anos é que se tem
discutido com maior ênfase sobre a saúde masculina. Gomes (2008), em seus estudos
aponta que os homens sempre estiveram presentes como objeto de pesquisa no espaço
acadêmico e nas políticas de saúde, mas é na década de noventa que se tem uma
abordagem mais abrangente.
A partir dos anos de 1990, as relações homem-saúde vêm sendo abordadas com
um enfoque diferenciado: atravessado por discussões voltadas principalmente
para a distribuição desigual do poder entre os gêneros e para as singularidades
da saúde e da doença entre os segmentos de homens (GOMES, SCHRAIBER
E COUTO, 2008, p. 34).
A expressão gênero é conceituada por Gomes (2008, p.64) “como uma
construção cultural sobre a organização social da relação entre os sexos, traduzida por
dispositivos e ações materiais e simbólicos, físicos e mentais”. Assim, as informações e
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orientações sobre os cuidados com a saúde masculina orientada por práticas e relações de
gênero configura um novo modelo de saúde, que se contrapõe ao conceito reducionista e
possibilita entender as relações entre homens-mulheres, homem-homem e mulher-mulher
nas suas especificidades.
Tratar a relação homem-saúde na perspectiva de ressignificar conceitos, valores
e práticas implica discutir e refletir sobre sexualidade, masculinidade, saúde sexual e
reprodutiva, planejamento familiar e outros temas que valorize o homem como sujeito de
necessidades, sobretudo, “focalizando grupos marginalizados em que predominam as
iniquidades de saúde, ajustando melhor as lentes da promoção da saúde para que suas
ações sejam exitosas” Gomes (2008, p. 57) como, por exemplo, a população masculina
privada de liberdade.
A Constituição Federal e a Lei de Execução Penal (LEP) garantem o direito à
vida e à dignidade. Segundo os princípios constitucionais pode-se dizer que o princípio
da legalidade assegura que o presidiário só pode ter restrições de direito quando previsto
em lei. A LEP assegura no capítulo II, art.10 que a assistência ao preso e ao internado é
dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência. Nos
artigos 41,42 e 43 descreve que os presos têm direito à alimentação, vestuário, educação,
instalações higiênicas, assistência à saúde que tem como finalidade tornar a vida do
encarcerado tão quanto possível à vida em liberdade.
No entanto, a superlotação das celas, sua precariedade e sua insalubridade
tornam os detentos propensos às várias doenças no interior das prisões. As mais
frequentes são tuberculose, pneumonia, hepatite, diarreia, HIV/AIDs e outras. O
tratamento dado à saúde no presídio se reduz à atenção curativa, sendo os presos
removidos para os hospitais em casos graves. A condução dos presos doentes depende de
escolta da Policia Militar, a qual é sempre demorada por falta da disponibilidade. Nesse
panorama, se evidencia a situação da saúde da população masculina em reclusão
agravante pela falência do sistema prisional na implementação de medidas preventivas e
estruturais, inviabilizando a efetivação das políticas de saúde.
As Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos no Brasil3 (RMB) se preocupa
com as condições da população em situação de prisão quando em seus artigos 9 e 10
preconiza alguns direitos:
3
Regras Mínimas para Tratamento dos Presos no Brasil (RESOLUÇÃO Nº14, de 11 de novembro de1994 do Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP).
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Art.- 9˚- Os locais destinados aos presos deverão satisfazer as exigências de
higiene, de acordo com o clima, particularmente no que se refere à superfície
mínima, volume de ar, calefação e ventilação.
Art.-10˚-O local onde os presos desenvolvam suas atividades deverá
apresentar:
I-Janelas amplas, dispostas de maneira a possibilitar circulação de ar fresco,
haja ou não ventilação artificial, para que o preso possa ler e trabalhar com luz
natural;
II-Quando necessária luz artificial suficiente, para que o preso possa ler e
trabalhar sem o prejuízo de sua visão.
III – Instalações sanitárias adequadas, para que o preso possa satisfazer suas
necessidades naturais de maneira higiênica e decente, preservada a sua
privacidade;
IV-Instalações condizentes, para que o preso possa tomar banho à temperatura
adequada ao clima e com a frequência que exigem os princípios básicos de
higiene.
No entanto os investimentos são precários na melhoria estrutural, higiênica e
humana, provocando o desrespeito ao que estabelece as políticas de saúde e demais
legislações que garantem direitos humanos aos detentos.
O Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (2004, p. 11) estabelece
que “as condições de vida e de saúde são importantes para todos, porque afetam o modo
como as pessoas se comportam e sua capacidade de se relacionar como membros da
comunidade”. A vida cotidiana dos sujeitos é o espaço onde se manifestam as articulações
entre os processos biológicos e sociais, o que determina sua saúde, como também é o
espaço privilegiado de intervenção da saúde pública, o que exige identificar estes
processos e organizar formas eficazes e eficientes para atuar sobre os determinantes e
condicionantes da situação de saúde da população carcerária.
Nesse sentido, a inclusão da população carcerária parintinense na política do
Sistema Único de Saúde (SUS) garante o direito à sua cidadania, sobretudo, direito à
qualidade de vida, em torno da qual está a alimentação e nutrição, ambiente físico limpo,
oportunidade de educação, trabalho e renda e muito mais.
4. SAÚDE PÚBLICA: DIREITO SOCIAL ATRÁS DAS GRADES
O século XIX é marcado, profundamente, não só pelos rumos do capitalismo
inglês, como pela formação das políticas de proteção social. Neste contexto, a saúde
sinaliza uma ameaça para os investimentos grandiosos no capital industrial que ora
.
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emerge, tornando-se necessário recuperar as precárias condições de vida e saúde da
população, bem como o aumento alarmante das tensões e agitações nas ruas. O contexto
econômico, político e ideológico diversos se fizeram presentes nesse processo, desde a
afirmação de razões de Estado para o controle da sociedade, passando por ideais
filosóficos e religiosos de igualdade e fraternidade, até as lutas operárias e a conquista da
cidadania social.
É nesses trilhos que as políticas de saúde se movimentam para garantir a saúde
como direito social. No Brasil a saúde sofreu e sofre influência do contexto econômico,
político e social porque percorreu ao longo do tempo, o que implica num constante devir.
Oswaldo cruz teve grande destaque no setor da saúde, apesar da arbitrariedade,
a sua intervenção teve resultado significativo, pois nesse momento histórico inicia a luta
para a sustentação de uma política de saúde pautada na universalidade, integralidade e
igualdade.
O Movimento da Reforma Sanitária Brasileira, nos seus mais de 30 anos de
atuação, como processo típico de um processo civilizatório maior, alinha-se
propositivamente às mobilizações sociais e políticas, pela imediata ruptura com os rumos
vigentes e pelo início já da reconstrução da política de saúde, um dos eixos básicos
estruturante da garantia dos direitos sociais, sobretudo de vida digna. Essa luta histórica
marca a construção de um novo arcabouço na perspectiva da saúde universal,
ultrapassando seu conceito restrito sob o controle de assistência médica.
A realização de conferências sobre saúde objetiva as modificações necessárias
somando ao modelo de saúde a dimensão política e social. Com a criação do SUS é
redimensionado os condicionantes e determinantes da saúde que passa ser considerada
como
Resultante das condições de alimentação, habitação, educação renda, meio
ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da
terra e acesso a serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das
formas de organização social da produção, as quais podem gerar desigualdades
nos níveis de vida. A saúde não é um conceito abstrato. Define-se no contexto
histórico de determinada sociedade e num dado momento de seu
desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em suas lutas
cotidianas (Relatório final da VIII Conferência Nacional de Saúde, Anais,
1987, 382).
Nesse sentido, há, portanto, um claro dever do Estado de criar e fomentar a
criação de órgãos aptos a atuar na tutela dos direitos e procedimentos adequados à
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proteção e promoção dos direitos, diretriz para a aplicação e interpretação das normas
procedimentais.
Os direitos sociais “são o conjunto de medidas e instituições que tem por objetivo
o bem-estar e os serviços sociais” (Laurell, 2002, p.153) que garantem a construção e
efetivação de políticas sociais.
Mas, dividido por interesses diversos, podemos compreender o Estado como
organismo dotado de poder e autonomia relativa em que ao mesmo tempo zela pelos
interesses da classe dominante, sua principal aliada, como também atende a algumas
demandas e necessidades da classe pouco privilegiada. Conhecido como “Estado
Mínimo”
pela forma como organiza a proteção social e, sobretudo pela função que ocupa
na sociedade neoliberal pode se dizer que, “apesar de ele estar dotado de poder coercitivo
e estar predominantemente a serviço das classes dominantes, pode também realizar ações
protetoras, visando às classes subalternas, desde que pressionado para tanto, e no interesse
de sua legitimação” (PEREIRA, 2009, p.146). Nesse sentido, observa-se que os serviços
prestados pelo Estado à sociedade de classes se configuram pelas políticas sociais que se
referem a ações que determinam o padrão de proteção social implementado pelo Estado,
voltadas, em princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais visando a diminuição
das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico. No
entanto, as políticas sociais são criadas com via dupla em que “não há acesso a serviços
da mesma qualidade e na mesma quantidade” (Laurell, 2002, p.156), contrariando a
Constituição Federal do Brasil no seu art. 6˚ que assegura os direitos sociais como a saúde,
educação, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à
infância, assistência aos desamparados e moradia que estão voltados à garantia de melhor
qualidade de vida aos menos favorecidos com a finalidade de diminuir as injustiças e
desigualdades sociais.
5. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O trabalho foi desenvolvido a partir de uma abordagem qualitativa, utilizandose para as análises da pesquisa técnicas de observação direta, formulário e entrevista
semiestruturada. Este estudo possui 03 (três) objetivos específicos que foram pesquisados
conjuntamente, originando a obtenção de um trabalho de campo realizado na Unidade
Prisional de Parintins. A pesquisa ocorreu no período de agosto a dezembro de 2013 com
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visitas aos domingos no horário de 12h30min. às 16:00h e às terças e quintas-feiras no
horário vespertino de 14:00h às 17:00h. O universo da pesquisa foi constituído por 10
(dez) homens em situação de prisão a partir de 03 (três) meses a 01 (um) ano ou mais em
regime fechado, com faixa etária de 18 a 48 anos de idade, que concordaram em participar
da mesma.
Para o alcance dos objetivos delineados neste estudo foram realizadas entrevistas
e aplicado formulário semiestruturado aos detentos para conhecer as condições de saúde
em que vivem, a concepção de saúde que têm e os serviços desenvolvidos na instituição.
