SUMÁRIO

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SUMÁRIO
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
OBJETIVOS ............................................................................................................. PSED 1
1.
DA PSICOLOGIA À PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ....................................... PSED 3
2.
O BEHAVIORISMO E SUAS IMPLICAÇÕES NA EDUCAÇÃO ........................ PSED 7
3.
A PSICOLOGIA DA FORMA NA EDUCAÇÃO .............................................. PSED 13
4.
CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE À EDUCAÇÃO ................................... PSED 17
5.
A TEORIA PIAGETIANA ............................................................................... PSED 27
6.
A TEORIA DE VYGOTSKY ............................................................................ PSED 33
7.
GARDNER E AS MÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS ........................................... PSED 39
8.
PHILIPPE PERRENOUD E AS COMPETÊNCIAS ......................................... PSED 47
9.
SUCESSO E FRACASSO ESCOLAR ............................................................ PSED 53
10.
DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO ....................................................................... PSED 57
11.
FORMAÇÃO DOCENTE: A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO ...................... PSED 61
12.
VIOLÊNCIA ESCOLAR UMA QUESTÃO EM FOCO ..................................... PSED 67
13.
DISCIPLINA E INDISCIPLINA NA ESCOLA ................................................. PSED 71
14.
OS GRUPOS E A FORMAÇÃO DOCENTE ................................................... PSED 77
Psicologia da Educação
OBJETIVOS
Ao final dos 14 módulos a disciplina contemplará os objetivos abaixo:
Oportunizar uma visão ampla e aberta da Psicologia como área de
conhecimento;
Situar a Psicologia histórica e geograficamente como projeto de
ciência independente a partir da modernidade chegando as tendências
atuais;
Proporcionar uma visão geral das possibilidades teóricas e
aplicações da mesma na Educação.
Estimular a atitude acadêmica, o interesse pela observação e
pesquisa e posicionamentos críticos frente à Educação e às práticas
pedagógicos.
PSED
1
Psicologia da Educação
DA PSICOLOGIA À PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
CAPÍTULO 1
“Por tanto amor, por tanta emoção a vida me
fez assim. Doce ou atroz, manso ou feroz, eu
caçador de mim.”
(Autor desconhecido)
O surgimento da psicologia tem dois marcos: o primeiro consiste nas
especulações dos filósofos sobre a alma, direcionando o interesse da natureza do
universo físico para a natureza humana. Já o segundo marco consiste na fundação do
primeiro laboratório de psicologia por Wilhelm Wundt, em 1879, na Universidade de
Leipzi na Alemanha.
A origem da palavra psicologia vem do grego:
PSICO = psique = alma, mente, emoções, sentimentos, comportamento
LOGIA = Logus = estudo, ciência
A definição de psicologia foi passando por algumas mudanças conforme
sua evolução histórica na busca de uma comprovação científica para se tornar ciência.
A psicologia do senso comum consiste no conhecimento popular que se tem sobre a
psicologia, sem ter como base comprovações científicas; enquanto a psicologia
científica consiste no conhecimento estruturado através de estudo sistemático,
comprovado cientificamente com um objeto de estudo definido. A psicologia ao longo
de seu processo histórico buscou se enquadrar dentro dos moldes científicos.
A primeira definição “Psicologia é o estudo da alma” surgiu com os
filósofos, que acreditavam ter o ser humano uma alma que o movia a se comportar de
determinada forma. Como a alma consistia em um objeto de estudo não palpável, de
difícil mensuração, até porque os filósofos não se preocupavam com a previsão e
controle da natureza e sim em explicar as atividades do indivíduo, os estudos sobre
a psicologia vão caminhando na busca de se tornar
uma ciência e se desligar da “Ciência Mãe”, a
Filosofia.
A teoria de René Descartes teve uma
contribuição nesse processo quando ele compara o
corpo humano a uma máquina que funciona através
dos princípios hidráulicos. Ele quebra a explicação
metafísica do comportamento trazendo o dualismo
René Descartes
PSED
3
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 1
cartesiano, que separa o corpo e a mente, e apresentando a visão dualista do
comportamento através dos movimentos voluntários e involuntários.
Com o estudo das ações reflexas, vários fisiologistas começaram a
desenvolver experimentos com os órgãos do sentido verificando as reações que o
organismo apresentava diante das mudanças de estímulos ambientais. Por exemplo,
para medir a intensidade mínima de luz que um observador poderia detectar ou quais
as reações que uma pessoa teria diante de um som muito alto; observando que, além
das respostas fisiológicas, havia também respostas comportamentais, sentimentos,
fenômenos emocionais. Nesse período, a psicologia passa a ser definida como a
ciência dos conteúdos, processos e atos mentais investigados por meio do
comportamento.
A fundação do primeiro laboratório de psicologia para a realização dos
experimentos com animais teve uma influência da teoria darwiniana, a possibilidade
de realizar estudos com animais para compreender o
comportamento nas várias espécies.
O fisiologista russo Pavlov, em 1901,
chega à definição de Reflexo Condicionado através de
experimentos com cães. Posteriormente, Watson
definiu a psicologia como a ciência do comportamento,
introduzindo o termo behaviorismo e mostrando ser
esse o caminho para a psicologia se tornar uma ciência
e apresentar um objeto de estudo concreto, o
comportamento. Skinner também integrou esse grupo
de estudiosos que desenvolveram pesquisas com
animais na tentativa de analisar o comportamento
Ivan Pavlov
humano e chegou ao Condicionamento Operante.
A psicologia é definida como o estudo do comportamento e consegue o
seu aval de ciência independente da filosofia. Dessa forma, a psicologia se distanciou
do seu interesse inicial que era a alma, a mente, as emoções e explicações
metafísicas para passar pelo crivo dos padrões científicos e apresentar um objeto de
estudo passível de mensuração. Posteriormente, a psicologia vai retomar a questão da
mente, das emoções, dos sentimentos através das novas abordagens teóricas que
deram seqüência ao desenvolvimento da psicologia, como a psicanálise, a gestalt
entre outras.
Assim, a psicologia foi se constituindo ora subjetiva, ora bem objetiva, e,
PSED
4
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 1
depois, retomando a subjetividade como sua essência encontrando-se enquanto
ciência, como o processo do ser humano ora doce, ora atroz, manso ou feroz, mas
buscando o próprio eu.
Os estudos de diversas áreas da psicologia tiveram uma grande
contribuição para o desenvolvimento da área pedagógica; até 1940, inclusive, tinha-se
a convicção de que a psicologia traria o status de ciência à pedagogia através:
1. da Pesquisa Experimental de Aprendizagem
2. do Estudo e Medida das diferenças individuais
3. da Psicologia da Criança
A pesquisa experimental trouxe os primeiros moldes
de como ensinar focalizando os processos de estímulos e
reforços, as
punições e gratificações que marcaram a nossa história da
educação e que hoje nas perspectivas atuais são questionadas, mas que tiveram uma
importância em sua época.
O estudo e medida das diferenças individuais trouxeram para a
educação uma contribuição que hoje podemos dizer que se tornou um ranço da
psicologia porque a criação dos instrumentos de medida da capacidade intelectual,
física e emocional (os testes psicológicos) proporcionou uma grande segregação das
pessoas que não apresentavam um perfil dentro do esperado pela sociedade e por um
longo período ficaram marginalizadas, embora o objetivo fosse adequar a
aprendizagem às diferenças individuais.
Toda a teoria da psicologia da criança trouxe à área da educação um
novo olhar para a criança, como ela aprende, seus interesses, seu desenvolvimento.
Um expoente desse processo foi Claparède, que criou o Instituto de Pesquisa
Psicológica e Educativa Jean-Jacques Rousseau, para trabalhar com os professores
as teorias psicológicas voltadas para a educação.
César Cool (1996) faz uma aproximação entre os objetivos e conteúdos
da psicologia da educação e coloca duas vertentes: a primeira seria que a psicologia
da educação consiste na aplicação dos princípios da psicologia a respeito da teoria e
prática educativa e a segunda é o desacordo entre os especialistas sobre em que
consiste essa aplicação: os conteúdos, a integração dos processos educativos e da
psicologia científica, o perfil do psicólogo da educação, entre outros aspectos.
A psicologia da educação surge como uma disciplina ponte entre a
psicologia e a educação, estreitando as relações com os estudos psicológicos sem
perder o foco da aprendizagem. Portanto, dentro da psicologia são importantes para a
PSED
5
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 1
pedagogia a Psicologia do Desenvolvimento, a Psicologia Social, a Psicologia da
Aprendizagem.
David Ausubel (in Cool, 1996) aponta a diferença entre a psicologia e a
psicologia da educação:
Psicologia = ciência que estuda as leis gerais do psiquismo humano.
Psicologia da educação = estuda as leis do psiquismo humano que
regem a aprendizagem escolar.
A definição de psicologia da educação apresentada por Cool é de uma
disciplina psicológica e educativa de natureza aplicada com programas, pesquisas,
objetivos e conteúdos próprios e com espaço definido na educação.
(...)Longe de limitar-se a transpor o âmbito educativo, o
conhecimento já elaborado pela investigação psicológica, a
Psicologia da Educação realiza contribuições originais levando
em conta, ao mesmo tempo, os princípios psicológicos e as
características dos processos educativos.
(Cool, 1996, p.8)
O PERCURSO DA PSICOLOGIA À PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Diante da trajetória da psicologia para se tornar ciência e os conflitos
sobre a psicologia da educação sobre qual deveria ser o seu verdadeiro papel na
educação, reflita:
• Qual a importância da psicologia para a educação?
• Como a psicologia da educação pode auxiliar o docente no cotidiano
escolar?
REFERÊNCIA
COLL, C.; PALÁCIOS, J.; MARCHESI, A. Desenvolvimento psicológico e educação:
psicologia da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. v. 2; capítulo 1.
PSED
6
Psicologia da Educação
O BEHAVIORISMO E SUAS IMPLICAÇÕES NA
EDUCAÇÃO
CAPÍTULO 2
“É verdade que podemos obter controle sobre o
comportamento somente na medida em que
conseguimos controlar os fatores por ele
responsáveis.”
(Skinner, 2000)
O Behaviorismo consiste em uma escola da psicologia, ou seja,
pressupostos teóricos que tiveram uma grande importância porque possibilitaram o
status de ciência à psicologia.
A origem da palavra é americana e
significa comportamento. Watson usou o termo pela
primeira vez ao definir a psicologia como a ciência do
comportamento; ele acreditava que as reações
emocionais são aprendidas através do ambiente.
Essa é a essência da escola comportamentalista, a
influência de fatores externos, do ambiente e da
experiência sobre o comportamento humano,
diferenciando do inatismo-maturacional que dá ênfase
aos fatores biológicos: a hereditariedade e a
maturação como determinantes do comportamento.
Watson deixa claro que o interesse da
psicologia deve estar voltado para a relação
John Watson
estímulos-respostas, enquanto uma ciência natural e
objetiva, deixando os processos internos no
organismo para serem estudados por outras áreas, como a fisiologia. Sendo
importante buscar a previsão da resposta diante do estímulo conhecido e identificar o
estímulo perante a resposta conhecida.
A base desta concepção é a capacidade de adaptação, de reagir aos
estímulos, às mudanças do ambiente. Um exemplo deste processo consiste nos
animais em seu hábitat natural prevenindo os perigos, buscando alimentos em busca
de sua sobrevivência.
Watson realizou uma pesquisa com uma criança de 11 meses.
Apresentou-lhe um rato branco e no primeiro momento a criança não demonstrou
nenhuma reação de medo ou estranhamento diante do animal; depois começou a
apresentar o rato ao mesmo tempo que emitia um ruído muito forte e a criança passou
PSED
7
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 2
a apresentar medo do rato branco, algo que não ocorria antes.
Assim como Watson, Pavlov também realizou várias pesquisas com cães
e chegou ao conceito de Reflexo Condicionado. Abriu uma fístula na glândula salivar do
cão e colocou um aparelho para medir a secreção salivar. Apresentava o alimento ao
cão todos os dias e no momento que não apresentou, observou que houve o aumento
da secreção salivar apenas com a presença do experimentador, chegando ao seguinte
paradigma:
Estímulo original (S) = alimento
Resposta (R) = salivação
Estímulo neutro (Sn) = presença do experimentador
Resposta condicionada (CR) = salivação diante da presença do
experimentador sem o alimento.
CR
R
Diante do estímulo original (S), o alimento, obtinha-se a resposta (R), que
era o aumento da secreção salivar do cão, porém diante de um estímulo anteriormente
neutro (Sn), ou seja, somente a presença do experimentador, o cão apresentou uma
resposta reflexa condicionada (CR), isto é, aumentou a secreção salivar.
O mesmo processo ocorreu na experiência de Watson com a criança e o
rato branco; quando o ruído passou a ser apresentado juntamente com o rato branco, a
criança associou os dois estímulos e passou a ter medo do rato. No caso do
experimento com o cão, este associou o alimento à presença do experimentador.
Esse processo pode ocorrer com qualquer estímulo. Existe uma relação
psicológica em sua origem que supera o determinismo biológico. O que se passa na
mente do animal ao começar a salivar diante do experimentador é a associação do
estímulo neutro ao estímulo original.
Desta forma, chega-se à conclusão de que comportamentos
involuntários, como a salivação, podem ser controlados por aspectos do ambiente. O
ser humano assimila estímulos que não têm relação nenhuma com seu
comportamento, o que permite antecipar, prever e substituir relações necessárias.
Um exemplo do Condicionamento Clássico: toda primavera, João vai ao
médico para tomar vacinas antialérgicas no seu braço. Vem fazendo isto há tanto
PSED
8
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 2
tempo que basta olhar para o médico que o braço dói. A criança
associou a dor da vacina com o médico, ou seja, o médico era o
estímulo neutro que adquiriu característica para produzir a
resposta condicionada, de sentir a dor da vacina. Como a
presença do médico pode provocar uma dor como da vacina? O
que ocorreu foi associação do médico com as situações da
vacinação. O mesmo ocorre conosco quando nos lembramos de
um pão-de-queijo saindo do forno, dá água na boca.
A tese de que a maioria das reações emocionais
das pessoas é aprendida a partir da influência do ambiente,
Watson procurou comprovar com seus experimentos. Apresentou vários animais a uma
criança de 11 meses e observou que ela não tinha medo deles. Depois sempre que
apresentava o animal para a criança, produzia um ruído forte de uma barra de aço
golpeado com um martelo. A criança manifestava reações de medo e começava a
chorar. Após a repetição do experimento, a criança passou a ter medo do animal
mesmo na ausência do ruído. Com isso o pesquisador afirma que o medo é um
sentimento aprendido através de condicionamento.
Pavlov chamou de
Condicionamento Clássico o procedimento em
que os estímulos neutros passam a controlar
respostas condicionadas. Um comportamento é
provocado por um estímulo determinado, ou seja,
ocorre uma reação do organismo ao meio.
A partir dos experimentos do
Condicionamento Clássico, Burrhus Frederic
Skinner desenvolve o Condicionamento
Operante, no qual, contrário do Condicionamento
Clássico, ocorre uma reação do organismo sobre
Burrhus Frederic Skinner
o meio, ou seja, o indivíduo opera sobre o meio e a
partir de alguns estímulos reforçadores seu comportamento é mantido ou eliminado. O
paradigma do Condicionamento Operante:
S = estímulo = brinquedo
R = resposta = comportamento de birra
S® = estímulo reforçador = conseguir o brinquedo com a
birra
PSED
9
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 2
No exemplo acima temos uma criança querendo um brinquedo, sua mãe
recusa, a criança inicia um comportamento de birra. Diante disso, a mãe dá o
brinquedo que a criança quer; sendo assim, a criança aprende que com a birra
consegue o que deseja, ou seja, o comportamento de birra foi reforçado pela mãe.
Isto ocorre no Condicionamento Operante, quando o comportamento é
seguido por uma conseqüência agradável (S®), porque ele tende a se repetir; se a
conseqüência for desagradável (S®) o comportamento tem menos probabilidade de
se repetir.
Os experimentos de Skinner ocorreram com ratos, pombos e pessoas.
Com ratos, usou uma caixa, denominada “caixa de Skinner”, equipada com uma
alavanca de metal que quando acionada liberava água. O rato ingênuo (nunca
colocado no ambiente da caixa anteriormente e sem ter passado por qualquer
experimento) era colocado na caixa e todas as vezes que se direcionava à barra,
farejando, tocando com uma pata ou com duas era reforçado com uma gota de água, o
procedimento era realizado repetidas vezes até que o rato conseguia pressionar a
barra, acionando a alavanca automaticamente.
