SUMÁRIO PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO OBJETIVOS ............................................................................................................. PSED 1 1. DA PSICOLOGIA À PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ....................................... PSED 3 2. O BEHAVIORISMO E SUAS IMPLICAÇÕES NA EDUCAÇÃO ........................ PSED 7 3. A PSICOLOGIA DA FORMA NA EDUCAÇÃO .............................................. PSED 13 4. CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE À EDUCAÇÃO ................................... PSED 17 5. A TEORIA PIAGETIANA ............................................................................... PSED 27 6. A TEORIA DE VYGOTSKY ............................................................................ PSED 33 7. GARDNER E AS MÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS ........................................... PSED 39 8. PHILIPPE PERRENOUD E AS COMPETÊNCIAS ......................................... PSED 47 9. SUCESSO E FRACASSO ESCOLAR ............................................................ PSED 53 10. DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO ....................................................................... PSED 57 11. FORMAÇÃO DOCENTE: A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO ...................... PSED 61 12. VIOLÊNCIA ESCOLAR UMA QUESTÃO EM FOCO ..................................... PSED 67 13. DISCIPLINA E INDISCIPLINA NA ESCOLA ................................................. PSED 71 14. OS GRUPOS E A FORMAÇÃO DOCENTE ................................................... PSED 77 Psicologia da Educação OBJETIVOS Ao final dos 14 módulos a disciplina contemplará os objetivos abaixo: Oportunizar uma visão ampla e aberta da Psicologia como área de conhecimento; Situar a Psicologia histórica e geograficamente como projeto de ciência independente a partir da modernidade chegando as tendências atuais; Proporcionar uma visão geral das possibilidades teóricas e aplicações da mesma na Educação. Estimular a atitude acadêmica, o interesse pela observação e pesquisa e posicionamentos críticos frente à Educação e às práticas pedagógicos. PSED 1 Psicologia da Educação DA PSICOLOGIA À PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO CAPÍTULO 1 “Por tanto amor, por tanta emoção a vida me fez assim. Doce ou atroz, manso ou feroz, eu caçador de mim.” (Autor desconhecido) O surgimento da psicologia tem dois marcos: o primeiro consiste nas especulações dos filósofos sobre a alma, direcionando o interesse da natureza do universo físico para a natureza humana. Já o segundo marco consiste na fundação do primeiro laboratório de psicologia por Wilhelm Wundt, em 1879, na Universidade de Leipzi na Alemanha. A origem da palavra psicologia vem do grego: PSICO = psique = alma, mente, emoções, sentimentos, comportamento LOGIA = Logus = estudo, ciência A definição de psicologia foi passando por algumas mudanças conforme sua evolução histórica na busca de uma comprovação científica para se tornar ciência. A psicologia do senso comum consiste no conhecimento popular que se tem sobre a psicologia, sem ter como base comprovações científicas; enquanto a psicologia científica consiste no conhecimento estruturado através de estudo sistemático, comprovado cientificamente com um objeto de estudo definido. A psicologia ao longo de seu processo histórico buscou se enquadrar dentro dos moldes científicos. A primeira definição “Psicologia é o estudo da alma” surgiu com os filósofos, que acreditavam ter o ser humano uma alma que o movia a se comportar de determinada forma. Como a alma consistia em um objeto de estudo não palpável, de difícil mensuração, até porque os filósofos não se preocupavam com a previsão e controle da natureza e sim em explicar as atividades do indivíduo, os estudos sobre a psicologia vão caminhando na busca de se tornar uma ciência e se desligar da “Ciência Mãe”, a Filosofia. A teoria de René Descartes teve uma contribuição nesse processo quando ele compara o corpo humano a uma máquina que funciona através dos princípios hidráulicos. Ele quebra a explicação metafísica do comportamento trazendo o dualismo René Descartes PSED 3 Psicologia da Educação CAPÍTULO 1 cartesiano, que separa o corpo e a mente, e apresentando a visão dualista do comportamento através dos movimentos voluntários e involuntários. Com o estudo das ações reflexas, vários fisiologistas começaram a desenvolver experimentos com os órgãos do sentido verificando as reações que o organismo apresentava diante das mudanças de estímulos ambientais. Por exemplo, para medir a intensidade mínima de luz que um observador poderia detectar ou quais as reações que uma pessoa teria diante de um som muito alto; observando que, além das respostas fisiológicas, havia também respostas comportamentais, sentimentos, fenômenos emocionais. Nesse período, a psicologia passa a ser definida como a ciência dos conteúdos, processos e atos mentais investigados por meio do comportamento. A fundação do primeiro laboratório de psicologia para a realização dos experimentos com animais teve uma influência da teoria darwiniana, a possibilidade de realizar estudos com animais para compreender o comportamento nas várias espécies. O fisiologista russo Pavlov, em 1901, chega à definição de Reflexo Condicionado através de experimentos com cães. Posteriormente, Watson definiu a psicologia como a ciência do comportamento, introduzindo o termo behaviorismo e mostrando ser esse o caminho para a psicologia se tornar uma ciência e apresentar um objeto de estudo concreto, o comportamento. Skinner também integrou esse grupo de estudiosos que desenvolveram pesquisas com animais na tentativa de analisar o comportamento Ivan Pavlov humano e chegou ao Condicionamento Operante. A psicologia é definida como o estudo do comportamento e consegue o seu aval de ciência independente da filosofia. Dessa forma, a psicologia se distanciou do seu interesse inicial que era a alma, a mente, as emoções e explicações metafísicas para passar pelo crivo dos padrões científicos e apresentar um objeto de estudo passível de mensuração. Posteriormente, a psicologia vai retomar a questão da mente, das emoções, dos sentimentos através das novas abordagens teóricas que deram seqüência ao desenvolvimento da psicologia, como a psicanálise, a gestalt entre outras. Assim, a psicologia foi se constituindo ora subjetiva, ora bem objetiva, e, PSED 4 Psicologia da Educação CAPÍTULO 1 depois, retomando a subjetividade como sua essência encontrando-se enquanto ciência, como o processo do ser humano ora doce, ora atroz, manso ou feroz, mas buscando o próprio eu. Os estudos de diversas áreas da psicologia tiveram uma grande contribuição para o desenvolvimento da área pedagógica; até 1940, inclusive, tinha-se a convicção de que a psicologia traria o status de ciência à pedagogia através: 1. da Pesquisa Experimental de Aprendizagem 2. do Estudo e Medida das diferenças individuais 3. da Psicologia da Criança A pesquisa experimental trouxe os primeiros moldes de como ensinar focalizando os processos de estímulos e reforços, as punições e gratificações que marcaram a nossa história da educação e que hoje nas perspectivas atuais são questionadas, mas que tiveram uma importância em sua época. O estudo e medida das diferenças individuais trouxeram para a educação uma contribuição que hoje podemos dizer que se tornou um ranço da psicologia porque a criação dos instrumentos de medida da capacidade intelectual, física e emocional (os testes psicológicos) proporcionou uma grande segregação das pessoas que não apresentavam um perfil dentro do esperado pela sociedade e por um longo período ficaram marginalizadas, embora o objetivo fosse adequar a aprendizagem às diferenças individuais. Toda a teoria da psicologia da criança trouxe à área da educação um novo olhar para a criança, como ela aprende, seus interesses, seu desenvolvimento. Um expoente desse processo foi Claparède, que criou o Instituto de Pesquisa Psicológica e Educativa Jean-Jacques Rousseau, para trabalhar com os professores as teorias psicológicas voltadas para a educação. César Cool (1996) faz uma aproximação entre os objetivos e conteúdos da psicologia da educação e coloca duas vertentes: a primeira seria que a psicologia da educação consiste na aplicação dos princípios da psicologia a respeito da teoria e prática educativa e a segunda é o desacordo entre os especialistas sobre em que consiste essa aplicação: os conteúdos, a integração dos processos educativos e da psicologia científica, o perfil do psicólogo da educação, entre outros aspectos. A psicologia da educação surge como uma disciplina ponte entre a psicologia e a educação, estreitando as relações com os estudos psicológicos sem perder o foco da aprendizagem. Portanto, dentro da psicologia são importantes para a PSED 5 Psicologia da Educação CAPÍTULO 1 pedagogia a Psicologia do Desenvolvimento, a Psicologia Social, a Psicologia da Aprendizagem. David Ausubel (in Cool, 1996) aponta a diferença entre a psicologia e a psicologia da educação: Psicologia = ciência que estuda as leis gerais do psiquismo humano. Psicologia da educação = estuda as leis do psiquismo humano que regem a aprendizagem escolar. A definição de psicologia da educação apresentada por Cool é de uma disciplina psicológica e educativa de natureza aplicada com programas, pesquisas, objetivos e conteúdos próprios e com espaço definido na educação. (...)Longe de limitar-se a transpor o âmbito educativo, o conhecimento já elaborado pela investigação psicológica, a Psicologia da Educação realiza contribuições originais levando em conta, ao mesmo tempo, os princípios psicológicos e as características dos processos educativos. (Cool, 1996, p.8) O PERCURSO DA PSICOLOGIA À PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO Diante da trajetória da psicologia para se tornar ciência e os conflitos sobre a psicologia da educação sobre qual deveria ser o seu verdadeiro papel na educação, reflita: • Qual a importância da psicologia para a educação? • Como a psicologia da educação pode auxiliar o docente no cotidiano escolar? REFERÊNCIA COLL, C.; PALÁCIOS, J.; MARCHESI, A. Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. v. 2; capítulo 1. PSED 6 Psicologia da Educação O BEHAVIORISMO E SUAS IMPLICAÇÕES NA EDUCAÇÃO CAPÍTULO 2 “É verdade que podemos obter controle sobre o comportamento somente na medida em que conseguimos controlar os fatores por ele responsáveis.” (Skinner, 2000) O Behaviorismo consiste em uma escola da psicologia, ou seja, pressupostos teóricos que tiveram uma grande importância porque possibilitaram o status de ciência à psicologia. A origem da palavra é americana e significa comportamento. Watson usou o termo pela primeira vez ao definir a psicologia como a ciência do comportamento; ele acreditava que as reações emocionais são aprendidas através do ambiente. Essa é a essência da escola comportamentalista, a influência de fatores externos, do ambiente e da experiência sobre o comportamento humano, diferenciando do inatismo-maturacional que dá ênfase aos fatores biológicos: a hereditariedade e a maturação como determinantes do comportamento. Watson deixa claro que o interesse da psicologia deve estar voltado para a relação John Watson estímulos-respostas, enquanto uma ciência natural e objetiva, deixando os processos internos no organismo para serem estudados por outras áreas, como a fisiologia. Sendo importante buscar a previsão da resposta diante do estímulo conhecido e identificar o estímulo perante a resposta conhecida. A base desta concepção é a capacidade de adaptação, de reagir aos estímulos, às mudanças do ambiente. Um exemplo deste processo consiste nos animais em seu hábitat natural prevenindo os perigos, buscando alimentos em busca de sua sobrevivência. Watson realizou uma pesquisa com uma criança de 11 meses. Apresentou-lhe um rato branco e no primeiro momento a criança não demonstrou nenhuma reação de medo ou estranhamento diante do animal; depois começou a apresentar o rato ao mesmo tempo que emitia um ruído muito forte e a criança passou PSED 7 Psicologia da Educação CAPÍTULO 2 a apresentar medo do rato branco, algo que não ocorria antes. Assim como Watson, Pavlov também realizou várias pesquisas com cães e chegou ao conceito de Reflexo Condicionado. Abriu uma fístula na glândula salivar do cão e colocou um aparelho para medir a secreção salivar. Apresentava o alimento ao cão todos os dias e no momento que não apresentou, observou que houve o aumento da secreção salivar apenas com a presença do experimentador, chegando ao seguinte paradigma: Estímulo original (S) = alimento Resposta (R) = salivação Estímulo neutro (Sn) = presença do experimentador Resposta condicionada (CR) = salivação diante da presença do experimentador sem o alimento. CR R Diante do estímulo original (S), o alimento, obtinha-se a resposta (R), que era o aumento da secreção salivar do cão, porém diante de um estímulo anteriormente neutro (Sn), ou seja, somente a presença do experimentador, o cão apresentou uma resposta reflexa condicionada (CR), isto é, aumentou a secreção salivar. O mesmo processo ocorreu na experiência de Watson com a criança e o rato branco; quando o ruído passou a ser apresentado juntamente com o rato branco, a criança associou os dois estímulos e passou a ter medo do rato. No caso do experimento com o cão, este associou o alimento à presença do experimentador. Esse processo pode ocorrer com qualquer estímulo. Existe uma relação psicológica em sua origem que supera o determinismo biológico. O que se passa na mente do animal ao começar a salivar diante do experimentador é a associação do estímulo neutro ao estímulo original. Desta forma, chega-se à conclusão de que comportamentos involuntários, como a salivação, podem ser controlados por aspectos do ambiente. O ser humano assimila estímulos que não têm relação nenhuma com seu comportamento, o que permite antecipar, prever e substituir relações necessárias. Um exemplo do Condicionamento Clássico: toda primavera, João vai ao médico para tomar vacinas antialérgicas no seu braço. Vem fazendo isto há tanto PSED 8 Psicologia da Educação CAPÍTULO 2 tempo que basta olhar para o médico que o braço dói. A criança associou a dor da vacina com o médico, ou seja, o médico era o estímulo neutro que adquiriu característica para produzir a resposta condicionada, de sentir a dor da vacina. Como a presença do médico pode provocar uma dor como da vacina? O que ocorreu foi associação do médico com as situações da vacinação. O mesmo ocorre conosco quando nos lembramos de um pão-de-queijo saindo do forno, dá água na boca. A tese de que a maioria das reações emocionais das pessoas é aprendida a partir da influência do ambiente, Watson procurou comprovar com seus experimentos. Apresentou vários animais a uma criança de 11 meses e observou que ela não tinha medo deles. Depois sempre que apresentava o animal para a criança, produzia um ruído forte de uma barra de aço golpeado com um martelo. A criança manifestava reações de medo e começava a chorar. Após a repetição do experimento, a criança passou a ter medo do animal mesmo na ausência do ruído. Com isso o pesquisador afirma que o medo é um sentimento aprendido através de condicionamento. Pavlov chamou de Condicionamento Clássico o procedimento em que os estímulos neutros passam a controlar respostas condicionadas. Um comportamento é provocado por um estímulo determinado, ou seja, ocorre uma reação do organismo ao meio. A partir dos experimentos do Condicionamento Clássico, Burrhus Frederic Skinner desenvolve o Condicionamento Operante, no qual, contrário do Condicionamento Clássico, ocorre uma reação do organismo sobre Burrhus Frederic Skinner o meio, ou seja, o indivíduo opera sobre o meio e a partir de alguns estímulos reforçadores seu comportamento é mantido ou eliminado. O paradigma do Condicionamento Operante: S = estímulo = brinquedo R = resposta = comportamento de birra S® = estímulo reforçador = conseguir o brinquedo com a birra PSED 9 Psicologia da Educação CAPÍTULO 2 No exemplo acima temos uma criança querendo um brinquedo, sua mãe recusa, a criança inicia um comportamento de birra. Diante disso, a mãe dá o brinquedo que a criança quer; sendo assim, a criança aprende que com a birra consegue o que deseja, ou seja, o comportamento de birra foi reforçado pela mãe. Isto ocorre no Condicionamento Operante, quando o comportamento é seguido por uma conseqüência agradável (S®), porque ele tende a se repetir; se a conseqüência for desagradável (S®) o comportamento tem menos probabilidade de se repetir. Os experimentos de Skinner ocorreram com ratos, pombos e pessoas. Com ratos, usou uma caixa, denominada “caixa de Skinner”, equipada com uma alavanca de metal que quando acionada liberava água. O rato ingênuo (nunca colocado no ambiente da caixa anteriormente e sem ter passado por qualquer experimento) era colocado na caixa e todas as vezes que se direcionava à barra, farejando, tocando com uma pata ou com duas era reforçado com uma gota de água, o procedimento era realizado repetidas vezes até que o rato conseguia pressionar a barra, acionando a alavanca automaticamente. O procedimento consiste na modelagem do comportamento, que ocorre à medida que reforçadores são proporcionados após respostas que gradativamente se aproximam da resposta desejada, no caso, a pressão à barra. Da mesma forma quando se deseja eliminar um comportamento indesejado pode-se reforçar o comportamento contrário, ou