À chefa dos profissionais da saúde e ao gestor foi aplicado apenas o formulário para
conhecer os seus pontos de vista sobre a promoção e prevenção de saúde dos detentos.
6. RESULTADO E DISCUSSÃO DOS DADOS
Os resultados da pesquisa realizada com os homens confinados na Unidade
Prisional de Parintins têm a intenção de apresentar as condições de saúde dessa
população, sobretudo abrir possibilidades para novas discussões, reflexões e novos
estudos.
No decorrer da pesquisa foi constatado que o estado civil predominante dos
sujeitos entrevistados é a união estável, podendo observar que de um modo geral, é o
modelo que prevalece na classe social de baixa renda, em que muitas vezes já têm vivido
outros relacionamentos, abandonando os filhos com a companheira anterior e/ou juntando
os seus com os do novo relacionamento, constituindo-se as famílias ditas
“desestruturadas”. Percebeu-se que os entrevistados possuem entre 02 a 08 filhos, o que
se observa nas suas falas a dificuldade em mantê-los dentro dos padrões necessário básico
para uma vida digna. Numa sociedade onde a riqueza socialmente produzida é dividida
desigualmente uma família com baixa renda, com um número de filhos que ultrapassa a
dois escapa-lhes as condições mínimas de sobrevivência.
Os dados também revelam o baixo nível de escolaridade dos entrevistados, sendo
08 com ensino fundamental incompleto e 02 com ensino médio incompleto. Ressalta-se
que do total dos entrevistados 05 encontravam-se estudando na modalidade Educação de
Jovens e Adultos no período da pesquisa. Os resultados reforçam o alto índice de pessoas
fora das salas de aula, o que também confirma uma fragilidade no processo educacional
destes cidadãos.
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Quanto à situação ocupacional e renda familiar dos entrevistados, os dados
revelam que todos estão inseridos no âmbito do trabalho informal, o que comprova as
precárias condições de sustentar suas famílias, levando-os muitas vezes a se envolver no
mundo das drogas, roubos, furtos e assaltos, sendo este um dos principais motivos das
prisões e reincidências dos sujeitos desta pesquisa. Para Lira (2008, p.146) o “estar na
informalidade” pode apresentar um custo social extremamente alto que, nos dias atuais,
se agrava à medida que aumenta a parcela da população trabalhadora inserida em
ocupações que se caracterizam pela negação de direitos trabalhistas e elevado grau de
exposição a situações de vulnerabilidade (como enfermidades, acidentes, velhice).
Com relação à saúde dos entrevistados, os mesmos revelam que é constante o
adoecimento do corpo por virose, gripe, tosse, pneumonia e outras doenças que são
tratadas por assistência médica por meio de exames e alguns medicamentos. Neste sentido
percebemos na fala dos sujeitos uma visão restrita do que é saúde colocando-se como o
único responsável por tal condição, não considerando o ambiente em que estão vivendo.
Quanto à PNAISH, 06 (seis) dos entrevistados nunca ouviram falar, não a conhecem e 04
(quatro) disseram que sim, já ouviram falar. Ou seja, uma política que já existe há quase
cinco anos e que não adentrou no presídio é motivo de perceber a fragilidade nas ações e
serviços ali desenvolvidos. A política é direcionada à população masculina, a maioria
dentro do presídio, daí a importância e a oportunidade de apresentá-la, discutir sua
finalidade, seus princípios e diretrizes. Saber do que se trata e fazer se sentirem nela
inseridos é possibilitar o exercício de sua cidadania.
As informações, a aproximação dos profissionais da saúde com os homens em
condição de prisão é fundamental como significativa para construir uma nova cultura de
saúde, a do autocuidado. Fazê-los perceber-se como sujeito de necessidades é de
competência de todos que desenvolvem ações e serviços de atenção básica permitindo
uma nova maneira de fazer saúde.
No que se refere ao atendimento pelos profissionais 05 entrevistados foram
atendidos por médico, 01 por dentista e 05 nunca foram atendidos por nenhum dos
profissionais. Nessa questão, é clara a necessidade de serviços mais ativos em que o foco
seja em consonância com as especificidades e gênero, nesse caso no homem para que a
política alcance eficácia nas diretrizes e princípios estabelecidos. Por ocasião das visitas,
das conversas informais com os outros detentos os que não são atendidos por nenhum
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1458
profissional é porque não apresentam nenhum sintoma de doença, ou seja, a atenção à
saúde é apenas de cunho biológico em que a assistência médica resolve.
No tocante, as falas revelam a necessidade de tratar a saúde para além do
determinismo biológico em que há emergência na melhoria dos determinantes e
condicionantes da saúde dos detentos como a estrutura física e higiênicas adequadas e
digna de acolhê-los permitindo uma punição humana, sem perder de vista os direitos a
eles assegurados. É momento também em que o homem tem que ser trazido para dentro
dos serviços de saúde, o que vai dar visibilidades às demandas por igualdade de gênero
garantindo o potencial subversivo e de transformação na auto expressão da população
masculina.
Quanto às informações sobre a saúde do homem os 06 (seis) entrevistados não
tiveram nenhuma, 04 (quatro) tiveram sobre HIV/AIDS; câncer de próstata, DSTs, mas
fora do presídio. Quanto ao atendimento à consulta médica esta se dá por vezes via um
bilhete chamado por eles de “catatau” ou informam ao carcereiro no período noturno e
durante o dia vão diretamente com o diretor. À noite quando o caso é grave e que o
carcereiro não está por perto eles gritam, batem nas grades para que então sejam levados
ao hospital. Revelam ainda que só assim são encaminhados imediatamente ao hospital
seja dia ou noite, quando é só uma dor que aparentemente é suportável passam semanas
e na maioria das vezes nem chegam a ser levados para atendimento médico.
Em relação à profissional responsável pelos serviços de saúde e o gestor do
presídio os resultados mostram que os problemas de saúde mais frequentes nos detentos
são micose, fungos e viroses. Revelam ainda que os serviços de rotina são consultas
médica e odontólogo, palestras, vacinação e entrega de preservativos de 15(quinze) em
15(quinze dias) o que carece de espaço adequado para a realização das ações. Afirmam
que existem programas e atividades (palestras) de prevenção realizadas por profissionais
médicos, agentes de saúde, enfermeiros, assistente social e universitários em que homens
e mulheres participam na tentativa de minimizar os riscos de contaminação de DSTs. No
entanto, tais dados são contrários aos revelados pelos sujeitos entrevistados, bem como
aos observados durante a pesquisa.
Nesse sentido, é importante pensar a saúde na perspectiva dos direitos humanos
e reconhecer que na Unidade local é fragilizada e mantenedora do modelo tradicional de
saúde assistencial, o que corrobora que a política do SUS na Unidade Prisional de
Parintins encontra-se obscura e que o Estado pouco tem se manifestado com relação à
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efetivação dos direitos humanos colocando como desafio aos profissionais de saúde uma
luta árdua na construção de um projeto profissional horizontal na tentativa de
protagonizar a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH) em
parceria com o Plano Nacional de Saúde da População Penitenciária (PNSPP).
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar a saúde do homem recluso da Unidade Prisional de Parintins
percebe-se a precariedade e vulnerabilidade social dessa população em que a maioria são
homens, jovens, com baixa escolaridade e pouca qualificação profissional inseridos no
mercado informal de trabalho. Suas fragilidades sociais são visíveis na sociedade pósindustrial em que se configura um modelo econômico excludente, onde o desemprego, a
fome, a miséria formam o conjunto das desigualdades e injustiças sociais, violando
direitos o que impede o acesso do sujeito a um a vida digna e ética.
Num contexto de exclusão social a população masculina privada de liberdade
enfrenta a naturalização das condições de saúde em que se encontra, sendo vista como a
única responsável pelas doenças que o acometem. Na Unidade Prisional de Parintins, as
estruturas do prédio, a superlotação determina a precarização da saúde dos detentos o que
inviabiliza a efetivação do SUS via Política Nacional e Integral da Saúde do Homem, que
tem por finalidade a redução da morbimortalidade por meio do enfrentamento racional
dos fatores de risco mediante a facilitação ao acesso, a fim de resguardar a prevenção e a
promoção da saúde deste grupo.
Desta forma, o círculo vicioso que se forma em torno das vidas da população
masculina no presídio os expõe à permanência de sujeito passivo em que a hegemonia
masculina o torna vulnerável aos serviços de saúde e, sobretudo, ao autocuidado. A
fragilidade das estratégias e das articulações dos profissionais e da gestão do presídio
configura uma desigualdade nos espaços de atenção à saúde em relação ao homem que
continuam distantes das possibilidades de inserção às políticas de saúde.
Decerto que, os profissionais que trabalham com homens poderiam privilegiar
dinâmicas em pequenos grupos de reflexão, nos quais os usuários pudessem ser ouvidos
com mútuo enriquecimento e aumento da compreensão de todos quanto a necessidades
de saúde e à própria natureza dos serviços e dos cuidados a serem dispensados por eles.
Essas dinâmicas deveriam incluir questões sobre violência em geral, uso de drogas,
paternidade e sexualidade, planejamento familiar, direitos sexuais e reprodutivos, saúde
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reprodutiva compartilhando experiências e criando caminhos para a minimização de
doenças e principalmente para o reconhecimento de si como sujeito do processo.
Nesse cenário, o agravo maior está na indiferença do Estado para com aqueles
considerados “perigosos” para a sociedade em que a morosidade na melhoria das
condições físicas e estruturais de acolhimento, celas superlotadas, precárias condições de
higiene, violência e corrupção são fatores que impedem a saúde de homens e mulheres.
Se não bastasse a falta de um plano diretor do presídio para direcionar oportunidades de
possibilidades de ressocialização desses sujeitos sustentam com toda a força a
manutenção à vida mais fácil, o retorno ao mundo das drogas e do crime.
Assim, torna-se fundamental a criação de ações de promoção da saúde que
valorizem a participação ativa dos homens nos processos de cuidado, alcançando, assim,
espaços inusitado em que a população masculina também carece de atenção básica à
saúde.
Ações educativas devem ser oferecidas aos gestores e profissionais de saúde
para que possam compreender a importância e a necessidade de ações dirigidas
aos homens, bem como definir, coletivamente, prioridades e estratégias de
ação a serem implementadas em seu serviço. Esse processo educativo deve
promover a crítica a posturas machistas que, muitas vezes, não permitem
perceber que os homens também possuem necessidades específicas em saúde
(MEDRADO, LYRA e AZEVEDO, 2011, P. 67).