O procedimento consiste na modelagem do comportamento, que ocorre
à medida que reforçadores são proporcionados após respostas que gradativamente
se aproximam da resposta desejada, no caso, a pressão à barra.
Da mesma forma quando se deseja eliminar um comportamento
indesejado pode-se reforçar o comportamento contrário, ou punir o comportamento
indesejado, esta foi uma prática muito usada por educadores e pais para educar seus
filhos. A punição, porém, pode até ter um efeito imediato, mas traz conseqüências
drásticas porque a pessoa não se esquece da punição, ela deixa marcas ruins. Quem
não se lembra de uma situação em sua vida escolar, na qual uma professora humilhou,
PSED
10
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 2
ridicularizou ou até agrediu fisicamente um aluno por ter dificuldades de aprender ou
por não seguir as regras da sala?
O comportamentalismo trouxe algumas contribuições à educação:
• Ensinar é planejar/organizar os estímulos reforçadores para tornar a
aprendizagem mais eficiente.
• A valorização do planejamento do ensino, definindo os objetivos que se
deseja atingir para preparar as atividades e definir os reforçadores.
• As máquinas de ensinar, nas quais o aluno responde a
questões sobre o tema que está estudando, se acertar,
automaticamente aparece a questão seguinte, mas, se
errar, terá que retomar o conteúdo para conseguir
prosseguir com as questões.
• A instrução programada, que consiste em
questões impressas cuja resposta encontra-se na página
seguinte, como um gabarito, e entre as questões são
apresentados alguns textos a respeito do assunto que está
sendo abordado.
Esses procedimentos possibilitam que o ensino ocorra gradualmente
,respeitando o ritmo de cada aluno e tornando o processo ensino-aprendizagem mais
eficiente.
O CONTROLE NA SOCIEDADE
“Nos fatos reais há um considerável grau de controle sobre muitas das
condições relevantes. Nas instituições penais e organizações militares há
extenso controle. Na infância controlamos cuidadosamente o ambiente do
organismo humano e, mais tarde, para aqueles em que as condições da
infância permanecem pela vida afora, em institutos que os asilam. Na
indústria se mantém controle bastante amplo das condições relevantes para
o comportamento sob a forma de salários e condições de trabalho; nas
escolas, sob a forma de notas e condições de trabalho; no comércio, por
quem quer que possua mercadorias ou dinheiro; pelas agências
PSED
11
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 2
governamentais, através da polícia e do exército; a clínica psicológica, através
do consentimento do controlado, e assim por diante. Certo grau de controle
real, mas não tão facilmente identificado, está em mãos de escritores,
propagandistas, publicitários e artistas.”
(Skinner, 2000, p.24)
REFLEXÃO
• Você já parou para pensar se no seu cotidiano você está o tempo todo
sendo controlado ou controlando o comportamento de alguém?
• Como anda a questão do controle na educação?
REFERÊNCIAS
SKINNER, B. F. A ciência e o comportamento humano. 10. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2000.
CRUZ, Nazaré; FONTANA, Roseli. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual,
1997. Capítulo 3.
BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psicologias: uma introdução ao
estudo de psicologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. Capítulo 4
PSED
12
Psicologia da Educação
A PSICOLOGIA DA FORMA NA
EDUCAÇÃO
CAPÍTULO 3
“Depois, mas por que é que me ensinaste a clareza
das vista, se não me podias ensinar a ter a alma com
que a ver clara?”
(Fernando Pessoa)
A Gestalt é uma das escolas da psicologia que trouxe também sua
contribuição à área da educação. Seus pressupostos teóricos apontam para formas
de aprendizagem, métodos de ensino, percepção dos conteúdos e das relações e,
como buscar soluções para situações-problema.
Gestalt é uma palavra de origem alemã que tem como significado forma,
configuração.
Os gestaltistas desenvolveram sua teoria a partir dos experimentos em
psicofísica sobre as sensações que o meio provoca, sendo a percepção um assunto
central da teoria. Eles queriam compreender os processos psicológicos envolvidos na
ilusão de ótica, porque o estímulo físico é percebido de modo diferente da realidade.
Como no desenho animado, que são vários
quadros, cujas imagens se sobrepõem em
nossa retina dando-nos sensação de
movimento.
Na relação estímulo-resposta
proposto pelo behaviorismo, os gestaltistas
colocam que não é tão objetivo, que ocorrem
processos mentais, sentimentos, percepções
no organismo ao se comportar, e a psicologia
precisa considerar estes aspectos para estudar o comportamento de forma mais
ampla, mais global.
A proposta da teoria da Gestalt para a aprendizagem é que a melhor
forma de apreender algo é partir de um padrão global. Várias pessoas podem
perceber a figura acima de diferentes formas, ter sensações, sentimentos peculiares.
Isto só é possível porque cada pessoa tem uma vivência, uma
experiência específica, uma visão de mundo que lhe permitirá ver de forma diferente
do outro.
Ao interpretarmos uma figura, uma obra de arte, uma música, um texto,
usamos algumas tendências para compreendermos o objeto da melhor forma possível,
para darmos um sentido, um significado a ele. Quando assim fazemos, estamos
PSED
13
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 3
buscando a boa-forma. As tendências são:
1. Proximidade: agrupamos os elementos mais próximos
para compreendermos a figura da melhor forma. Por exemplo, num texto
buscamos os assuntos que são próximos, que têm relação entre si.
2. Semelhança: agrupamos os elementos semelhantes.
Na análise de figuras, por exemplo, o nosso olhar busca pelos objetos
semelhantes. Na descrição de uma paisagem,
muitas vezes falamos do verde, das flores, jardins
para darmos um significado ao quadro.
3. Fechamento: nessa tendência,
completamos os elementos que faltam para termos
uma melhor compreensão.
4. Figura-fundo: é uma relação que
fazemos centrando nosso olhar em um aspecto da
figura em detrimento do outro para melhor compreendermos. O objeto
centrado é a figura e o entorno passa a ser o fundo, se focarmos o olhar
para outro elemento, este passa a ser a figura e os demais são o fundo.
Um exemplo são as cenas de filme. O que aparece com nitidez é a figura
e a parte embaçada é o fundo, e o foco pode ser mudado a qualquer
momento.
Dessa forma, o campo psicológico é como um campo de força que nos
leva a procurar a boa-forma, garantindo a busca da melhor forma em situações que
não estão muito estruturadas. Em muitas situações, nos comportamos conforme
percebemos os estímulos físicos, as situações em que vivemos, e esta percepção
pode estar condizente com a realidade. Por exemplo, quando cumprimentamos
alguém desconhecido pensando ser outra pessoa.
A psicologia da Gestalt trouxe o termo insight
para a psicologia, que significa uma compreensão repentina
de determinado assunto, da solução de um problema, no
popular dizer, “caiu a ficha”, “iluminou”, “eureca”, enfim,
situações nas quais encontramos o caminho, a resposta para
algo que buscamos entender.
O processo que realizamos para chegar ao
insight consiste na organização dos elementos para a
compreensão do todo. Quando ficamos presos em apenas um
PSED
14
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 3
elemento, nos perdemos e não conseguimos chegar à visão global da situação.
Para a Gestalt, a aprendizagem ocorre a partir da relação entre o todo e
as partes, sendo que o todo tem papel fundamental na compreensão do objeto
percebido.
O método global é um pressuposto da teoria da Gestalt e destaca que a
atividade pedagógica deve começar com a apresentação do conteúdo em situações
totais. Sendo assim, quando você vai iniciar um conteúdo, um assunto, um tema, deve
começar apresentando-o no geral, para depois, a partir do todo, explicar a importância
e a função de cada parte. Dessa forma o aluno terá condições de compreender melhor
o que está estudando e sua aprendizagem terá um significado.
DAS PARTES AO TODO OU DO TODO ÀS PARTES?
“Se pensarmos no artesão que antes fazia o sapato do
começo ao fim, antes de iniciar a produção já tinha claro
como ficaria o sapato depois de pronto. Hoje, na
produção em série das indústrias de calçado, a
coladeira de peça muitas vezes não imagina como
ficará o produto final do sapato que está produzindo.(...)”.
Diante dessa afirmação, pense em como está nossa
educação, como o artesão ou como as indústrias, e que aluno queremos formar dentro
dessa proposta?
REFERÊNCIA
BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psicologias: uma introdução ao
estudo de psicologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. Capítulo 4
PSED
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 3
PSED
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ANOTAÇÕES
Psicologia da Educação
CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE À
EDUCAÇÃO
CAPÍTULO 4
“Se fosse preciso concentrar numa palavra a
descoberta freudiana, essa palavra seria
incontestavelmente inconsciente.”
(Laplanche e Pontalis, 1997)
Quando se fala em psicanálise, automaticamente nossa memória se
volta para um nome: Freud, o pai da psicanálise. Nasceu na Morávia, atual
Checoslováquia, em 1856, era judeu, de família simples, o primogênito dos filhos e
sempre foi excelente aluno.
Fez medicina na Universidade de
Viena, sempre foi muito criticado por ser judeu, o que
o ajudou a suportar as críticas a sua teoria. Passou
três anos na faculdade além do necessário para
terminar o curso porque queria continuar trabalhando
com pesquisas; desenvolveu vários estudos sobre
dermatologia, sistema nervoso central, bases do uso
da cocaína como anestésico local, afasia, paralisia
infantil e explicações funcionais para áreas do
cérebro.
Com o casamento, deixou as pesquisas
por um tempo em função de questões financeiras e
Sigmund Freud
passou a dedicar-se à carreira clínica, até ganhar uma
bolsa de estudo para trabalhar com Charcot em Paris, o psiquiatra que descobriu que
a hipnose eliminava temporariamente os sintomas histéricos.
A hipnose consiste em um método de sugestão através do qual a pessoa
narra fatos dolorosos de sua vida em estado hipnótico. Os sintomas histéricos
consistem na incapacidade de integrar as funções psíquicas, apresentando problemas
somático, como paralisias dos membros.
Depois de um tempo, volta para Viena para trabalhar com Joseph Breuer
e elaboram o método catártico, num processo em que um evento traumático reprimido
que não está consciente, ao ser recordado, traz junto a vivência da emoção
anteriormente reprimida. Ao trazer o trauma para o consciente com a descarga das
emoções reprimidas, os sintomas desaparecem.
Um exemplo clássico que proporcionou a descoberta de todo esse
processo foi o primeiro caso da psicanálise, o caso Ana O, uma jovem de 21 anos,
PSED
17
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 4
muito inteligente que possuía um quadro histérico, ou seja, apresentava paralisias,
perturbações nos movimentos oculares, tosse nervosa, hidrofobia e estados de
absence, nos quais falava coisas fragmentadas e sem sentido. Em estado hipnótico,
Breuer repetiu algumas palavras que havia dito em estado de absence para provocar
uma associação e Anna O começou a relatar:
“(...) ao leito de morte do pai, onde exausta entrou numa espécie de sono
acordado, e alucinou ver uma serpente negra que surgia para picar o
enfermo. Quis afastar o réptil, mas sentiu seu braço paralisado. Ao fixar os
olhos em seu braço, viu seus dedos se transformarem em pequenas
serpentes cujas cabeças, localizadas nas unhas, eram caveiras. Assustada,
tentou rezar, mas as palavras lhe fugiram, só se lembrando de uma oração
infantil em inglês”.
(Rappaport, 1981, p.16)
Ao voltar do sonambulismo, Ana não apresentava
mais os sintomas de paralisia.
Freud passou a vida desenvolvendo a psicanálise e
controlando o movimento psicanalítico e expulsando os que
discordavam dele. Quanto mais pessoas tinham acesso a sua
teoria, mais as críticas aumentavam e quiseram queimar seus
livros em Berlim, fato este considerado por ele um progresso
senão ele seria morto. Adoeceu com um câncer na boca e
mandíbula, sofrendo 33 cirurgias para controlar a doença, vindo a
falecer em Londres, em 1939.
A PRIMEIRA TEORIA DO PSIQUISMO
A grande descoberta de Freud foi o inconsciente, que constituiu uma das
feridas narcísicas do ser humano, que antes pensava ter total domínio sobre sua
vontade e com o inconsciente descobre que não tem.
Freud chegou ao inconsciente através da experiência clínica de Breuer, o
método catártico descrito anteriormente e pelas experiências com sugestão pós-
PSED
18
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 4
hipnótica de Bernheim. Em estado de hipnose, o paciente recebe uma ordem do
terapeuta e quando sai do sonambulismo sem saber o porquê conscientemente age
segundo a ordem recebida, por exemplo, abrir um guarda-chuva no meio de uma sala
diante de outras pessoas.
Sem entender a razão, a pessoa tem a atitude, fica constrangida e
procura se justificar com explicações racionais. Fica clara a existência de dois
processos psíquicos, um consciente e outro inconsciente, sendo que o segundo
determina as ações da pessoa sem esta ter consciência.
Surge uma questão, uma pessoa pode ter qualquer atitude mediante uma
ordem recebida em hipnose? Mesmo atos que são contrários às normas sociais?
“(...). Não cometeria, por exemplo, um crime sob efeito de sugestão póshipnótica. Uma paciente feminina não poderia ser levada a desnudar-se por
mero efeito de sugestão pós-hipnótica, a não ser que ela pessoalmente não
se incomodasse com tal procedimento. Normalmente, quando é dada ao
hipnotizado uma ordem que ele não pode cumprir, em geral acorda
abruptamente do transe bastante incomodado, e torna-se em seguida
resistente a entrar em nova hipnose”.
(Rappaport, 1981, p.16)
Ao falar de psicanálise, convido vocês a entrar no mundo do
inconsciente, só assim poderão compreender os pressupostos teóricos desta teoria
porque os processos ocorrem inconscientemente.
A resistência e a repressão são dois
mecanismos de defesa que agem de forma a proteger
nosso funcionamento psíquico de conteúdos que não
daríamos conta de entrar em contato conscientemente. Por
exemplo, numa situação em que ocorre algo muito
doloroso, este conteúdo é reprimido ficando no
inconsciente. Esse é o mecanismo da repressão.
O papel da resistência é impedir que esse conteúdo doloroso se torne
PSED
19
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 4
consciente, agindo como uma barreira.
Esse processo ocorre de forma dinâmica e inconsciente, o que temos
como conseqüência da tentativa de conteúdos inconscientes se tornarem conscientes
é o surgimento de sintomas neuróticos, ou seja, o conteúdo reprimido tenta vir para o
consciente, a resistência entra em ação para impedir gerando a ansiedade, o medo, a
taquicardia, etc.
Para finalizar este subcapítulo, é importante ressaltar que o inconsciente,
segundo Laplanche e Pontalis (1997), consiste nos conteúdos que não estão
presentes no consciente e cujo acesso ao consciente foi recusado. O consciente
consiste nos fatos, eventos, pensamentos que temos na mente e estamos
constantemente em contato.
ESTRUTURAS DINÂMICAS DA PERSONALIDADE
Quando o modelo topológico de consciente e inconsciente não
consegue explicar a dinâmica psíquica, Freud começa a
escrever sobre o dinamismo das estruturas da
personalidade: ID, EGO e SUPEREGO, num modelo
dinâmico da personalidade.
O ID consiste na estrutura primária, com a qual
nascemos, portanto, ligado aos impulsos instintivos inatos
que levam às relações humanas. O princípio que rege essa
estrutura é o princípio do prazer, a busca da satisfação
imediata dos desejos; como no sonho, não tem tempo,
PSED
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 4
censura, tudo é possível e constituído por imagens que às vezes são deslocadas
1
outras condensadas2 . O ID é a primeira estrutura da personalidade, com a qual
nascemos; a partir dela as demais estruturas vão sendo construídas, formando assim
nossa personalidade.
O SUPEREGO é a estrutura que se contrapõe ao ID, enquanto ao ID
tudo é permitido. No SUPEREGO estão a censura, as proibições, as normas e regras
de convivência social. O SUPEREGO é responsável pela estruturação interna dos
valores morais, isto é, a internalização das regras morais do que é proibido e
valorizado. No SUPEREGO, temos o ego ideal, que consiste em internalizar os ideais
valorizados no grupo cultural em que a pessoa vive, como a honestidade, o caráter, o
desenvolvimento intelectual; e a consciência moral, que resume-se na internalização
das proibições que, quando transgredidas, gera o sentimento de culpa, como roubar,
prejudicar alguém.