punir o comportamento indesejado, esta foi uma prática muito usada por educadores e pais para educar seus filhos. A punição, porém, pode até ter um efeito imediato, mas traz conseqüências drásticas porque a pessoa não se esquece da punição, ela deixa marcas ruins. Quem não se lembra de uma situação em sua vida escolar, na qual uma professora humilhou, PSED 10 Psicologia da Educação CAPÍTULO 2 ridicularizou ou até agrediu fisicamente um aluno por ter dificuldades de aprender ou por não seguir as regras da sala? O comportamentalismo trouxe algumas contribuições à educação: • Ensinar é planejar/organizar os estímulos reforçadores para tornar a aprendizagem mais eficiente. • A valorização do planejamento do ensino, definindo os objetivos que se deseja atingir para preparar as atividades e definir os reforçadores. • As máquinas de ensinar, nas quais o aluno responde a questões sobre o tema que está estudando, se acertar, automaticamente aparece a questão seguinte, mas, se errar, terá que retomar o conteúdo para conseguir prosseguir com as questões. • A instrução programada, que consiste em questões impressas cuja resposta encontra-se na página seguinte, como um gabarito, e entre as questões são apresentados alguns textos a respeito do assunto que está sendo abordado. Esses procedimentos possibilitam que o ensino ocorra gradualmente ,respeitando o ritmo de cada aluno e tornando o processo ensino-aprendizagem mais eficiente. O CONTROLE NA SOCIEDADE “Nos fatos reais há um considerável grau de controle sobre muitas das condições relevantes. Nas instituições penais e organizações militares há extenso controle. Na infância controlamos cuidadosamente o ambiente do organismo humano e, mais tarde, para aqueles em que as condições da infância permanecem pela vida afora, em institutos que os asilam. Na indústria se mantém controle bastante amplo das condições relevantes para o comportamento sob a forma de salários e condições de trabalho; nas escolas, sob a forma de notas e condições de trabalho; no comércio, por quem quer que possua mercadorias ou dinheiro; pelas agências PSED 11 Psicologia da Educação CAPÍTULO 2 governamentais, através da polícia e do exército; a clínica psicológica, através do consentimento do controlado, e assim por diante. Certo grau de controle real, mas não tão facilmente identificado, está em mãos de escritores, propagandistas, publicitários e artistas.” (Skinner, 2000, p.24) REFLEXÃO • Você já parou para pensar se no seu cotidiano você está o tempo todo sendo controlado ou controlando o comportamento de alguém? • Como anda a questão do controle na educação? REFERÊNCIAS SKINNER, B. F. A ciência e o comportamento humano. 10. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. CRUZ, Nazaré; FONTANA, Roseli. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997. Capítulo 3. BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. Capítulo 4 PSED 12 Psicologia da Educação A PSICOLOGIA DA FORMA NA EDUCAÇÃO CAPÍTULO 3 “Depois, mas por que é que me ensinaste a clareza das vista, se não me podias ensinar a ter a alma com que a ver clara?” (Fernando Pessoa) A Gestalt é uma das escolas da psicologia que trouxe também sua contribuição à área da educação. Seus pressupostos teóricos apontam para formas de aprendizagem, métodos de ensino, percepção dos conteúdos e das relações e, como buscar soluções para situações-problema. Gestalt é uma palavra de origem alemã que tem como significado forma, configuração. Os gestaltistas desenvolveram sua teoria a partir dos experimentos em psicofísica sobre as sensações que o meio provoca, sendo a percepção um assunto central da teoria. Eles queriam compreender os processos psicológicos envolvidos na ilusão de ótica, porque o estímulo físico é percebido de modo diferente da realidade. Como no desenho animado, que são vários quadros, cujas imagens se sobrepõem em nossa retina dando-nos sensação de movimento. Na relação estímulo-resposta proposto pelo behaviorismo, os gestaltistas colocam que não é tão objetivo, que ocorrem processos mentais, sentimentos, percepções no organismo ao se comportar, e a psicologia precisa considerar estes aspectos para estudar o comportamento de forma mais ampla, mais global. A proposta da teoria da Gestalt para a aprendizagem é que a melhor forma de apreender algo é partir de um padrão global. Várias pessoas podem perceber a figura acima de diferentes formas, ter sensações, sentimentos peculiares. Isto só é possível porque cada pessoa tem uma vivência, uma experiência específica, uma visão de mundo que lhe permitirá ver de forma diferente do outro. Ao interpretarmos uma figura, uma obra de arte, uma música, um texto, usamos algumas tendências para compreendermos o objeto da melhor forma possível, para darmos um sentido, um significado a ele. Quando assim fazemos, estamos PSED 13 Psicologia da Educação CAPÍTULO 3 buscando a boa-forma. As tendências são: 1. Proximidade: agrupamos os elementos mais próximos para compreendermos a figura da melhor forma. Por exemplo, num texto buscamos os assuntos que são próximos, que têm relação entre si. 2. Semelhança: agrupamos os elementos semelhantes. Na análise de figuras, por exemplo, o nosso olhar busca pelos objetos semelhantes. Na descrição de uma paisagem, muitas vezes falamos do verde, das flores, jardins para darmos um significado ao quadro. 3. Fechamento: nessa tendência, completamos os elementos que faltam para termos uma melhor compreensão. 4. Figura-fundo: é uma relação que fazemos centrando nosso olhar em um aspecto da figura em detrimento do outro para melhor compreendermos. O objeto centrado é a figura e o entorno passa a ser o fundo, se focarmos o olhar para outro elemento, este passa a ser a figura e os demais são o fundo. Um exemplo são as cenas de filme. O que aparece com nitidez é a figura e a parte embaçada é o fundo, e o foco pode ser mudado a qualquer momento. Dessa forma, o campo psicológico é como um campo de força que nos leva a procurar a boa-forma, garantindo a busca da melhor forma em situações que não estão muito estruturadas. Em muitas situações, nos comportamos conforme percebemos os estímulos físicos, as situações em que vivemos, e esta percepção pode estar condizente com a realidade. Por exemplo, quando cumprimentamos alguém desconhecido pensando ser outra pessoa. A psicologia da Gestalt trouxe o termo insight para a psicologia, que significa uma compreensão repentina de determinado assunto, da solução de um problema, no popular dizer, “caiu a ficha”, “iluminou”, “eureca”, enfim, situações nas quais encontramos o caminho, a resposta para algo que buscamos entender. O processo que realizamos para chegar ao insight consiste na organização dos elementos para a compreensão do todo. Quando ficamos presos em apenas um PSED 14 Psicologia da Educação CAPÍTULO 3 elemento, nos perdemos e não conseguimos chegar à visão global da situação. Para a Gestalt, a aprendizagem ocorre a partir da relação entre o todo e as partes, sendo que o todo tem papel fundamental na compreensão do objeto percebido. O método global é um pressuposto da teoria da Gestalt e destaca que a atividade pedagógica deve começar com a apresentação do conteúdo em situações totais. Sendo assim, quando você vai iniciar um conteúdo, um assunto, um tema, deve começar apresentando-o no geral, para depois, a partir do todo, explicar a importância e a função de cada parte. Dessa forma o aluno terá condições de compreender melhor o que está estudando e sua aprendizagem terá um significado. DAS PARTES AO TODO OU DO TODO ÀS PARTES? “Se pensarmos no artesão que antes fazia o sapato do começo ao fim, antes de iniciar a produção já tinha claro como ficaria o sapato depois de pronto. Hoje, na produção em série das indústrias de calçado, a coladeira de peça muitas vezes não imagina como ficará o produto final do sapato que está produzindo.(...)”. Diante dessa afirmação, pense em como está nossa educação, como o artesão ou como as indústrias, e que aluno queremos formar dentro dessa proposta? REFERÊNCIA BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. Capítulo 4 PSED 15 Psicologia da Educação CAPÍTULO 3 PSED 16 ANOTAÇÕES Psicologia da Educação CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE À EDUCAÇÃO CAPÍTULO 4 “Se fosse preciso concentrar numa palavra a descoberta freudiana, essa palavra seria incontestavelmente inconsciente.” (Laplanche e Pontalis, 1997) Quando se fala em psicanálise, automaticamente nossa memória se volta para um nome: Freud, o pai da psicanálise. Nasceu na Morávia, atual Checoslováquia, em 1856, era judeu, de família simples, o primogênito dos filhos e sempre foi excelente aluno. Fez medicina na Universidade de Viena, sempre foi muito criticado por ser judeu, o que o ajudou a suportar as críticas a sua teoria. Passou três anos na faculdade além do necessário para terminar o curso porque queria continuar trabalhando com pesquisas; desenvolveu vários estudos sobre dermatologia, sistema nervoso central, bases do uso da cocaína como anestésico local, afasia, paralisia infantil e explicações funcionais para áreas do cérebro. Com o casamento, deixou as pesquisas por um tempo em função de questões financeiras e Sigmund Freud passou a dedicar-se à carreira clínica, até ganhar uma bolsa de estudo para trabalhar com Charcot em Paris, o psiquiatra que descobriu que a hipnose eliminava temporariamente os sintomas histéricos. A hipnose consiste em um método de sugestão através do qual a pessoa narra fatos dolorosos de sua vida em estado hipnótico. Os sintomas histéricos consistem na incapacidade de integrar as funções psíquicas, apresentando problemas somático, como paralisias dos membros. Depois de um tempo, volta para Viena para trabalhar com Joseph Breuer e elaboram o método catártico, num processo em que um evento traumático reprimido que não está consciente, ao ser recordado, traz junto a vivência da emoção anteriormente reprimida. Ao trazer o trauma para o consciente com a descarga das emoções reprimidas, os sintomas desaparecem. Um exemplo clássico que proporcionou a descoberta de todo esse processo foi o primeiro caso da psicanálise, o caso Ana O, uma jovem de 21 anos, PSED 17 Psicologia da Educação CAPÍTULO 4 muito inteligente que possuía um quadro histérico, ou seja, apresentava paralisias, perturbações nos movimentos oculares, tosse nervosa, hidrofobia e estados de absence, nos quais falava coisas fragmentadas e sem sentido. Em estado hipnótico, Breuer repetiu algumas palavras que havia dito em estado de absence para provocar uma associação e Anna O começou a relatar: “(...) ao leito de morte do pai, onde exausta entrou numa espécie de sono acordado, e alucinou ver uma serpente negra que surgia para picar o enfermo. Quis afastar o réptil, mas sentiu seu braço paralisado. Ao fixar os olhos em seu braço, viu seus dedos se transformarem em pequenas serpentes cujas cabeças, localizadas nas unhas, eram caveiras. Assustada, tentou rezar, mas as palavras lhe fugiram, só se lembrando de uma oração infantil em inglês”. (Rappaport, 1981, p.16) Ao voltar do sonambulismo, Ana não apresentava mais os sintomas de paralisia. Freud passou a vida desenvolvendo a psicanálise e controlando o movimento psicanalítico e expulsando os que discordavam dele. Quanto mais pessoas tinham acesso a sua teoria, mais as críticas aumentavam e quiseram queimar seus livros em Berlim, fato este considerado por ele um progresso senão ele seria morto. Adoeceu com um câncer na boca e mandíbula, sofrendo 33 cirurgias para controlar a doença, vindo a falecer em Londres, em 1939. A PRIMEIRA TEORIA DO PSIQUISMO A grande descoberta de Freud foi o inconsciente, que constituiu uma das feridas narcísicas do ser humano, que antes pensava ter total domínio sobre sua vontade e com o inconsciente descobre que não tem. Freud chegou ao inconsciente através da experiência clínica de Breuer, o método catártico descrito anteriormente e pelas experiências com sugestão pós- PSED 18 Psicologia da Educação CAPÍTULO 4 hipnótica de Bernheim. Em estado de hipnose, o paciente recebe uma ordem do terapeuta e quando sai do sonambulismo sem saber o porquê conscientemente age segundo a ordem recebida, por exemplo, abrir um guarda-chuva no meio de uma sala diante de outras pessoas. Sem entender a razão, a pessoa tem a atitude, fica constrangida e procura se justificar com explicações racionais. Fica clara a existência de dois processos psíquicos, um consciente e outro inconsciente, sendo que o segundo determina as ações da pessoa sem esta ter consciência. Surge uma questão, uma pessoa pode ter qualquer atitude mediante uma ordem recebida em hipnose? Mesmo atos que são contrários às normas sociais? “(...). Não cometeria, por exemplo, um crime sob efeito de sugestão póshipnótica. Uma paciente feminina não poderia ser levada a desnudar-se por mero efeito de sugestão pós-hipnótica, a não ser que ela pessoalmente não se incomodasse com tal procedimento. Normalmente, quando é dada ao hipnotizado uma ordem que ele não pode cumprir, em geral acorda abruptamente do transe bastante incomodado, e torna-se em seguida resistente a entrar em nova hipnose”. (Rappaport, 1981, p.16) Ao falar de psicanálise, convido vocês a entrar no mundo do inconsciente, só assim poderão compreender os pressupostos teóricos desta teoria porque os processos ocorrem inconscientemente. A resistência e a repressão são dois mecanismos de defesa que agem de forma a proteger nosso funcionamento psíquico de conteúdos que não daríamos conta de entrar em contato conscientemente. Por exemplo, numa situação em que ocorre algo muito doloroso, este conteúdo é reprimido ficando no inconsciente. Esse é o mecanismo da repressão. O papel da resistência é impedir que esse conteúdo doloroso se torne PSED 19 Psicologia da Educação CAPÍTULO 4 consciente, agindo como uma barreira. Esse processo ocorre de forma dinâmica e inconsciente, o que temos como conseqüência da tentativa de conteúdos inconscientes se tornarem conscientes é o surgimento de sintomas neuróticos, ou seja, o conteúdo reprimido tenta vir para o consciente, a resistência entra em ação para impedir gerando a ansiedade, o medo, a taquicardia, etc. Para finalizar este subcapítulo, é importante ressaltar que o inconsciente, segundo Laplanche e Pontalis (1997), consiste nos conteúdos que não estão presentes no consciente e cujo acesso ao consciente foi recusado. O consciente consiste nos fatos, eventos, pensamentos que temos na mente e estamos constantemente em contato. ESTRUTURAS DINÂMICAS DA PERSONALIDADE Quando o modelo topológico de consciente e inconsciente não consegue explicar a dinâmica psíquica, Freud começa a escrever sobre o dinamismo das estruturas da personalidade: ID, EGO e SUPEREGO, num modelo dinâmico da personalidade. O ID consiste na estrutura primária, com a qual nascemos, portanto, ligado aos impulsos instintivos inatos que levam às relações humanas. O princípio que rege essa estrutura é o princípio do prazer, a busca da satisfação imediata dos desejos; como no sonho, não tem tempo, PSED 20 Psicologia da Educação CAPÍTULO 4 censura, tudo é possível e constituído por imagens que às vezes são deslocadas 1 outras condensadas2 . O ID é a primeira estrutura da personalidade, com a qual nascemos; a partir dela as demais estruturas vão sendo construídas, formando assim nossa personalidade. O SUPEREGO é a estrutura que se contrapõe ao ID, enquanto ao ID tudo é permitido. No SUPEREGO estão a censura, as proibições, as normas e regras de convivência social. O SUPEREGO é responsável pela estruturação interna dos valores morais, isto é, a internalização das regras morais do que é proibido e valorizado. No SUPEREGO, temos o ego ideal, que consiste em internalizar os ideais valorizados no grupo cultural em que a pessoa vive, como a honestidade, o caráter, o desenvolvimento intelectual; e a consciência moral, que resume-se na internalização das proibições que, quando transgredidas, gera o sentimento de culpa, como roubar, prejudicar alguém. O SUPEREGO é fundamental para a personalidade, principalmente na convivência em grupo, mas quando exagerado pode prejudicar. Se as proibições forem muito severas, qualquer ato, por menor que seja, contraria os valores ensinados pelos pais, podendo ser sentido pela pessoa como um crime e direcionar sua vida em função da culpa. Ao contrário disso, o psicopata é alguém sem valores internos, terá uma facilidade para a delinqüência e só será contido diante de restrições punitivas, como a prisão. E o EGO, qual o papel dessa estrutura da personalidade? O EGO é o mediador entre o ID e o SUPEREGO. Ele funcionará a partir do princípio da realidade, ou seja, o juízo de realidade verificando se o desejo do ID pode ou não ser realizado, fazendo a conciliação entre os desejos e as proibições internas e da realidade objetiva. O EGO permite a adaptação ao mundo em que vive e engloba todas as funções lógicas do funcionamento mental, como a memória, o pensamento, a linguagem e o esquema corporal. O EGO é também a sede da angústia, o responsável por detectar os perigos reais e psicológicos que ameaçam a integridade do indivíduo. São elas: • Angústia real - consiste no medo diante de um fato da realidade, que 1 Ver o significado de deslocamento e condensação em mecanismos de defesa. 