Portanto, faz-se necessário que as condições de saúde da população privada de
liberdade seja vista como um tema de política pública para além da produção material e
documental em que as ações em saúde do homem incorporem os pressupostos da
promoção à saúde e rompam com o paradigma biológico, centrado na figura do médico e
das instituições de saúde considerando- a como direito humano.
REFERÊNCIAS
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BRASIL, Ministério da Saúde. Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário, 2004.
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Ações Programáticas e Estratégicas. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do
Homem: princípios e diretrizes. Brasília: MS; 2009.
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BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos e Sistema Penitenciário. R. Barão de Itambi,
nº 60, 9º andar Botafogo, CEP 22.231/00 Rio de Janeiro, Brasil. 2001.
GOMES, Romeu (Org). Saúde do Homem em Debate. Editora: Fiocruz. Rio de Janeiro,
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LAURELL, Asa Cristina (Org.). Estado e políticas sociais no neoliberalismo. 3ª ed.
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LIRA, Izabel Cristina Dias. Trabalho Informal como alternativa ao desemprego:
desmistificando a informalidade. In: SILVA, Maria Ozanira da Silva, IAZBEK, Maria
Carmelita (Org.). Políticas públicas de trabalho e renda no Brasil contemporâneo. São
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MEDRADO, B.; LYRA, J; AZEVEDO, M. “Eu não sou só próstata, eu sou um homem!”
Por uma política pública de saúde transformadora da ordem de gênero. In: GOMES, R.
(Org.). Saúde do Homem em debate. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011.
PEREIRA, Potyara A. Política Social: temas e questões. 2ª ed. Cortez. São Paulo, 2009.
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SERVIÇO SOCIAL E ENVELHECIMENTO: UM DEBATE ACERCA
DOS DESAFIOS PARA PROMOÇÃO DO BEM ESTAR E EFETIVAÇÃO DOS
DIREITOS DA PESSOA IDOSA
Jocelma Diniz Souto1
Necita de Sousa Férrer Araújo e Silva2
Ana Paula De Souza Araújo3
Cicero Charlison Renan Alves4
Resumo
O presente trabalho propõe uma dicussão a respeito dos desafios enfrentados pela terceira
idade, com ênfase na aquisição do bem estar destes na atual conjuntura, bem como a
atuação do assistente social frente a esta realidade, no intuito de ressaltarmos a relevância
da referida temática na melhoria da qualidade de vida do idoso. Para tanto, analisamos o
contexto no qual se insere a pessoa idosa, assim como os percalços e dificuldades
enfrentados pelos mesmos, na obtenção de uma vivência de acordo com suas necessidades
e potencialidades, como um agente participativo, influente, modificador e transformador
dentro do meio social. Para avaliar tal problemática utilizamos como técnica
metodológica a revisão bibliográfica. Analisou-se neste trabalho o bem estar como mola
propulsora na integração do idoso nos diversos âmbitos e contextos de sua vida, seja no
campo familiar, social, político e cultural, imbuindo este como ser atuante dentro da
sociedade. Os resultados levaram a constatar que mesmo em face de políticas públicas
específicas e voltadas para a população idosa, há, ainda, grande disparidade entre o
fundamentado e o efetivado, mediante um contexto capitalista contraditório e excludente.
Palavras-chave: Idoso, Bem estar, Políticas Públicas.
1 Introdução
O referido trabalho aborda os desafios inerentes à pessoa idosa, a qual se
apresenta em destaque devido o aumento da população idosa na atualidade no contexto
atual, designada como a “Era do Envelhecimento”, tornando-se um fator preocupante,
para o Estado bem como a sociedade, tendo em vista que, mostram-se despreparados para
essa nova realidade, transfigurando em um cenário antagônico e novo se comparado há
alguns anos atrás. Com o exacerbado crescimento de anciões, advindo das inovações e
transformações ocorridas pelo crescente desenvolvimento econômico que traz como
1
Graduanda em Serviço Social pela Faculdade Vale do Salgado [email protected]
2
Graduanda em Serviço Social pela Faculdade Vale do Salgado [email protected]
3
Graduanda em Serviço Social pela Faculdade Vale do Salgado [email protected]
Mestrando em Ciências da Saúde pela FMABC – Faculdade de Medicina do ABC Paulista. Professor da Faculdade
Vale do Salgado – FVS. Graduado Em Serviço Social pela Faculdade Leão Sampaio – FLS, Especialista em Direito
constitucional e administrativo, Residente em Saúde Coletiva pela Escola de Saúde Pública - ESP do Ceará. Email:
[email protected].
4
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1463
umas de suas características a ampliação da expectativa de vida, acarretando assim
necessidades socioculturais e políticas para a referida população. Desta forma, diante do
exposto, analisaremos os obstáculos enfrentados pela pessoa idosa, a atuação técnica do
assistente social na efetivação das políticas proporcionadoras de bem estar à pessoa idosa
com ênfase na deficiência de implementação e real efetivação das referidas políticas
implantadas por Estado neoliberal num contexto totalmente adverso e incongruente, onde
com o aumento da população idosa, constata-se mediante esse novo contexto, a
deficiência das políticas públicas que não dão o devido suporte às necessidades da
população idosa.
Na primeira parte do trabalho perfazemos um debate a cerca do bem estar na
terceira idade, trabalhando conceitos e definições, na segunda parte, discutiremos o papel
do/a Assistente Social na luta pela efetivação do direito e da qualidade de vida da pessoa
idosa e por fim realizaremos uma discussão sobre a atual conjuntura e os dilemas da
proteção social e das políticas sociais públicas voltadas a esse segmento populacional.
2
BEM ESTAR NA TERCEIRA IDADE
Envelhecer é um processo natural que se caracteriza por mudanças físicas,
psicológicas e sociais, no entanto, o idoso não deve ser tratado apenas com soluções
médicas, mas também por intervenções sociais, econômicas e ambientais. Atualmente, a
velhice deixou de ser um termo negativo e passou a ser definido de forma positiva como
uma fase do processo evolutivo. A terceira idade vem crescendo consideravelmente e
configurando-se como um desafio mundial, vários são os fatores que influenciaram neste
aumento, como a diminuição da mortalidade infantil e o aumento da qualidade de vida
dos idosos, oriundos da industrialização, urbanização, os avanços da tecnologia e da
medicina.
O
envelhecer,
na
atualidade,
principalmente
em
um
país
em
“desenvolvimento”5, onde há tantos problemas socioeconômicos e culturais a se resolver,
acaba impondo um grande desafio para as pessoas, para os grupos da sociedade e para os
governantes, na acepção de oferecer melhores condições e vida para a pessoa idosa.
(MORAGAS, 2010).
O envelhecimento é algo natural, pelo qual todo ser humano passará, porém a
velhice está sendo vista atualmente como aquém da limitação física e psicológica, onde
5
É importante salientar que existe teóricos que defendem que vivenciamos a partir da segunda década dos anos 2000
o neodesenvolvimentismo, como o Armando Boito Junior (2012). Sem adentrar no mérito da questão, existem outros
teóricos que defende a linha de rupturas e continuidade desse processo.
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mostra o idoso como uma figura incapaz de atuar na sociedade de forma digna, devendo
ser escondido ou retirado da sociedade.
A
população
idosa
vem
crescendo
vertiginosamente,
aumentando
gradativamente o seu destaque em todos os âmbitos da sociedade. Neri (2012) relata o
significativo aumento, nos últimos 70 anos, da expectativa de vida da população brasileira
em decorrência do número de nascimentos. Em 1900, ela girava em torno dos 34 anos;
em 1940, era de 39 anos; em 1960, de 41 anos; em 1970, de 59 anos; em 1980, de 61
anos; em 1990, de 66 anos; e em 2010, de 73 anos. Estima-se que será de 75 anos em
2020. (IBGE 2000).
A partir da década de 90, em virtude do aumento da população idosa, originouse um movimento de atualização e aperfeiçoamento das políticas públicas, em face do
crescimento desta classe, demonstrando-se imprescindível o envolvimento dos Governos
Federal, Estadual e Municipal na inclusão das pessoas idosas nos âmbitos político, social
e cultural.
A Política Nacional do Idoso (Lei nº 8.842, de 04-01-1994), vêm como
norteador, no tocante a implementação destas referidas políticas, como disposto no seu
art. 1º: “A política nacional do idoso tem por objetivo assegurar os direitos sociais do
idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva
na sociedade.” (BRASIL, 2010, p. 06).
A ampliação da perspectiva de vida trouxe para os idosos a oportunidade de
vivenciar uma nova fase, com novas descobertas, com enfoque na transformação da
velhice numa experiência mais prazerosa, voltada para o lazer e para as atividades
socioculturais. É nesse sentido que os projetos sociais têm adquirido estimada
importância, trazendo a intensificação dos contatos sociais, a troca de experiência, o
entretenimento e relaxamento, o bem-estar físico e psicossocial, a melhoria da saúde,
dentre outros.
Concebendo, deste modo, a velhice como um tempo de redescobrir novos
caminhos e novas possibilidades, buscando um desenvolvimento positivo e participativo
desses indivíduos no seu ambiente social, trazendo corroboradas melhorias para a saúde,
para o bem-estar geral, incentivando a participação social e a convivência grupal.
Ver-se que nessa conjuntura é necessário pensarmos e planejarmos ações e
políticas qualificadas que tendam a atender os interesses e a sociabilidades dos idosos,
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sendo que são sujeitos importantíssimos para a sociedade que necessita de atenção e de
políticas públicas de qualidade.
Nesse sentido é que no próximo ponto iremos buscar analisar o papel do Serviço
Social e sua relação história com a Política Social e Questão Social, em especifico o
envelhecimento e a pessoa Idosa.
2- O/A ASSISTENTE SOCIAL COMO FIGURA EFETIVADORA DO DIREITO
E DO BEM ESTAR DA PESSOA IDOSA
No contexto histórico dos processos de assistência social, evidenciam as
características de assistencialismo e filantropia, as quais nada mais eram do que uma
forma de alienar e conformar a população miserável e desassistida do país.
A assistência social tinha um caráter totalmente paternalista, associado às “damas da
caridade”, com atuação baseada no caráter benemérico, onde o indivíduo era "favorecido"
de forma a naturalizar a sua situação, não sendo visto como cidadão usufruindo de um
serviço ao qual tinha direito, esse modo de atuação é embrionário das ações da igreja
Católica, demarcando, dessa forma, o caráter da caridade.