O SUPEREGO é fundamental para a personalidade, principalmente na
convivência em grupo, mas quando exagerado pode prejudicar. Se as proibições
forem muito severas, qualquer ato, por menor que seja, contraria os valores ensinados
pelos pais, podendo ser sentido pela pessoa como um crime e direcionar sua vida em
função da culpa. Ao contrário disso, o psicopata é alguém sem valores internos, terá
uma facilidade para a delinqüência e só será contido diante de restrições punitivas,
como a prisão.
E o EGO, qual o papel dessa estrutura da personalidade?
O EGO é o mediador entre o ID e o SUPEREGO. Ele
funcionará a partir do princípio da realidade, ou seja, o juízo de
realidade verificando se o desejo do ID pode ou não ser realizado,
fazendo a conciliação entre os desejos e as proibições internas e da
realidade objetiva. O EGO permite a adaptação ao mundo em que vive
e engloba todas as funções lógicas do funcionamento mental, como a
memória, o pensamento, a linguagem e o esquema corporal.
O EGO é também a sede da angústia, o responsável por detectar os
perigos reais e psicológicos que ameaçam a integridade do indivíduo. São elas:
• Angústia real - consiste no medo diante de um fato da realidade, que
1
Ver o significado de deslocamento e condensação em mecanismos de defesa.
2
Idem.
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 4
realmente aconteceu, que mobiliza a pessoa diante de um perigo a lutar
ou fugir.
• Angústia neurótica - é o temor diante dos desejos que prevalecem
sobre a realidade, com o sentimento de que podemos perder o controle
e fazer algo ruim. Essa angústia pode surgir como um medo de algo que
não tem explicação concreta, racional. Por exemplo, uma pessoa que
passa a não dirigir mais em rodovias por um medo o qual não sabe
explicar e sem que nada tenha acontecido concretamente que pudesse
justificar o medo repentino.
• Angústia moral - é o sentimento de culpa proveniente do SUPEREGO
rigoroso, que, percebendo os desejos do ID, passa a punir a pessoa
como se a transgressão tivesse ocorrido. Por exemplo, uma pessoa só
de imaginar uma atitude desonesta já se sente uma criminosa.
Um exemplo para esclarecer esse processo dinâmico que ocorre em
nosso funcionamento psíquico seria:
“Diante da manifestação do desejo, duas proibições podem opor-se: as
proibições morais, oriundas do Superego e as interdições da realidade
objetiva. (...) Uma jovem criada dentro de uma organização familiar de
tradições morais nos moldes antigos provavelmente tenderá a ver a
sexualidade, notadamente a sexualidade pré-marital, como algo pecaminoso
e proibido. Abraçada ao seu namorado, os desejos sexuais se manifestam.
As proibições surgem tanto do lado real (risco de gravidez, possíveis atritos
reais com a família) quanto do lado superegóico, ou seja, mesmo que o real
esteja sob controle, que ela racionalmente ache
que a experiência será válida, que não há perigo
de gravidez e que a família não necessita saber
de sua conduta, algo interno, não definido, proíbea de tentar.”
(Rappaport, 1981, p.27)
PSED
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 4
Todo esse processo ocorre de maneira inconsciente, não percebemos
conscientemente que não conseguimos realizar algo porque há uma estrutura da
personalidade cuja censura nos impede de fazê-lo; essa dinâmica é interna e ela
ocorre para preservarmos nossa saúde mental, ou seja, para facilitar nossa adaptação
ao meio e impedir-nos de enlouquecer.
Para proteger nossa saúde mental, principalmente o EGO, estrutura da
personalidade responsável pelo equilíbrio mental, como já foi
colocado, existem os mecanismos de defesa; dois deles
foram apresentados anteriormente e a seguir serão citados
brevemente outros mecanismos que também são
importantes nesse processo, sendo importante lembrar que
a atuação dos mecanismos de defesa ocorre
inconscientemente.
1. Divisão ou cisão – consiste em objetos,
imagens, pessoas com as quais nos relacionamos e despertam nosso
amor e nosso ódio ou temor. Então dividimos esse objeto atribuindo
amor a uma parte e ódio à outra. Um exemplo talvez fosse uma mãe que
fala do filho bom e do filho mau, e não consegue perceber que os dois
têm qualidades e defeitos.
2. Negação – ocorre quando não percebemos características no outro
que nos magoariam ou que seriam perigosas para nós. Por exemplo, um
pai machista que não admite a homossexualidade do filho.
3. Projeção – quando atribuímos características nossas no outro. Por
exemplo, uma mãe que não cuida adequadamente do filho e atribui a
culpa pelas dificuldades do filho à professora, ao pai, etc.
4. Racionalização – quando fugimos dos sentimentos buscando
explicações lógicas, racionais para nossas atitudes, tentando provar que
merecemos o reconhecimento do outro. A defesa da eutanásia pode ser
um exemplo. Buscamos justificativas lógicas para que o doente incurável
fosse morto, mas na realidade queremos encobrir os sentimentos
agressivos contra aquele que só nos traz trabalho e angústia.
PSED
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 4
5. Formação reativa – consiste em ter uma atitude com o sentido oposto
ao desejo reprimido. Atuar de forma contrária ao desejo pode ser um
meio de auto preservação. Um exemplo, os desejos sexuais intensos
sendo transformados em comportamentos extremamente pudorosos.
6. Identificação – ocorre quando o sujeito internaliza características de
outra pessoa a qual valoriza muito, passando a sentir-se como ela;
pessoas que se sentem vazias passam a sentir-se valorizadas,
importantes por se identificarem com o líder.
7. Regressão – consiste em voltar a estágios de desenvolvimento
anteriores ao que está. Por exemplo, uma criança voltar a chupar chupeta
diante do nascimento do irmão.
8. Isolamento – é o processo de isolar o pensamento, a atitude, o
comportamento, o sentimento, para não ameaçar a integridade psíquica.
Quando uma pessoa relata o acidente que levou a morte do irmão como
se fosse fato que leu no jornal, ou que aconteceu com outra pessoa e não
com um membro da família.
9. Deslocamento – consiste em descarregar os sentimentos agressivos
em pessoas ou em objetos menos perigosos. Se a raiva é do chefe em
casa discutimos com a mulher, o marido, ou os filhos.
10. Condensação – quando unimos duas imagens formando uma
terceira que dificulta identificar a original; ocorre muito nos sonhos, onde
as imagens surgem distorcidas ou sob figuras mitológicas, como o
minotauro (corpo de homem e cabeça de touro).
11. Sublimação – esse mecanismo de defesa é considerado o mais
evoluído e consiste na canalização dos desejos afetivos que dão prazer
para atividades simbólicas e produtivas, como as obras de arte, música,
literatura, entre outras.
Os processos psíquicos ocorridos com os mecanismos de defesa têm a
função de afastar um evento gerador de angústia do consciente, preservando a sanidade
mental do ser humano.
PSED
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Psicologia da Educação
A PSICANÁLISE NA SALA DE AULA
CAPÍTULO 4
Após o estudo do capítulo 4, faça uma reflexão sobre como
o conhecimento dos pressupostos teóricos da psicanálise, como os
processos consciente e inconsciente, a dinâmica da personalidade, os
mecanismos de defesa podem auxiliar o docente em sua prática.
REFERÊNCIAS
RAPPAPORT, C.R.; FIORI, W.R.;DAVIS, C.. Teorias do desenvolvimento: conceitos
fundamentais. São Paulo: EPU,1981. Capítulo 2, volume 1, pp .11 a 50
LAPLANCHE E PONTALIS . Vocabulário de Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes,
1992.
ANOTAÇÕES
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 4
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Psicologia da Educação
A TEORIA PIAGETIANA
CAPÍTULO 5
“Para conhecer os objetos, o sujeito tem que agir
sobre eles e, por conseguinte, transformá-los: tem
que deslocá-los, agrupá-los, combiná-los, separálos e juntá-los. Nesse sentido, o conhecimento
não é nem uma cópia interior dos objetos e
acontecimentos que se imporiam ao sujeito. Ele
é uma compreensão real, construída a partir de
modos de ação do sujeito sobre o meio,
dependendo dos dois - sujeito e objeto – ao
mesmo tempo.”
(Jean Piaget)
Jean Piaget nasceu em 9/8/1896 em Neuchâtel, na Suíça, seu pai
sempre foi um estudioso de literatura e escreveu a história de Neuchâtel e sua mãe
enérgica e inteligente contribuiu para que ele sempre se
dedicasse aos trabalhos sérios.
A biologia sempre foi de seu interesse, e sua
primeira formação. Desde os 7 anos de idade, observava os
pássaros, fósseis, conchas marinhas. Escreveu um artigo sobre
as observações de um pardal, estudou moluscos, tema em que
defendeu sua tese de doutorado.
Passou por um momento de crise religiosa
Jean Piaget
entre 15 e 20 anos. Sua família era protestante, e através desse
meio, chegou à Filosofia e posteriormente à tentativa de unir a
Filosofia à Ciência. Neste momento de crise, resolveu se
dedicar ao estudo do problema do conhecimento: a
Epistemologia.
Após o doutorado, fez estudos em Psicologia em Zurique e Filosofia em
Paris; foi convidado a participar da padronização do teste de raciocínio de Burt, no
qual sua função era conversar com os sujeitos fazendo um tipo de interrogatório clínico,
com o fim de descobrir algo sobre os processos de raciocínio que se encontravam por
trás das respostas. A partir desta experiência surgiu o método clínico.
Em 1921, Claparède se impressiona com seus artigos e o ajuda a
ingressar no Instituto Jean Jacques Rousseau para desenvolver trabalho com crianças.
Nesse período, define seu objeto de estudo, a Epistemologia Genética.
PSED
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 5
Com este estudo, descobriu as raízes das diversas modalidades
do conhecimento desde suas formas mais elementares até o pensamento científico. O
meio que usa é o método clínico.
O MÉTODO CLÍNICO
O método clínico foi adaptado para a investigação experimental e o
objetivo foi superar o método de observação pura, portanto, consiste em conversar
livremente com a criança sobre um tema dirigido e seguir os desvios tomados pelo
seu pensamento a fim de reconduzi-la ao tema para obter justificativas e testar a
constância e fazer contra-sugestões.
Isso acontece quando conversamos com crianças pequenas sobre um
determinado assunto e percebemos que elas ainda têm um conceito inadequado, mas
que tem uma lógica. Por exemplo, um dia fui ao shopping com meu filho de 2 anos e
meio e ele me pediu para comprar-lhe uma bola de basquete com a cesta; eu expliquei
que não tinha dinheiro, que primeiro iria trabalhar, receber o dinheiro e depois poderia
comprar. Depois de um mês aproximadamente, fomos novamente ao shopping e no
caminho ele me perguntou se eu havia trabalhado, eu disse que sim, e questionei o
porquê. Ele respondeu perguntando se eu recebi o dinheiro ao que eu disse sim, então
ele perguntou se estava na bolsa, eu perguntei o porquê e ele disse
então: “Hoje você pode comprar a bola de basquete para mim”.
Um questionamento da criança que aparentemente é
estranho, quando investigado pode-se perceber como ocorre o
raciocínio, a lógica de seu pensamento. Mas quantas vezes deixamos
as falas de crianças de lado por falta de tempo com a correria do diaa-dia, não dando a importância necessária?
A primeira etapa do método clínico consistiu na
elaboração, cujo objetivo foi captar a lógica da criança através do
pensamento verbal. Primeiramente, esse processo ocorreu somente
em situações naturais e não preestabelecidas, observando as manifestações das
crianças.
Posteriormente, para o estudo do raciocínio usou alguns testes
psicológicos de lateralidade, definição dos objetos, família, seriação, inclusão,
multiplicação lógica. Piaget escreveu vários livros a respeito dessas pesquisas e
PSED
28
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 5
valorizava mais o lado qualitativo das respostas das crianças no sentido de
compreender o raciocínio, o contexto da situação.
Em função disso percebe que a padronização do teste limitava a
verificação do desempenho do pensamento da criança, que para ele era o mais
importante. Portanto, a partir desse momento, passa a estruturar outro método.
De 1925 a 1931, Piaget passou por várias mudanças profissionais e
familiares, torna-se chefe dos trabalhos no Instituto Rousseau, professor de Filosofia
na Universidade de Neuchâtel e professor de História do Pensamento Científico em
Genebra; nasceram seus três filhos, os quais muito contribuíram para o
desenvolvimento de sua teoria e levou-o a retornar à observação pura no período em
que seus filhos ainda não tinham a linguagem verbal.
A segunda etapa do método clínico ocorreu no período de 1930 a 1940,
denominada observação crítica, ou método crítico, que consistia em conversar
livremente com as crianças sem limitar-se a perguntas fixas de forma a permitir a
tomada de consciência e a formulação de suas próprias atitudes mentais. Dessas
observações, surgem os primeiros escritos sobre o período sensório-motor.
De 1940 a 1955, assumiu novas atividades profissionais, como o
laboratório de psicologia experimental, a presidência da Sociedade Suíça de
Psicologia, tornou-se membro da Academia de Ciências de Nova York e professor de
Psicologia Genética da Sorbonne e nesse período desenvolveu a terceira etapa do
método clínico, do desenvolvimento e formalização.
Nessa etapa chega à percepção de que o
pensamento verbal da criança proporciona apenas um
dos aspectos da construção das estruturas lógicas e
passa a investigar a ação lógica das operações
concretas, ou seja, como funciona o pensamento da
criança quando brinca, opera com objetos como quebracabeça, lego, encaixe, etc.
Ocorre também a afirmação do método crítico, termo este usado em
razão de a sistemática controvérsia das afirmações do sujeito para captar sua
atividade lógica profunda e a estrutura característica do estágio do desenvolvimento,
através da contra-argumentação, ou seja, sugestões verbais contrárias ao pensamento
da criança para verificar a certeza de seu raciocínio ou há dúvida.
Por exemplo, quando a criança está diante de dois tubos com a mesma
quantidade de tinta, porém, um é baixo e largo e o outro alto e estreito e diz que tem
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 5
mais tinta no tubo alto e estreito porque é maior, você contra-argumenta dizendo que
se colocar a tinta do tubo estreito em outro tubo baixo e largo vai ficar a mesma
quantidade do primeiro tubo. Ao questionar a criança e apresentar outra possibilidade,
ela pode mudar de idéia ou confirmar a sua, portanto, a contra-argumentação tem a
função de provocar um desequilíbrio no pensamento da criança, para que ela possa
construir o conceito.
A quarta etapa do método consistiu nos últimos
desenvolvimentos, quando elabora os quadros numéricos da pesquisa
realizada com 2.159 crianças com a ajuda de 18 colaboradores. A
psicologia genebriana com um contexto teórico fundado num modelo
lógico, na experimentação, permite ao pesquisador focalizar a
apreensão dos processos cognitivos em quadros definidos e aos
psicólogos clínicos a investigação clínica para o diagnóstico.
Desde o início de sua vida sempre se preocupou em
descobrir as coisas, daí a necessidade de saber como era a aprendizagem do ser
humano, o que diferia entre o homem e o animal. Percebeu que a criança tem um
raciocínio diferente ao do adulto, por isso passa a trabalhar com as crianças pelo
método clínico.
A psicologia genebriana iniciou seus estudos pelo erro, ou seja, as
respostas erradas das crianças, o que ninguém havia realizado até então. Em sua
investigação, observou os filhos, fazendo um jogo para verificar como pensavam, suas
formas de raciocínio, como o ser humano consegue construir o seu desenvolvimento
intelectual. Desse jogo surgiram as provinhas piagetianas, que não são testes, mas
atividades em que são feitas algumas propostas para a criança realizar com os
materiais e se vai questionando sua execução tentando entender como ela pensou
para realizar a tarefa.
Sua teoria está baseada no processo de assimilação e acomodação,
estruturas biológicas que precisam estar maturas para chegar à adaptação e
provocam o desequilíbrio, processo o qual natural e constantemente levam à
adaptação. Por ser biólogo, sua teoria está intimamente ligada a pressupostos da
Biologia.
Para Piaget, a adaptação à realidade externa depende basicamente do
conhecimento, por isso buscou cientificamente os processos usados pelo indivíduo
para conhecer, isto é, a Epistemologia genética, ou seja, a gênese do conhecimento,
que consiste em buscar quais processos mentais estão envolvidos numa situação de
PSED
30
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 5
resolução de problema e quais os processos que ocorrem na criança para possibilitar
aquela atuação.