2 Idem. PSED 21 Psicologia da Educação CAPÍTULO 4 realmente aconteceu, que mobiliza a pessoa diante de um perigo a lutar ou fugir. • Angústia neurótica - é o temor diante dos desejos que prevalecem sobre a realidade, com o sentimento de que podemos perder o controle e fazer algo ruim. Essa angústia pode surgir como um medo de algo que não tem explicação concreta, racional. Por exemplo, uma pessoa que passa a não dirigir mais em rodovias por um medo o qual não sabe explicar e sem que nada tenha acontecido concretamente que pudesse justificar o medo repentino. • Angústia moral - é o sentimento de culpa proveniente do SUPEREGO rigoroso, que, percebendo os desejos do ID, passa a punir a pessoa como se a transgressão tivesse ocorrido. Por exemplo, uma pessoa só de imaginar uma atitude desonesta já se sente uma criminosa. Um exemplo para esclarecer esse processo dinâmico que ocorre em nosso funcionamento psíquico seria: “Diante da manifestação do desejo, duas proibições podem opor-se: as proibições morais, oriundas do Superego e as interdições da realidade objetiva. (...) Uma jovem criada dentro de uma organização familiar de tradições morais nos moldes antigos provavelmente tenderá a ver a sexualidade, notadamente a sexualidade pré-marital, como algo pecaminoso e proibido. Abraçada ao seu namorado, os desejos sexuais se manifestam. As proibições surgem tanto do lado real (risco de gravidez, possíveis atritos reais com a família) quanto do lado superegóico, ou seja, mesmo que o real esteja sob controle, que ela racionalmente ache que a experiência será válida, que não há perigo de gravidez e que a família não necessita saber de sua conduta, algo interno, não definido, proíbea de tentar.” (Rappaport, 1981, p.27) PSED 22 Psicologia da Educação CAPÍTULO 4 Todo esse processo ocorre de maneira inconsciente, não percebemos conscientemente que não conseguimos realizar algo porque há uma estrutura da personalidade cuja censura nos impede de fazê-lo; essa dinâmica é interna e ela ocorre para preservarmos nossa saúde mental, ou seja, para facilitar nossa adaptação ao meio e impedir-nos de enlouquecer. Para proteger nossa saúde mental, principalmente o EGO, estrutura da personalidade responsável pelo equilíbrio mental, como já foi colocado, existem os mecanismos de defesa; dois deles foram apresentados anteriormente e a seguir serão citados brevemente outros mecanismos que também são importantes nesse processo, sendo importante lembrar que a atuação dos mecanismos de defesa ocorre inconscientemente. 1. Divisão ou cisão – consiste em objetos, imagens, pessoas com as quais nos relacionamos e despertam nosso amor e nosso ódio ou temor. Então dividimos esse objeto atribuindo amor a uma parte e ódio à outra. Um exemplo talvez fosse uma mãe que fala do filho bom e do filho mau, e não consegue perceber que os dois têm qualidades e defeitos. 2. Negação – ocorre quando não percebemos características no outro que nos magoariam ou que seriam perigosas para nós. Por exemplo, um pai machista que não admite a homossexualidade do filho. 3. Projeção – quando atribuímos características nossas no outro. Por exemplo, uma mãe que não cuida adequadamente do filho e atribui a culpa pelas dificuldades do filho à professora, ao pai, etc. 4. Racionalização – quando fugimos dos sentimentos buscando explicações lógicas, racionais para nossas atitudes, tentando provar que merecemos o reconhecimento do outro. A defesa da eutanásia pode ser um exemplo. Buscamos justificativas lógicas para que o doente incurável fosse morto, mas na realidade queremos encobrir os sentimentos agressivos contra aquele que só nos traz trabalho e angústia. PSED 23 Psicologia da Educação CAPÍTULO 4 5. Formação reativa – consiste em ter uma atitude com o sentido oposto ao desejo reprimido. Atuar de forma contrária ao desejo pode ser um meio de auto preservação. Um exemplo, os desejos sexuais intensos sendo transformados em comportamentos extremamente pudorosos. 6. Identificação – ocorre quando o sujeito internaliza características de outra pessoa a qual valoriza muito, passando a sentir-se como ela; pessoas que se sentem vazias passam a sentir-se valorizadas, importantes por se identificarem com o líder. 7. Regressão – consiste em voltar a estágios de desenvolvimento anteriores ao que está. Por exemplo, uma criança voltar a chupar chupeta diante do nascimento do irmão. 8. Isolamento – é o processo de isolar o pensamento, a atitude, o comportamento, o sentimento, para não ameaçar a integridade psíquica. Quando uma pessoa relata o acidente que levou a morte do irmão como se fosse fato que leu no jornal, ou que aconteceu com outra pessoa e não com um membro da família. 9. Deslocamento – consiste em descarregar os sentimentos agressivos em pessoas ou em objetos menos perigosos. Se a raiva é do chefe em casa discutimos com a mulher, o marido, ou os filhos. 10. Condensação – quando unimos duas imagens formando uma terceira que dificulta identificar a original; ocorre muito nos sonhos, onde as imagens surgem distorcidas ou sob figuras mitológicas, como o minotauro (corpo de homem e cabeça de touro). 11. Sublimação – esse mecanismo de defesa é considerado o mais evoluído e consiste na canalização dos desejos afetivos que dão prazer para atividades simbólicas e produtivas, como as obras de arte, música, literatura, entre outras. Os processos psíquicos ocorridos com os mecanismos de defesa têm a função de afastar um evento gerador de angústia do consciente, preservando a sanidade mental do ser humano. PSED 24 Psicologia da Educação A PSICANÁLISE NA SALA DE AULA CAPÍTULO 4 Após o estudo do capítulo 4, faça uma reflexão sobre como o conhecimento dos pressupostos teóricos da psicanálise, como os processos consciente e inconsciente, a dinâmica da personalidade, os mecanismos de defesa podem auxiliar o docente em sua prática. REFERÊNCIAS RAPPAPORT, C.R.; FIORI, W.R.;DAVIS, C.. Teorias do desenvolvimento: conceitos fundamentais. São Paulo: EPU,1981. Capítulo 2, volume 1, pp .11 a 50 LAPLANCHE E PONTALIS . Vocabulário de Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1992. ANOTAÇÕES PSED 25 Psicologia da Educação CAPÍTULO 4 PSED 26 Psicologia da Educação A TEORIA PIAGETIANA CAPÍTULO 5 “Para conhecer os objetos, o sujeito tem que agir sobre eles e, por conseguinte, transformá-los: tem que deslocá-los, agrupá-los, combiná-los, separálos e juntá-los. Nesse sentido, o conhecimento não é nem uma cópia interior dos objetos e acontecimentos que se imporiam ao sujeito. Ele é uma compreensão real, construída a partir de modos de ação do sujeito sobre o meio, dependendo dos dois - sujeito e objeto – ao mesmo tempo.” (Jean Piaget) Jean Piaget nasceu em 9/8/1896 em Neuchâtel, na Suíça, seu pai sempre foi um estudioso de literatura e escreveu a história de Neuchâtel e sua mãe enérgica e inteligente contribuiu para que ele sempre se dedicasse aos trabalhos sérios. A biologia sempre foi de seu interesse, e sua primeira formação. Desde os 7 anos de idade, observava os pássaros, fósseis, conchas marinhas. Escreveu um artigo sobre as observações de um pardal, estudou moluscos, tema em que defendeu sua tese de doutorado. Passou por um momento de crise religiosa Jean Piaget entre 15 e 20 anos. Sua família era protestante, e através desse meio, chegou à Filosofia e posteriormente à tentativa de unir a Filosofia à Ciência. Neste momento de crise, resolveu se dedicar ao estudo do problema do conhecimento: a Epistemologia. Após o doutorado, fez estudos em Psicologia em Zurique e Filosofia em Paris; foi convidado a participar da padronização do teste de raciocínio de Burt, no qual sua função era conversar com os sujeitos fazendo um tipo de interrogatório clínico, com o fim de descobrir algo sobre os processos de raciocínio que se encontravam por trás das respostas. A partir desta experiência surgiu o método clínico. Em 1921, Claparède se impressiona com seus artigos e o ajuda a ingressar no Instituto Jean Jacques Rousseau para desenvolver trabalho com crianças. Nesse período, define seu objeto de estudo, a Epistemologia Genética. PSED 27 Psicologia da Educação CAPÍTULO 5 Com este estudo, descobriu as raízes das diversas modalidades do conhecimento desde suas formas mais elementares até o pensamento científico. O meio que usa é o método clínico. O MÉTODO CLÍNICO O método clínico foi adaptado para a investigação experimental e o objetivo foi superar o método de observação pura, portanto, consiste em conversar livremente com a criança sobre um tema dirigido e seguir os desvios tomados pelo seu pensamento a fim de reconduzi-la ao tema para obter justificativas e testar a constância e fazer contra-sugestões. Isso acontece quando conversamos com crianças pequenas sobre um determinado assunto e percebemos que elas ainda têm um conceito inadequado, mas que tem uma lógica. Por exemplo, um dia fui ao shopping com meu filho de 2 anos e meio e ele me pediu para comprar-lhe uma bola de basquete com a cesta; eu expliquei que não tinha dinheiro, que primeiro iria trabalhar, receber o dinheiro e depois poderia comprar. Depois de um mês aproximadamente, fomos novamente ao shopping e no caminho ele me perguntou se eu havia trabalhado, eu disse que sim, e questionei o porquê. Ele respondeu perguntando se eu recebi o dinheiro ao que eu disse sim, então ele perguntou se estava na bolsa, eu perguntei o porquê e ele disse então: “Hoje você pode comprar a bola de basquete para mim”. Um questionamento da criança que aparentemente é estranho, quando investigado pode-se perceber como ocorre o raciocínio, a lógica de seu pensamento. Mas quantas vezes deixamos as falas de crianças de lado por falta de tempo com a correria do diaa-dia, não dando a importância necessária? A primeira etapa do método clínico consistiu na elaboração, cujo objetivo foi captar a lógica da criança através do pensamento verbal. Primeiramente, esse processo ocorreu somente em situações naturais e não preestabelecidas, observando as manifestações das crianças. Posteriormente, para o estudo do raciocínio usou alguns testes psicológicos de lateralidade, definição dos objetos, família, seriação, inclusão, multiplicação lógica. Piaget escreveu vários livros a respeito dessas pesquisas e PSED 28 Psicologia da Educação CAPÍTULO 5 valorizava mais o lado qualitativo das respostas das crianças no sentido de compreender o raciocínio, o contexto da situação. Em função disso percebe que a padronização do teste limitava a verificação do desempenho do pensamento da criança, que para ele era o mais importante. Portanto, a partir desse momento, passa a estruturar outro método. De 1925 a 1931, Piaget passou por várias mudanças profissionais e familiares, torna-se chefe dos trabalhos no Instituto Rousseau, professor de Filosofia na Universidade de Neuchâtel e professor de História do Pensamento Científico em Genebra; nasceram seus três filhos, os quais muito contribuíram para o desenvolvimento de sua teoria e levou-o a retornar à observação pura no período em que seus filhos ainda não tinham a linguagem verbal. A segunda etapa do método clínico ocorreu no período de 1930 a 1940, denominada observação crítica, ou método crítico, que consistia em conversar livremente com as crianças sem limitar-se a perguntas fixas de forma a permitir a tomada de consciência e a formulação de suas próprias atitudes mentais. Dessas observações, surgem os primeiros escritos sobre o período sensório-motor. De 1940 a 1955, assumiu novas atividades profissionais, como o laboratório de psicologia experimental, a presidência da Sociedade Suíça de Psicologia, tornou-se membro da Academia de Ciências de Nova York e professor de Psicologia Genética da Sorbonne e nesse período desenvolveu a terceira etapa do método clínico, do desenvolvimento e formalização. Nessa etapa chega à percepção de que o pensamento verbal da criança proporciona apenas um dos aspectos da construção das estruturas lógicas e passa a investigar a ação lógica das operações concretas, ou seja, como funciona o pensamento da criança quando brinca, opera com objetos como quebracabeça, lego, encaixe, etc. Ocorre também a afirmação do método crítico, termo este usado em razão de a sistemática controvérsia das afirmações do sujeito para captar sua atividade lógica profunda e a estrutura característica do estágio do desenvolvimento, através da contra-argumentação, ou seja, sugestões verbais contrárias ao pensamento da criança para verificar a certeza de seu raciocínio ou há dúvida. Por exemplo, quando a criança está diante de dois tubos com a mesma quantidade de tinta, porém, um é baixo e largo e o outro alto e estreito e diz que tem PSED 29 Psicologia da Educação CAPÍTULO 5 mais tinta no tubo alto e estreito porque é maior, você contra-argumenta dizendo que se colocar a tinta do tubo estreito em outro tubo baixo e largo vai ficar a mesma quantidade do primeiro tubo. Ao questionar a criança e apresentar outra possibilidade, ela pode mudar de idéia ou confirmar a sua, portanto, a contra-argumentação tem a função de provocar um desequilíbrio no pensamento da criança, para que ela possa construir o conceito. A quarta etapa do método consistiu nos últimos desenvolvimentos, quando elabora os quadros numéricos da pesquisa realizada com 2.159 crianças com a ajuda de 18 colaboradores. A psicologia genebriana com um contexto teórico fundado num modelo lógico, na experimentação, permite ao pesquisador focalizar a apreensão dos processos cognitivos em quadros definidos e aos psicólogos clínicos a investigação clínica para o diagnóstico. Desde o início de sua vida sempre se preocupou em descobrir as coisas, daí a necessidade de saber como era a aprendizagem do ser humano, o que diferia entre o homem e o animal. Percebeu que a criança tem um raciocínio diferente ao do adulto, por isso passa a trabalhar com as crianças pelo método clínico. A psicologia genebriana iniciou seus estudos pelo erro, ou seja, as respostas erradas das crianças, o que ninguém havia realizado até então. Em sua investigação, observou os filhos, fazendo um jogo para verificar como pensavam, suas formas de raciocínio, como o ser humano consegue construir o seu desenvolvimento intelectual. Desse jogo surgiram as provinhas piagetianas, que não são testes, mas atividades em que são feitas algumas propostas para a criança realizar com os materiais e se vai questionando sua execução tentando entender como ela pensou para realizar a tarefa. Sua teoria está baseada no processo de assimilação e acomodação, estruturas biológicas que precisam estar maturas para chegar à adaptação e provocam o desequilíbrio, processo o qual natural e constantemente levam à adaptação. Por ser biólogo, sua teoria está intimamente ligada a pressupostos da Biologia. Para Piaget, a adaptação à realidade externa depende basicamente do conhecimento, por isso buscou cientificamente os processos usados pelo indivíduo para conhecer, isto é, a Epistemologia genética, ou seja, a gênese do conhecimento, que consiste em buscar quais processos mentais estão envolvidos numa situação de PSED 30 Psicologia da Educação CAPÍTULO 5 resolução de problema e quais os processos que ocorrem na criança para possibilitar aquela atuação. Segundo sua teoria do conhecimento, o que regula e corrige o desenvolvimento do comportamento adaptativo é a realidade externa do sujeito do conhecimento. A construção das estruturas mentais e seu funcionamento estão ligados à tentativa da criança em entender o mundo. Piaget morreu em 1980 aos 94 anos. PRINCIPAIS CONCEITOS DA TEORIA PIAGETIANA Hereditariedade: o indivíduo herda estruturas biológicas que predispõem ao surgimento das estruturas mentais. Não herdamos a inteligência, o organismo que se desenvolve em contato com o meio, por isso a importância da estimulação física e social para a constituição da inteligência. Adaptação: também pode ser equilibração. O ambiente físico e social rompe o estado de equilíbrio que provoca a busca do comportamento adaptativo. O conhecimento permite novas formas de interação com o meio, o que leva à adaptação mais completa. Essa busca recorre a dois processos que sempre vêm juntos: a assimilação e a acomodação. Assimilação: é a tentativa de solucionar um problema a partir de uma estrutura já formada, incorporar novo elemento. Por exemplo, subir uma escada; a partir do momento que aprendeu a subir o fará em qualquer ocasião; a ingestão de alimento, na qual ocorrem os processos de ingestão, mastigação, deglutição, transformação, se se mudar o alimento, o corpo terá que se adaptar ao novo sabor, caso contrário, o organismo o expulsará. Acomodação: na insuficiência da assimilação, pela estrutura já formada, parte para outras tentativas modificando as antigas para conseguir solucionar. A adaptação depende muito da flexibilidade do sujeito. Por exemplo, a criança que sabe andar de bicicleta normal e passa para a bicicleta de marcha. Esquemas: consiste na unidade estrutural básica de pensamento ou de ação; corresponde à estrutura biológica que muda e se adapta. PSED 31 Psicologia da Educação CAPÍTULO 5 Por exemplo, sugar é um esquema simples; a partir do reflexo forma-se a idéia no pensamento, imagem interiorizada de escola é um exemplo de esquema complexo. É a disposição comportamental específica diante de um estímulo específico, ou a idéia que formamos de algo; é uma forma de organização do pensamento e se desenvolve para permitir a adaptação. Outros exemplos são o esquema de mãe, de preensão. Equilíbrio: de acordo com a biologia, quando ocorre um problema com um dos elementos do organismo, o próprio organismo busca retornar ao estado de equilíbrio, Por exemplo, diante da fome, busca ingerir alimentos. Em termos dos processos mentais o equilíbrio se refere à organização das estruturas cognitivas num sistema coerente que permite a adaptação. Por exemplo: a criança recém-nascida dependenteaniza as impressões sensoriais para aprender a agir, no meio, usa os esquemas sensório-motores. ATENÇÃO: Os estágios de desenvolvimento, segundo Piaget, estarão no Fórum e as inferências educacionais sobre sua teoria no CHAT. REFERÊNCIAS SEBER, Maria da Glória. Construção da inteligência pela criança: atividades do período pré-operatório. 