A história demonstra que o Serviço Social institucionalizou-se como profissão,
no Brasil, respondendo aos interesses burgueses da sociedade capitalista. Entretanto, nos
últimos trinta anos, grande parcela dos profissionais vem buscando novas bases de
atuação e uma nova identidade para a profissão, comprometidos com as classes
subalternas.
Fatos importantes como a aprovação da Lei Eloy Chaves, em 1923 e a criação
do Conselho Nacional de Serviço Social – CNSS foram ensaios para a implantação de
uma política de Assistência Social, só alcançados a partir da Constituição Federal de
1988, conhecida como Constituição cidadã, tida como um marco histórico em todos os
contextos do nosso país.
A profissão de Serviço Social foi regulamentada, no Brasil, em 1957, no entanto
as primeiras escolas surgiram a partir de 1936. A emergência desta profissão na sociedade
capitalista está intimamente interligada ao Clero, ao Estado e as classes dominantes,
vinculada nos métodos reguladores destas para a vida social.
O Serviço Social é originário da Igreja Católica, criado com o objetivo de
recristanização da sociedade e manutenção da ordem cristã. A partir da década de 30,
iniciou-se o processo de industrialização no Brasil, o qual influenciou o êxodo rural para
as regiões urbanas no intuito de uma melhoria de vida, acarretando o crescimento
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desordenado da população urbana e gerando graves problemas sociais. A industrialização
trouxe consigo a ascensão do sistema econômico vigente, o capitalismo, que traz como
principais características: o lucro e a divisão da sociedade em duas classes antagônicas: o
proletariado - a classe dominada e explorada - e a burguesia - classe dominante e detentora
dos meios de produção. Ocasionando, o aumento das desigualdades sociais e,
consequentemente, o agravamento da questão social. Desta forma, o Assistente Social
vem como um mediador entre as classes sociais, fazendo uso de estratégias educacionais
para efetivar o controle social, sendo agentes mantenedores da ordem; naturalizando,
alienando e conformando a classe proletária a sua situação, surgindo, dessa forma, com
um mecanismo eficiente para aplacar os conflitos que colocavam em xeque a ordem da
sociedade estabelecida. (IAMAMOTO;CARVALHO, 2006)
Assim, o Estado em busca de controlar os movimentos sociais e atender seus
interesses e os das classes dominantes, procura atender em partes as reivindicações
populares, no intuito de através destas, controlar a classe subalterna. Então, o Serviço
Social se adentra em um processo de reprodução dessas relações sociais que detinha como
objetivo o controle social. Segundo Iamamoto & Carvalho (2006, p. 237) “A estrutura
corporativa do Estado Novo para validar essa fonte de legitimação, deve incorporar de
alguma forma reivindicações dos setores populares”.
Deste modo, na década de 40, foram criadas as instituições assistencialistas
como métodos de controle político e social, objetivando a manutenção da produção
econômica e assimilação dos conflitos sociais, buscando conservar a harmonia social. É
neste contexto, que o Assistente Social, após adentrar nas instituições para atuar
profissionalmente e ser remunerado, repensará sua profissão, na qual buscará uma nova
forma de atuação, um reconhecimento, uma autojustificação profissional. Mas, é somente
na década de 60, que se inicia realmente uma mudança teórico-metodológica da profissão,
onde alcança o seu intuito de ruptura com o tradicionalismo, no ano de 1979, conhecido
como o “ano da virada”.
Conforme disposto por Iamamoto (2011, p. 50):
A década de 80 foi extremamente fértil na definição de rumos técnicoacadêmicos e políticos para o Serviço Social. Hoje existe um projeto
profissional, que aglutina segmentos significativos de assistentes sociais no
país, amplamente discutido e coletivamente construído ao longo das duas
últimas décadas. As diretrizes desse projeto se desdobraram no Código de
Ética Profissional do Assistente Social, de 1993, na Lei da Regulamentação do
Assistente Social e, hoje, na nova Proposta de Diretrizes Gerais para o Curso
de Serviço Social. [...] Foi no contexto de ascensão dos movimentos sociais,
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das mobilizações em torno da elaboração e aprovação da Carta Constitucional
de 1988[...], que a categoria foi sendo questionada pela prática política de
diferentes segmentos da sociedade civil. E os assistentes sociais não ficaram a
reboque desses acontecimentos. Ao contrário, tornaram-se co-autores, coparticipantes desse processo de lutas democráticas na sociedade brasileira.
Destarte, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, que a
assistência social foi reconhecida como política social, junto com a saúde e a previdência
social, compondo assim o sistema de seguridade social brasileiro.
A terceira idade faz parte constituinte da abordagem do Serviço Social, a
contribuição deste ao idoso é atender os seus direitos garantindo-lhes acesso à saúde, ao
lazer e às informações que produzam transformações qualitativas na vida dos idosos. De
acordo com MEDEIROS (2006, p. 61):
Considerando a velhice como um novo experimento para quem a vivencia, por
meio do grupo, a pessoa idosa tem a oportunidade de redescobrir interesses e
é estimulada a participação efetiva no processo social como cidadão ciente de
seus direitos e deveres. Entretanto, como não temos a cultura da participação
social, faz-se necessário que o Assistente Social que intervém junto ao
segmento idoso incentive-o a conquistar um espaço onde possa se expressar e
reivindicar seus interesses.
Assim sendo, o profissional de serviço social tem grande contribuição na
reconstrução da autoestima dos sujeitos da terceira idade, em face do incentivo a
programas de participação social, como também a orientação no acesso dos direitos e
garantias fundamentais previstos pela CF/88 e ratificada pela Política Nacional do Idoso
- PNI.
É sabido que a profissão na “cena contemporânea” perpassa por uma gama de
desafios, sobre tudo, no que se diz respeito a uma atuação digna, propositiva e de
competência crítica, ou seja, que estabeleça para os sujeitos de direitos um
direcionamento para a construção de uma sociedade justa e igualitária.
Esse debate da competência, para Iamamoto (2009) ultrapassa os muros da
lógica da burocracia e do poder, no sentido de atender meramente os interesses das
instituições do Estado6.
Não é, pois, dessa competência que se trata, mas do seu reverso: a competência
crítica capaz de desvendar os fundamentos conservantistas e tecnocráticos do
discurso da competência burocrática. O discurso competente é crítico quando
vai à raiz e desvenda a trama submersa dos conhecimentos que explica as
6
Vale ressaltar que utilizasse o conceito de Estado amplo trabalhado pro Gramsci que é um espaço tensionado por
conflitos e disputas entre a classe dominante e dominada. Uma vez que os direitos e as políticas sociais são frutos dessa
disputa, dessa lógica de consensos de dissensos.
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estratégias de ação. Essa crítica não é apenas mera recusa ou mera denúncia do
instituído, do dado. Supõe um diálogo íntimo com as fontes inspiradoras do
conhecimento e com os pontos de vista das classes por meio dos quais são
construídos os discursos: suas bases históricas, a maneira de pensar e
interpretar a vida social das classes (ou segmentos de classe) que apresentam
esse discurso como dotado de universalidade, identificando novas lacunas e
omissões. (IAMAMOTO, 2009, p. 4).
No que se diz respeito ao trabalho com a população Idosa observa-se, que se
exige uma competência mais aguçada, tanto pelo teor da discussão como pelos inúmeros
“problemas” ou expressões da Questão Social7 que assola a dignidade e o cotidiano desse
segmento.
Outro elemento que nos coloca como desafio e avanço é o crescimento e a
ampliação dessa demanda desses serviços, uma vez que temos que nos apropriar e
conhecer mais profundamente essas temáticas, para que possamos dá um direcionamento
competente a nossa prática social.
É indubitável a importância dessas ações e serviço para esse seguimento
populacional, o qual é perceptível uma gama de rebatimentos positivos para o dia a dia,
e a convivência sóciofamiliar e comunitária, trabalhos e atividades que despertam a
dignidade, as relações e a autonomia dos sujeitos.
No Brasil, nos últimos anos tem-se fortalecido quantitativamente o trabalho com
essa categoria de idade já avançada. Ver-se que o Estado, em especial a Política de
Assistência Social, a sociedade civil organizada ou “terceiro setor” até mesmo o setor
privado tem-se intensificado esses serviços.
Há uma ampliação numérica da criação dos Grupos de convivência, sobretudo
os Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), organizados e
financiados pela política de Assistência Social. Um dos profissionais que atuam na
sistematização, construção e efetivação desses serviços são os/as Assistentes Sociais.
O Serviço Social atua como instrumento na reinserção, de garantia de direitos
humanos e sociais a pessoa idosa, bem como desenvolvendo atividades socioculturais que
promovem interação social, objetivando um atendimento especializado aos idosos,
realizando uma variedade de programas socioculturais informativos sobre saúde, direitos
básicos, cidadania, importância do Estatuto do Idoso na sua inclusão na sociedade, como
também atividades voltadas para a promoção do lazer na vida do idoso.
7
Entende-se por questão social: o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura [...] que
na sua contra-face, faz crescer a distância entre a concentração/ acumulação de capital e a produção crescente da
miséria, da pauperização que atinge a maioria da população. (IAMAMOTO, 1998, p. 27-28)
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A criação destes programas voltados para a Terceira Idade no Brasil representa
uma mobilização concomitantemente ao aumento dos idosos nos últimos tempos, o qual
exigiu a promoção de políticas, projetos e programas direcionados para esta crescente
população, como concerne o art. 10, da PNI:
I - na área de promoção e assistência social:
a) prestar serviços e desenvolver ações voltadas para o atendimento das
necessidades básicas do idoso, mediante a participação das famílias, da
sociedade e de entidades governamentais e não-governamentais.
b) estimular a criação de incentivos e de alternativa de atendimento ao idoso,
como centros de convivência centros de cuidados diurnos, casas-lares, oficinas
abrigadas de trabalho, atendimentos domiciliares e outros;
c) promover simpósios, seminários e encontros específicos;
d) planejar, coordenar, supervisionar e financiar estudos, levantamentos,
pesquisas e publicações sobre a situação social do idoso;
e) promover a capacitação de recursos para atendimento ao idoso;
A função do serviço social no amparo aos idosos se estabelece na luta pela
qualidade de vida desses indivíduos, buscando a efetivação das políticas públicas voltadas
para estes, bem como a sua integração no meio social. Assim sendo, o Serviço Social têm
como um de seus enfoques a terceira idade, com a finalidade de garantir o seu acesso às
políticas públicas, o desenvolvimento de ações e potencialidades nos programas sociais
voltados para estes, no intuito de envolver, integrar e reinserir o idoso no meio social,
contribuindo para a melhoria da sua qualidade de vida.