Segundo sua teoria do conhecimento, o que regula e corrige o
desenvolvimento do comportamento adaptativo é a realidade externa do sujeito do
conhecimento. A construção das estruturas mentais e seu funcionamento estão ligados
à tentativa da criança em entender o mundo.
Piaget morreu em 1980 aos 94 anos.
PRINCIPAIS CONCEITOS DA TEORIA PIAGETIANA
Hereditariedade: o indivíduo herda estruturas biológicas que
predispõem ao surgimento das estruturas mentais. Não herdamos a inteligência, o
organismo que se desenvolve em contato com o meio, por isso a importância da
estimulação física e social para a constituição da inteligência.
Adaptação: também pode ser equilibração. O ambiente físico e social
rompe o estado de equilíbrio que provoca a busca do comportamento adaptativo. O
conhecimento permite novas formas de interação com o meio, o que leva à adaptação
mais completa. Essa busca recorre a dois processos que sempre vêm juntos: a
assimilação e a acomodação.
Assimilação: é a tentativa de solucionar um problema a partir de uma
estrutura já formada, incorporar novo elemento. Por exemplo, subir uma escada; a
partir do momento que aprendeu a subir o fará em qualquer ocasião; a ingestão de
alimento, na qual ocorrem os processos de ingestão, mastigação, deglutição,
transformação, se se mudar o alimento, o corpo terá que se adaptar ao novo sabor,
caso contrário, o organismo o expulsará.
Acomodação: na insuficiência da assimilação,
pela estrutura já formada, parte para outras tentativas
modificando as antigas para conseguir solucionar. A adaptação
depende muito da flexibilidade do sujeito. Por exemplo, a criança
que sabe andar de bicicleta normal e passa para a bicicleta de
marcha.
Esquemas: consiste na unidade estrutural básica
de pensamento ou de ação; corresponde à estrutura biológica que muda e se adapta.
PSED
31
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 5
Por exemplo, sugar é um esquema simples; a partir do reflexo forma-se a idéia no
pensamento, imagem interiorizada de escola é um exemplo de esquema complexo. É
a disposição comportamental específica diante de um estímulo específico, ou a idéia
que formamos de algo; é uma forma de organização do pensamento e se desenvolve
para permitir a adaptação. Outros exemplos são o esquema de
mãe, de preensão.
Equilíbrio: de acordo com a biologia, quando ocorre
um problema com um dos elementos do organismo, o próprio
organismo busca retornar ao estado de equilíbrio, Por exemplo,
diante da fome, busca ingerir alimentos. Em termos dos processos
mentais o equilíbrio se refere à organização das estruturas
cognitivas num sistema coerente que permite a adaptação. Por
exemplo: a criança recém-nascida dependenteaniza as impressões sensoriais para
aprender a agir, no meio, usa os esquemas sensório-motores.
ATENÇÃO: Os estágios de desenvolvimento, segundo Piaget, estarão no
Fórum e as inferências educacionais sobre sua teoria no CHAT.
REFERÊNCIAS
SEBER, Maria da Glória. Construção da inteligência pela criança: atividades do período
pré-operatório. 4.ed. São Paulo: Scipione, 1995. Capítulo 1.
RAPPAPORT, C.R.; FIORI, W.R. DAVIS, C. Teorias do desenvolvimento: conceitos
fundamentais. São Paulo: EPU,1981. Capítulo 3, volume 1, páginas 63 a 75.
FONTANA, Roseli. A psicologia e o trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997.
COLL, C.; PALÁCIOS, J.; MARCHESI, A.(orgs.) Desenvolvimento psicológico e
educação: psicologia da educação. Porto Alegre: Artes Médicas,1996. Capítulo 7, volume
2.
PSED
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Psicologia da Educação
A TEORIA DE VYGOTSKY
CAPÍTULO 6
“O homem, todo e qualquer ser humano, não
existe dissociado da cultura.”
(Marta Kohl de Oliveira)
Lev Semenovich Vygotsky nasceu em 17 de
novembro de 1896, na cidade de Orsh, na Rússia, filho de uma
família culta, o que o levou a questionar-se sobre o homem e a
criação de sua cultura.
Sempre se interessou por literatura, poesia,
filosofia, direito, medicina, psicologia; estudou francês, hebraico,
latim e grego. Foi educado em casa até os 15 anos, quando
ingressou no curso secundário.
Lev S. Vygotsky
Em 1914, começou o curso de Medicina na
Universidade de Moscou e junto fez Direito e depois Filosofia,
Psicologia, Literatura e História na Universidade Popular de Shanyavsky.
Durante a Revolução Russa, em 1917, forma-se em Direito e volta para
Gomel, onde passou sua adolescência e começa a lecionar Literatura, História da Arte
e onde funda um Laboratório de Psicologia, na escola de professores. Ao se
apresentar no Congresso Panrusso de Psiconeurologia em 1924 é convidado a
trabalhar no Instituto de Psicologia de Moscou, conhece Aleksander Luria e Leksei
Leontiev, os quais passam a ser seus colaboradores e amigos.
Em 1925 adoece gravemente da tuberculose e inicia um período de
grandes produções, conferências e pesquisas. Sua paixão pela arte o mantinha muito
próximo de intelectuais e artistas, por isso foi considerado pelo cineasta Sergei
Eisenstein como um dos psicólogos mais brilhantes da época com a capacidade de
ver o mundo com claridade celestial.
Em 1929 conclui sua tese A psicologia da Arte com base em Hamlet, de
Shakespeare. Em 1932 prefaciou o livro A linguagem e o pensamento da criança, de
Jean Piaget. Morreu precocemente aos 37 anos em 11 de junho de 1934. Sua obra foi
proibida por quase meio século por Josef Stalin, em 1936 sob acusação de idealismo.
Segundo Oliveira (1993), a psicologia de Vygotsky pode ser
conceituada em três pilares:
1. as funções psicológicas têm um suporte biológico pois
são produtos da atividade cerebral;
2. o funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações
PSED
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 6
sociais entre o indivíduo e o mundo exterior, as quais se desenvolvem
num processo histórico;
3. a relação homem-mundo é mediada por sistemas
simbólicos.
O cérebro, sendo a base, não significa que é o limite. Por ser um sistema
aberto, possui uma grande plasticidade e está em
desenvolvimento ao longo da vida de cada ser humano.
Segundo Vygotsky (1991), a criança nasce com as
funções psicológicas elementares, e a partir do aprendizado da
cultura estas se transformam em funções psicológicas superiores:
as ações conscientes, a atenção voluntária, o pensamento
abstrato e o comportamento intencional.
Essa evolução não ocorre de forma imediata e diretas. As informações
recebidas do meio social são intermediadas, de forma explícita ou não, pelas pessoas
que interagem com as crianças; essa intermediação imprime às informações um
caráter valorativo e significados sociais e históricos.
“Por processos mentais superiores entende-se o controle consciente do
comportamento, a ação intencional e a liberdade do indivíduo em relação
às características do momento e do espaço presentes; em outras palavras,
todas as ações e pensamentos inteligentes não instintivos que somente estão
presentes nos homens.”
(Oliveira, 1993, p.26)
A mediação no socioconstrutivismo ocorre quando a ação for mediada
por um objeto ou pessoa. Por exemplo, quando o sujeito coloca a mão na chama da
vela e a retira ao sentir a dor, é uma relação direta e não mediada; posteriormente se
retira a mão antes de sentir a dor por lembrança ou porque alguém lhe disse que
poderia se queimar, podemos dizer que a relação entre a chama da vela e a retirada
da mão foi mediada pela lembrança da experiência ou pela intervenção da pessoa.
O homem se transforma, de biológico para ser
sócio-histórico por meio da cultura. Quando sente fome, um
animal procura comida na natureza e seu comportamento nesse
caso é orientado exclusivamente pelas suas possibilidades e
características biológicas e pelas resistências ou facilidades
PSED
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 6
que o ambiente lhe impõe, abundância ou escassez de alimento, por exemplo.
Já o homem cria instrumentos, ou seja, tudo o que se interpõe entre o
homem e o ambiente, podendo, assim, ampliar, modificar sua forma de agir; por
exemplo, a enxada, a serra, o arado, as máquinas. São criados pelo homem para
facilitar sua ação sobre a natureza.
Os instrumentos transformam o próprio comportamento humano, que
deixa de ser uma ação direta sobre o meio, controlada apenas pela relação entre as
necessidades de sobrevivência e o ambiente. Dessa forma, como atua sobre a
natureza, transformando-a, o homem atua sobre si próprio,
transformando sua forma de agir.
O signo para Vygotsky é comparado ao
instrumento e denominado por ele de instrumento
psicológico, ou seja, tudo o que é usado pelo homem para
representar, evocar ou tornar presente o que está ausente
constitui um signo: a palavra, o desenho, os símbolos, como
uma bandeira ou emblema, etc.
Segundo Fontana (1997), enquanto o
instrumento está orientado externamente para modificar o ambiente, o signo é
internamente orientado para modificar o funcionamento psicológico do homem.
Os signos e os instrumentos são usados na experiência pessoal de cada
um e também pela incorporação de experiências passadas de geração em geração;
assim como a escrita, as notações musicais, as convenções gráficas e a palavra que
adquirimos através da interação com o outro. A linguagem, por exemplo, que é o
sistema de signos mais importante para a humanidade, é produto das relações
históricas entre os homens.
Quanto ao pensamento e a linguagem, para Vygotsky, o pensamento
passa a existir por meio das palavras, ou seja, da linguagem. Esta linguagem tem duas
funções: de intercâmbio social, que seria a necessidade de comunicação que todo ser
humano possui, inclusive os bebês, que utilizam sons, gestos, expressões para
comunicarem o que precisam. E a outra função é o pensamento generalizante, ou seja,
ordenação de fatos, falas, objetos, tudo o que representa o real de forma que as
ocorrências de uma classe semelhante de eventos e situações sejam agrupadas sob o
mesmo conceito. Por exemplo, a palavra “gato” sempre tem o mesmo significado para
as pessoas que usam a língua portuguesa.
Em função da linguagem ser um instrumento do pensamento, isto
PSED
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 6
pressupõe um processo de internalização da língua, denominado discurso interior, ou
seja, é uma forma interna de linguagem, dirigida ao próprio sujeito e não a um
interlocutor externo; é um discurso sem vocalização, sem som, voltado para o
pensamento com a função de auxiliar o indivíduo nas suas operações psicológicas.
Outra denominação de discurso interno é fala egocêntrica. À medida que
a criança avança no desenvolvimento do pensamento e da fala
socializada, ela passa a fazer uso da fala egocêntrica, fala para si
mesma, independentemente da presença de outra pessoa. Isso
ocorre após a fala socializada e tem a função pessoal de
responder às necessidades do pensamento auxiliando
mentalmente a criança na resolução de problemas.
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL E SUAS INFLUÊNCIAS NA
ESCOLA
O desenvolvimento é colocado por Vygotsky como um processo de
internalização de modos culturais de pensar e agir. Esse processo de internalização
tem início nas relações sociais, onde os adultos ou as crianças mais velhas, por meio
da linguagem, do jogo, compartilham com a criança seus sistemas de pensamento e
ação.
Para Vygotsky (1991), aprendizado e desenvolvimento são diferentes: o
aprendizado pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual
as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam. Para Rego (1995), o
aprendizado é o aspecto necessário e universal, uma espécie de garantia do
desenvolvimento das características psicológicas especificamente humanas e
culturalmente organizadas.
Quanto ao desenvolvimento, o autor coloca como sendo um complexo
processo dialético, caracterizado pela periodicidade, irregularidade no
desenvolvimento das diferentes funções de metamorfose ou transformação qualitativa
de uma forma em outra, entrelaçamento de fatores externos e internos e processos
adaptativos, e aponta dois níveis de desenvolvimento: um que se refere às conquistas
já efetivadas, chamado de desenvolvimento real, e o outro, o nível de
desenvolvimento potencial que se relaciona às capacidades que serão construídas.
A zona de desenvolvimento proximal consiste na distância entre o nível
PSED
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 6
de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. Para Vygotsky, o
professor deve intervir na zona de desenvolvimento proximal dos alunos como
mediador do processo de aprendizagem.
Sua proposta era de trabalhar com os indicadores de desenvolvimento
proximal que mostrariam os modos de agir e de pensar ainda em elaboração e que
requerem a ajuda do outro para serem feitos; seriam as soluções que a criança
consegue atingir sob a orientação e a colaboração de um adulto ou de outra criança.
Para Vygotsky, o aprendizado precede e impulsiona o desenvolvimento,
criando zonas de desenvolvimento proximal, isto é, processos de elaboração
compartilhada. O desenvolvimento proximal hoje será o desenvolvimento real de
amanhã.
O erro no socioconstrutivismo deve ser visto pelo professor como parte
do processo ensino-aprendizagem, porém jamais ignorado; corrigir é importante para
que o aluno perceba a necessidade de melhorar e de dedicar-se mais aos
conhecimentos que ainda não domina.
Portanto, investir na interação com os colegas e no trabalho em grupo,
além de estimular a interação social, pode ser um bom momento para o
amadurecimento de idéias e aprimoramento dos conhecimentos, mantendo
continuamente o contato individualizado entre o professor e o aluno.
O brinquedo, especialmente o faz-de-conta, para Vygotsky, é muito
importante porque cria zonas de desenvolvimento proximal à medida que coloca a
criança em situações de repetição de valores e imitação de papéis e regras sociais.
Com relação à aprendizagem da escrita, o autor coloca que esta inicia
antes da entrada na escola, porque o processo de
desenvolvimento da escrita está relacionado aos estímulos
recebidos pela criança desde cedo. As garatujas das crianças
pequenas podem parecer rabiscos para o adulto, mas
representam o primeiro ensaio da criança no mundo da escrita.
Vygotsky ressalta a importância de fazer a criança
perceber a diferença entre o nome do objeto e o objeto em si,
levando-a a compreender que o signo da escrita é uma
representação do mundo real, que a escrita do nome do objeto
não é o objeto real. É função da escola fazer com que a criança compreenda o signo e
o significado através de ações que relacionem o mundo concreto e suas
representações.
PSED
37
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 6
O SOCIOCONSTRUTIVISMO E
A APRENDIZAGEM
MÃOS DADAS
“Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não catarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi os suspiros ao anoitecer, à paisagem vista da janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens
presentes, a vida presente”.
(Carlos Drummond de Andrade)
A partir do texto de Drummond, faça uma reflexão sobre a abordagem
socioconstrutivista, pensando a importância do outro para a sua aprendizagem.
REFERÊNCIAS
FONTANA, Roseli; CRUZ, Nazaré. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo:
Atual, 1997.
OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento um processo
sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1993.
REGO, Tereza Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
PSED
38
Psicologia da Educação
GARDNER E AS MÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS
CAPÍTULO 7
A nossa mente não abriga, como antes se pensava,
uma única inteligência. Diferentes inteligências
povoam o nosso cérebro – e isso é uma descoberta
admirável. Mais importante que essa descoberta,
porém, é saber o que fazer para treinar, para acordar
essas inteligências.
(Celso Antunes, 2001)
Howard Gardner é um psicólogo americano, nascido em 1941, residente
em Cambridge, no subúrbio de Boston, doutorado pela Universidade de Harvard, onde
é professor titular de Ciências Cognitivas e professor-adjunto de Neurologia na Boston
University School of Medicine e dirige o Projeto Zero, que estuda a cognição e o
processo educativo, natureza e a plenitude do potencial humano.
Gardner cresceu e aprendeu em um país onde é muito avançado o uso
da computação; estudou neurologia em uma universidade de ponta e privilegiou-se por
estar ligado a um dos núcleos de pesquisa alcançados pela decisão do então
presidente Bush de designar os anos 90 como a década do cérebro.
Seu desenvolvimento intelectual processou-se no meio cultural onde a
investigação sobre a atuação dos neurônios e do sistema nervoso central passou a
representar o foco de investimentos de saúde no país. Nesse contexto, pôde estudar a
fundo a sensacional visão do cérebro em funcionamento, possibilitada por uma
metodologia computadorizada inovadora, capaz de
obter imagens vivas desse órgão.
Suas descobertas puseram abaixo a
teoria do psicólogo Alfred Binet de 1900, que
estruturou o conceito sobre a inteligência e sua
medida, fazendo com que todas as escolas se
formatassem para acolher essa percepção. Binet,
com os recursos de seu tempo, percebeu dois
tipos de inteligência: a verbal e a inteligência
lógico-matemática.