4.ed. São Paulo: Scipione, 1995. Capítulo 1. RAPPAPORT, C.R.; FIORI, W.R. DAVIS, C. Teorias do desenvolvimento: conceitos fundamentais. São Paulo: EPU,1981. Capítulo 3, volume 1, páginas 63 a 75. FONTANA, Roseli. A psicologia e o trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997. COLL, C.; PALÁCIOS, J.; MARCHESI, A.(orgs.) Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia da educação. Porto Alegre: Artes Médicas,1996. Capítulo 7, volume 2. PSED 32 Psicologia da Educação A TEORIA DE VYGOTSKY CAPÍTULO 6 “O homem, todo e qualquer ser humano, não existe dissociado da cultura.” (Marta Kohl de Oliveira) Lev Semenovich Vygotsky nasceu em 17 de novembro de 1896, na cidade de Orsh, na Rússia, filho de uma família culta, o que o levou a questionar-se sobre o homem e a criação de sua cultura. Sempre se interessou por literatura, poesia, filosofia, direito, medicina, psicologia; estudou francês, hebraico, latim e grego. Foi educado em casa até os 15 anos, quando ingressou no curso secundário. Lev S. Vygotsky Em 1914, começou o curso de Medicina na Universidade de Moscou e junto fez Direito e depois Filosofia, Psicologia, Literatura e História na Universidade Popular de Shanyavsky. Durante a Revolução Russa, em 1917, forma-se em Direito e volta para Gomel, onde passou sua adolescência e começa a lecionar Literatura, História da Arte e onde funda um Laboratório de Psicologia, na escola de professores. Ao se apresentar no Congresso Panrusso de Psiconeurologia em 1924 é convidado a trabalhar no Instituto de Psicologia de Moscou, conhece Aleksander Luria e Leksei Leontiev, os quais passam a ser seus colaboradores e amigos. Em 1925 adoece gravemente da tuberculose e inicia um período de grandes produções, conferências e pesquisas. Sua paixão pela arte o mantinha muito próximo de intelectuais e artistas, por isso foi considerado pelo cineasta Sergei Eisenstein como um dos psicólogos mais brilhantes da época com a capacidade de ver o mundo com claridade celestial. Em 1929 conclui sua tese A psicologia da Arte com base em Hamlet, de Shakespeare. Em 1932 prefaciou o livro A linguagem e o pensamento da criança, de Jean Piaget. Morreu precocemente aos 37 anos em 11 de junho de 1934. Sua obra foi proibida por quase meio século por Josef Stalin, em 1936 sob acusação de idealismo. Segundo Oliveira (1993), a psicologia de Vygotsky pode ser conceituada em três pilares: 1. as funções psicológicas têm um suporte biológico pois são produtos da atividade cerebral; 2. o funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações PSED 33 Psicologia da Educação CAPÍTULO 6 sociais entre o indivíduo e o mundo exterior, as quais se desenvolvem num processo histórico; 3. a relação homem-mundo é mediada por sistemas simbólicos. O cérebro, sendo a base, não significa que é o limite. Por ser um sistema aberto, possui uma grande plasticidade e está em desenvolvimento ao longo da vida de cada ser humano. Segundo Vygotsky (1991), a criança nasce com as funções psicológicas elementares, e a partir do aprendizado da cultura estas se transformam em funções psicológicas superiores: as ações conscientes, a atenção voluntária, o pensamento abstrato e o comportamento intencional. Essa evolução não ocorre de forma imediata e diretas. As informações recebidas do meio social são intermediadas, de forma explícita ou não, pelas pessoas que interagem com as crianças; essa intermediação imprime às informações um caráter valorativo e significados sociais e históricos. “Por processos mentais superiores entende-se o controle consciente do comportamento, a ação intencional e a liberdade do indivíduo em relação às características do momento e do espaço presentes; em outras palavras, todas as ações e pensamentos inteligentes não instintivos que somente estão presentes nos homens.” (Oliveira, 1993, p.26) A mediação no socioconstrutivismo ocorre quando a ação for mediada por um objeto ou pessoa. Por exemplo, quando o sujeito coloca a mão na chama da vela e a retira ao sentir a dor, é uma relação direta e não mediada; posteriormente se retira a mão antes de sentir a dor por lembrança ou porque alguém lhe disse que poderia se queimar, podemos dizer que a relação entre a chama da vela e a retirada da mão foi mediada pela lembrança da experiência ou pela intervenção da pessoa. O homem se transforma, de biológico para ser sócio-histórico por meio da cultura. Quando sente fome, um animal procura comida na natureza e seu comportamento nesse caso é orientado exclusivamente pelas suas possibilidades e características biológicas e pelas resistências ou facilidades PSED 34 Psicologia da Educação CAPÍTULO 6 que o ambiente lhe impõe, abundância ou escassez de alimento, por exemplo. Já o homem cria instrumentos, ou seja, tudo o que se interpõe entre o homem e o ambiente, podendo, assim, ampliar, modificar sua forma de agir; por exemplo, a enxada, a serra, o arado, as máquinas. São criados pelo homem para facilitar sua ação sobre a natureza. Os instrumentos transformam o próprio comportamento humano, que deixa de ser uma ação direta sobre o meio, controlada apenas pela relação entre as necessidades de sobrevivência e o ambiente. Dessa forma, como atua sobre a natureza, transformando-a, o homem atua sobre si próprio, transformando sua forma de agir. O signo para Vygotsky é comparado ao instrumento e denominado por ele de instrumento psicológico, ou seja, tudo o que é usado pelo homem para representar, evocar ou tornar presente o que está ausente constitui um signo: a palavra, o desenho, os símbolos, como uma bandeira ou emblema, etc. Segundo Fontana (1997), enquanto o instrumento está orientado externamente para modificar o ambiente, o signo é internamente orientado para modificar o funcionamento psicológico do homem. Os signos e os instrumentos são usados na experiência pessoal de cada um e também pela incorporação de experiências passadas de geração em geração; assim como a escrita, as notações musicais, as convenções gráficas e a palavra que adquirimos através da interação com o outro. A linguagem, por exemplo, que é o sistema de signos mais importante para a humanidade, é produto das relações históricas entre os homens. Quanto ao pensamento e a linguagem, para Vygotsky, o pensamento passa a existir por meio das palavras, ou seja, da linguagem. Esta linguagem tem duas funções: de intercâmbio social, que seria a necessidade de comunicação que todo ser humano possui, inclusive os bebês, que utilizam sons, gestos, expressões para comunicarem o que precisam. E a outra função é o pensamento generalizante, ou seja, ordenação de fatos, falas, objetos, tudo o que representa o real de forma que as ocorrências de uma classe semelhante de eventos e situações sejam agrupadas sob o mesmo conceito. Por exemplo, a palavra “gato” sempre tem o mesmo significado para as pessoas que usam a língua portuguesa. Em função da linguagem ser um instrumento do pensamento, isto PSED 35 Psicologia da Educação CAPÍTULO 6 pressupõe um processo de internalização da língua, denominado discurso interior, ou seja, é uma forma interna de linguagem, dirigida ao próprio sujeito e não a um interlocutor externo; é um discurso sem vocalização, sem som, voltado para o pensamento com a função de auxiliar o indivíduo nas suas operações psicológicas. Outra denominação de discurso interno é fala egocêntrica. À medida que a criança avança no desenvolvimento do pensamento e da fala socializada, ela passa a fazer uso da fala egocêntrica, fala para si mesma, independentemente da presença de outra pessoa. Isso ocorre após a fala socializada e tem a função pessoal de responder às necessidades do pensamento auxiliando mentalmente a criança na resolução de problemas. ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL E SUAS INFLUÊNCIAS NA ESCOLA O desenvolvimento é colocado por Vygotsky como um processo de internalização de modos culturais de pensar e agir. Esse processo de internalização tem início nas relações sociais, onde os adultos ou as crianças mais velhas, por meio da linguagem, do jogo, compartilham com a criança seus sistemas de pensamento e ação. Para Vygotsky (1991), aprendizado e desenvolvimento são diferentes: o aprendizado pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam. Para Rego (1995), o aprendizado é o aspecto necessário e universal, uma espécie de garantia do desenvolvimento das características psicológicas especificamente humanas e culturalmente organizadas. Quanto ao desenvolvimento, o autor coloca como sendo um complexo processo dialético, caracterizado pela periodicidade, irregularidade no desenvolvimento das diferentes funções de metamorfose ou transformação qualitativa de uma forma em outra, entrelaçamento de fatores externos e internos e processos adaptativos, e aponta dois níveis de desenvolvimento: um que se refere às conquistas já efetivadas, chamado de desenvolvimento real, e o outro, o nível de desenvolvimento potencial que se relaciona às capacidades que serão construídas. A zona de desenvolvimento proximal consiste na distância entre o nível PSED 36 Psicologia da Educação CAPÍTULO 6 de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. Para Vygotsky, o professor deve intervir na zona de desenvolvimento proximal dos alunos como mediador do processo de aprendizagem. Sua proposta era de trabalhar com os indicadores de desenvolvimento proximal que mostrariam os modos de agir e de pensar ainda em elaboração e que requerem a ajuda do outro para serem feitos; seriam as soluções que a criança consegue atingir sob a orientação e a colaboração de um adulto ou de outra criança. Para Vygotsky, o aprendizado precede e impulsiona o desenvolvimento, criando zonas de desenvolvimento proximal, isto é, processos de elaboração compartilhada. O desenvolvimento proximal hoje será o desenvolvimento real de amanhã. O erro no socioconstrutivismo deve ser visto pelo professor como parte do processo ensino-aprendizagem, porém jamais ignorado; corrigir é importante para que o aluno perceba a necessidade de melhorar e de dedicar-se mais aos conhecimentos que ainda não domina. Portanto, investir na interação com os colegas e no trabalho em grupo, além de estimular a interação social, pode ser um bom momento para o amadurecimento de idéias e aprimoramento dos conhecimentos, mantendo continuamente o contato individualizado entre o professor e o aluno. O brinquedo, especialmente o faz-de-conta, para Vygotsky, é muito importante porque cria zonas de desenvolvimento proximal à medida que coloca a criança em situações de repetição de valores e imitação de papéis e regras sociais. Com relação à aprendizagem da escrita, o autor coloca que esta inicia antes da entrada na escola, porque o processo de desenvolvimento da escrita está relacionado aos estímulos recebidos pela criança desde cedo. As garatujas das crianças pequenas podem parecer rabiscos para o adulto, mas representam o primeiro ensaio da criança no mundo da escrita. Vygotsky ressalta a importância de fazer a criança perceber a diferença entre o nome do objeto e o objeto em si, levando-a a compreender que o signo da escrita é uma representação do mundo real, que a escrita do nome do objeto não é o objeto real. É função da escola fazer com que a criança compreenda o signo e o significado através de ações que relacionem o mundo concreto e suas representações. PSED 37 Psicologia da Educação CAPÍTULO 6 O SOCIOCONSTRUTIVISMO E A APRENDIZAGEM MÃOS DADAS “Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não catarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Não serei o cantor de uma mulher, de uma história. Não direi os suspiros ao anoitecer, à paisagem vista da janela. Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida. Não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente”. (Carlos Drummond de Andrade) A partir do texto de Drummond, faça uma reflexão sobre a abordagem socioconstrutivista, pensando a importância do outro para a sua aprendizagem. REFERÊNCIAS FONTANA, Roseli; CRUZ, Nazaré. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997. OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1993. REGO, Tereza Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991. PSED 38 Psicologia da Educação GARDNER E AS MÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS CAPÍTULO 7 A nossa mente não abriga, como antes se pensava, uma única inteligência. Diferentes inteligências povoam o nosso cérebro – e isso é uma descoberta admirável. Mais importante que essa descoberta, porém, é saber o que fazer para treinar, para acordar essas inteligências. (Celso Antunes, 2001) Howard Gardner é um psicólogo americano, nascido em 1941, residente em Cambridge, no subúrbio de Boston, doutorado pela Universidade de Harvard, onde é professor titular de Ciências Cognitivas e professor-adjunto de Neurologia na Boston University School of Medicine e dirige o Projeto Zero, que estuda a cognição e o processo educativo, natureza e a plenitude do potencial humano. Gardner cresceu e aprendeu em um país onde é muito avançado o uso da computação; estudou neurologia em uma universidade de ponta e privilegiou-se por estar ligado a um dos núcleos de pesquisa alcançados pela decisão do então presidente Bush de designar os anos 90 como a década do cérebro. Seu desenvolvimento intelectual processou-se no meio cultural onde a investigação sobre a atuação dos neurônios e do sistema nervoso central passou a representar o foco de investimentos de saúde no país. Nesse contexto, pôde estudar a fundo a sensacional visão do cérebro em funcionamento, possibilitada por uma metodologia computadorizada inovadora, capaz de obter imagens vivas desse órgão. Suas descobertas puseram abaixo a teoria do psicólogo Alfred Binet de 1900, que estruturou o conceito sobre a inteligência e sua medida, fazendo com que todas as escolas se formatassem para acolher essa percepção. Binet, com os recursos de seu tempo, percebeu dois tipos de inteligência: a verbal e a inteligência lógico-matemática. Para medi-los, desenvolveu o teste de QI (Quoeficiente Intelectual), que da França Alfred Binet expandiu-se pelo mundo todo. Ao visualizar o cérebro em funcionamento e ao estudar suas PSED 39 Psicologia da Educação CAPÍTULO 7 transformações, impostas por situações diversificadas, Gardner chegou a uma fantástica visão pluralista da mente, concebendo diferente visão sobre as competências intelectuais humanas. Antes, pensava-se em um ser humano restrito, eventualmente tocado por este ou aquele dom divino que o fazia genial; agora descobre-se um ser humano holístico, com potencial para desenvolver múltiplas inteligências, à espera de uma nova escola que possa fazê-lo genial em campos diversos e, quem sabe, até mesmo feliz em descobrir-se a si mesmo. Segundo Antunes (2001), a inteligência possui várias conceituações, como a capacidade de resolver problemas, ser um potencial biopsicológico, a capacidade de se adaptar ou de criar. Esses conceitos formulados ao longo de tantos anos apresentaram uma inteligência restrita voltada praticamente apenas para a questão intelectual. Os estudos sobre a inteligência datam da época dos filósofos, como Sócrates e Platão, que se interessavam por esse aspecto da capacidade humana, assim como muitos médicos, psicólogos, profissionais da educação ao longo do tempo. Na verdade, este sempre foi um tema de grande interesse e seus estudos estiveram voltados para três pontos principais: 1. Hereditariedade - a inteligência como uma capacidade herdada. 2. Classificação - estudos com pessoas consideradas mais capazes, mais inteligentes. 