O trabalho desenvolvido pelo assistente social favorece o reconhecimento do
idoso como um sujeito, um ser cidadão. Esse trabalho é direcionado
majoritariamente a população excluída, que vive em condição de
vulnerabilidade social. Essa população procura no assistente social o
profissional capaz de orientá-la para que possa apropriar-se de informações
que a possibilitem usufruir da vida em sociedade. Nessa perspectiva, o
assistente social é um profissional competente para atuar na área do
envelhecimento, desenvolvendo atividades profissionais dirigidas aos idosos e
seus familiares, assessorando conselheiros e a comunidade em geral.
(TORRES; DOS SANTOS SÁ, 2008, p. 8).
Nesse diapasão, para que o profissional obtenha um trabalho de qualidade, sobre
tudo competente é necessário estabelecer alguns elementos importantíssimo que aquece
e qualifica essas intervenções.
Cabe ao Assistente Social, decifrar, ler a entender o contexto social bem como
os limites e as dinâmicas dos espaços sócioocupacionais que o mesmo atua, despertar a
criticidade para uma intervenção que atenda uns interesses dos usuários pautado na justiça
e no exercício da cidadania e igualdade social.
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Tem-se que correlacionar à dimensão ético-política, Teórico e metodológico e
técnica e operativa (IAMAMOTO, 2008), possibilitando uma atuação alternativa e que
possa fazer com que os sujeitos sejam protagonistas da sua própria história, inclusive a
pessoa idosa.
Para tanto, é necessário à luta e a defesa do projeto ético e político profissional8,
correlacionar instrumentos e dispositivos balizadores da categoria como o código de Ética
Profissional, aprovado pela resolução CFESS nº 273/93, de 13 de março de 1993, a Lei
que Regulamenta a Profissão, bem como as Diretrizes Curriculares de 1996, esses são
eixos e instrumentos relevantes para o exercício profissional, sobre tudo para a luta dos
direitos da classe trabalhadora.
Vale salientar que é importante fortalecer o dinamismo da pesquisa e da produção
do conhecimento nesse âmbito, tendo em vista que o conhecimento é uma das molas
precursora da atuação e implicação prática da categoria. Incrementar estudos que
direcione a ação do profissional, a utilização dos instrumentos e instrumental inerente à
categoria, que desperte a crítica e a reflexão sobre as técnicas e estratégia de intervenção,
com o objetivo de dá suporte e indicações teóricas e operacionais, e como dito
anteriormente facilite o entendimento do contexto e o dinamismo das políticas públicas.
Será discutido no próximo item as políticas voltadas para os/as idosos/as,
considerando os marcos legais, as conquistas e os desafios.
3 POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS PARA POPULAÇÃO IDOSA NA
CONTEMPORANEIDADE
A instituição da Constituição Federal em 1988 trouxe uma série de avanços, no
entanto, concomitantemente com essa melhoria, na década de 90, instaura-se o
neoliberalismo, trazendo um processo contra reformista e contrarrevolucionário,
limitando e tencionando as conquistas da Carta Magna, nota-se, desta forma, as
contradições na efetivação completa dos serviços públicos, com destaque para as
políticas e serviços voltados à pessoa idosa, a qual é vista pelo Estado e pelo capital
como um ser inativo, que se encontra fora do mercado de trabalho e, com isso, não
8
Entende-se pro Projeto Ético e Político da categoria: Os projetos profissionais [inclusive o projeto éticopolítico do
Serviço Social] apresentam a autoimagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam
e priorizam os seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, institucionais e práticos) para o seu exercício,
prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as balizas da sua relação com os usuários
de seus serviços, com as outras profissões e com as organizações e instituições sociais, privadas e públicas [...]Netto
(1999, p. 95).
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atuante e construtor da ideologia capitalista, desta forma, as políticas públicas para a
população idosa são vistas como gastos desnecessários.
Identifica-se algumas políticas voltadas à pessoa idosa, respondendo a
demandas tantos em aspectos contributivo, a previdência, como também em aspectos
básicos como saúde, educação, segurança, dentre outras, garantidos pela Carta Cidadã
e pela Política Nacional do Idoso, as quais foram criadas com intuito de amparar a
pessoa idosa para que esta goze efetivamente de seus direitos. Desta maneira, são
inseridas políticas públicas de efeito imediato a partir de uma prática tecnocrata nos
equipamentos sociais, que refletem efeitos mínimos de transformação na vida do idoso.
Para atender e amparar as necessidades sociais da pessoa idosa, advinda de sua
trajetória de vida, foram criados alguns dispositivos legais como a Política Nacional
Idoso, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa e o Estatuto do Idoso para ratificar
os direitos destes assim como obrigar ao Estado, principal protagonista para criação e
promovedor das ações contributivas nas atuações voltadas para esta população idoso,
coagindo assim o mesmo, fazendo-o efetivar os direitos na busca da proteção e garantia
de bem estar dos mesmos. Entretanto sabe-se, que para ter a plena efetivação da política
pública, deve dispor de caráter ético-político, cidadã, transformador, inovador e
principalmente consciente, para assim garantir o envelhecimento sadio, onde o Estado,
deve dispor de condições para assim poder requerer dos equipamentos/profissionais da
assistência, saúde e da sociedade, corresponsáveis da pessoa idosa, resultados de bem
estar desta população.
A política de recursos humanos, a instituição de uma política de assistência social
como política pública de direitos exige dos profissionais profundo conhecimento da
legislação e deve oferecer-lhes programas de requalificação e educação, incluindo
gestores e conselheiros, de forma sistemática e continuada, para maior capacidade de
gestão e controle da sociedade sobre as ações do estado.
A Política Nacional da Assistência Social - PNAS garante à pessoa idosa e a sua
família o acesso a programas, serviços, projetos e benefícios que contribuam para a
efetivação de seus direitos. Estes são organizados pelo Sistema Único da Assistência
Social - SUAS, que estabelece um conjunto de regras denominadas Norma Operacional
Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB-Suas) e Norma Operacional Básica
de recursos Humanos (NOB-Rh), disciplinando o funcionamento do novo modelo de
gestão.
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Para efetivar tal política, é necessário definir e/ou readequar planos, programas,
projetos e atividades do setor saúde e social, que de modo direto ou indireto relacionamse com o seu objeto, fortalecendo as ações intersetoriais, bem como multidisciplinar, no
intuito de correlacionar e dinamizar as diversas áreas afins para a contrução de programas,
projetos e planejamentos de intervenção. Enfim, para que o mesmo alcance seus
objetivos, as suas diretrizes essenciais necessitam ser cumpridas.
Diante do exposto e da conjuntura atual, é notório que as políticas públicas de
proteção social voltadas para o idoso apresentam déficit na sua eficiência e transformação,
pois a sociedade assim como o Estado não veem o idoso como qualquer outro cidadão,
que reivindicam seus direitos, que participam de decisões, que precisam interagir com a
sociedade, desta forma, para se atender com mais eficiência a terceira idade, o Estado, a
sociedade civil, os profissionais e a família devem reconhecer o idoso como cidadão
atuante e participante, bem como ter consciência que essa é uma população que tende a
crescer cada vez mais, no decorrer dos anos.
A efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento
saudável e digno é uma grande conquista da sociedade contemporânea, tendo em vista, o
aumento da longevidade na atualidade. Como cita Moragas (2010, p.12): “A longevidade
da população é um fenômeno mundial, com importantes repercussões no campo social e
econômico.”
Assim sendo, os grupos de idosos, conduzidos por assistentes sociais, têm
diversas funções na melhoria da qualidade de vida destes, trabalhando seus direitos
sociais, resgatando sua dignidade, estimulando sua consciência participativa, objetivando
sua integração, desenvolvendo atividades e momentos de lazer, levando em consideração
o princípio da dignidade da pessoa humana, assegurado no art. 230, da nossa Carta
Magna: “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas,
assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e
garantindo-lhes o direito à vida.” (BRASIL, 2010, p. 37).
Assim a satisfação de bem estar da pessoa idosa não se resume apenas ao
ambiente onde a mesma está inserida, mas sim, como ela é tratada, respeitada e
principalmente como se encontra implantada na sociedade, objetivando o seu
reconhecimento como cidadão detentor de direitos e promovendo o bem estar subjetivo,
o qual contribui na realização humana, pessoal e cidadã.
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É fundamental também o engajamento de toda a sociedade, para que se consiga
transformar a realidade dos idosos e humanizar as relações entre viver e envelhecer, uma
vez que o Estatuto do idoso preconiza que é dever da sociedade, da família e do Estado
prestar os cuidados e atender essa população. Desta maneira as politicas públicas são
realmente uma ferramenta de mudança social, necessária para que haja mudança na vida
corriqueira do idoso, entretanto o que diferencia é a maneira como a mesma é efetivada,
que sendo adequadamente, nota-se transformação e melhoria de vida, fazendo assim com
que, os idosos goze do titulo de cidadão de direito, enquanto o Estado\ assistente social,
mostram-se como uma “ponte” com os quais a sociedade civil trava contato diário, a qual
não espera unicamente pelo o Estado, já que o mesmo deu abertura para terceiro setor,
que com ações filantrópicas atua na sociedade sem tanto impacto, assumindo o cuidado
com a terceira idade.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A estrutura demográfica da população mundial apresenta-se avanços
significativos no número de idosos na sociedade atual. Este fenômeno vem-se fazendo
presente em todos os países, independentemente do seu nível de desenvolvimento sendo
visto como um dos maiores desafios ainda em pleno século XXI, responder as
necessidades desta população, vem preocupando, deste da criação de direitos até a sua
própria efetivação, já que esta é uma das proporcionadoras da qualidade de vida. Na
sociedade brasileira observa-se o excedente número de idosos, que cresce
sucessivamente, ratificando assim que o Brasil está com sua perspectiva de vida maior,
mostrando-se atualmente com 21 milhões de idosos, superando as demais faixa etária que
forma o país. Observa-se, assim que quando maior a perspectiva de vida maior as
necessidades, fazendo buscar então métodos e políticas que melhor colabore para o
desenvolvimento e bem estar da velhice bem sucedida.