Para medi-los, desenvolveu o teste de
QI (Quoeficiente Intelectual), que da França
Alfred Binet
expandiu-se pelo mundo todo. Ao visualizar o
cérebro em funcionamento e ao estudar suas
PSED
39
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 7
transformações, impostas por situações diversificadas, Gardner chegou a uma
fantástica visão pluralista da mente, concebendo diferente visão sobre as
competências intelectuais humanas.
Antes, pensava-se em um ser humano restrito, eventualmente tocado por
este ou aquele dom divino que o fazia genial; agora descobre-se um ser humano
holístico, com potencial para desenvolver múltiplas inteligências, à espera de uma nova
escola que possa fazê-lo genial em campos diversos e, quem sabe, até mesmo feliz
em descobrir-se a si mesmo.
Segundo Antunes (2001), a inteligência possui várias conceituações,
como a capacidade de resolver problemas, ser um potencial biopsicológico, a
capacidade de se adaptar ou de criar. Esses conceitos formulados ao longo de tantos
anos apresentaram uma inteligência restrita voltada praticamente apenas para a
questão intelectual.
Os estudos sobre a inteligência datam da época dos filósofos, como
Sócrates e Platão, que se interessavam por esse aspecto da capacidade humana,
assim como muitos médicos, psicólogos, profissionais da educação ao longo do
tempo. Na verdade, este sempre foi um tema de grande interesse e seus estudos
estiveram voltados para três pontos principais:
1. Hereditariedade - a inteligência como uma capacidade herdada.
2. Classificação - estudos com pessoas
consideradas mais capazes, mais inteligentes.
3. Mensuração - a inteligência como algo que
pode ser medido.
Mas o que é inteligência? Que
capacidade, habilidade é essa?
Antunes (2000) conceitua
inteligência como um potencial biopsicológico do ser humano, que tem sua origem na
junção de duas palavras latinas, intus (entre) e legere (escolher), significando escolher
entre, ou seja, uma capacidade pela qual conseguimos conhecer e compreender as
coisas por meio de uma seleção.
Por ser um potencial biopsicológico, a inteligência envolve um aspecto
biológico, ligado aos neurônios do cérebro humano e suas múltiplas sinapses, que em
caso de lesão pode afetar a capacidade de compreensão e seleção.
PSED
40
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 7
Do ponto de vista neurológico, inteligência é a capacidade de produzir
combinações entre os 14 bilhões de neurônios que se espalham pelo cérebro
de uma pessoa adulta e, portanto, não mora em uma área específica da
cabeça, mas se distribui como um complexo sistema que, ao
funcionar, agita-se mais ou menos como as folhas das árvores de
uma floresta quando tocadas pelo vento.
(Antunes, 2000, p.3)
Assim como envolve também um potencial psicológico, que
se associa aos nossos desejos, ações conscientes e inconscientes e às
estranhas fronteiras indecifráveis entre o sonho e a realidade.
Os fatores genéticos são responsáveis por 50% da
expansão da inteligência; entretanto, a estimulação da inteligência durante
a infância pode levar a inteligência a uma expansão mais de duas vezes superior a seus
limites inatos.
Recentes estudos neurológicos e as pesquisas educacionais mostram que
é chegada uma hora admirável na história da espécie humana: podemos
agora ampliar com estímulos adequados o desenvolvimento de nossos filhos
e assim retribuir o amor desinteressado e sincero, a crença autêntica em
nossa infinita força, que todas as crianças espontaneamente demonstram
em relação a nós.
(Antunes, 2000, p. 4)
Antunes faz um paralelo da inteligência com o copo que vai acumulando
saberes, se enchendo de líquido, e o copo mais cheio passa ser o melhor, ou seja, quem
consegue reter, memorizar, obter mais conhecimento, informação, tem maior inteligência.
Com a teoria das múltiplas inteligências, esse copo se abre, ou melhor,
se quebra para dar espaço a outros copos, ou seja, a outras inteligências. O que
Gardner descobriu é que nossas mentes não abrigam uma única inteligência e sim
várias, e a depender da atividade que realizamos, as inteligências se mostram com
maior clareza.
O fato mais importante dessa descoberta é que todos nós podemos ter
PSED
41
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 7
tendência a uma inteligência específica, no entanto podemos desenvolver as demais
que estiverem adormecidas. Antunes (2001, p.32) relata um caso para ilustrar como
podemos desenvolver as inteligências.
Um arquiteto de 42 anos, que possuía um vocabulário riquíssimo, afetado
por uma doença que atingia uma parte irreversível de seu hemisfério cerebral
esquerdo, tinha as cordas vocais perfeitas e não dizia palavra alguma. E
quando o neurologista, para provocá-lo, incitou-o e disse “Conte, o que você
quer tomar?”, aquelas cordas vocais, a garganta perfeita, só podiam gaguejar
um estranho “uh,uh”. Mas quando o neurologista, para provocá-lo, insistia,
cutucava, ele então desenhava com os movimentos da mão a laranja no pé.
Apanhava, colocava naquela mesa imaginária que apenas seus olhos viam
e com o movimento da mão direita simbolizava a faca que a cortava,
enquanto a esquerda, desenhando o contorno de um copo, acolhia aquele
suco que ele pedia pelos seus gestos.
Este caso quer revelar-nos o quanto desenvolvemos pouco nossas outras
inteligências porque não sentimos necessidade; quando queremos ou precisamos ,
podemos fazê-lo. Mas agora vem a questão: quais são as inteligências múltiplas?
AS MÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS
Gardner afirma que a inteligência é responsável
por nossas habilidades para criar, resolver problemas e fazer
projetos, em uma determinada cultura. Segundo ele, cada
indivíduo possui alguns tipos diferentes de capacidade, que
caracterizam sua inteligência.
Inicialmente ele apresenta sete inteligências,
mas recentemente, indicou uma oitava, a inteligência
naturalista, relacionada com a sensibilidade para o meio
ambiente. Alguém que é sensível ao mundo natural, como um
jardineiro, um fazendeiro ou um paisagista, possui essa inteligência bem desenvolvida.
O pesquisador brasileiro Nilson José Machado, pernambucano de Olinda
PSED
42
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 7
e doutor em educação pela USP (Universidade de São Paulo), propôs inteligência
pictórica ou pictográfica, correspondente à capacidade de reproduzir ou criar, pelo
desenho, objetos, situações reais ou imaginárias e sentimentos. Tratando-se da
inteligência responsável pela organização de elementos visuais de forma harmônica,
estabelecendo relações estéticas entre eles, se destaca em pintores, artistas
plásticos, desenhistas, ilustradores e chargistas.
Com os acréscimos apresentados hoje, somam-se nove inteligências
relacionadas a seguir.
1. Inteligência lingüística: capacidade de processar rapidamente as
mensagens lingüísticas quer expressando-as ou compreendendoas; são observadas no orador, escritor, poeta, compositor, que
lidam criativamente e constroem imagens com as palavras e com
a linguagem. Shakespeare, Camões, Drummond, Cartola,
Adoniram Barbosa.
2. Inteligência lógico-matemática: associada à competência de
desenvolver o raciocínio dedutivo, lidar com números, outros símbolos
matemáticos, resolver problemas lógicos como o tangran ou xadrez e
construir mensagens por meio de símbolos geométricos e números em lugar
de palavras. Tem sua expressão no engenheiro, no físico e no matemático.
3. Inteligência espacial: diretamente associada
ao sentido da visão, à tendência de perceber
muitas formas dos objetos. Tem sua manifestação
no arquiteto, geógrafo e marinheiro, que percebem
o espaço de forma conjunta e o administram na
utilização e construção de mapas, plantas e outras
formas de representação planas.
4. Inteligência musical: ligada à percepção formal dos sons e à música
como forma de compreensão do mundo; quem a possui de forma destacada
literalmente “vê” o som e percebe nuanças em suas intensidade e
direcionalidade. Beethoven, Mozart, Tom Jobim, Paulinho da viola, entre
outros.
5. Inteligência cinestésico-corporal: manifesta-se na linguagem gestual
e mímica e se apresenta muito nítida no artista e no atleta, que não
necessitam elaborar cadeias de raciocínio para a execução de seus
PSED
43
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 7
movimentos corporais. Identificada também pela sensibilidade tátil, olfativa.
Garrincha, Pelé, entre outros.
6. Inteligência naturalista: ligada à compreensão do ambiente e à
paisagem natural. Permite a leitura da paisagem botânica e dos desafios
da vida animal e também da afinidade inata dos seres humanos por outras
formas de vida e identificação entre os diversos tipos de espécies, plantas
e animais. Darwin.
7. Inteligência interpessoal: revela-se no poder do bom relacionamento
com os outros, e na sensibilidade para a identificação de suas intenções,
motivações e circunstâncias que os tornam diferentes de todos os outros
seres humanos. Essa forma de inteligência explica a imensa empatia de
algumas pessoas e é característica de grandes líderes. Gandhi,
professores, etc.
8. Inteligência intrapessoal: pode ser sentida por todos quantos vivem
bem consigo mesmos e mostram forte auto-estima. Pessoas que se sentem
como que envolvidas pela presença de um educador de si mesmo,
administrando seus sentimentos, emoções e projetos com o alto-astral de
quem percebe suas limitações, mas não fortalecem sentimentos de culpa
e inferioridade, não gostam de errar, mas sabem tirar proveito de seus
erros, podem não ser gênios, no entanto descobrem a felicidade na
simplicidade e alegria no cotidiano.
9. Inteligência pictórica: manifesta-se em pessoas que se expressam
admiravelmente bem através do desenho ou de imagens gráficas de
maneira geral. São desenhistas, pintores, artistas gráficos, etc.
A INFLUÊNCIA DA TEORIA DE GARDNER NA EDUCAÇÃO
A teoria de Gardner apresenta alternativas para algumas práticas
educacionais atuais, oferecendo uma base para o desenvolvimento de avaliações que
sejam adequadas às diversas habilidades humanas; uma educação centrada no aluno
e com currículos específicos para cada área do saber e um ambiente educacional
mais amplo e variado, e que dependa menos do desenvolvimento exclusivo da
linguagem e da lógica.
PSED
44
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 7
Quando à avaliação, Gardner afirma que favorece métodos de
levantamento de informaçãoes durante atividades cotidianas, sendo importante
aproveitar ao máximo as habilidades individuais, auxiliando os alunos a
desenvolverem suas capacidades intelectuais, e em vez de usar a avaliação apenas
como uma maneira de classificar, aprovar ou reprovar os alunos, esta deve ser usada
para informá-lo sobre sua real capacidade e o professor saber o quanto se está
aprendendo.
Para Gardner, a avaliação deve ser compatível com a inteligência, ou
seja, se cada inteligência tem um número de processos específicos, estes têm que sr
medidos com instrumentos que permitam ver a inteligência em questão em
funcionamento. Torna-se importante também avaliar as diferentes inteligências em
termos de suas manifestações culturais e ocupações adultas específicas.
A habilidade verbal, por exemplo deve ser avaliada em manifestações
tais como a habilidade para contar histórias ou relatar
acontecimentos. A habilidade espacial não deve ser
avaliada isoladamente, mas durante uma atividade de
desenho ou enquanto montam ou desmontam objetos.
Enfim, a avaliação deve ser parte do processo
educativo e não o produto final.
Quanto à educação centrada na criança, o
autor coloca dois aspectos que requerem a
individualização. O primeiro é o fato de os indivíduos
terem perfis cognitivos diferentes uns dos outros; a
escola, portanto, deve oferecer uma educação que favoreceça o seu potencial
individual.
O segundo aspecto: enquanto na Idade Média um indivíduo podia
pretender tomar posse de todo o saber universal, atualmente isso é impossível. Dessa
forma, é necessário limitar o conteúdo e esse processo deve ser da escolha de cada
um favorecendo o perfil intelectual de cada pessoa.
O ambiente educacional, Gardner propõe que as escolas favoreçam o
conhecimento de diversas disciplinas básicas, que encorajem seus alunos a utilizarem
esse conhecimento para resolver problemas e efetuar tarefas que estejam
relacionadas com a vida na comunidade a que pertencem.
PSED
45
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 7
REFLEXÃO
Diante do texto exposto acima e da frase a seguir faça uma reflexão:
Você acredita que realmente podemos fazer uma educação mais personalizada?
“A implicação mais importante das teorias das inteligências múltiplas é esta:
todos nós temos tipos diferentes de mente, e o bom professor tenta dirigir-se
à mente de cada aluno da forma mais direta e pessoal possível. Com turmas
de alunos muito grandes, torna-se mais difícil este trabalho. Mas o foco
começa na educação infantil e se os pais entram no esquema torna-se
possível um tipo de educação mais personalizado.”
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Celso. Inteligências múltiplas. São Paulo: Salesiana, 2001.
______. A construção do afeto. 3.ed. São Paulo: Augustus, 2000.
______. Como desenvolver conteúdos explorando as inteligências múltiplas. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2001. Fascículo 3.
_____. Como identificar em você e em seus alunos as inteligências múltiplas.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. Fascículo 4.
SMOLE, K. C. S. Múltiplas inteligências na Prática Escolar. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação a Distância, 1999.
PSED
46
Psicologia da Educação
PHILIPPE PERRENOUD E AS COMPETÊNCIAS
CAPÍTULO 8
“A abordagem por competências é uma maneira de
levar a sério um problema antigo, o de transferir
conhecimentos.”
(Philippe Perrenoud)
Philippe Perrenoud é um sociólogo suíço, professor da Faculdade de
Psicologia e Ciências da Educação na Universidade de Genebra, escreveu vários
livros importantes na área de formação de professores, desenvolveu uma teoria
pioneira sobre a profissionalização de professores e a avaliação de alunos,
considerada uma fonte importante por todos os pesquisadores em educação e
assessores em políticas educacionais, inclusive na base dos Novos Parâmetros
Curriculares Nacionais e do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores
do MEC, o PROFA.
Depois do doutorado em Sociologia em que estudou as desigualdades
sociais e a evasão escolar, o professor passou a dedicar-se ao trabalho com alunos,
às práticas pedagógicas e ao currículo dos estabelecimentos de ensino de Genebra.
Perrenoud propõe um modelo educacional baseado num ciclo de
avaliação de três anos, ou seja, a criança tem três anos
para desenvolver as competências estabelecidas para
aquela faixa etária, tendo uma chance maior de não ser
reprovada, se não adquirir uma determinada habilidade
em um ano, tendo mais tempo para aprender.
Por outro lado, ter um tempo maior não
significa que vamos deixar que a criança repita um ciclo
de três anos, a avaliação precisa ser mais eficiente e
capaz de identificar as dificuldades do aprendizado, aproveitando o tempo maior para
agir e corrigir com maior eficiência.
Afinal, o que é competência?
Segundo Perrenoud na entrevista cedida a Gentili e Bencini (2000):
Competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos
(saberes, capacidades, informações, etc.) para solucionar com pertinência
e eficácia uma série de situações. Três exemplos:
PSED
47
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 8
1. Saber orientar-se em uma cidade desconhecida mobiliza as capacidades
de ler um mapa, localizar-se, pedir informações ou conselhos; e os seguintes
saberes: ter noção de escala, elementos da topografia ou referências
geográficas.
2. Saber curar uma criança doente mobiliza as capacidades de observar
sinais fisiológicos, medir a temperatura, administrar um medicamento; e os
seguintes saberes: identificar patologias e sintomas, primeiros socorros,
terapias, os riscos, os remédios, os serviços médicos e farmacêuticos.
3. Saber votar de acordo com seus interesses mobiliza as capacidades de
saber informar-se, preencher a cédula; e os seguintes saberes: instituições
políticas, processo de eleição, candidatos, partidos, programas políticos,
políticas democráticas.
Perrenoud aponta esses exemplos mais comuns e coloca que outras
competências estão ligadas a contextos culturais, profissionais e condições sociais;
como nós, seres humanos, não vivemos todos as mesmas situações, desenvolvemos
competências adaptadas ao mundo em que vivemos. Uma floresta virgem requer
competências diferentes das vividas na cidade, os ricos têm problemas diferentes dos
pobres para resolver e algumas competências são desenvolvidas na escola e outras
não, são desenvolvidas na vida em sociedade, familiar, profissional, etc.
Mas e a diferença entre competência e habilidade?
A competência organiza um conjunto de esquemas de percepção,
pensamento, avaliação e ação, enquanto a habilidade é menos ampla e pode servir a
várias competências.