3. Mensuração - a inteligência como algo que pode ser medido. Mas o que é inteligência? Que capacidade, habilidade é essa? Antunes (2000) conceitua inteligência como um potencial biopsicológico do ser humano, que tem sua origem na junção de duas palavras latinas, intus (entre) e legere (escolher), significando escolher entre, ou seja, uma capacidade pela qual conseguimos conhecer e compreender as coisas por meio de uma seleção. Por ser um potencial biopsicológico, a inteligência envolve um aspecto biológico, ligado aos neurônios do cérebro humano e suas múltiplas sinapses, que em caso de lesão pode afetar a capacidade de compreensão e seleção. PSED 40 Psicologia da Educação CAPÍTULO 7 Do ponto de vista neurológico, inteligência é a capacidade de produzir combinações entre os 14 bilhões de neurônios que se espalham pelo cérebro de uma pessoa adulta e, portanto, não mora em uma área específica da cabeça, mas se distribui como um complexo sistema que, ao funcionar, agita-se mais ou menos como as folhas das árvores de uma floresta quando tocadas pelo vento. (Antunes, 2000, p.3) Assim como envolve também um potencial psicológico, que se associa aos nossos desejos, ações conscientes e inconscientes e às estranhas fronteiras indecifráveis entre o sonho e a realidade. Os fatores genéticos são responsáveis por 50% da expansão da inteligência; entretanto, a estimulação da inteligência durante a infância pode levar a inteligência a uma expansão mais de duas vezes superior a seus limites inatos. Recentes estudos neurológicos e as pesquisas educacionais mostram que é chegada uma hora admirável na história da espécie humana: podemos agora ampliar com estímulos adequados o desenvolvimento de nossos filhos e assim retribuir o amor desinteressado e sincero, a crença autêntica em nossa infinita força, que todas as crianças espontaneamente demonstram em relação a nós. (Antunes, 2000, p. 4) Antunes faz um paralelo da inteligência com o copo que vai acumulando saberes, se enchendo de líquido, e o copo mais cheio passa ser o melhor, ou seja, quem consegue reter, memorizar, obter mais conhecimento, informação, tem maior inteligência. Com a teoria das múltiplas inteligências, esse copo se abre, ou melhor, se quebra para dar espaço a outros copos, ou seja, a outras inteligências. O que Gardner descobriu é que nossas mentes não abrigam uma única inteligência e sim várias, e a depender da atividade que realizamos, as inteligências se mostram com maior clareza. O fato mais importante dessa descoberta é que todos nós podemos ter PSED 41 Psicologia da Educação CAPÍTULO 7 tendência a uma inteligência específica, no entanto podemos desenvolver as demais que estiverem adormecidas. Antunes (2001, p.32) relata um caso para ilustrar como podemos desenvolver as inteligências. Um arquiteto de 42 anos, que possuía um vocabulário riquíssimo, afetado por uma doença que atingia uma parte irreversível de seu hemisfério cerebral esquerdo, tinha as cordas vocais perfeitas e não dizia palavra alguma. E quando o neurologista, para provocá-lo, incitou-o e disse “Conte, o que você quer tomar?”, aquelas cordas vocais, a garganta perfeita, só podiam gaguejar um estranho “uh,uh”. Mas quando o neurologista, para provocá-lo, insistia, cutucava, ele então desenhava com os movimentos da mão a laranja no pé. Apanhava, colocava naquela mesa imaginária que apenas seus olhos viam e com o movimento da mão direita simbolizava a faca que a cortava, enquanto a esquerda, desenhando o contorno de um copo, acolhia aquele suco que ele pedia pelos seus gestos. Este caso quer revelar-nos o quanto desenvolvemos pouco nossas outras inteligências porque não sentimos necessidade; quando queremos ou precisamos , podemos fazê-lo. Mas agora vem a questão: quais são as inteligências múltiplas? AS MÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS Gardner afirma que a inteligência é responsável por nossas habilidades para criar, resolver problemas e fazer projetos, em uma determinada cultura. Segundo ele, cada indivíduo possui alguns tipos diferentes de capacidade, que caracterizam sua inteligência. Inicialmente ele apresenta sete inteligências, mas recentemente, indicou uma oitava, a inteligência naturalista, relacionada com a sensibilidade para o meio ambiente. Alguém que é sensível ao mundo natural, como um jardineiro, um fazendeiro ou um paisagista, possui essa inteligência bem desenvolvida. O pesquisador brasileiro Nilson José Machado, pernambucano de Olinda PSED 42 Psicologia da Educação CAPÍTULO 7 e doutor em educação pela USP (Universidade de São Paulo), propôs inteligência pictórica ou pictográfica, correspondente à capacidade de reproduzir ou criar, pelo desenho, objetos, situações reais ou imaginárias e sentimentos. Tratando-se da inteligência responsável pela organização de elementos visuais de forma harmônica, estabelecendo relações estéticas entre eles, se destaca em pintores, artistas plásticos, desenhistas, ilustradores e chargistas. Com os acréscimos apresentados hoje, somam-se nove inteligências relacionadas a seguir. 1. Inteligência lingüística: capacidade de processar rapidamente as mensagens lingüísticas quer expressando-as ou compreendendoas; são observadas no orador, escritor, poeta, compositor, que lidam criativamente e constroem imagens com as palavras e com a linguagem. Shakespeare, Camões, Drummond, Cartola, Adoniram Barbosa. 2. Inteligência lógico-matemática: associada à competência de desenvolver o raciocínio dedutivo, lidar com números, outros símbolos matemáticos, resolver problemas lógicos como o tangran ou xadrez e construir mensagens por meio de símbolos geométricos e números em lugar de palavras. Tem sua expressão no engenheiro, no físico e no matemático. 3. Inteligência espacial: diretamente associada ao sentido da visão, à tendência de perceber muitas formas dos objetos. Tem sua manifestação no arquiteto, geógrafo e marinheiro, que percebem o espaço de forma conjunta e o administram na utilização e construção de mapas, plantas e outras formas de representação planas. 4. Inteligência musical: ligada à percepção formal dos sons e à música como forma de compreensão do mundo; quem a possui de forma destacada literalmente “vê” o som e percebe nuanças em suas intensidade e direcionalidade. Beethoven, Mozart, Tom Jobim, Paulinho da viola, entre outros. 5. Inteligência cinestésico-corporal: manifesta-se na linguagem gestual e mímica e se apresenta muito nítida no artista e no atleta, que não necessitam elaborar cadeias de raciocínio para a execução de seus PSED 43 Psicologia da Educação CAPÍTULO 7 movimentos corporais. Identificada também pela sensibilidade tátil, olfativa. Garrincha, Pelé, entre outros. 6. Inteligência naturalista: ligada à compreensão do ambiente e à paisagem natural. Permite a leitura da paisagem botânica e dos desafios da vida animal e também da afinidade inata dos seres humanos por outras formas de vida e identificação entre os diversos tipos de espécies, plantas e animais. Darwin. 7. Inteligência interpessoal: revela-se no poder do bom relacionamento com os outros, e na sensibilidade para a identificação de suas intenções, motivações e circunstâncias que os tornam diferentes de todos os outros seres humanos. Essa forma de inteligência explica a imensa empatia de algumas pessoas e é característica de grandes líderes. Gandhi, professores, etc. 8. Inteligência intrapessoal: pode ser sentida por todos quantos vivem bem consigo mesmos e mostram forte auto-estima. Pessoas que se sentem como que envolvidas pela presença de um educador de si mesmo, administrando seus sentimentos, emoções e projetos com o alto-astral de quem percebe suas limitações, mas não fortalecem sentimentos de culpa e inferioridade, não gostam de errar, mas sabem tirar proveito de seus erros, podem não ser gênios, no entanto descobrem a felicidade na simplicidade e alegria no cotidiano. 9. Inteligência pictórica: manifesta-se em pessoas que se expressam admiravelmente bem através do desenho ou de imagens gráficas de maneira geral. São desenhistas, pintores, artistas gráficos, etc. A INFLUÊNCIA DA TEORIA DE GARDNER NA EDUCAÇÃO A teoria de Gardner apresenta alternativas para algumas práticas educacionais atuais, oferecendo uma base para o desenvolvimento de avaliações que sejam adequadas às diversas habilidades humanas; uma educação centrada no aluno e com currículos específicos para cada área do saber e um ambiente educacional mais amplo e variado, e que dependa menos do desenvolvimento exclusivo da linguagem e da lógica. PSED 44 Psicologia da Educação CAPÍTULO 7 Quando à avaliação, Gardner afirma que favorece métodos de levantamento de informaçãoes durante atividades cotidianas, sendo importante aproveitar ao máximo as habilidades individuais, auxiliando os alunos a desenvolverem suas capacidades intelectuais, e em vez de usar a avaliação apenas como uma maneira de classificar, aprovar ou reprovar os alunos, esta deve ser usada para informá-lo sobre sua real capacidade e o professor saber o quanto se está aprendendo. Para Gardner, a avaliação deve ser compatível com a inteligência, ou seja, se cada inteligência tem um número de processos específicos, estes têm que sr medidos com instrumentos que permitam ver a inteligência em questão em funcionamento. Torna-se importante também avaliar as diferentes inteligências em termos de suas manifestações culturais e ocupações adultas específicas. A habilidade verbal, por exemplo deve ser avaliada em manifestações tais como a habilidade para contar histórias ou relatar acontecimentos. A habilidade espacial não deve ser avaliada isoladamente, mas durante uma atividade de desenho ou enquanto montam ou desmontam objetos. Enfim, a avaliação deve ser parte do processo educativo e não o produto final. Quanto à educação centrada na criança, o autor coloca dois aspectos que requerem a individualização. O primeiro é o fato de os indivíduos terem perfis cognitivos diferentes uns dos outros; a escola, portanto, deve oferecer uma educação que favoreceça o seu potencial individual. O segundo aspecto: enquanto na Idade Média um indivíduo podia pretender tomar posse de todo o saber universal, atualmente isso é impossível. Dessa forma, é necessário limitar o conteúdo e esse processo deve ser da escolha de cada um favorecendo o perfil intelectual de cada pessoa. O ambiente educacional, Gardner propõe que as escolas favoreçam o conhecimento de diversas disciplinas básicas, que encorajem seus alunos a utilizarem esse conhecimento para resolver problemas e efetuar tarefas que estejam relacionadas com a vida na comunidade a que pertencem. PSED 45 Psicologia da Educação CAPÍTULO 7 REFLEXÃO Diante do texto exposto acima e da frase a seguir faça uma reflexão: Você acredita que realmente podemos fazer uma educação mais personalizada? “A implicação mais importante das teorias das inteligências múltiplas é esta: todos nós temos tipos diferentes de mente, e o bom professor tenta dirigir-se à mente de cada aluno da forma mais direta e pessoal possível. Com turmas de alunos muito grandes, torna-se mais difícil este trabalho. Mas o foco começa na educação infantil e se os pais entram no esquema torna-se possível um tipo de educação mais personalizado.” REFERÊNCIAS ANTUNES, Celso. Inteligências múltiplas. São Paulo: Salesiana, 2001. ______. A construção do afeto. 3.ed. São Paulo: Augustus, 2000. ______. Como desenvolver conteúdos explorando as inteligências múltiplas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. Fascículo 3. _____. Como identificar em você e em seus alunos as inteligências múltiplas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. Fascículo 4. SMOLE, K. C. S. Múltiplas inteligências na Prática Escolar. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação a Distância, 1999. PSED 46 Psicologia da Educação PHILIPPE PERRENOUD E AS COMPETÊNCIAS CAPÍTULO 8 “A abordagem por competências é uma maneira de levar a sério um problema antigo, o de transferir conhecimentos.” (Philippe Perrenoud) Philippe Perrenoud é um sociólogo suíço, professor da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação na Universidade de Genebra, escreveu vários livros importantes na área de formação de professores, desenvolveu uma teoria pioneira sobre a profissionalização de professores e a avaliação de alunos, considerada uma fonte importante por todos os pesquisadores em educação e assessores em políticas educacionais, inclusive na base dos Novos Parâmetros Curriculares Nacionais e do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores do MEC, o PROFA. Depois do doutorado em Sociologia em que estudou as desigualdades sociais e a evasão escolar, o professor passou a dedicar-se ao trabalho com alunos, às práticas pedagógicas e ao currículo dos estabelecimentos de ensino de Genebra. Perrenoud propõe um modelo educacional baseado num ciclo de avaliação de três anos, ou seja, a criança tem três anos para desenvolver as competências estabelecidas para aquela faixa etária, tendo uma chance maior de não ser reprovada, se não adquirir uma determinada habilidade em um ano, tendo mais tempo para aprender. Por outro lado, ter um tempo maior não significa que vamos deixar que a criança repita um ciclo de três anos, a avaliação precisa ser mais eficiente e capaz de identificar as dificuldades do aprendizado, aproveitando o tempo maior para agir e corrigir com maior eficiência. Afinal, o que é competência? Segundo Perrenoud na entrevista cedida a Gentili e Bencini (2000): Competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações, etc.) para solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações. Três exemplos: PSED 47 Psicologia da Educação CAPÍTULO 8 1. Saber orientar-se em uma cidade desconhecida mobiliza as capacidades de ler um mapa, localizar-se, pedir informações ou conselhos; e os seguintes saberes: ter noção de escala, elementos da topografia ou referências geográficas. 2. Saber curar uma criança doente mobiliza as capacidades de observar sinais fisiológicos, medir a temperatura, administrar um medicamento; e os seguintes saberes: identificar patologias e sintomas, primeiros socorros, terapias, os riscos, os remédios, os serviços médicos e farmacêuticos. 3. Saber votar de acordo com seus interesses mobiliza as capacidades de saber informar-se, preencher a cédula; e os seguintes saberes: instituições políticas, processo de eleição, candidatos, partidos, programas políticos, políticas democráticas. Perrenoud aponta esses exemplos mais comuns e coloca que outras competências estão ligadas a contextos culturais, profissionais e condições sociais; como nós, seres humanos, não vivemos todos as mesmas situações, desenvolvemos competências adaptadas ao mundo em que vivemos. Uma floresta virgem requer competências diferentes das vividas na cidade, os ricos têm problemas diferentes dos pobres para resolver e algumas competências são desenvolvidas na escola e outras não, são desenvolvidas na vida em sociedade, familiar, profissional, etc. Mas e a diferença entre competência e habilidade? A competência organiza um conjunto de esquemas de percepção, pensamento, avaliação e ação, enquanto a habilidade é menos ampla e pode servir a várias competências. O autor ressalta que para trabalhar com competências é necessário que todos os agentes envolvidos no processo educativo vivenciem uma mudança de postura e um permanente trabalho pedagógico integrado em que todas as práticas devem ser apreciadas em um processo contínuo de avaliação. O currículo é o meio de transformar o processo pedagógico não apenas em um conjunto de conteúdos e disciplinas, mas em um todo, que deve possibilitar a relação entre a construção do conhecimento e a reflexão com a realidade. Na entrevista a GENTILI E BENCINI (2000): Em geral a escola preocupa-se mais com ingredientes de certas competências e menos em colocá-las em sinergia nas situações complexas. Durante a escolaridade básica, aprende-se a ler, escrever, contar, mas, PSED 48 Psicologia da Educação CAPÍTULO 8 também, a raciocinar, explicar, resumir, observar, comparar, desenhar e dúzias de outras capacidades gerais. Assimilam-se conhecimentos disciplinares, como matemática, história, ciências, geografia, etc. Perrenoud coloca que a escola não se preocupa em relacionar os conteúdos a situações da vida, mas se o fizer possibilitará a aprendizagem para se tornar cidadãos, para se virar na vida, ter um bom trabalho, cuidar da saúde e não só para aquisição de conteúdos. O professor terá que rever sua prática, desenvolver e ampliar suas competências para ensinar de forma a dar oportunidade ao desenvolvimento das competências dos alunos. Portanto, ao professor é necessária a reflexão constante sobre sua prática pedagógica. Perrenoud propôs uma série de competências específicas agrupadas em dez famílias de competências fundamentais para os educadores no processo pedagógico. AS DEZ COMPETÊNCIAS PARA ENSINAR O quadro a seguir apresenta uma síntese acerca dos principais aspectos das competências desenvolvidas por Perrenoud (1998). PSED 49 Psicologia da Educação CAPÍTULO 8 Competências de referência 1. Organizar e dirigir situações de aprendizagem. Competências mais específicas a trabalhar em formação contínua (exemplos) • • • • • 2. Administrar a progressão das aprendizagens • • • • • 3. Conceber e fazer evoluir os dipspositivos de diferenciação • • • • 4. Envolver os alunos em sua aprendizagem e em seu trabalho • • • • 5. Trabalhar em equipe • • • • 6. Participar da administração da escola • • • • • PSED 50 Conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos a serem ensinados e sua tradução em objetivos de aprendizagem. Trabalhar a partir das representações dos alunos. Trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem. Construir e planejar dispositivos e seqüências didáticas. Envolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento. Conceber e administrar situações-problema ajustadas ao nível e às possibilidades dos alunos. Adquirir uma visão longitudinal dos objetivos do ensino. Estabelecer laços com as teorias subjacentes às atividades de aprendizagem. Observar e avaliar os alunos em situações de aprendizagem de acordo com uma abordagem formativa. Fazer balanços periódicos de competência e tomar decisões de progressão. Administrar a heterogeneidade no âmbito de uma turma. Abrir, ampliar a gestão de classe para um espaço mais vasto. Fornecer apoio integrado, trabalhar com alunos portadores de grandes dificuldades. Desenvolver a cooperação entre os alunos e certas formas simples de ensino mútuo. Suscitar o desejo de aprender, explicitar a relação com o saber, o sentido do trabalho escolar e desenvolver na criança a capacidade de autoavaliação. Instituir e fazer funcionar um conselho de alunos (conselho de classe ou de escola) e negociar com eles diversos tipos de regras e de contratos. Oferecer atividades opcionais de formação, à la carte. Favorecer a definição de um projeto pessoal do aluno. Elaborar um projeto de equipe, representações comuns. Dirigir um grupo de trabalho, conduzir reuniões. Formar e renovar uma equipe pedagógica. Enfrentar e analisar em conjunto situações complexas, práticas e problemas profissionais. Administrar crises ou conflitos interpessoais. Elaborar, negociar um projeto da instituição. Administrar os recursos da escola. Coordenar, dirigir uma escola com todos os seus parceiros (serviços para escolares, bairro, associações de