O processo de envelhecimento pressupõe modificações gradativas no indivíduo,
as quais não significam impossibilidade ou invalidez. Tais transformações ocorrem no
organismo, nas relações sociais e nos aspectos psicológicos durante toda vida. Há
progressivamente uma diminuição nas capacidades vitais, provenientes do envelhecer,
porém a pessoa não se torna incapaz, a menos que tenha alguma patologia que acarrete
algum comprometimento orgânico. A sociedade coloca o velho numa situação típica de
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marginalização social, na proporção em que ergue contra ele inúmeras barreiras sociais e
desenvolve atitudes de preconceitos e discriminação social.(FALCÃO;ARAÚJO, 2011)
Percebe-se, então, que o idoso não tem um espaço de ação, nem mesmo na
sociedade, onde ele se encontra cada vez mais excluído. Os preconceitos acerca da velhice
elucidam as faces da discriminação e opressão que muitos idosos sofrem, por serem
considerados sujeitos improdutivos e sem capacidade de aprender. Nesse sentido, o idoso
fica caracterizado como um peso para a sociedade, a qual por muitas vezes o oprime,
considerando que seus conhecimentos são ultrapassados e suas experiências não tem
significado. Por vezes o idoso, é visto como incapaz de estabelecer suas aspirações,
cabendo somente o que lhe é imposto ou referido.
Ressaltamos que ainda existe um déficit na atenção voltada para pessoa idosa,
que a sociedade assim como o Estado mostram-se inconsciente a nova realidade a qual
estamos inseridos e que precisa-se efetivar com mais vigor o que dispõe a CF/88, como
também as leis regulamentares das políticas voltadas para o idoso ( Politica Nacional do
Idoso e o Estatuto do Idoso), que vinheram atender a essa população e que assim como
qualquer outro cidadão, reivindicam seus direitos os quais são possuidores. Desta forma,
para se atender com mais eficiência a terceira idade, o Estado, a sociedade civil, os
profissionais, a família devem reconhecer o idoso como cidadão e principalmente como
pessoa humana com sentimentos , que tende a crescer cada vez mais, sendo reconhecido
como fenômeno mundial.
Observa-se que a atuação profissional nesse contexto perpassa pro uma gama de
desafios e limites, mas que o fortalecimento do conhecimento, um compromisso ético e
político com a matéria da categoria, bem como com os interesses pela luta da classe que
vive do trabalho, e dos segmentos e categorias e minorias sociais, proporciona uma
melhor qualidade nos serviços.
Mediante este contexto negativo, pragmático e contraditório que deve se inserir
a atuação do/a assistente social, na busca da real efetivação das políticas públicas voltadas
para os idosos, tendo em vista o não interesse do Estado em implementar políticas que
tragam uma transformação e/ou mudança das realidades impostas e sim, formas
imediatistas, fragmentadas e seletiva; sendo também um dever da sociedade em si, buscar,
reivindicar e demandar a concretização das políticas, programas e serviços que trazem
como principal figura: a pessoa idosa.
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TENTATIVAS DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL: DAS “CASAS DE
CARIDADE” AO “TERCEIRO SETOR”.
Douglas Santiago de Lima1
Resumo
O artigo discute sobre o surgimento e desenvolvimento das casas de caridade fundadas
por Padre Cícero a exemplo do Padre Mestre Ibiapina, importante meio para a filantropia.
Este trabalho tem por objetivo refletir sobre a criação dessas casas, compreendendo o
Orfanato Jesus Maria José (OJMJ) na atualidade como continuação desse projeto na busca
do bem-estar social. Através de revisão bibliográfica sobre o trabalho do Padre Ibiapina
e do Padre Cícero, também entrevistas, rodas de conversas e atividades pedagógicas
socioeducativas com a clientela atendida pelo OJMJ, chegamos ao resultado que a
importância das Organizações Não Governamentais (ONGs) que hoje conhecemos pelo
termo de “terceiro setor”, especificamente falando do Orfanato, é de fato, cabível na busca
por uma maior e melhor eficiência na formação humanitária e educacional. Sendo assim,
cabe ao final uma discussão sobre a instituição ser efetiva no cumprimento do papel de
auxiliar do poder público, contribuindo para a prevenção junto a jovens em situação de
risco.
Palavras chaves: Casas de Caridade, Terceiro Setor, Orfanato Jesus Maria José.
1 – Introduzindo a questão
A ativa participação das entidades sem fins lucrativos na sociedade brasileira
data do final do século XIX. Já o processo de formação e consolidação das organizações
não governamentais (ONGS), hoje presentes no cenário nacional, surgiu nas décadas de
60 e 70, épocas marcadas pelas restrições-partidárias impostas pelos governos militares,
concentrando-se basicamente nas décadas de 80 e 90 (século XX), período em que mais
cresceram e se tornaram visíveis. A partir dos anos noventa em nosso país, com o advento
de conceitos como responsabilidade social das empresas e um fortalecimento
de
um
senso de cidadania, o terceiro setor experimenta uma grande expansão.
Apesar da evolução recente, as ONGs tiveram papel relevante como
catalisadoras dos movimentos e aspirações sociais e políticas da população brasileira.
1Licenciado
em Ciências Sociais pela Universidade Regional do Cariri – URCA. Professor da Rede Estadual de Ensino
Básico, SEDUC/CE. E-mail: [email protected]
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As ONGs também são herdeiras simbólicas dos movimentos sociais e populares
que tiveram forte atuação no país até os anos 80 (GOHN, 2011, p. 336). Mas aqui,
destacamos especialmente o legado de experiências de antigas organizações filantrópicas
nacionais, com atuação na assistência social, entre as quais se destacam aquelas que,
direta ou indiretamente, atuavam através das igrejas cristãs.
A igreja Católica ressalte-se, com o suporte do Estado, era responsável pela
maior parte das entidades que prestavam algum tipo de assistência às comunidades
carentes que ficavam às margens das políticas sociais básicas (saúde e educação
principalmente). Nesses moldes a criação de casas de caridade em meio às comunidades
carentes era uma prática que surgia com a intenção de auxiliar os pobres. Referente a isso,
destacamos o grande religioso do século XIX, Padre Ibiapina também conhecido por
“apóstolo do Nordeste”, nasceu em 5 de agosto de 1806, na Vila de Sobral/CE, começou
então seu trabalho missionário pelo interior do Nordeste em meados de 1853. Em diversas
vilas ele construiu Casas de Caridade, destinadas a moças pobres.
No Ceará, ele esteve entre 1862 a 1870. Primeiro na região norte, na vila de
Sobral e adjacências, depois no Cariri em 1864, onde realizou obras e fundou Casas de
Caridade primeiramente em Missão Velha, depois em Barbalha, Crato e Milagres,
Trabalho que influenciaria as ações do Padre Cícero. De acordo com Della Cava, as casas
destinavam-se:
[...] a servir, simultaneamente, de escolas para as filhas dos fazendeiros e
comerciantes ricos, de orfanatos para as crianças das classes mais pobres, de
centro para a manufatura de tecidos baratos e, consoante a própria ambição de
Ibiapina, de convento para a sua congregação de freiras. (DELLA CAVA,
1976:34).
Padre Cícero a exemplo do “padre mestre” Ibiapina, fundou em Juazeiro do
Norte diversas Casas de Caridade. O Orfanato Jesus Maria José foi uma dessas casas que
auxilia os pobres na formação educacional e cultural. O qual relataremos mais à frente.
Com o surgimento das casas de caridade, o trabalho acerca da assistência social
visando o chamado “bem-estar social”, tornou-se uma ação importante para o
desenvolvimento social e humano. Hoje, podemos perceber que esse mesmo trabalho, nos
moldes atuais, continua sendo realizado pelo chamado “Terceiro Setor”. ONGs,
lideranças comunitárias, trabalhos filantrópicos, trabalhos abnegados, são termos que
fazem parte da noção de “terceiro setor”.
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A rigor, o “Terceiro Setor” é o conjunto de pessoas jurídicas privadas de fins
públicos e sem finalidade lucrativa, constituídas voluntariamente, auxiliares do Estado e
auxiliadas por este nas suas ações, na persecução de atividades de conteúdo social
relevante (MODESTO, 2006:01-02), que investem em obras social a fundo perdido2.
Na verdade, a expressão Terceiro Setor vem sendo utilizada em contraposição à
ideia de que o primeiro setor é constituído pelo Estado, incapaz de promover sozinho o
bem-estar social, e de que o segundo é formado pelo mercado, que se interessa apenas
pela produção de bens e serviços que dão retorno em forma de lucro. “Enquanto o
mercado existe para gerar lucro e o governo para prover a estrutura essencial para a
aplicação da lei e da ordem e a promoção do bem-estar geral, o terceiro setor existe para
prover algum serviço ou alguma causa” (MOTTA, 1994:39).
O terceiro setor é uma mistura de princípios públicos e privados, portanto
constitui um mecanismo promotor de desenvolvimento social e redistribuídor de riquezas.
As ações do terceiro setor partem da sociedade civil e tendem a seguir a lógica do trabalho
abnegado, do altruísmo, da filantropia, da reciprocidade. Suas ações podem se ancorar
tanto nos costumes e tradições, em concepções morais e religiosas, como em novas
tecnologias e visões de mundo, assim como modos de vida inovadores.
Fernandes (1994) considera o terceiro setor como uma das possibilidades lógicas
do universo de quatro combinações possíveis da conjunção do público com o privado:
AGENTES
FINS
SETOR
Privados
Privados
Mercado
Públicos
Públicos
PARA
Estado
IGUAL A:
Privados
Públicos
Terceiro Setor
Públicos
Privados
(Corrupção)
(Fonte: FERNANDES, Rubem C. Privado Porém Público: o Terceiro Setor na América Latina, 1994.)
O terceiro setor agrega organizações como, fundações, associações, institutos,
entidades que atuam atendendo demandas sociais, que o Estado em crise de legitimidade
2Fundo
perdido é um investimento realizado sem expectativa de retorno de montante investido
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e incapacidade de financiar ou limitação logística, não consegue atender, utilizando
recursos privados ou parcerias com o próprio Estado. Já RODRIGUES (1998) afirma que:
Por terceiro setor entende-se a sociedade civil que se organiza e busca soluções
próprias para suas necessidades e problemas, fora da lógica do Estado e do
mercado. A expressão terceiro setor é, assim, utilizada em contraposição à
ideia de que o primeiro setor é constituído pelo Estado, e de que o segundo
setor é formado pelas empresas privadas. (RODRIGUES, 1998: 31)
Retomando a fatores indutores, pode-se convir que o processo decorrente pós
Revolução Industrial e o Capitalismo são localizados nos tempos atuais como geradores
de consequências deste processo são as situações de violência, trabalho infantil, gravidez
precoce, prostituição infanto-juvenil, uso de drogas, conflitos domésticos, são essas as
situações de risco que a grande maioria das crianças e jovens brasileiros estão expostas.