O autor ressalta que para trabalhar com competências é necessário que
todos os agentes envolvidos no processo educativo vivenciem uma mudança de
postura e um permanente trabalho pedagógico integrado em que todas as práticas
devem ser apreciadas em um processo contínuo de avaliação.
O currículo é o meio de transformar o processo pedagógico não apenas
em um conjunto de conteúdos e disciplinas, mas em um todo, que deve possibilitar a
relação entre a construção do conhecimento e a reflexão com a realidade. Na
entrevista a GENTILI E BENCINI (2000):
Em geral a escola preocupa-se mais com ingredientes de certas
competências e menos em colocá-las em sinergia nas situações complexas.
Durante a escolaridade básica, aprende-se a ler, escrever, contar, mas,
PSED
48
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 8
também, a raciocinar, explicar, resumir, observar, comparar, desenhar e
dúzias de outras capacidades gerais. Assimilam-se conhecimentos
disciplinares, como matemática, história, ciências, geografia, etc.
Perrenoud coloca que a escola
não se preocupa em relacionar os conteúdos
a situações da vida, mas se o fizer
possibilitará a aprendizagem para se tornar
cidadãos, para se virar na vida, ter um bom
trabalho, cuidar da saúde e não só para
aquisição de conteúdos.
O professor terá que rever sua
prática, desenvolver e ampliar suas competências para ensinar de forma a dar
oportunidade ao desenvolvimento das competências dos alunos. Portanto, ao
professor é necessária a reflexão constante sobre sua prática pedagógica.
Perrenoud propôs uma série de competências específicas agrupadas
em dez famílias de competências fundamentais para os educadores no processo
pedagógico.
AS DEZ COMPETÊNCIAS PARA ENSINAR
O quadro a seguir apresenta uma
síntese acerca dos principais aspectos das
competências desenvolvidas por Perrenoud
(1998).
PSED
49
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 8
Competências de
referência
1. Organizar e dirigir situações
de aprendizagem.
Competências mais específicas a trabalhar em
formação contínua (exemplos)
•
•
•
•
•
2. Administrar a progressão das
aprendizagens
•
•
•
•
•
3. Conceber e fazer evoluir os
dipspositivos de diferenciação
•
•
•
•
4. Envolver os alunos em sua
aprendizagem
e
em
seu
trabalho
•
•
•
•
5. Trabalhar em equipe
•
•
•
•
6. Participar da administração
da escola
•
•
•
•
•
PSED
50
Conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos
a serem ensinados e sua tradução em objetivos de
aprendizagem.
Trabalhar a partir das representações dos alunos.
Trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à
aprendizagem.
Construir e planejar dispositivos e seqüências
didáticas.
Envolver os alunos em atividades de pesquisa, em
projetos de conhecimento.
Conceber
e
administrar
situações-problema
ajustadas ao nível e às possibilidades dos alunos.
Adquirir uma visão longitudinal dos objetivos do
ensino.
Estabelecer laços com as teorias subjacentes às
atividades de aprendizagem.
Observar e avaliar os alunos em situações de
aprendizagem de acordo com uma abordagem
formativa.
Fazer balanços periódicos de competência e tomar
decisões de progressão.
Administrar a heterogeneidade no âmbito de uma
turma.
Abrir, ampliar a gestão de classe para um espaço
mais vasto.
Fornecer apoio integrado, trabalhar com alunos
portadores de grandes dificuldades.
Desenvolver a cooperação entre os alunos e certas
formas simples de ensino mútuo.
Suscitar o desejo de aprender, explicitar a relação
com o saber, o sentido do trabalho escolar e
desenvolver na criança a capacidade de autoavaliação.
Instituir e fazer funcionar um conselho de alunos
(conselho de classe ou de escola) e negociar com
eles diversos tipos de regras e de contratos.
Oferecer atividades opcionais de formação, à la
carte.
Favorecer a definição de um projeto pessoal do
aluno.
Elaborar um projeto de equipe, representações
comuns.
Dirigir um grupo de trabalho, conduzir reuniões.
Formar e renovar uma equipe pedagógica.
Enfrentar e analisar em conjunto situações
complexas, práticas e problemas profissionais.
Administrar crises ou conflitos interpessoais.
Elaborar, negociar um projeto da instituição.
Administrar os recursos da escola.
Coordenar, dirigir uma escola com todos os seus
parceiros
(serviços
para
escolares,
bairro,
associações de pais, professores de língua e cultura
de origem).
Organizar e fazer evoluir, no âmbito da escola, a
participação dos alunos.
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 8
7. Informar e envolver os pais
8. Utilizar novas tecnologias
9. Enfrentar os deveres e os
dilemas éticos da profissão
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
10. Administrar sua
formação contínua
própria
•
•
•
•
•
Dirigir reuniões de informação e de debate.
Fazer entrevistas.
Envolver os pais na construção dos saberes.
Utilizar editores de textos.
Explorar as potencialidades didáticas dos programas
em relação aos objetivos do ensino.
Comunicar-se à distância por meio da telemática.
Utilizar as ferramentas multimídia no ensino.
Prevenir a violência na escola e fora dela.
Lutar contra os preconceitos e as discriminações
sexuais, étnicas e sociais.
Participar da criação de regras de vida comum
referentes à disciplina na escola, às sanções e à
apreciação da conduta.
Analisar a relação pedagógica, a autoridade, a
comunicação em aula.
Desenvolver o senso de responsabilidade, a
solidariedade e o sentimento de justiça.
Saber explicitar as próprias práticas.
Estabelecer seu próprio balanço de competências e
seu programa pessoal de formação contínua.
Negociar um projeto de formação comum com os
colegas (equipe, escola, rede).
Envolver-se em tarefas em escala de uma ordem de
ensino ou do sistema educativo.
Acolher a formação dos colegas e participar dela.
A 11ª COMPETÊNCIA DESENVOLVIDA POR PERRENOUD
O texto a seguir é de Perrenoud (2001) e consiste na 11ª competência
desenvolvida por ele. A partir deste texto e relacionando com o conteúdo do capítulo 8,
faça uma reflexão sobre as suas competências enquanto professor.
Dez famílias de competências mais uma.
Não podemos dissociar as competências da relação com a profissão. Para
formar professores mais competentes, aliando uma postura reflexiva e uma
forte implicação crítica para o desenvolvimento da sociedade, é necessário
desenvolver a profissionalização do professor.
PSED
51
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 8
A palavra está na moda, mas a idéia assusta. Provavelmente, todos
desejariam beneficiar-se com o nível de especialização que é associado a
uma profissão, ao prestígio, ao poder e a uma boa remuneração. No entanto,
os atores hesitam em assumir a parcela de autonomia e responsabilidade
que está ligada ao exercício de uma profissão. As autoridades querem
conservar seu controle sobre os professores e os estabelecimentos. Por outro
lado, estes últimos não desejam prestar contas.
Daí a importância, para gerar a transição, de uma décima primeira família
de competências, da qual dependerão a outras. Essas competências não
se relacionam ao trabalho com os alunos, mas à capacidade de os
professores agirem como um ator coletivo no sistema e de direcionar o
movimento rumo à profissionalização e à prática reflexiva, assim como para
o domínio das inovações.
Isto está relacionado à evolução do sindicalismo, aos projetos de
estabelecimento e à participação dos professores na elaboração das
reformas escolares, desde que seja negociado. Significa que a
profissionalização exige uma vontade comum dos professores, dos diretores
e dos políticos.
REFERÊNCIAS
PERENOUD, P. Formação contínua e obrigatoriedade de competências na profissão
de professor. São Paulo: FDE, 1998. Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/
prf_a.php?t=004. Acesso em 14 dez. 2002.
________. As dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas Sul,
2000.
GENTILI, P. ; BENCINI, R. Construindo competências. Entrevista com Philippe Perrenoud,
Universidade de Genebra. Revista Nova Escola, São Paulo, set. 2000.
PSED
52
Psicologia da Educação
SUCESSO E FRACASSO ESCOLAR
CAPÍTULO 9
“O fato de que o aluno não mostrou nenhum sinal de
progresso ontem ou hoje é absolutamente
compatível com um possível progresso na semana
ou no bimestre seguinte. As sementes de fato,
germinam lentamente.”
(Gilbert Ryle)
O que chamamos de fracasso escolar? Uma
resposta insuficiente do aluno a uma exigência ou demanda da
escola? Seria a repetência escolar? Mas hoje todos dizem que
não há mais repetência em nossas escolas. Então seria evasão
escolar? Mas hoje em dia a família é cobrada até judicialmente
se o filho não estiver freqüentando a escola. Afinal, o que é o
fracasso escolar?
Para respondermos como essas questões
buscaremos alguns pressupostos teóricos, pois a questão do fracasso escolar pode
ser analisada sob várias perspectivas, da sociedade, da escola e do aluno.
Denominamos circularidade causal porque a associação das três perspectivas pode
resultar no fracasso escolar.
O aluno não aprende o que a escola ensina, a escola não está atendendo
à necessidade do aluno, está distante de sua realidade, e esta é fruto de uma grande
desestrutura social, de falta de recursos, cultura, conhecimento, afeto, etc. Assim,
temos várias histórias de crianças que são fruto de preconceitos produzidos dentro do
próprio contexto escolar.
Não podemos desconsiderar as relações significativas existentes entre a
produção escolar e as oportunidades reais que determinada sociedade possibilita aos
alunos. Esse processo ocorreu por longos anos e ainda encontramos situações
parecidas hoje em dia. Por exemplo, os alunos que vão para as antigas “classes
especiais” coincidentemente são alunos de baixa
renda.
A escola contribui para o fracasso
escolar à medida que o sistema de ensino se torna
um reflexo da sociedade na qual está inserido.
Portanto, a sociedade determina a ideologia que
mantém o sistema. Por exemplo, os projetos
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 9
educacionais financiados pelo Banco Mundial, ou pelo BID (Banco Interamericano de
Desenvolvimento), têm realmente a preocupação em melhorar a qualidade de ensinoaprendizagem ou apenas querem mudar as estatísticas de analfabetismo, repetência
que envergonham o país e o impedem de conseguir novos financiamentos?
A má qualidade de ensino, resultado da desestrutura da escola, da falta
de preparação do professor e do não acompanhamento do desejo do aluno, provoca
um desestímulo na busca do conhecimento, faltando o prazer tanto no ato de ensinar
quanto no de aprender, uma vez que o investimento emocional é fundamental para o
processo ensino-aprendizagem.
Quanto ao aluno, para fechar o círculo das
causas do fracasso escolar, a ele atribui-se a culpa pela
não aprendizagem em função dos aspectos orgânicos
(lesões cerebrais), pedagógicos (não aprende o que a
escola ensina, metodologia, avaliação), cognitivo (fatores
intelectuais, dificuldade no raciocínio), emocionais
(problemas afetivos na relação com a aprendizagem,
baixa auto-estima, confiança) e sociais (falta de
oportunidades, problemas familiares).
O fracasso escolar é causado pela conjugação dos três fatores, que
estão interligados e que impedem de uma maneira ou de outra o bom desempenho do
aluno. Em todo processo, porém, existe uma tendência muito grande de salientar ou
justificar o fracasso apenas na perspectiva do aluno.
Collares (1996) traçou alguns pontos acerca desta questão, enfocando
os preconceitos que surgem no cotidiano escolar. Primeiramente faz um paralelo entre
as crianças que realmente possuem necessidades especiais e as crianças normais
transformadas em doentes pela visão de mundo medicalizada da sociedade.
Por meio de pesquisas realizadas, a autora constatou que a existência
de um processo de patologização da sociedade em considerar doentes crianças que
não são e por vários anos foram encaminhadas para salas especiais.
A autora chama a atenção para o lado perverso desse processo, porque
por um lado rotula de doentes as crianças normais e por outro essas crianças ocupam
os espaços, discursos, propostas e atendimentos que são para as crianças realmente
necessita e nos dois casos as crianças são marginalizadas.
Collares (1996) se embasa na teoria de Agnes Heller para explicar a
produção do fracasso. Para Heller, a suspensão do cotidiano consiste no processo de
PSED
54
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 9
homem enquanto ser individual em representantes do gênero humano, ou seja, em
homem-genérico, que busca a homogeneização, conhecer o que há de comum entre
os seres humanos, o que os homogeneíza.
Neste processo o homem passa a ser protagonista da mecanismo
histórico global e para ser produtiva, essa suspensão deve ser capaz de modificar o
cotidiano quando volta a este, pois é na cotidianidade que as teorias, as idéias e as
propostas se concretizam.
Uma das características fundamentais da vida cotidiana é a existência
de juízos provisórios, assim chamados porque se antecipam à atividade possível e
independem do confronto com a realidade; nem sempre é confirmado, sendo muitas
vezes refutado.
Surge o preconceito, consolidado quando o juízo provisório deixa de sêlo e passa a ser inabalável, imutável, cristalizado contra todos os argumentos. O
preconceito, portanto, nos protege dos conflitos porque confirma nossas ações
anteriores.
O cotidiano escolar é permeado de
preconceitos e juízos prévios sobre os alunos e suas
famílias, que independem e não são abalados por
qualquer evidência empírica que os refute
racionalmente. Por isso a explicação para o fracasso
escolar comumente recai sobre o aluno e sua família.
A não-alfabetização pode se tornar um tipo de preconceito do sistema
educativo, que justifica a dificuldade de aprendizagem em características inatas do
aluno; ocorrendo uma inversão do processo, a escola passa a ser vítima de uma
clientela inadequada.
Este processo, chamado de biologização, consiste em transformar
questões sociais em biológicas. Ao fazê-lo, alcançam-se dois objetivos:
1. O sistema social fica isento das responsabilidades pelo fracasso
2. O aluno passa a ser responsável, ou seja, culpabiliza-se a vítima.
Na escola isso ocorre quando a justificativa do fracasso é atribuída ao
aluno. Collares (1996, p. 27) porém, mostra como exemplo o que ocorreu na década
de 60, um dos períodos de intensa agitação social em todo o mundo e as “pesquisas
científicas” comprovaram:
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 9
a superioridade intelectual do homem branco sobre o negro,
geneticamente determinada;
uma diferença neurológica, também geneticamente determinada, que
explicava as diferenças intelectuais e de papel social entre o homem e a
mulher;
os efeitos benéficos e necessários da psicocirurgia (lobotomia),
preconizada como solução para os conflitos sociais nos guetos.
O deslocamento de um eixo de uma discussão político-pedagógica para
causas e soluções médicas é denominado por Collares (1996) de medicalização do
processo ensino-aprendizagem.
REFERÊNCIAS
AQUINO, Júlio Groppa. Erro e fracasso na escola: alternativas teóricas e práticas. São
Paulo: Summus,1997.
COLLARES, Cecília Azevedo Lima. Preconceitos no cotidiano escolar: ensino e
medicalização. São Paulo: Cortez, 1996.
REFLEXÃO
Faça um paralelo entre o preconceito no cotidiano escolar e o fracasso
escolar a partir da frase de Hannah Arendt:
“Uma crise só se torna um desastre quando respondemos a ela com
juízos pré-formados, isto é, com preconceitos. Uma atitude dessas não
apenas aguça a crise como nos priva da experiência da realidade e da
oportunidade por ela proporcionada à reflexão.”
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Psicologia da Educação
DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO
CAPÍTULO 10
“O meu pai era paulista,
Meu avô pernambucano
O meu bisavô mineiro
Meu tataravô baiano
Meu maestro soberano
Foi Antônio brasileiro.”
(Chico Buarque)
Podemos começar nosso assunto pelo trecho da música do Chico,
pensando sobre a nossa origem familiar, as gerações passadas que constituíram
nossa família, nossos costumes, pensamentos e nos fazem tão diferentes uns dos
outros.
Com uma descendência tão
diversa entre as famílias brasileiras, como
podemos querer homogenezar as pessoas?
Por que tanta discriminação, tanto preconceito,
por que essa dificuldade em lidar com o
diferente? E sempre julgar um grupo de
pessoas, uma raça, uma categoria profissional pela atitude de um de seus membros?
Quando nascemos já estamos inseridos numa sociedade preconceituosa
e vamos absorvendo valores de forma natural até que alguém nos mostra um olhar
diferente e então vamos percebendo o quanto somos preconceituosos.
Voltando-nos para as relações da sala de aula, como nos posicionamos
diante das diferenças de nossos alunos? Do preconceito que eles já trazem de sua
própria formação? Qual é o nosso papel enquanto educadores? Como mudar a atitude
de nossos alunos sobre o preconceito se nós também o temos?