pais, professores de língua e cultura de origem). Organizar e fazer evoluir, no âmbito da escola, a participação dos alunos. Psicologia da Educação CAPÍTULO 8 7. Informar e envolver os pais 8. Utilizar novas tecnologias 9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão • • • • • • • • • • • • 10. Administrar sua formação contínua própria • • • • • Dirigir reuniões de informação e de debate. Fazer entrevistas. Envolver os pais na construção dos saberes. Utilizar editores de textos. Explorar as potencialidades didáticas dos programas em relação aos objetivos do ensino. Comunicar-se à distância por meio da telemática. Utilizar as ferramentas multimídia no ensino. Prevenir a violência na escola e fora dela. Lutar contra os preconceitos e as discriminações sexuais, étnicas e sociais. Participar da criação de regras de vida comum referentes à disciplina na escola, às sanções e à apreciação da conduta. Analisar a relação pedagógica, a autoridade, a comunicação em aula. Desenvolver o senso de responsabilidade, a solidariedade e o sentimento de justiça. Saber explicitar as próprias práticas. Estabelecer seu próprio balanço de competências e seu programa pessoal de formação contínua. Negociar um projeto de formação comum com os colegas (equipe, escola, rede). Envolver-se em tarefas em escala de uma ordem de ensino ou do sistema educativo. Acolher a formação dos colegas e participar dela. A 11ª COMPETÊNCIA DESENVOLVIDA POR PERRENOUD O texto a seguir é de Perrenoud (2001) e consiste na 11ª competência desenvolvida por ele. A partir deste texto e relacionando com o conteúdo do capítulo 8, faça uma reflexão sobre as suas competências enquanto professor. Dez famílias de competências mais uma. Não podemos dissociar as competências da relação com a profissão. Para formar professores mais competentes, aliando uma postura reflexiva e uma forte implicação crítica para o desenvolvimento da sociedade, é necessário desenvolver a profissionalização do professor. PSED 51 Psicologia da Educação CAPÍTULO 8 A palavra está na moda, mas a idéia assusta. Provavelmente, todos desejariam beneficiar-se com o nível de especialização que é associado a uma profissão, ao prestígio, ao poder e a uma boa remuneração. No entanto, os atores hesitam em assumir a parcela de autonomia e responsabilidade que está ligada ao exercício de uma profissão. As autoridades querem conservar seu controle sobre os professores e os estabelecimentos. Por outro lado, estes últimos não desejam prestar contas. Daí a importância, para gerar a transição, de uma décima primeira família de competências, da qual dependerão a outras. Essas competências não se relacionam ao trabalho com os alunos, mas à capacidade de os professores agirem como um ator coletivo no sistema e de direcionar o movimento rumo à profissionalização e à prática reflexiva, assim como para o domínio das inovações. Isto está relacionado à evolução do sindicalismo, aos projetos de estabelecimento e à participação dos professores na elaboração das reformas escolares, desde que seja negociado. Significa que a profissionalização exige uma vontade comum dos professores, dos diretores e dos políticos. REFERÊNCIAS PERENOUD, P. Formação contínua e obrigatoriedade de competências na profissão de professor. São Paulo: FDE, 1998. Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/ prf_a.php?t=004. Acesso em 14 dez. 2002. ________. As dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. GENTILI, P. ; BENCINI, R. Construindo competências. Entrevista com Philippe Perrenoud, Universidade de Genebra. Revista Nova Escola, São Paulo, set. 2000. PSED 52 Psicologia da Educação SUCESSO E FRACASSO ESCOLAR CAPÍTULO 9 “O fato de que o aluno não mostrou nenhum sinal de progresso ontem ou hoje é absolutamente compatível com um possível progresso na semana ou no bimestre seguinte. As sementes de fato, germinam lentamente.” (Gilbert Ryle) O que chamamos de fracasso escolar? Uma resposta insuficiente do aluno a uma exigência ou demanda da escola? Seria a repetência escolar? Mas hoje todos dizem que não há mais repetência em nossas escolas. Então seria evasão escolar? Mas hoje em dia a família é cobrada até judicialmente se o filho não estiver freqüentando a escola. Afinal, o que é o fracasso escolar? Para respondermos como essas questões buscaremos alguns pressupostos teóricos, pois a questão do fracasso escolar pode ser analisada sob várias perspectivas, da sociedade, da escola e do aluno. Denominamos circularidade causal porque a associação das três perspectivas pode resultar no fracasso escolar. O aluno não aprende o que a escola ensina, a escola não está atendendo à necessidade do aluno, está distante de sua realidade, e esta é fruto de uma grande desestrutura social, de falta de recursos, cultura, conhecimento, afeto, etc. Assim, temos várias histórias de crianças que são fruto de preconceitos produzidos dentro do próprio contexto escolar. Não podemos desconsiderar as relações significativas existentes entre a produção escolar e as oportunidades reais que determinada sociedade possibilita aos alunos. Esse processo ocorreu por longos anos e ainda encontramos situações parecidas hoje em dia. Por exemplo, os alunos que vão para as antigas “classes especiais” coincidentemente são alunos de baixa renda. A escola contribui para o fracasso escolar à medida que o sistema de ensino se torna um reflexo da sociedade na qual está inserido. Portanto, a sociedade determina a ideologia que mantém o sistema. Por exemplo, os projetos PSED 53 Psicologia da Educação CAPÍTULO 9 educacionais financiados pelo Banco Mundial, ou pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), têm realmente a preocupação em melhorar a qualidade de ensinoaprendizagem ou apenas querem mudar as estatísticas de analfabetismo, repetência que envergonham o país e o impedem de conseguir novos financiamentos? A má qualidade de ensino, resultado da desestrutura da escola, da falta de preparação do professor e do não acompanhamento do desejo do aluno, provoca um desestímulo na busca do conhecimento, faltando o prazer tanto no ato de ensinar quanto no de aprender, uma vez que o investimento emocional é fundamental para o processo ensino-aprendizagem. Quanto ao aluno, para fechar o círculo das causas do fracasso escolar, a ele atribui-se a culpa pela não aprendizagem em função dos aspectos orgânicos (lesões cerebrais), pedagógicos (não aprende o que a escola ensina, metodologia, avaliação), cognitivo (fatores intelectuais, dificuldade no raciocínio), emocionais (problemas afetivos na relação com a aprendizagem, baixa auto-estima, confiança) e sociais (falta de oportunidades, problemas familiares). O fracasso escolar é causado pela conjugação dos três fatores, que estão interligados e que impedem de uma maneira ou de outra o bom desempenho do aluno. Em todo processo, porém, existe uma tendência muito grande de salientar ou justificar o fracasso apenas na perspectiva do aluno. Collares (1996) traçou alguns pontos acerca desta questão, enfocando os preconceitos que surgem no cotidiano escolar. Primeiramente faz um paralelo entre as crianças que realmente possuem necessidades especiais e as crianças normais transformadas em doentes pela visão de mundo medicalizada da sociedade. Por meio de pesquisas realizadas, a autora constatou que a existência de um processo de patologização da sociedade em considerar doentes crianças que não são e por vários anos foram encaminhadas para salas especiais. A autora chama a atenção para o lado perverso desse processo, porque por um lado rotula de doentes as crianças normais e por outro essas crianças ocupam os espaços, discursos, propostas e atendimentos que são para as crianças realmente necessita e nos dois casos as crianças são marginalizadas. Collares (1996) se embasa na teoria de Agnes Heller para explicar a produção do fracasso. Para Heller, a suspensão do cotidiano consiste no processo de PSED 54 Psicologia da Educação CAPÍTULO 9 homem enquanto ser individual em representantes do gênero humano, ou seja, em homem-genérico, que busca a homogeneização, conhecer o que há de comum entre os seres humanos, o que os homogeneíza. Neste processo o homem passa a ser protagonista da mecanismo histórico global e para ser produtiva, essa suspensão deve ser capaz de modificar o cotidiano quando volta a este, pois é na cotidianidade que as teorias, as idéias e as propostas se concretizam. Uma das características fundamentais da vida cotidiana é a existência de juízos provisórios, assim chamados porque se antecipam à atividade possível e independem do confronto com a realidade; nem sempre é confirmado, sendo muitas vezes refutado. Surge o preconceito, consolidado quando o juízo provisório deixa de sêlo e passa a ser inabalável, imutável, cristalizado contra todos os argumentos. O preconceito, portanto, nos protege dos conflitos porque confirma nossas ações anteriores. O cotidiano escolar é permeado de preconceitos e juízos prévios sobre os alunos e suas famílias, que independem e não são abalados por qualquer evidência empírica que os refute racionalmente. Por isso a explicação para o fracasso escolar comumente recai sobre o aluno e sua família. A não-alfabetização pode se tornar um tipo de preconceito do sistema educativo, que justifica a dificuldade de aprendizagem em características inatas do aluno; ocorrendo uma inversão do processo, a escola passa a ser vítima de uma clientela inadequada. Este processo, chamado de biologização, consiste em transformar questões sociais em biológicas. Ao fazê-lo, alcançam-se dois objetivos: 1. O sistema social fica isento das responsabilidades pelo fracasso 2. O aluno passa a ser responsável, ou seja, culpabiliza-se a vítima. Na escola isso ocorre quando a justificativa do fracasso é atribuída ao aluno. Collares (1996, p. 27) porém, mostra como exemplo o que ocorreu na década de 60, um dos períodos de intensa agitação social em todo o mundo e as “pesquisas científicas” comprovaram: PSED 55 Psicologia da Educação CAPÍTULO 9 a superioridade intelectual do homem branco sobre o negro, geneticamente determinada; uma diferença neurológica, também geneticamente determinada, que explicava as diferenças intelectuais e de papel social entre o homem e a mulher; os efeitos benéficos e necessários da psicocirurgia (lobotomia), preconizada como solução para os conflitos sociais nos guetos. O deslocamento de um eixo de uma discussão político-pedagógica para causas e soluções médicas é denominado por Collares (1996) de medicalização do processo ensino-aprendizagem. REFERÊNCIAS AQUINO, Júlio Groppa. Erro e fracasso na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus,1997. COLLARES, Cecília Azevedo Lima. Preconceitos no cotidiano escolar: ensino e medicalização. São Paulo: Cortez, 1996. REFLEXÃO Faça um paralelo entre o preconceito no cotidiano escolar e o fracasso escolar a partir da frase de Hannah Arendt: “Uma crise só se torna um desastre quando respondemos a ela com juízos pré-formados, isto é, com preconceitos. Uma atitude dessas não apenas aguça a crise como nos priva da experiência da realidade e da oportunidade por ela proporcionada à reflexão.” PSED 56 Psicologia da Educação DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO CAPÍTULO 10 “O meu pai era paulista, Meu avô pernambucano O meu bisavô mineiro Meu tataravô baiano Meu maestro soberano Foi Antônio brasileiro.” (Chico Buarque) Podemos começar nosso assunto pelo trecho da música do Chico, pensando sobre a nossa origem familiar, as gerações passadas que constituíram nossa família, nossos costumes, pensamentos e nos fazem tão diferentes uns dos outros. Com uma descendência tão diversa entre as famílias brasileiras, como podemos querer homogenezar as pessoas? Por que tanta discriminação, tanto preconceito, por que essa dificuldade em lidar com o diferente? E sempre julgar um grupo de pessoas, uma raça, uma categoria profissional pela atitude de um de seus membros? Quando nascemos já estamos inseridos numa sociedade preconceituosa e vamos absorvendo valores de forma natural até que alguém nos mostra um olhar diferente e então vamos percebendo o quanto somos preconceituosos. Voltando-nos para as relações da sala de aula, como nos posicionamos diante das diferenças de nossos alunos? Do preconceito que eles já trazem de sua própria formação? Qual é o nosso papel enquanto educadores? Como mudar a atitude de nossos alunos sobre o preconceito se nós também o temos? Esse é o grande desafio que temos em nossa prática enquanto professores e a mudança de que a sociedade necessita. A educação é o caminho para mudarmos esse paradigma. Talvez o primeiro passo seja perceber os nossos próprios preconceitos, nossa dificuldade de trabalhar com o diferente. As pessoas são diferentes em vários aspectos, físicos, sociais, econômicos, culturais, no jeito de falar, olhar, agir e se emocionar e por apresentar essas diferenças são discriminadas, humilhadas e também invejadas. Algumas são aceitas pela sociedade, pois se enquadram no modelo considerado ideal, outras pessoas não, e muitas vezes não têm a oportunidade nem de tentar. PSED 57 Psicologia da Educação CAPÍTULO 10 Como vivemos num mundo de tanta diversidade, é preciso um olhar diferente, para aceitar o diferente; o professor precisa ser um mediador, levar o aluno a aprender a pensar sem sua interferência sua para que possa desenvolver seu pensamento sem absorver os estigmas, os valores do professor. Mas será que isso é possível? Heller (1979), em seu texto “Sobre os preconceitos”, trabalha esta questão com grande importância, pois considera que o preconceito ultrapassa o cotidiano entrando na história, nas relações culturais, sociais, comportamentais, o qual leva à ultrageneralização: De duas maneiras chegamos à ultrageneralização característica de nosso pensamento e de nosso comportamento cotidianos: por um lado assumimos estereótipos, analogias e esquemas já elaborados; por outro, eles nos são impingidos pelo meio em que crescemos e pode-se passar muito tempo até percebermos com atitude crítica esses esquemas recebidos, se é que chega a produzir-se uma tal atitude. Isso depende da época e do indivíduo. Em períodos estáticos, passam-se freqüentemente inteiras gerações sem que se problematizem os estereótipos de comportamento e pensamento. (Heller, 1979, p. 44) O preconceito é mais forte em sociedades conformistas do que nas dinâmicas, conseqüentemente, inevitável na vida cotidiana e constitui uma parte do juízo provisório, que seria o julgar antecipadamente, podendo ser confirmado ou não; quando confirmado, torna-se um preconceito. Geralmente são produzidos pelos grupos que se sentem ameaçados em sua coesão. O preconceito está fora do âmbito científico porque está muito mais no plano emocional, porque é difícil se relaciona com o diferente, com alguém que esteja acima da gente, ou com dificuldades, características diferentes das nossas. Nas sociedades atuais, mais dinâmicas e mutáveis, é difícil acabar com o preconceito, mas talvez seja possível trabalhar a discriminação causada pelo preconceito. As leis foram desenvolvidas no sentido de reverter tal quadro e favorecer a inclusão: a Declaração PSED 58 Psicologia da Educação CAPÍTULO 10 da Salamanca, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, O Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas será que estão realmente alcançando as suas propostas? As leis são belas na teoria, mas na prática não funcionam muito. Lembramos de nossos direitos quando somos lesados e a nossa justiça por ser lenta não resolve e acabam ocorrendo os acordos. Na verdade, somos manipulados pelo governo, pela elite, e ao mesmo tempo, somos professores manipuladores e alunos manipulados. Para mudar essa sociedade enquanto professores, precisamos levar nossos alunos a uma visão mais crítica da realidade, saber ouvir as interferências dos alunos e lembrar a importância do nosso voto. O que acontece com nossas escolas, é que, apesar de toda proposta educacional para a inclusão, o trabalho com a diversidade, ela ainda tem muitas resistências e continua a fazer da escola o leito de Procusto, ou seja, quer que o aluno se adapte à escola e não procura se adequar a ele, dessa forma continua mantendo a exclusão. Conta a lenda que Procusto possuía um leito no qual ele deitava as pessoas. As que não cabiam no leito ele esticava até ficar do tamanho exato e das que eram maiores ele cortava um pedaço das pernas ou da cabeça. O objetivo era sempre fazer com que as pessoas se adaptassem ao leito e nunca o leito a elas. REFERÊNCIAS GUINÉ; NÚRIA (et al). Atenção à diversidade. Porto Alegre: Artmed, 2002. GUSMÃO, Neusa M. Diversidade, cultura e educação: olhares cruzados. São Paulo: Biruta, 2003. HELLER, A. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. LARROSA, Jorge; LARA, Nuria Perez (org). Imagens do outro. Petrópolis: Vozes, 1998. PSED 59 Psicologia da Educação CAPÍTULO 10 PSED 60 ANOTAÇÕES Psicologia da Educação FORMAÇÃO DOCENTE: A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO CAPÍTULO 11 “Esta paixão me tomou na adolescência ainda quando, quase sem saber porque, eu sonhava, deleitado, comigo mesmo e alunos imaginários,, a quem ensinava e com quem aprendia, crescendo juntos.” (Paulo Freire) Em relação à formação docente, Silva (1994) coloca que o que sempre a intrigou na arte de formar, tanto do ponto de vista de aluna como de educadora, é que há pessoas que se envolvem com entusiasmo e eficiência na prática pedagógica, enquanto outras exercem a função de professor-educador de forma extremamente pobre e desmotivada. Podemos pensar que a partir destes dois tipos de professores surgem as várias formas de relação professor-aluno. Aquela mais afetuosa, mais próxima, que se preocupa com a formação do aluno e o incentiva a buscar seus caminhos, e aquela mais distante, autoritária, preocupada em cumprir os conteúdos, o faz como obrigação em vez de prazer, amor e paixão. Mas surge o questionamento de como ocorrem esses processos na relação professor-aluno e por que é tão importante conhecê-los. A autora propõe o estudo da relação professor-aluno segundo a teoria psicanalítica, portanto, estaremos retomando alguns pontos do texto que compõe o primeiro fórum da nossa disciplina. Estudar essa relação sob o ponto de vista psicanalítico traz uma contribuição interessante porque possibilita tomar conhecimento de possíveis ligações do mundo emocional com a aprendizagem. A transferência1 que ocorre na relação professor-aluno, pode emergir uma relação construtiva que dê oportunidade ao desenvolvimento da aprendizagem quanto pode estabelecer uma relação de poder negativa por parte do professor. Diante dessa realidade, Morgado, citada por Silva (1994), propõe uma relação pedagógica em que os sentimentos eróticos e hostis não adquiram intensidade suficiente para se fazer representar na consciência, isto é, aquela em que as intensas demandas eróticas e destrutivas permanecem sublimadas2 , ou seja, canalizadas ao 1 Rever a definição no texto do primeiro fórum da disciplina. Vem do conceito de sublimação, introduzido por Freud, que busca explicar do ponto de vista dinâmico e econômico algumas atividades alimentadas por um desejo que não visa de forma manifesta algo sexual, seria a transformação dos desejos sexuais em trabalho cultural, intelectual, artístico. 2 PSED 61 Psicologia da Educação CAPÍTULO 11 desejo do saber direcionando a energia para a aprendizagem, caso contrário, a violência do amor e do ódio se coloca em resistência ao trabalho intelectual do aluno. O que leva o professor a escolher a profissão docente? Segundo Bohoslavsky (1980), esta escolha está relacionada às primeiras figuras de identificação, fruto do confronto que o ego faz da fantasia e a realidade. Por isso quem escolhe não está escolhendo somente uma carreira, mas pensando num sentido para sua vida, buscando se inserir numa área específica da realidade ocupacional. Segundo Cueli, autor mexicano citado por Silva (1994), toda escolha profissional, como meio de vida, implica uma repetição que se baseia inconscientemente na conduta do indivíduo com suas relações de objeto na infância buscando reparação. Sendo assim, na escolha profissional de professores também estão presentes sentimentos agressivos e hostis, em relação aos objetos internos que procuram ser reparados na paixão de formar. Melanie Klein vê na sublimação uma forma de reparação e para isso coloca que é necessário o indivíduo lidar com fantasias de perda, o luto pelas primeiras identificações, das relações de objeto, do paraíso perdido na infância. Sivla coloca que há uma fonte de desejos infantil inconscientes latentes que se tornam manifestos na paixão de formar, ou seja, a pulsão de vida e sexual se transformando no professor apaixonado, não de forma erótica porém criativo, apaixonante, reparadora. Podemos verificar esses processos mentais através de depoimentos de alguns professores citados na obra de Silva. A ORIGEM DA PAIXÃO DE FORMAR Na escolha profissional, é comum a marca das primeiras relações com os pais, por identificação ou busca oposta, como no caso do depoimento de uma professora que ao escolher sua profissão surpreendeu seu pai. Meu pai achou uma graça enorme nisso, porque não passava na cabeça dele que a filha fosse para outra cidade estudar, mas o filho mais velho sim. PSED 62 Psicologia da Educação CAPÍTULO 11 Fui fazer o curso Normal...não tinha dezoito anos completos quando fiz concurso para professora e comecei a trabalhar como substituta... Outro exemplo é o da professora que teve a influência de sua professora de infância por tê-la colocado em contato com crianças de orfanato. Eu tive uma professora... não se contentava com as aulas... Ela me levou pela primeira vez na minha vida para ver crianças carentes... Ela me colocou de frente com a realidade social, e o jeito dela era um jeito moderno. Um exemplo da transferência das primeiras identificações para a figura do professor como objetos idealizados está no depoimento a seguir: No ginásio eu tive uma dupla de professores casados, ela de Português e ele de Matemática. Ele era extremamente brilhante, ele tornou-se para mim um modelo, eu queria ser aquilo, é, explicar claramente, prender a atenção das pessoas, contar histórias e ao mesmo tempo levar aquilo à demonstração de teoremas... E a mulher dele teve uma cultura muito grande, porque ela lia Fernando Pessoa, Guimarães Rosa, Drummond, e tudo mais. Então ela me passou esse universo que eu não tinha em casa.” A primeira aula para Silva (1994) é o primeiro momento consciente de encontro do professor com a paixão de formar. Freud escreveu que no período de latência são os professores e as pessoas que têm a tarefa de ensinar que tomarão para a criança o lugar dos pais no processo de identificação. A minha primeira aula foi ótima, era domínio total desde o primeiro momento... eu cheguei e expus maravilhosamente... e eu senti que ali eu me estabeleceria...” Com relação ao conceito de formar, todos os professores investigados na pesquisa de Silva se colocaram como um mediador, facilitador ou catalizador no processo de formar, isto é, levar o aluno a buscar o próprio caminho. Quanto ao estilo de dar aula dos professores apaixonados ficou claro o movimento de PSED 63 Psicologia da Educação CAPÍTULO 11 constante mudança do e no vínculo professor-aluno, o que confirma a importância dessa relação para o processo de aprendizagem. Participação... envolve uma outra coisa que não é a sedução, é uma provocação, ... como fazer seduzir, esse movimento de levar o aluno a sair do lugar onde ele está, tem um aspecto de sedução, tem outro de provocação, quer dizer, desafiar as pessoas, em suma, fazer os conflitos ali latentes aparecerem... fazer com que insatisfações que estão ali, meio difusas, ganhem voz...” Algumas preocupações importantes surgiram como a citada no depoimento a seguir que se refere à ousadia que o professor precisa ter para se aventurar-se com o aluno no processo ensino-aprendizagem. A relação professor-aluno precisa ser descentralizada, proporcionar uma reflexão no sentido de vencer todas as resistências que são necessárias para experimentar uma nova compreensão, um novo pensamento. As dificuldades colocadas pelos professores se resumem na perda do limite entre o campo pedagógico e o psicológico, no relacionamento com alunos fechados que não se aproximam, em ocupar o lugar de autoridade por medo de serem confundidos com o modelo autoritário e perderem a inspiração. Com relação à realização das fantasias através da profissão docente, foi ressaltado um movimento, uma transformação, a liberdade de consciência, conhecer-se mais, ter mais autonomia, atualização, percepção dos limites e possibilidades, procurar melhorar o mundo; interesse em dar aula independentemente da questão financeira. Na relação professor-aluno, o prazer em penetrar no outro, fecundar e ser fecundado por novas idéias e pensamentos. Alguns aspectos importantes para estabelecer um perfil do professor apaixonado seriam: o acolhimento do aluno, de suas idéias, dúvidas, pensamentos, com interesse e valorizando-os; a necessidade do olhar do outro e o caráter afetivo-emocional do vínculo com o aluno. PSED 64 Psicologia da Educação CAPÍTULO 11 Algo percebido também nesse processo de paixão por formar é o fato de o sofrimento causado pela ausência das figuras parentais dos professores, enquanto crianças, levá-los a desenvolver a curiosidade investigativa, ou seja, dar aula seria como um reencontro com um objeto interno perdido prematuramente e que mantém a auto-estima. Na sala de aula, o professor encontra a fonte de brincar, o criar se relaciona com o brincar infantil e a arte de formar está nos recursos criativos provenientes dos desejos infantis. A PAIXÃO POR ENSINAR: UM PARALELO Documentário sobre Louis Levy: _ Quando nos apaixonamos vivemos um paradoxo que consiste no fato de que quando nos apaixonamos tentamos reencontrar as pessoas a quem éramos apegados quando crianças. Por outro lado, pedimos ao amado que corrija os erros que os pais ou irmãos nos infligiram. Assim, o amor contém contradições: a tentativa de voltar ao passado e a de tentar alterá-lo. _ Mas devemos sempre lembrar que precisamos de muito amor para nos convencer a ficarmos na vida. Uma vez que conseguimos esse amor ele dura, mas o universo é um lugar frio, nós é que o aquecemos com os nossos sentimentos. E sob certas condições achamos que não vale mais a pena viver. _ Todos nós encaramos, a vida toda, escolhas terríveis, escolhas morais. Algumas de grande escala. A maioria dessas escolhas é feita em planos inferiores. Mas nós decidimos pelas escolhas que fizemos. Somos na verdade o reflexo de nossas escolhas. Os acontecimentos se dão imprevisivelmente, de modo tão injusto, que a felicidade humana não parece PSED 65 Psicologia da Educação CAPÍTULO 11 ter sido incluída no desenho da humanidade. Somente nós, com nossa capacidade para amar, damos significado ao universo indiferente, e ainda assim a maioria dos seres humanos parece ter habilidade de continuar tentando, e até de encontrar alegria nas coisas simples como suas famílias, seu trabalho e... na esperança que as gerações futuras possam entender mais... Crimes e Pecados – Woody Allen REFLEXÃO Diante do texto acima, faça uma reflexão sobre a sua paixão por ensinar e o porquê da escolha da profissão docente. REFERÊNCIA SILVA, Maria Cecília Pereira. A paixão de formar: da psicanálise à educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. PSED 66 Psicologia da Educação VIOLÊNCIA ESCOLAR UMA QUESTÃO EM FOCO CAPÍTULO 12 “A gratidão é a primeira expressão de amor entre os seres humanos; ninguém agride a quem tem gratidão.” (Içami Tiba) Ao discutirmos a questão da relação professor-aluno, não podemos deixar de falar sobre uma questão quem vem preocupando muito e até aterrorizando os professores, diretores, todas as pessoas envolvidas com a educação, que é a violência escolar. Para abordar esSe tema, teremos como base dois autores que escreveram sobre o assunto, Júlio Groppa Aquino e Içami Tiba. Aquino (1998) faz um paralelo sobre a violência escolar e a crise da autoridade docente, mostrando o quanto a violência pode ser produzida na própria escola. Ele coloca dois fundamentos para justificar a violência escolar: um é o sociologizante, que consiste em responsabilizar a macroestrutura, a sociedade, política, economia e cultura pela violência escolar; o outro é o clínico-psicologizante, que consiste em diagnosticar patologias, personalidades violentas e a estrutura psíquica do aluno. A ação escolar está marcada pela reprodução de outros contextos institucionais, isto é, a política, a economia, a família refletem na escola e a escola, por sua vez, assim como todos os agentes educativos, refém desta situação. Muitas vezes defendemos a questão da reprodução colocando-a como um efeito cascata, ou seja, tudo o que ocorre nas instituições extra-escolar vai desembocar na escola. A escola, porém, não é um espelhamento idêntico das relações extraescolares, porque cada instituição tem suas características próprias e para contrapor a esta teoria da reprodução nos remetemos a Guimarães (1996, p.77), citada também por Aquino: A instituição escolar não pode ser vista apenas como reprodutora das experiências de opressão, de violência, de conflitos, advindas do plano macroestrutural. É importante argumentar que apesar dos mecanismos de reprodução social e cultural, as escolas também produzem sua própria violência e sua própria indisciplina. PSED 67 Psicologia da Educação CAPÍTULO 12 Com relação ao segundo fundamento, o clínico-psicologizante, esse pressuposto não pode ser visto isoladamente, como se as pessoas tivessem um comportamento de natureza humana padrão. Torna-se necessário o olhar institucional, que seria: “o aluno que ocupa um lugar determinado em relação a esse outro, portanto, parceiro de uma relação institucionalizada e que o faz sempre de modo singular.” (Aquino, 1998, pág. 11) O sujeito institucional consiste no aluno de determinada escola, de certo professor, filho de uma família específica, integrante de uma classe social, cidadão de um determinado país. De acordo com essa teoria, ao mesmo tempo que o aluno é fruto de um processo macroestrutural, ele não pode perder sua singularidade. Para que isso ocorra na prática educativa se faz necessário algumas decisões teóricometodológicas: 1. Deixar a leitura totalizadora (sociologizante e totalizante) dos fenômenos, ou seja, conceber a violência escolar como sendo a violência da família, da prisão, das ruas. 2. Situar o fenômeno violento entre as relações institucionais que o constituem, isto é, a escola terá que rastrear no próprio cenário escolar as cenas e os efeitos da violência que lá ocorreram. 3. Descrever e analisar as marcas da violência, tendo como base as relações institucionais que a retroalimentaram, ou seja, situar o foco de análise nas relações dominantes do contexto escolar, especificamente na relação professor-aluno. A dinâmica escolar está permeada de atitudes com o teor normativo (estabelecimento de normas) e confrontativo (confronto diante do não-cumprimento das regras), e o professor por ter um lugar privilegiado na relação escolar comumente é o mentor de tal processo. Retomemos Guimarães (1996, pp.78-79) para compreender melhor tal processo: A escola, como qualquer outra instituição, está planificada para que as pessoas sejam todas iguais. Há quem afirme: quanto mais igual mais fácil PSED 68 Psicologia da Educação CAPÍTULO 12 de dirigir. A homogeneização é exercida através de mecanismos disciplinares, ou seja, de atividades que esquadrinham o tempo, o espaço, o movimento, gestos e atitudes dos alunos, dos professores, dos diretores, impondo aos seus corpos uma atitude de submissão e docilidade. Assim como a escola tem esse poder de dominação que não tolera as diferenças, ela também é recortada por formas de resistência que não se submetem às imposições das normas do dever-ser. Compreender essa situação implica aceitar a escola como um lugar que se expressa numa extrema tensão entre forças antagônicas. Assim sendo, o professor acredita que para manter o seu lugar é necessário manter a ordem, não obstante a diversidade da sala de aula impeça esse processo. Ao mesmo tempo que a ordem é necessária, o professor tem atitudes violentas e ambíguas, porque de um lado tem a função de colocar os limites da realidade e de outro oferecer recursos para o aluno buscar a autonomia sobre sua aprendizagem. Nesse ponto da discussão, concluímos que o lócus da violência escolar está na relação professor-aluno; sendo assim, a violência escolar importa violência fora dela e também a produz. Aquino (1998) coloca que, pensando institucionalmente, não há exercício de autoridade sem o emprego de violência e não há o emprego da violência sem o exercício de autoridade. A própria hierarquia social condiz com uma relação violenta (pais- filhos, médico-paciente, sacerdotefiéis). Para fundamentar usa posição mostra a ambivalência do termo violência (qualidade do que atua com força ou grande impulso, força, ímpeto, impetuosidade; constrangimento exercido sobre alguma pessoa para obrigá-la a fazer ou deixar de fazer algo; coação). Uma ação pode ser considerada violenta tanto se desencadear algo novo ou se procurar mantê-lo da mesma forma. Por exemplo, na relação professor-aluno, quando o professor usa de sua autoridade para manter o silêncio ou para mudar uma atitude de um aluno. A autoridade atribuída aos agentes institucionais, que pressupõe uma hierarquia, inevitavelmente pode produzir uma ação violenta, porém necessária para a transformação, ou seja, a estruturação e efetivação da intervenção institucional, porque PSED 69 Psicologia da Educação CAPÍTULO 12 sem ela não haveria a existência concreta das práticas educativas. Isso não quer dizer que podemos usar de uma violência gratuita na ação educacional, é importante considerarmos sua existência inevitável na relação professor-aluno. A crise da autoridade docente é o principal fator de parte dos efeitos da violência produzida na escola e está diretamente relacionada à crise da tradição de atitudes diante do passado, o professor é o mediador entre o velho e o novo, sendo preciso conservar o patrimônio cultural, para transformar as novas gerações. Sendo assim, a autoridade é o ponto nevrálgico da ética docente, reguladora do trabalho pedagógico, sendo o único antídoto contra a violência. Aquino (1998) cita Arendt sobre este ponto: “A qualificação do professor consiste em conhecer o mundo e ser capaz de instruir os outros acerca deste, porém, sua autoridade se assenta na responsabilidade que ela assume por este mundo”. JOVEM: A VIOLÊNCIA DE CADA DIA “Um sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só mas um sonho que se sonha junto é a realidade.” (Raul Seixas) A partir do trecho da música de Raul Seixas, pensem sobre a produção da violência e na produção de uma convivência mais equilibrada entre os jovens, nas escolas e na sociedade. REFERÊNCIAS AQUINO, Júlio Groppa. A violência e a crise da autoridade docente. In: Cadernos Cedes. Ano XIX, nº 47, dezembro de 1998. GUIMARÃES, A. M. A dinâmica da violência