Políticas públicas executadas nas esferas federal, estadual e municipal, pelo governo e
sociedade civil, compõem tentativas de estratégias de enfrentamento a estas situações,
nas áreas da assistência social, saúde, educação, habitação, trabalho e meio ambiente. As
ações socioeducativas inserem-se no rol desses objetivos e visam à garantia de direitos e
autonomia às pessoas em situação de vulnerabilidade social. “A situação de
vulnerabilidade social da família pobre se encontra diretamente ligada à miséria
estrutural, agravada pela crise econômica que lança o homem ou a mulher ao desemprego
ou subemprego” (MOTTA, 1994:39).
Com vistas nesse problema de vulnerabilidade social, houve uma reconfiguração
das antigas práticas de caridade por parte de organizações do terceiro setor como também
das organizações empresariais, sob novas nomes como: ações assistenciais, sociais,
filantrópicas, de responsabilidade social, entre outras expressões, mostram a
complexidade do tema enquanto novas disposições dos padrões de sociabilidade e a
urgente explicitação de suas determinações sociais e implicações no campo das políticas
públicas, no interior do desenvolvimento capitalista brasileiro. CAMURÇA produz a
seguinte reflexão:
Essa história “submersa” da “caridade” no Brasil, marcada pelo donativo
personalizado, baseado em valores cristãos e centrados em relações de
reciprocidade e redes religiosas, hoje emerge adquirindo visibilidade e
combinando-se com programas governamentais e empresariais, em meio a
transformações recentes nas articulações que visam à constituição de uma
“sociedade civil”. (CAMURÇA, 2005: 45)
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2 - Orfanato Jesus Maria José buscando o desenvolvimento social
No Brasil, as atividades socioeducativas foram adotadas pela Assistência Social,
Educação e Saúde. A Lei Orgânica de Assistência Social, nº 8742/1993 e o Estatuto da
Criança e do Adolescente, nº 8069/1990 referenciam sua adoção como estratégia para a
modificação das situações de vulnerabilidade de crianças e adolescentes, tanto no âmbito
familiar como comunitário. Sob essa perspectiva, conhecemos um pouco mais sobre o
Orfanato Jesus Maria José (OJMJ) que é uma entidade filantrópica de caráter
socioeducativo e cultural de assistência a crianças e adolescentes em situação de pobreza
e riscos, iremos buscar descrever e refletir sobre o funcionamento dessa instituição com
vistas para o desenvolvimento social da comunidade onde está inserida.
Situado na cidade de Juazeiro do Norte CE/Brasil, Bairro Salesianos a Rua
Coronel
Antônio
Pereira,
64
–
Telefax:
(88)
3511-1692,
e-mail:
[email protected]. Foi fundado pelo padre Cícero Romão Batista,
inspirado por Padre Ibiapina, em 08 de abril de 1916, funcionando até os dias atuais sem
interrupção, praticamente com a mesma estrutura de sua fundação. Desde o ano de 1935
é administrado pelas Irmãs da Congregação das Filhas de Santa Teresa de Jesus. Realizou
suas atividades até 1994 como internato de meninas órfãs. Hoje, o OJMJ se volta para a
problemática de meninos e meninas em condição de vulnerabilidade econômica e social,
não mais admitindo internos. É um Projeto que tem por denominação “Educação Para
Cidadania” e atende a 150 crianças e adolescentes na faixa etária de 06 a 15 anos, oriundas
dos bairros: Santa Teresa; Salesianos; Triângulo; Franciscanos e João Cabral.
Com 98 anos de atividade, a ONG Orfanato Jesus Maria José já atendeu
milhares de crianças e adolescentes. Até 1995, com o perfil de escola regular,
a Instituição atendeu uma média de 400 alunos por ano. De 1996 até 2014, as
atividades passaram a ser consideradas sociais, atendendo uma média de 200
crianças e adolescentes por ano. Realiza, todos os anos, diversas apresentações
artísticas em eventos de outras instituições nos quais evidencia parte dos
resultados alcançados para a sociedade e para seus parceiros. Acumula,
portanto, vasta experiência em parcerias de sucesso para execução das
atividades de arte-educação, cidadania cultural e formação humana. Em 2016,
acontecerá o 100º aniversário da Instituição, um dos berços das ações de
caridade e cidadania cultural em Juazeiro do Norte-CE. (FACEBOOK da
Instituição, 2014)
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Fotografia 1: Fachada do Orfanato Jesus Maria José
Fonte: Blog do Orfanato Jesus Maria José3
Em conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Orfanato Jesus
Maria José se propõe a realizar Ações que conjuguem educação e proteção social, por
meio de situações de aprendizagens com a finalidade de assegurar o direito ao
desenvolvimento de crianças e adolescentes em condições de vulnerabilidade econômica
e social, realizada de forma continuada e gratuita no contra turno escolar. Prevenindo
contra: Evasão Escolar; Exploração Infantil; Consumo e manipulação de drogas.
No Orfanato, os trabalhos são realizados de segunda a sexta-feira no contra turno
escolar, com as seguintes linhas de ações: Formação Humana na perspectiva Sócio
participativa; da Educação para a paz; dos Direitos Humanos e da Educação do “Ser”;
Acompanhamento Escolar: Encaminhamento para a escola: aula de reforço escolar e
orientação de grupos de estudos; Arte e cultura: Canto Coral; Música, Teatro, Desenho e
pintura; Informática Educativa: Inclusão e educação digital; Esporte e recreação.
(PROJETO PEDAGÓGICO, 2011)
Dentro da metodologia, trabalhamos com entrevista, onde através dos relatos
orais, perceberemos a relação dos sujeitos dentro da instituição com o seu trabalho
orientando os assistidos. A partir dessa questão que logo a priori, a Irmã Joelma salientou
3Disponivel
em: http://jardimcrianca.blogspot.com.br/2015/03/orfanato-jesus-maria-jose-rumo-ao.html
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em conversa inicial sobre o orfanato, destacando a importância da formação do jovem
cidadão que se compromete com o bem-estar social através de sua ação individual somada
com as demais:
Somos uma entidade que busca desenvolver em cada jovem um sentimento de
partilha, de companheirismo, consciência cidadã que possibilita a cada um
deles saber como viver diante do outro com respeito e buscando a cada dia a
melhoria da comunidade, do lugar em que vivem. (Irmã Joelma, 2011)
A “Irma” Joelma, assim chamada por se tratar de uma freira, afirma que o
orfanato tem como objetivo oferecer a possibilidade de um futuro melhor a crianças e
jovens sem perspectiva de ter uma vida digna. “Este orfanato é ajudado regularmente por
algumas empresas, paróquia e o poder público municipal, recebendo ajuda financeira para
comprar roupas, comida e livros”. (Irmã Joelma, diretora do Orfanato, 23/11/2011)
Atualmente, o Orfanato funciona em parceria com a Empresa Cariri
Administração, Mesa Brasil SESC, convênios com a Prefeitura Municipal de Juazeiro do
Norte através da Secretaria de Educação e doações de pessoas físicas. Temos em seguida
uma fotografia que representa as parcerias com a instituição, no caso com a prefeitura
municipal de Juazeiro do Norte, na foto estão presentes dirigentes da prefeitura e
representante do orfanato.
Fotografia 2: Parceria com o município de Juazeiro do Norte
Fonte: Blog do Orfanato Jesus Maria José4
4
Disponivel em: http://jardimcrianca.blogspot.com.br/2015/03/orfanato-jesus-maria-jose-rumo-ao.html
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Através das parcerias é assegurado, mesmo não sendo plenamente, o objetivo
geral do Orfanato de promover o acesso a experiências que desenvolvam a convivência
social por meio da arte-cultura e esporte-laser, bem como realizar ações com foco na
formação humana, a inclusão digital e proteção social. Como toda e qualquer organização,
o Orfanato é composto por uma equipe dividida em diretoria, coordenação, secretária,
professores, serviços auxiliares e voluntários de diversas áreas.
A estrutura física da Instituição é satisfatória e adequada quando se trata somente
da realização das atividades do projeto, porém levando em consideração o número de
crianças atendidas, a estrutura, principalmente das salas, é pequena, mas de qualquer
forma, não impossibilita a realização das atividades. A instituição possui uma recepção
aconchegante com sofás; uma sala de apoio para monitores com móveis e computador
conectado à internet; sala de leitura equipada com uma significativa quantidade de livros,
revistas, gibis e armário com bonecos (a fotografia abaixo retrata bem); sala de vídeo;
laboratório de informática com 12 computadores, todos ligados à internet; sala de
brinquedos; auditório com sessenta cadeiras e todo o aparato de transmissão de som e
vídeo; quatro salas de estudos; um dormitório que abriga as visitas. É importante salientar
que o prédio do Orfanato é dividido em duas partes, a superior que abriga as Irmãs da
Congregação das Filhas de Santa Teresa de Jesus, e a inferior onde funcionam as
atividades socioeducativas, esse dormitório é utilizado para a finalidade mencionada,
abrigar os visitantes do orfanato; há também uma copa junto a cozinha, onde são
preparados os lanches dos alunos que são servidos diariamente nos dois turnos; um
refeitório; sala de música com teclados, violões, microfones, flautas, caixa de som;
almoxarifado; cinco banheiros internos e externos; uma capela onde são realizadas as
atividades espirituais e uma área de recreação externa com quadra de futsal, espiribol e
espaço para vôlei. Todos os espaços e salas são utilizados frequentemente, salvo quando
não há professores, instrutores, facilitadores que estejam aptos a realizar as atividades.
Todas as crianças participam ativamente das atividades propostas e a instituição
está sempre buscando novas maneiras de interação com os pais, assim, ganhando
confiança e respeito, na maioria das vezes através de reuniões, rodas de conversa, grupos
de estudo, diálogos em particular com os educadores, voluntários e responsáveis pelos
usuários. Todas as atividades são passiveis de monitoramento e avaliação através de
formulário dos usuários, reuniões com os mesmos, com responsáveis e equipe, plano
anual, relatório mensal e fotografias.
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Fotografia 3: Parte da biblioteca do orfanato
Fonte: Blog do Orfanato Jesus Maria José5
O Orfanato Jesus Maria José, é uma entidade madura quando se fala em tempo
de fundação, pois já são quase 100 anos de existência, trabalhando sempre com a
assistência a crianças e adolescentes de classe baixa. Durante esse longo tempo passou
por diversos problemas e mudanças, porém não fechou as portas e persiste com suas
atividades.