Esse é o grande desafio que temos em nossa prática enquanto
professores e a mudança de que a sociedade necessita. A educação é o caminho
para mudarmos esse paradigma. Talvez o primeiro passo seja perceber os nossos
próprios preconceitos, nossa dificuldade de trabalhar com o diferente.
As pessoas são diferentes em vários aspectos, físicos, sociais,
econômicos, culturais, no jeito de falar, olhar, agir e se emocionar e por apresentar
essas diferenças são discriminadas, humilhadas e também invejadas. Algumas são
aceitas pela sociedade, pois se enquadram no modelo considerado ideal, outras
pessoas não, e muitas vezes não têm a oportunidade nem de tentar.
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 10
Como vivemos num mundo de tanta diversidade, é preciso um olhar
diferente, para aceitar o diferente; o professor precisa ser um mediador, levar o aluno a
aprender a pensar sem sua interferência sua para que possa desenvolver seu
pensamento sem absorver os estigmas, os valores do professor. Mas será que isso é
possível?
Heller (1979), em seu texto “Sobre os preconceitos”, trabalha esta
questão com grande importância, pois considera que o preconceito ultrapassa o
cotidiano entrando na história, nas relações culturais, sociais, comportamentais, o qual
leva à ultrageneralização:
De duas maneiras chegamos à ultrageneralização característica de nosso
pensamento e de nosso comportamento cotidianos: por um lado assumimos
estereótipos, analogias e esquemas já elaborados; por outro, eles nos são
impingidos pelo meio em que crescemos e pode-se passar muito tempo até
percebermos com atitude crítica esses esquemas recebidos, se é que chega
a produzir-se uma tal atitude. Isso depende da época e do indivíduo. Em
períodos estáticos, passam-se freqüentemente inteiras gerações sem que
se problematizem os estereótipos de comportamento e pensamento.
(Heller, 1979, p. 44)
O preconceito é mais forte em sociedades conformistas do que nas
dinâmicas, conseqüentemente, inevitável na vida cotidiana e constitui uma parte do
juízo provisório, que seria o julgar antecipadamente, podendo ser confirmado ou não;
quando confirmado, torna-se um preconceito.
Geralmente são produzidos pelos grupos que se sentem ameaçados em
sua coesão. O preconceito está fora do âmbito científico porque está muito mais no
plano emocional, porque é difícil se relaciona com o diferente, com alguém que esteja
acima da gente, ou com dificuldades, características
diferentes das nossas.
Nas sociedades atuais, mais dinâmicas e
mutáveis, é difícil acabar com o preconceito, mas talvez
seja possível trabalhar a discriminação causada pelo
preconceito.
As leis foram desenvolvidas no sentido de
reverter tal quadro e favorecer a inclusão: a Declaração
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 10
da Salamanca, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, O Estatuto da Criança
e do Adolescente. Mas será que estão realmente alcançando as suas propostas?
As leis são belas na teoria, mas na prática não funcionam muito.
Lembramos de nossos direitos quando somos lesados e a nossa justiça por ser lenta
não resolve e acabam ocorrendo os acordos.
Na verdade, somos manipulados pelo governo, pela elite, e ao mesmo
tempo, somos professores manipuladores e alunos manipulados. Para mudar essa
sociedade enquanto professores, precisamos levar nossos alunos a uma visão mais
crítica da realidade, saber ouvir as interferências dos alunos e
lembrar a importância do nosso voto.
O que acontece com nossas escolas, é que,
apesar de toda proposta educacional para a inclusão, o
trabalho com a diversidade, ela ainda tem muitas resistências
e continua a fazer da escola o leito de Procusto, ou seja, quer
que o aluno se adapte à escola e não procura se adequar a
ele, dessa forma continua mantendo a exclusão.
Conta a lenda que Procusto possuía um leito no
qual ele deitava as pessoas. As que não cabiam no leito ele
esticava até ficar do tamanho exato e das que eram maiores ele cortava um pedaço
das pernas ou da cabeça. O objetivo era sempre fazer com que as pessoas se
adaptassem ao leito e nunca o leito a elas.
REFERÊNCIAS
GUINÉ; NÚRIA (et al). Atenção à diversidade. Porto Alegre: Artmed, 2002.
GUSMÃO, Neusa M. Diversidade, cultura e educação: olhares cruzados. São Paulo:
Biruta, 2003.
HELLER, A. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
LARROSA, Jorge; LARA, Nuria Perez (org). Imagens do outro. Petrópolis: Vozes, 1998.
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 10
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ANOTAÇÕES
Psicologia da Educação
FORMAÇÃO DOCENTE: A
RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO
CAPÍTULO 11
“Esta paixão me tomou na adolescência ainda quando, quase sem saber porque, eu sonhava, deleitado,
comigo mesmo e alunos imaginários,, a quem ensinava e com quem aprendia, crescendo juntos.”
(Paulo Freire)
Em relação à formação docente, Silva (1994) coloca que o que sempre a
intrigou na arte de formar, tanto do ponto de vista de aluna como de educadora, é que
há pessoas que se envolvem com entusiasmo e eficiência na prática pedagógica,
enquanto outras exercem a função de professor-educador de forma extremamente
pobre e desmotivada.
Podemos pensar que a partir destes dois tipos de professores surgem
as várias formas de relação professor-aluno. Aquela mais afetuosa, mais próxima, que
se preocupa com a formação do aluno e o incentiva a buscar seus caminhos, e aquela
mais distante, autoritária, preocupada em cumprir os conteúdos, o faz como obrigação
em vez de prazer, amor e paixão.
Mas surge o questionamento de como ocorrem esses
processos na relação professor-aluno e por que é tão importante
conhecê-los. A autora propõe o estudo da relação professor-aluno
segundo a teoria psicanalítica, portanto, estaremos retomando
alguns pontos do texto que compõe o primeiro fórum da nossa
disciplina.
Estudar essa relação sob o ponto de vista psicanalítico traz uma
contribuição interessante porque possibilita tomar conhecimento de possíveis ligações
do mundo emocional com a aprendizagem.
A transferência1 que ocorre na relação professor-aluno, pode emergir
uma relação construtiva que dê oportunidade ao desenvolvimento da aprendizagem
quanto pode estabelecer uma relação de poder negativa por parte do professor.
Diante dessa realidade, Morgado, citada por Silva (1994), propõe uma relação
pedagógica em que os sentimentos eróticos e hostis não adquiram intensidade
suficiente para se fazer representar na consciência, isto é, aquela em que as intensas
demandas eróticas e destrutivas permanecem sublimadas2 , ou seja, canalizadas ao
1
Rever a definição no texto do primeiro fórum da disciplina.
Vem do conceito de sublimação, introduzido por Freud, que busca explicar do ponto de vista dinâmico
e econômico algumas atividades alimentadas por um desejo que não visa de forma manifesta algo
sexual, seria a transformação dos desejos sexuais em trabalho cultural, intelectual, artístico.
2
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 11
desejo do saber direcionando a energia para a aprendizagem, caso contrário, a
violência do amor e do ódio se coloca em resistência ao trabalho intelectual do aluno.
O que leva o professor a escolher a profissão docente? Segundo
Bohoslavsky (1980), esta escolha está relacionada às primeiras figuras de
identificação, fruto do confronto que o ego faz da fantasia e a realidade. Por isso quem
escolhe não está escolhendo somente uma carreira, mas pensando num sentido para
sua vida, buscando se inserir numa área específica da realidade ocupacional.
Segundo Cueli, autor mexicano citado por Silva (1994), toda escolha
profissional, como meio de vida, implica uma repetição que se baseia
inconscientemente na conduta do indivíduo com suas relações de objeto na infância
buscando reparação. Sendo assim, na escolha profissional de professores também
estão presentes sentimentos agressivos e hostis, em relação aos objetos internos que
procuram ser reparados na paixão de formar.
Melanie Klein vê na sublimação uma forma de
reparação e para isso coloca que é necessário o indivíduo lidar
com fantasias de perda, o luto pelas primeiras identificações,
das relações de objeto, do paraíso perdido na infância. Sivla
coloca que há uma fonte de desejos infantil inconscientes
latentes que se tornam manifestos na paixão de formar, ou seja,
a pulsão de vida e sexual se transformando no professor
apaixonado, não de forma erótica porém criativo, apaixonante, reparadora.
Podemos verificar esses processos mentais através de depoimentos de
alguns professores citados na obra de Silva.
A ORIGEM DA PAIXÃO DE FORMAR
Na escolha profissional, é comum a marca das primeiras relações
com os pais, por identificação ou busca oposta, como no caso do
depoimento de uma professora que ao escolher sua profissão
surpreendeu seu pai.
Meu pai achou uma graça enorme nisso, porque não passava na cabeça
dele que a filha fosse para outra cidade estudar, mas o filho mais velho sim.
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 11
Fui fazer o curso Normal...não tinha dezoito anos completos quando fiz
concurso para professora e comecei a trabalhar como substituta...
Outro exemplo é o da professora que teve a influência de sua professora
de infância por tê-la colocado em contato com crianças de orfanato.
Eu tive uma professora... não se contentava com as aulas... Ela me levou
pela primeira vez na minha vida para ver crianças carentes... Ela me colocou
de frente com a realidade social, e o jeito dela era um jeito moderno.
Um exemplo da transferência das primeiras identificações para a figura do
professor como objetos idealizados está no depoimento a seguir:
No ginásio eu tive uma dupla de professores casados, ela de Português e
ele de Matemática. Ele era extremamente brilhante, ele tornou-se para mim
um modelo, eu queria ser aquilo, é, explicar claramente, prender a atenção
das pessoas, contar histórias e ao mesmo tempo levar aquilo à demonstração
de teoremas... E a mulher dele teve uma cultura muito grande, porque ela
lia Fernando Pessoa, Guimarães Rosa, Drummond, e tudo mais. Então ela
me passou esse universo que eu não tinha em casa.”
A primeira aula para Silva (1994) é o primeiro momento consciente de
encontro do professor com a paixão de formar. Freud escreveu que no período de
latência são os professores e as pessoas que têm a tarefa de ensinar que tomarão
para a criança o lugar dos pais no processo de identificação.
A minha primeira aula foi ótima, era domínio total desde o primeiro
momento... eu cheguei e expus maravilhosamente... e
eu senti que ali eu me estabeleceria...”
Com relação ao conceito de formar, todos
os professores investigados na pesquisa de Silva se
colocaram como um mediador, facilitador ou
catalizador no processo de formar, isto é, levar o aluno
a buscar o próprio caminho.
Quanto ao estilo de dar aula dos
professores apaixonados ficou claro o movimento de
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 11
constante mudança do e no vínculo professor-aluno, o que confirma a importância
dessa relação para o processo de aprendizagem.
Participação... envolve uma outra coisa que não é a sedução, é uma
provocação, ... como fazer seduzir, esse movimento de levar o aluno a sair
do lugar onde ele está, tem um aspecto de sedução, tem outro de provocação,
quer dizer, desafiar as pessoas, em suma, fazer os conflitos ali latentes
aparecerem... fazer com que insatisfações que estão ali, meio difusas,
ganhem voz...”
Algumas preocupações importantes surgiram como a citada no
depoimento a seguir que se refere à ousadia que o professor precisa ter para se
aventurar-se com o aluno no processo ensino-aprendizagem.
A relação professor-aluno precisa ser descentralizada, proporcionar uma
reflexão no sentido de vencer todas as resistências que são necessárias
para experimentar uma nova compreensão, um novo pensamento.
As dificuldades colocadas pelos professores se resumem na perda do
limite entre o campo pedagógico e o psicológico, no relacionamento com alunos
fechados que não se aproximam, em ocupar o lugar de autoridade por medo de serem
confundidos com o modelo autoritário e perderem a inspiração.
Com relação à realização das fantasias através da profissão docente, foi
ressaltado um movimento, uma transformação, a liberdade
de consciência, conhecer-se mais, ter mais autonomia,
atualização, percepção dos limites e possibilidades,
procurar melhorar o mundo; interesse em dar aula
independentemente da questão financeira. Na relação
professor-aluno, o prazer em penetrar no outro, fecundar e
ser fecundado por novas idéias e pensamentos.
Alguns aspectos importantes para estabelecer
um perfil do professor apaixonado seriam: o acolhimento do
aluno, de suas idéias, dúvidas, pensamentos, com interesse
e valorizando-os; a necessidade do olhar do outro e o caráter afetivo-emocional do
vínculo com o aluno.
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 11
Algo percebido também nesse processo de paixão por formar é o fato de
o sofrimento causado pela ausência das figuras parentais dos professores, enquanto
crianças, levá-los a desenvolver a curiosidade investigativa, ou seja, dar aula seria
como um reencontro com um objeto interno perdido prematuramente e que mantém a
auto-estima.
Na sala de aula, o professor encontra a fonte de brincar, o criar se
relaciona com o brincar infantil e a arte de formar está nos recursos criativos
provenientes dos desejos infantis.
A PAIXÃO POR ENSINAR: UM PARALELO
Documentário sobre Louis Levy:
_ Quando nos apaixonamos vivemos um paradoxo que consiste no fato de
que quando nos apaixonamos tentamos reencontrar as pessoas a quem
éramos apegados quando crianças.
Por outro lado, pedimos ao amado que corrija os erros que os pais ou irmãos
nos infligiram.
Assim, o amor contém contradições: a tentativa de
voltar ao passado e a de tentar alterá-lo.
_ Mas devemos sempre lembrar que precisamos
de muito amor para nos convencer a ficarmos na
vida. Uma vez que conseguimos esse amor ele dura,
mas o universo é um lugar frio, nós é que o
aquecemos com os nossos sentimentos. E sob
certas condições achamos que não vale mais a
pena viver.
_ Todos nós encaramos, a vida toda, escolhas terríveis, escolhas morais.
Algumas de grande escala. A maioria dessas escolhas é feita em planos
inferiores. Mas nós decidimos pelas escolhas que fizemos. Somos na
verdade o reflexo de nossas escolhas. Os acontecimentos se dão
imprevisivelmente, de modo tão injusto, que a felicidade humana não parece
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 11
ter sido incluída no desenho da humanidade. Somente nós, com nossa
capacidade para amar, damos significado ao universo indiferente, e ainda
assim a maioria dos seres humanos parece ter habilidade de continuar
tentando, e até de encontrar alegria nas coisas simples como suas famílias,
seu trabalho e... na esperança que as gerações futuras possam entender
mais...
Crimes e Pecados – Woody Allen
REFLEXÃO
Diante do texto acima, faça uma reflexão sobre a sua paixão por ensinar
e o porquê da escolha da profissão docente.
REFERÊNCIA
SILVA, Maria Cecília Pereira. A paixão de formar: da psicanálise à educação. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1994.
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Psicologia da Educação
VIOLÊNCIA ESCOLAR UMA QUESTÃO EM FOCO
CAPÍTULO 12
“A gratidão é a primeira expressão de amor entre os
seres humanos; ninguém agride a quem tem gratidão.”
(Içami Tiba)
Ao discutirmos a questão da relação professor-aluno, não podemos
deixar de falar sobre uma questão quem vem preocupando muito e até aterrorizando
os professores, diretores, todas as pessoas envolvidas com a educação, que é a
violência escolar.
Para abordar esSe tema, teremos como base dois autores que
escreveram sobre o assunto, Júlio Groppa Aquino e Içami Tiba.
Aquino (1998) faz um paralelo sobre a violência escolar e a crise da
autoridade docente, mostrando o quanto a violência pode ser produzida na própria
escola. Ele coloca dois fundamentos para justificar a violência escolar: um é o
sociologizante, que consiste em responsabilizar a macroestrutura, a sociedade,
política, economia e cultura pela violência escolar; o outro é o clínico-psicologizante,
que consiste em diagnosticar patologias, personalidades violentas e a estrutura
psíquica do aluno.
A ação escolar está marcada pela
reprodução de outros contextos institucionais, isto é, a
política, a economia, a família refletem na escola e a
escola, por sua vez, assim como todos os agentes
educativos, refém desta situação.
Muitas vezes defendemos a questão da
reprodução colocando-a como um efeito cascata, ou
seja, tudo o que ocorre nas instituições extra-escolar vai desembocar na escola.
A escola, porém, não é um espelhamento idêntico das relações extraescolares, porque cada instituição tem suas características próprias e para contrapor a
esta teoria da reprodução nos remetemos a Guimarães (1996, p.77), citada também
por Aquino:
A instituição escolar não pode ser vista apenas como reprodutora das
experiências de opressão, de violência, de conflitos, advindas do plano
macroestrutural. É importante argumentar que apesar dos mecanismos de
reprodução social e cultural, as escolas também produzem sua própria
violência e sua própria indisciplina.