escolar - conflito e ambigüidade. Campinas: Autores Associados, 1996. PSED 70 Psicologia da Educação DISCIPLINA E INDISCIPLINA NA ESCOLA CAPÍTULO 13 “Dois perigos mortais ameaçam a humanidade: a ordem e a desordem”. (Paul Valéry) Aquino (1996), autor de vários livros e artigos sobre a questão da indisciplina, em seu artigo “A desordem na relação professor-aluno: indisciplina, moralidade e conhecimento”, começa o texto repensando a função da escola e coloca três dimensões: a epistêmica (acumular conhecimentos), a socializante (preparando a criança para o convívio social) e profissionalizante (qualificação para o trabalho). O problema da indisciplina perpassa esta tríade funcional da escola, causando um grande temor a todos os agentes educativos, pois é inimiga número um do professor, ultrapassa o âmbito didático e pedagógico e consiste num problema interdisciplinar/ transversal à pedagogia; diante desse fato é importante retomar o processo histórico da escola. O relato dos professores sobre a indisciplina se resume em: bagunça, tumulto, falta de limite, maus comportamentos e desrespeito às figuras de autoridade. A visão sócio-histórica sobre a indisciplina nos mostra que antigamente o modelo de disciplina estava voltado para o cumprimento de normas preestabelecidas pela instituição escolar, a função do professor, além de saber mais que o aluno, era modelar o aluno. O professor era o general e o aluno o soldado, submisso e temeroso, e a escola tinha o caráter elitista e conservador. Com a democratização do ensino e o acesso à escola de todas as classes sociais, os professores que ministravam excelentes aulas para “os filhos da elite” não sabiam trabalhar com a outra clientela que se apresentava à escola, isto é, os padrões de comportamento a serem ensinados ou modificados correspondiam à perspectiva da classe dominante, que os torna universais e compulsórios. Portanto é um erro a confusão que se faz da democratização do ensino com a deterioração do ensino porque o modelo educacional para a elite de antigamente não é o melhor, ou seja, a qualidade do ensino não está na reprodução da educação como era antigamente e sim em cumprir o que fala a Constituição de 1988, sobre a educação: ...desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Mesmo com toda a proposta nova da educação de que todos tenham PSED 71 Psicologia da Educação CAPÍTULO 13 acesso à educação e com direitos iguais, percebemos que a indisciplina surge como uma forma de exclusão, rejeição, incapaz de administrar novas formas de existência social, personificadas nas transformações do perfil da clientela, cristalizando as velhas formas institucionais de aprendizagem, comportamento, etc. A psicologia apresenta uma visão da indisciplina como uma carência psíquica do aluno refletida na falta de parâmetros morais apriorísticos como a permeabilidade a regras comuns, partilha de responsabilidades, cooperação, reciprocidade, solidariedade, entre outras consideradas fundamentais para a convivência em grupo, assim como o reconhecimento da autoridade externa. Este discurso vai recair sobre a família cujo papel é fundamental na educação das novas gerações; dessa forma, a estruturação escolar tem que ser pensada sob os dois âmbitos, da própria escola e da família, porque a escola não deve assumir a estruturação psíquica do aluno. Uma crítica importante ressaltada por Aquino (1996) é o fato de a escola estar mais preocupada com as questões psíquicas e morais do que com as epistêmicas, ou seja, a educação escolar está voltada mais para a normatização de condutas com o intuito de controlar a indisciplina ou com a esperança de retomar a disciplina militar de antigamente. Nesse processo, a escola se distancia ainda mais do aluno e de sua realidade, porque vai contra as suas reais necessidades de aprendizagem, criando ambientes de conflitos. A indisciplina é o sintoma das relações descontínuas e conflitantes entre o espaço escolar e as outras instituições sociais. Ora, não é possível assumir que a indisciplina se refira ao aluno exclusivamente, tratando-se de um problema de cunho psicológico/moral. Também não é possível creditá-la totalmente à estruturação escolar e suas circunstâncias sócio-históricas. Muito menos atribuir a responsabilidade às ações do professor, tornando-a um problema de cunho essencialmente didático-pedagógico. A nosso ver, a indisciplina configura um fenômeno transversal a estas unidades conceituais (professor/aluno/escola) quando tomadas isoladamente como recortes do pensamento. Ou melhor, indisciplina é mais um dos efeitos do entre pedagógico, mais uma das vicissitudes da relação PSED 72 Psicologia da Educação CAPÍTULO 13 professor-aluno, para onde afluem todas essas “desordens” anteriormente descritas. (Aquino, 1996, pp.48-49) O autor coloca que somente a relação professor-aluno pode transformar essas desordens em novas ordens, diferente da escola de antigamente, porque é nessa relação que se produz o objeto institucional, ou seja, o conhecimento. A busca do conhecimento, através dos vínculos do dia-a-dia, da maneira com que o professor se posiciona diante do aluno, tendo neste um parceiro no jogo contra a ignorância, é a única forma de mudar o quadro de indisciplina que vem se apresentando nas escolas. Dessa forma, o que deve regular a relação é uma proposta de trabalho fundada intrinsecamente no conhecimento, resgatando a moralidade do aluno à medida que o trabalho epistêmico requeira a observância de regras, de semelhanças e diferenças, de regularidades e exceções. A teoria de Aquino nos desperta para o lado moralizador de todas as disciplinas, quando pensamos na música, o quanto ela requer concentração, estudo, dedicação, disciplina e na lógica matemática importante para realizar as operações tanto quanto para a pessoa direcionar seu comportamento moralmente. O autor se refere à nova ordem pedagógica: o processo de restabelecer a função epistêmica autêntica e legítima da escola. Para tal, é fundamental mudar a compreensão e o manejo da disciplina que antes era vista como silêncio, obediência, resignação e agora passa a ser a busca de superar dificuldades, conflitos, obstáculos, perseverança, desejo pelo saber. O professor precisará ter uma conduta dialógica e de constante negociação, investir nos vínculos concretos, abandonar os ideais de relação aluno-professor, ser fiel ao contrato pedagógico e ser flexível quanto a mudanças e invenções. INDISCIPLINA: MEUS CONCEITOS, MINHA REALIDADE E SOLUÇÕES No capítulo cujo título é “A indisciplina e o professor”, Aquino (2000) apresenta três hipóteses explicativas para a indisciplina: PSED 73 Psicologia da Educação CAPÍTULO 13 1. A do aluno desrespeitador 2. A do aluno sem limites 3. A do aluno desinteressado Depois apresenta algumas premissas pedagógicas importantes como: 1. 2. 3. 4. O conhecimento A relação professor-aluno A sala de aula O contrato pedagógico Por fim coloca cinco regras éticas do trabalho do professor: 1. Compreensão do aluno problema como porta-voz das relações estabelecidas em sala de aula. 2. Des-idealização do perfil de aluno 3. Fidelidade ao contrato pedagógico 4. Experimentação de novas estratégias de trabalho 5. A competência e o prazer devem ser os dois compromissos básicos da ação do professor na sala de aula. REFLEXÃO Diante desse panorama e da leitura do capítulo 12, reflita como estão seus conceitos sobre a questão da indisciplina e das alternativas propostas por Aquino. PSED 74 Psicologia da Educação REFERÊNCIAS CAPÍTULO 13 AQUINO, Júlio Groppa. Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1996. Capítulos 3 e 5. _______. Do cotidiano escolar: ensaios sobre a ética e seus avessos. São Paulo: Summus, 2000. ANOTAÇÕES PSED 75 Psicologia da Educação CAPÍTULO 13 PSED 76 ANOTAÇÕES Psicologia da Educação OS GRUPOS E A FORMAÇÃO DOCENTE CAPÍTULO 14 “O ser humano é um animal gregário. Não pode evitar ser membro de um grupo, ainda naqueles casos em que sua pertinência ao grupo consista em comportarse de um modo que dá a sensação de não pertencer a grupo algum.” (Grimberg, 1973) A formação docente requer o conhecimento sobre grupos e a intervenção grupal visto que todo o trabalho docente ocorre em meio a grupos, sejam de alunos, de professores, de pais. Conhecer os processos grupais, como cada pessoa é inserida num determinado grupo, a função que vai assumindo neste, as relações que vão se estabelecendo, os vínculos que vão se fortalecendo, além do crescimento que ocorre na interação com o outro, possibilita ao professor uma visão ampla do desenvolvimento do aluno, favorecendo assim o processo ensino-aprendizagem. Diante dessa constatação surge a questão: como as organizações introjetadas dentro de cada um afetam o desenvolvimento do trabalho grupal, entendendo como grupo o que diz Osório (2000), “[...] um conjunto de pessoas em uma ação interativa com objetivos compartilhados”. A partir do objetivo dessa pesquisa, é importante estudar as formas de intervenção junto ao sujeito organizado em grupos de forma crítica, permitindo refletir sobre suas ações, sendo imprescindível estudar como o indivíduo se constitui e se comporta nas instituições ou nas organizações em que trabalha e com o trabalho que realiza. Por meio dos escritos de Pichon (1994), podemos compreender que as Organizações ou Instituições são instâncias intermediárias a partir das quais o indivíduo se insere na sociedade e que essa relação está subordinada à dinâmica social. Para compreender essas instâncias, não é possível isolá-las, pois nesse caso lhes atribuiríamos um valor absoluto, não conseguindo compreender de fato como funcionam. Para estudar essas instâncias e a forma como o indivíduo nelas se comporta, temos que as considerar como inseridas no contexto social e histórico e as compreender como produtos da sociedade. PSED 77 Psicologia da Educação CAPÍTULO 14 Em toda oportunidade, Pichon (1994) deixa clara a posição da grupalidade, a de que há implicação do geral da sociedade sobre todo o particular. A organização ou instituição em que o indivíduo trabalha está situada historicamente; é não apenas resultado da sociedade como também é instância de mediação para o indivíduo inserir-se na totalidade social. Para o profissional que se propõe interpretá-la nessa realidade, faz-se necessário trabalhar com as relações de determinada prática institucional. (GUIRADO, 1987, p. 72). Guirado (1987) justifica se necessário ao coordenador de grupo, que visa ter como espaço de intervenção as instituições, encarar os sujeitos como constituídos e constitutivos da estrutura institucional. A autora apresenta a possibilidade de poder fazer com que o sujeito se aproprie e construa um conhecimento sobre si mesmo e se aproprie dele, enfocando as relações que imagina, percebe e representa nesse universo de representações e afetos. Torna-se relevante compreender que os sujeitos, que na instituição estabelecem relações, ao mesmo tempo se constituem, adquirem valores, comportamentos e concepções de si mesmos, através das práticas no trabalho e do funcionamento da máquina que estão constituindo e em que estão inseridos. Enfim, o sujeito vive e processa as organizações para si. (OSÓRIO, 1991, p.2). Pichon (1994), já pontuava que as instâncias intermediárias é que propiciam ao sujeito sua inserção na totalidade social. Podemos supor que é aí que se dão as relações – que são mediadas e se dão entre os indivíduos enquanto representantes do capital, em papéis estabelecidos por essa sociedade. Guirado (1987) afirma que, “[...] as relações concretas se dão sempre nas e pelas instituições sociais. Com isso defende a necessidade de tentarmos articular o que é do universo singular, pontuado por Freud na sua clínica, e o universo das relações institucionais que o extrapolam”. PSED 78 Psicologia da Educação CAPÍTULO 14 Antunes (1995) expõe que, “nas relações e nas instituições, os sujeitos tendem a reproduzir o instituído, porque reconhecem a ordem estabelecida como natural e autêntica, mas desconhecem o caráter instituído dessa ordem e a ideologia que legitima essa reprodução.” (p. 73). A intervenção, segundo Guirado (1987), está na interpretação do discurso e do lugar do sujeito nas relações institucionais. Pontua que, de um lado, “há o discurso dos agentes que expressam representações da prática [...] e de outro, encontramos [...] cada ator (ou grupo de atores) sendo sempre “sujeito suporte” da ação e do discurso institucional.” (p. 74). Podemos dizer que as mudanças ou reflexões possíveis dentro das instituições onde os indivíduos atuam e se relacionam não têm como foco a estrutura, com propostas de mudanças e reformas administrativas, organizacionais e de funcionamento. Essas propostas estão sustentadas na concepção de organização como unidade singular e com funcionamento independente e estabelecido previamente. Uma das formas de intervenção é proporcionar ao indivíduo uma análise permanente de suas relações constituídas, ou seja, uma forma de atuação deve vir a ser com os sujeitos refletindo as relações vividas, propiciar a reflexão das relações estabelecidaS constituintes e constitutivas. Entretanto, é importante ressaltar que qualquer intervenção com os indivíduos nas instituições não pode estar desvinculada da sociedade. Os limites que encontramos na sociedade se apresentam na instituição todo o tempo. As relações que lá se estabelecem são também mediadas, estando claro que a possibilidade de alteração estará sempre esbarrando nos limites que o funcionamento social e político dessa sociedade apresenta. Barrenblitt (1986) descreve que o indivíduo está com sua consciência coisificada, estabelece com a técnica uma relação como sendo algo em si mesmo. Esse meio tecnológico, burocrático e de fetichização produz nele a incapacidade de PSED 79 Psicologia da Educação CAPÍTULO 14 se vincular com os outros, ficando indiferente ao que acontece com as outras pessoas, conseqüência da ordem social que produz e reproduz a frieza. Portanto, as relações que se estabelecem dentro das organizações são produto da sociedade e estão de certa forma mutiladas, e para se tentar produzir uma clareza acerca desse modo constitutivo exige-se a implementação, praticamente inviável, de um deslocamento no sentido contrário ao movimento da sociedade. É justamente nesse sentido a expectativa. CONTI espera poder buscar os meios que vão contra a produção da indiferença humana, ir contra a ordem social que reproduz tal frieza nos seus mecanismos subjetivos, produzidos nas suas diversas instâncias. Propõe-se a investigar a institucionalidade introjetada e constituinte desse sujeito, constituidor do contexto, considerando que o indivíduo está mediado pela instituição e que esta é produto da sociedade e como esse conjunto afeta sua vida em comunidade, desmobilizando suas ações coletivas. Um outro aspecto importante para atuar com o indivíduo dentro das organizações é apontado por Zimmerman (1997). Ao tratar do conceito de indivíduo, diz que o homem está inserido num contexto social, no qual representa diversos papéis e neles é reconhecido. Sua identidade só tem sentido nessa relação com o contexto. O saber de si está intrinsecamente dependente dessa consciência que se dá pelo reconhecimento de seus papéis como pai, filho e profissional. A PESSOA, A ORGANIZAÇÃO E O TRABALHO... Como pesquisadora com experiência na área de educação e em instituições, tenho questionado de que forma a especificidade do saber profissional, aliada à subjetividade dos sujeitos na sociedade contemporânea, pode contribuir em processos e programas de formação e desenvolvimento de indivíduos e grupos que possibilitem a reflexão e a análise das relações sociais, bem como a compreensão de como esses indivíduos as constituem na atualidade. Questiona-se se os Programas de Formação podem, de alguma forma, refletir-se na PSED 80 Psicologia da Educação CAPÍTULO 14 postura e nos valores dos indivíduos e, ainda, se pode haver uma transposição dessas reflexões para suas ações nos diversos âmbitos de suas vidas, nos grupos e na sociedade em geral, já que esses indivíduos são mediados socialmente e compõem as redes das relações sociais. O indivíduo se constitui na relação com a cultura e com a sociedade. Os aspectos subjetivos da realidade social estão presentes em reações individuais, expressas em ações, posturas, atitudes e valores. Observando que os indivíduos reproduzem tal realidade e que suas subjetividades dependem em grande parte dela, surgiu o interesse em investigar como são esses indivíduos, qual a conseqüência em suas atitudes e se há formas de atuar com os sujeitos que produzem algum efeito no contexto social atual. A partir de uma reflexão sobre a relação do indivíduo com a sociedade, buscou-se a possibilidade de intervenção por meio de ações educacionais que consigam ultrapassar a proposta de ação disciplinar, que possam ir além da mera ação pedagógica, em que a contribuição das Ciências Sociais tenha como foco o próprio sujeito, sua subjetividade e a mudança de cultura. REFLEXÃO Diante dos pressupostos teóricos abordados neste capítulo faça uma reflexão sobre como seria o seu olhar para a sua turma, seus alunos na sala de aula enquanto grupo. PSED 81 Psicologia da Educação CAPÍTULO 14 REFERÊNCIAS BARRENBLITT, Gregório (org). Grupos: teoria e técnica. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1986. CONTI, Carmen Lúcia Tozzi Mendonça Conti. O Instituto Atende – Psicologia e Serviço Social e o itinerário pela transformação social. UNESP: FHDSS, 2004 (Dissertação de Mestrado). OSÓRIO, Luiz Carlos. Teorias e práticas. São Paulo: Cortez, 2000. ANOTAÇÕES PSED 82