O Projeto do Orfanato, Educando Para a Cidadania teve sua aplicação inicial no
mês de fevereiro do ano de 2012. Um projeto constituído de diversos objetivos a serem
alcançados, através de variadas atividades socioeducativas distribuídas no decorrer do
ano. Muitas das atividades descritas no projeto não foram aplicadas devido à falta de
profissionais que ficassem responsáveis pelas devidas áreas exploradas, sendo assim,
algumas oficinas e minicursos ficaram suspensos. Mas, muitas outras deram força ao
efetivo funcionamento da instituição, lembrando que as crianças participam das
atividades dentro do Orfanato Jesus Maria José no contra turno escolar, pois ir à escola é
um dos requisitos fundamentais para que possam frequentar e participarem das atividades
do Orfanato.
5Disponivel
em: http://jardimcrianca.blogspot.com.br/2015/03/orfanato-jesus-maria-jose-rumo-ao.html
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Fotografia 4: Oficina de brinquedos
Fonte: Blog do Orfanato Jesus Maria José6
Como os espaços do prédio são bem aproveitados, com variadas salas para
diversos fins: aula de música, teatro, leitura, biblioteca, informática, áudio e vídeo e etc.
As dificuldades e necessidades educacionais das crianças são ressaltadas para a aplicação
do projeto Educando Para a Cidadania, pois “esses espaços possuem objetos e objetivos”,
ressaltou a diretora da instituição, Irmã Joelma. A sala de leitura é utilizada
principalmente por aquelas crianças que possuem dificuldades na leitura e escrita, assim
atendendo a dois dos objetivos do projeto que é o de “Promover o desenvolvimento sócio
educacional” e “Contribuir para a permanência no sistema educacional”, não somente
com essa atividade, mas também com as atividades artísticas, que também contribuem
com o desenvolvimento educacional, cidadão e espiritual.
As oficinas de arte e reciclagem são utilizadas para o objetivo de fortalecer os
laços familiares e melhoria da qualidade de vida, assim também para o desenvolvimento
das relações sociais e culturais, como está de acordo com o IV parágrafo do Artigo 32 da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB.
Outra atividade comum na rotina do orfanato com as crianças, são as Rodas de
Conversa, que é um elemento importante das aulas. Nela os envolvidos no processo
interagem, se conhecem, buscam desenvolver habilidades da língua falada e permitem
expor o pensamento dos que dela participam. No decorrer do ano a Roda serve também
6Disponivel
em: http://jardimcrianca.blogspot.com.br/2015/03/orfanato-jesus-maria-jose-rumo-ao.html
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para solucionar problemas disciplinares, isso foi o que mais destacaram durante o período
da pesquisa e observação das atividades. A Irmã Joelma relatou que a instituição preza
pela qualidade dos trabalhos, efetiva participação das crianças nas atividades, respeito por
parte de todos inclusive professores, orientadores e qualquer outro funcionário, e por ser
uma entidade de caráter religioso mantém a característica de ter os ensinamentos e
práticas religiosas, como orações ao chegar e sair, antes dos lanches, para agradecimentos
e etc.. Nessas Rodas de Conversa também são tratados dos assuntos sociais e espirituais
dos quais faz parte o comportamento das crianças: a solidariedade, o amor, enfim toda e
qualquer ação ou comportamento que fazem parte das relações sociais, logicamente
devemos entender que não é sempre que a atividade aconteça da maneira objetivada, até
mesmo porque depende muito da participação voluntaria dos envolvidos, pois ninguém é
obrigado a expor seus pensamentos, mas são instigados a fazê-lo de maneira natural e
harmônica.
O livre arbítrio dos indivíduos é tratado com respeito, pois ninguém frequenta a
entidade por obrigação, mas sim por quererem interagir com os demais, participarem das
oficinas, dos jogos, das atividades desportivas e etc. O orfanato independente de ser uma
instituição católica, abre suas portas para a comunidade a que se propõe a trabalhar e
dispor suas práticas educacionais. Durante todo o processo de investigação, foi percebido
que duas crianças que ali frequentavam, faziam parte de uma denominação religiosa
evangélica, o que foi comprovado mais tarde através de uma conversa com os pais deles
durante a aplicação de um questionário da instituição usado para melhorar os serviços
ofertados.
Seguindo o que está disposto no primeiro ponto da finalidade estatutária quando
diz “ser um espaço de fortalecimento da fé, da cultura, da vida e da cidadania”, esse
fortalecimento da fé não define qual crença ou valor religioso, assim, em nenhum
momento qualquer indivíduo poderia ser impedido de participar das atividades do
orfanato por ter uma ideologia religiosa deferente, alguns valores comuns são partilhados
e segue a norma geral, essa que define as relações humanas, o sentimento, a educação e
etc. Assim, possamos daí tirar nossa primeira conclusão que o Orfanato Jesus Maria Jose
sendo uma Organização não Governamental, por isso fazendo parte do terceiro setor,
auxiliando o Estado na assistência social, principalmente na educação e cultura, busca
obedecer ao Art. 58 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
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Art. 58. No processo educacional respeitar-se-ão os valore culturais, artísticos
e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente,
garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso as fontes de cultura.
(ECA, Lei 8069/90)
Esta é uma questão que logo de início a gestora salientou, destacando a
importância da formação do jovem cidadão que se compromete com o bem-estar social
através de sua ação individual somada com as demais,
Somos uma entidade que busca desenvolver em cada jovem um sentimento de
partilha, de companheirismo, consciência cidadã que possibilita a cada um
deles saber como viver diante do outro com respeito e buscando a cada dia a
melhoria da comunidade, do lugar em que vivem. (Irmã Joelma, 2011)
O pensamento gestor encaminha os educandos para uma perspectiva de
vivenciar a cidadania, entendendo dos seus direitos e deveres, comprometidos com a
relação interpessoal de respeito ao próximo, a formação do sujeito que contribui para o
desenvolvimento do meio social em que vive, atuando como protagonista e contribuindo
para uma sociedade melhor.
3 – Reflexões sobre o desenvolvimento das Casas de Caridade ao Terceiro Setor e a
busca pelo bem-estar social
Nos últimos tempos, as entidades educacionais do Terceiro Setor estão se
tornando um dos principais meios de educação. É um fato que os pais trabalham em tempo
integral e muitas vezes encontram seus filhos somente ao entardecer. Tais crianças
passam um período na escola e o restante do dia pelas ruas ou sozinhas em casa.
As ONGS que atuam como instituições complementares a Educação Formal,
muitas vezes têm seus programas, ora voltados para a profissionalização das crianças e
adolescentes para formar futuros trabalhadores para atender as necessidades das elites,
ora esses programas estão voltados para fazer com que as crianças e adolescentes em
situação de vulnerabilidade social não representam uma “ameaça” nas ruas dos grandes
centros urbanos. Desta maneira, são ofertadas atividades artísticas, de lazer e esporte, para
que essas pessoas “passem o tempo” e se ocupem em atividades nestas instituições. O que
se faz necessário então é uma evolução por parte do contexto escolar para atender a
demanda da população, considerando ocupar o tempo ocioso dos alunos. É aí onde se
encaixa as instituições do Terceiro Setor a exemplo do Orfanato Jesus Maria José, que
desenvolve atividades socioeducativas para crianças e adolescentes como uma tentativa
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de mantê-los ocupados em horários alternativos, extraclasse, visando ainda auxiliar no
ensino-aprendizagem.
Fazendo uma análise histórica, podemos perceber que desde mesmo antes do
surgimento das casas de caridade, mas em especial a partir da criação dessas aqui na
região pelo Pe. Cícero Romão Batista influenciado pela obra do Pe. Ibiapina, houve uma
preocupação em manter e desenvolver ainda mais o assistencialismo, é sabido que são
muitos os problemas enfrentados para a manutenção desse trabalho, um deles é a falta de
verba, seja pela inexistência de apoio ou pela corrupção que que tanto impede um trabalho
efetivo dentro de muitas instituições públicas ou privadas. Mas, de acordo com todas as
informações levantadas e acompanhamento da rotina diária do Orfanato Jesus Maria Jose
com a verificação in loco, é certo dizer que essa instituição que é religiosa, acima desse
viés busca estabelecer uma pratica socioeducativa para com as crianças atendidas.
Devemos entender que mesmo não tendo como objetivo a doutrinação religiosa, algumas
ações, como já descritas anteriormente, são voltadas para praticas espirituais, o que não
prejudica as ações socioeducativas.
4 – Conclusão
Neste estudo, buscamos contextualizar e descrever o funcionamento de uma
instituição do Terceiro Setor afim de refletir sobre sua pratica e tentar entender, pelo
menos em parte, o por que atribuímos uma certa função social a essas instituições. Logo,
façamos os seguintes questionamentos: A ação do Orfanato, é de fato efetiva como
instituição educadora social auxiliar do poder público? O trabalho dessa instituição atende
pela busca do bem-estar social? As Organizações Não Governamentais desde as antigas
casas de caridade têm cumprido uma função social?
É sempre difícil poder afirmar algo acerca das respostas a tais questionamentos,
pois as ações de cada instituição são bastante relativas, depende muito de uma conjuntura
política e social a qual estão inseridas. Hoje, praticamente em todas as cidades, existem
instituições do Terceiro Setor se apropriando do trabalho assistencialista, já que na
maioria das vezes o recurso público é quase certo. Mas refletindo um pouco sobre o
trabalho do orfanato, que recebe apoio de pessoas físicas, empresas, do poder público
municipal e da própria instituição religiosa que a gerencia, podemos perceber que ela
exerce um papel que é de fundamental importância para 150 crianças que podem ser
atendidas por ela. É uma ação, que apesar de haver uma demanda muito maior, surte
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algum efeito na sociedade presente porque busca referencias na própria caridade, respeito
humano e espiritual buscando atender a busca pelo bem-estar social, que é algo inerente
a todos que compõem uma sociedade, porém um dever maior do Estado.
Não temos como saber como de fato eram suas ações no passado, muito menos
como será no futuro, mas o certo é que atualmente exerce uma função social pratica e
relevante, contribuindo para diminuir a demanda para o Estado, o qual ainda possui certa
incapacidade acerca de variados fatores para atender os demandados.
Diante do apresentado, podemos dizer que a função social do Terceiro Setor não
pode ser especifica por possuir ele o direito de agir em diversos campos que forem
necessários, mas de uma maneira geral busca o bem-estar social através de variadas ações
em diversos campos. Pudemos verificar que a instituição a qual fizemos uma avaliação,
atua dentro da assistência social voltada para valores relacionados a educação e cultura.
Mesmo assim, é certo dizer que toda e qualquer pesquisa relacionada a essas questões
possuem valores subjetivos os quais requer uma profunda reflexão e vivencia de quem
deseja obter informações mais concretas.
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