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 12
Com relação ao segundo fundamento, o clínico-psicologizante, esse
pressuposto não pode ser visto isoladamente, como se as pessoas tivessem um
comportamento de natureza humana padrão. Torna-se necessário o olhar institucional,
que seria: “o aluno que ocupa um lugar determinado em relação a esse outro,
portanto, parceiro de uma relação institucionalizada e que o faz sempre de modo
singular.” (Aquino, 1998, pág. 11)
O sujeito institucional consiste no aluno de determinada escola, de certo
professor, filho de uma família específica, integrante de uma classe social, cidadão de
um determinado país.
De acordo com essa teoria, ao mesmo tempo que o aluno é fruto de um
processo macroestrutural, ele não pode perder sua singularidade. Para que isso
ocorra na prática educativa se faz necessário algumas decisões teóricometodológicas:
1. Deixar a leitura totalizadora (sociologizante
e totalizante) dos fenômenos, ou seja,
conceber a violência escolar como sendo a
violência da família, da prisão, das ruas.
2. Situar o fenômeno violento entre as
relações institucionais que o constituem, isto
é, a escola terá que rastrear no próprio
cenário escolar as cenas e os efeitos da violência que lá ocorreram.
3. Descrever e analisar as marcas da violência, tendo como base as
relações institucionais que a retroalimentaram, ou seja, situar o foco de
análise nas relações dominantes do contexto escolar, especificamente na
relação professor-aluno.
A dinâmica escolar está permeada de atitudes com o teor normativo
(estabelecimento de normas) e confrontativo (confronto diante do não-cumprimento das
regras), e o professor por ter um lugar privilegiado na relação escolar comumente é o
mentor de tal processo. Retomemos Guimarães (1996, pp.78-79) para compreender
melhor tal processo:
A escola, como qualquer outra instituição, está planificada para que as
pessoas sejam todas iguais. Há quem afirme: quanto mais igual mais fácil
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 12
de dirigir. A homogeneização é exercida através de mecanismos
disciplinares, ou seja, de atividades que esquadrinham o tempo, o espaço,
o movimento, gestos e atitudes dos alunos, dos professores, dos diretores,
impondo aos seus corpos uma atitude de submissão e docilidade. Assim
como a escola tem esse poder de dominação que não tolera as diferenças,
ela também é recortada por formas de resistência que não se submetem às
imposições das normas do dever-ser. Compreender essa situação implica
aceitar a escola como um lugar que se expressa numa extrema tensão entre
forças antagônicas.
Assim sendo, o professor acredita que para manter o seu lugar é
necessário manter a ordem, não obstante a diversidade da sala de aula impeça esse
processo. Ao mesmo tempo que a ordem é necessária, o professor tem atitudes
violentas e ambíguas, porque de um lado tem a função de colocar os limites da
realidade e de outro oferecer recursos para o aluno buscar a autonomia sobre sua
aprendizagem.
Nesse ponto da discussão, concluímos que o lócus da violência escolar
está na relação professor-aluno; sendo assim, a violência escolar importa violência
fora dela e também a produz.
Aquino (1998) coloca que, pensando
institucionalmente, não há exercício de autoridade sem o
emprego de violência e não há o emprego da violência sem o
exercício de autoridade. A própria hierarquia social condiz com
uma relação violenta (pais- filhos, médico-paciente, sacerdotefiéis).
Para fundamentar usa posição mostra a
ambivalência do termo violência (qualidade do que atua com força ou grande impulso,
força, ímpeto, impetuosidade; constrangimento exercido sobre alguma pessoa para
obrigá-la a fazer ou deixar de fazer algo; coação). Uma ação pode ser considerada
violenta tanto se desencadear algo novo ou se procurar mantê-lo da mesma forma. Por
exemplo, na relação professor-aluno, quando o professor usa de sua autoridade para
manter o silêncio ou para mudar uma atitude de um aluno.
A autoridade atribuída aos agentes institucionais, que pressupõe uma
hierarquia, inevitavelmente pode produzir uma ação violenta, porém necessária para a
transformação, ou seja, a estruturação e efetivação da intervenção institucional, porque
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69
Psicologia da Educação
CAPÍTULO 12
sem ela não haveria a existência concreta das práticas educativas. Isso não quer dizer
que podemos usar de uma violência gratuita na ação educacional, é importante
considerarmos sua existência inevitável na relação professor-aluno.
A crise da autoridade docente é o principal fator de parte dos efeitos da
violência produzida na escola e está diretamente relacionada à crise da tradição de
atitudes diante do passado, o professor é o mediador entre o velho e o novo, sendo
preciso conservar o patrimônio cultural, para transformar as novas gerações.
Sendo assim, a autoridade é o ponto nevrálgico da ética docente,
reguladora do trabalho pedagógico, sendo o único antídoto contra a violência. Aquino
(1998) cita Arendt sobre este ponto: “A qualificação do professor consiste em
conhecer o mundo e ser capaz de instruir os outros acerca deste, porém, sua
autoridade se assenta na responsabilidade que ela assume por este mundo”.
JOVEM: A VIOLÊNCIA DE CADA DIA
“Um sonho que se sonha só
é só um sonho que se sonha só
mas um sonho que se sonha junto
é a realidade.”
(Raul Seixas)
A partir do trecho da música de Raul Seixas, pensem sobre a produção
da violência e na produção de uma convivência mais equilibrada entre os jovens, nas
escolas e na sociedade.
REFERÊNCIAS
AQUINO, Júlio Groppa. A violência e a crise da autoridade docente. In: Cadernos Cedes.
Ano XIX, nº 47, dezembro de 1998.
GUIMARÃES, A. M. A dinâmica da violência escolar - conflito e ambigüidade. Campinas:
Autores Associados, 1996.
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Psicologia da Educação
DISCIPLINA E INDISCIPLINA NA ESCOLA
CAPÍTULO 13
“Dois perigos mortais ameaçam a humanidade: a
ordem e a desordem”.
(Paul Valéry)
Aquino (1996), autor de vários livros e artigos sobre a questão da
indisciplina, em seu artigo “A desordem na relação professor-aluno: indisciplina,
moralidade e conhecimento”, começa o texto repensando a função da escola e coloca
três dimensões: a epistêmica (acumular conhecimentos), a socializante (preparando a
criança para o convívio social) e profissionalizante (qualificação para o trabalho).
O problema da indisciplina perpassa esta tríade funcional da escola,
causando um grande temor a todos os agentes educativos, pois é inimiga número um
do professor, ultrapassa o âmbito didático e pedagógico e consiste num problema
interdisciplinar/ transversal à pedagogia; diante desse fato é importante retomar o
processo histórico da escola.
O relato dos professores sobre a indisciplina se resume em: bagunça,
tumulto, falta de limite, maus comportamentos e desrespeito às figuras de autoridade.
A visão sócio-histórica sobre a indisciplina nos mostra que antigamente o
modelo de disciplina estava voltado para o cumprimento de
normas preestabelecidas pela instituição escolar, a função do
professor, além de saber mais que o aluno, era modelar o
aluno. O professor era o general e o aluno o soldado, submisso
e temeroso, e a escola tinha o caráter elitista e conservador.
Com a democratização do ensino e o acesso à
escola de todas as classes sociais, os professores que
ministravam excelentes aulas para “os filhos da elite” não
sabiam trabalhar com a outra clientela que se apresentava à
escola, isto é, os padrões de comportamento a serem
ensinados ou modificados correspondiam à perspectiva da classe dominante, que os
torna universais e compulsórios.
Portanto é um erro a confusão que se faz da democratização do ensino
com a deterioração do ensino porque o modelo educacional para a elite de
antigamente não é o melhor, ou seja, a qualidade do ensino não está na reprodução da
educação como era antigamente e sim em cumprir o que fala a Constituição de 1988,
sobre a educação: ...desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Mesmo com toda a proposta nova da educação de que todos tenham
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 13
acesso à educação e com direitos iguais, percebemos que a indisciplina surge como
uma forma de exclusão, rejeição, incapaz de administrar novas formas de existência
social, personificadas nas transformações do perfil da clientela, cristalizando as velhas
formas institucionais de aprendizagem, comportamento, etc.
A psicologia apresenta uma visão da indisciplina como uma carência
psíquica do aluno refletida na falta de parâmetros morais apriorísticos como a
permeabilidade a regras comuns, partilha de responsabilidades, cooperação,
reciprocidade, solidariedade, entre outras consideradas fundamentais para a
convivência em grupo, assim como o reconhecimento da autoridade externa.
Este discurso vai recair sobre a família cujo papel é fundamental na
educação das novas gerações; dessa forma, a estruturação escolar tem que ser
pensada sob os dois âmbitos, da própria escola e da família,
porque a escola não deve assumir a estruturação psíquica do
aluno.
Uma crítica importante ressaltada por Aquino
(1996) é o fato de a escola estar mais preocupada com as
questões psíquicas e morais do que com as epistêmicas, ou
seja, a educação escolar está voltada mais para a
normatização de condutas com o intuito de controlar a
indisciplina ou com a esperança de retomar a disciplina militar de antigamente.
Nesse processo, a escola se distancia ainda mais do aluno e de sua
realidade, porque vai contra as suas reais necessidades de aprendizagem, criando
ambientes de conflitos. A indisciplina é o sintoma das relações descontínuas e
conflitantes entre o espaço escolar e as outras instituições sociais.
Ora, não é possível assumir que a indisciplina se refira ao aluno
exclusivamente, tratando-se de um problema de cunho psicológico/moral.
Também não é possível creditá-la totalmente à estruturação escolar e suas
circunstâncias sócio-históricas. Muito menos atribuir a responsabilidade às
ações do professor, tornando-a um problema de cunho essencialmente
didático-pedagógico.
A nosso ver, a indisciplina configura um fenômeno transversal a estas
unidades conceituais (professor/aluno/escola) quando tomadas
isoladamente como recortes do pensamento. Ou melhor, indisciplina é mais
um dos efeitos do entre pedagógico, mais uma das vicissitudes da relação
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 13
professor-aluno, para onde afluem todas essas “desordens” anteriormente
descritas.
(Aquino, 1996, pp.48-49)
O autor coloca que somente a relação professor-aluno pode transformar
essas desordens em novas ordens, diferente da escola de antigamente, porque é
nessa relação que se produz o objeto institucional, ou seja, o conhecimento. A busca
do conhecimento, através dos vínculos do dia-a-dia, da maneira com que o professor
se posiciona diante do aluno, tendo neste um parceiro no jogo contra a ignorância, é a
única forma de mudar o quadro de indisciplina que vem se apresentando nas escolas.
Dessa forma, o que deve regular a relação é uma proposta de trabalho
fundada intrinsecamente no conhecimento, resgatando a moralidade do aluno à
medida que o trabalho epistêmico requeira a observância de regras, de semelhanças
e diferenças, de regularidades e exceções.
A teoria de Aquino nos desperta para o lado moralizador de todas as
disciplinas, quando pensamos na música, o quanto ela requer concentração, estudo,
dedicação, disciplina e na lógica matemática importante para realizar as operações
tanto quanto para a pessoa direcionar seu comportamento moralmente.
O autor se refere à nova ordem pedagógica: o processo de restabelecer
a função epistêmica autêntica e legítima da escola. Para tal, é fundamental mudar a
compreensão e o manejo da disciplina que antes era vista como silêncio, obediência,
resignação e agora passa a ser a busca de superar dificuldades,
conflitos, obstáculos, perseverança, desejo pelo saber.
O professor precisará ter uma conduta dialógica e de
constante negociação, investir nos vínculos concretos, abandonar os
ideais de relação aluno-professor, ser fiel ao contrato pedagógico e
ser flexível quanto a mudanças e invenções.
INDISCIPLINA: MEUS CONCEITOS, MINHA REALIDADE E
SOLUÇÕES
No capítulo cujo título é “A indisciplina e o professor”, Aquino (2000)
apresenta três hipóteses explicativas para a indisciplina:
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 13
1. A do aluno desrespeitador
2. A do aluno sem limites
3. A do aluno desinteressado
Depois apresenta algumas premissas pedagógicas importantes como:
1.
2.
3.
4.
O conhecimento
A relação professor-aluno
A sala de aula
O contrato pedagógico
Por fim coloca cinco regras éticas do trabalho do professor:
1. Compreensão do aluno problema como porta-voz das relações
estabelecidas em sala de aula.
2. Des-idealização do perfil de aluno
3. Fidelidade ao contrato pedagógico
4. Experimentação de novas estratégias de trabalho
5. A competência e o prazer devem ser os dois compromissos básicos
da ação do professor na sala de aula.
REFLEXÃO
Diante desse panorama e da leitura do capítulo 12, reflita como estão
seus conceitos sobre a questão da indisciplina e das alternativas propostas por
Aquino.
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Psicologia da Educação
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 13
AQUINO, Júlio Groppa. Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo:
Summus, 1996. Capítulos 3 e 5.
_______. Do cotidiano escolar: ensaios sobre a ética e seus avessos. São Paulo:
Summus, 2000.
ANOTAÇÕES
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 13
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ANOTAÇÕES
Psicologia da Educação
OS GRUPOS E A FORMAÇÃO DOCENTE
CAPÍTULO 14
“O ser humano é um animal gregário. Não pode evitar
ser membro de um grupo, ainda naqueles casos em
que sua pertinência ao grupo consista em comportarse de um modo que dá a sensação de não pertencer a
grupo algum.”
(Grimberg, 1973)
A formação docente requer o conhecimento sobre
grupos e a intervenção grupal visto que todo o trabalho
docente ocorre em meio a grupos, sejam de alunos, de
professores, de pais. Conhecer os processos grupais,
como cada pessoa é inserida num determinado grupo, a
função que vai assumindo neste, as relações que vão se
estabelecendo, os vínculos que vão se fortalecendo,
além do crescimento que ocorre na interação com o
outro, possibilita ao professor uma visão ampla do desenvolvimento do aluno,
favorecendo assim o processo ensino-aprendizagem.
Diante dessa constatação surge a questão: como as organizações
introjetadas dentro de cada um afetam o desenvolvimento do trabalho grupal,
entendendo como grupo o que diz Osório (2000), “[...] um conjunto de pessoas em uma
ação interativa com objetivos compartilhados”.
A partir do objetivo dessa pesquisa, é importante estudar as formas de
intervenção junto ao sujeito organizado em grupos de forma crítica, permitindo refletir
sobre suas ações, sendo imprescindível estudar como o indivíduo se constitui e se
comporta nas instituições ou nas organizações em que trabalha e com o trabalho que
realiza.
Por meio dos escritos de Pichon (1994), podemos compreender que as
Organizações ou Instituições são instâncias intermediárias a partir das quais o
indivíduo se insere na sociedade e que essa relação está subordinada à dinâmica
social.
Para compreender essas instâncias, não é possível isolá-las, pois nesse
caso lhes atribuiríamos um valor absoluto, não conseguindo compreender de fato como
funcionam. Para estudar essas instâncias e a forma como o indivíduo nelas se
comporta, temos que as considerar como inseridas no contexto social e histórico e as
compreender como produtos da sociedade.
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 14
Em toda oportunidade, Pichon (1994) deixa clara a posição da
grupalidade, a de que há implicação do geral da sociedade sobre todo o particular.
A organização ou instituição em que o indivíduo trabalha está situada
historicamente; é não apenas resultado da sociedade como também é
instância de mediação para o indivíduo inserir-se na totalidade social. Para
o profissional que se propõe interpretá-la nessa realidade, faz-se necessário
trabalhar com as relações de determinada prática institucional.
(GUIRADO, 1987, p. 72).
Guirado (1987) justifica se necessário ao coordenador de grupo, que
visa ter como espaço de intervenção as instituições, encarar os sujeitos como
constituídos e constitutivos da estrutura institucional. A autora apresenta a
possibilidade de poder fazer com que o sujeito se aproprie e construa um
conhecimento sobre si mesmo e se aproprie dele, enfocando as relações que imagina,
percebe e representa nesse universo de representações e afetos.
Torna-se relevante compreender que os sujeitos, que na instituição
estabelecem relações, ao mesmo tempo se constituem, adquirem valores,
comportamentos e concepções de si mesmos, através das práticas no
trabalho e do funcionamento da máquina que estão constituindo e em que
estão inseridos. Enfim, o sujeito vive e processa as organizações para si.
(OSÓRIO, 1991, p.2).
Pichon (1994), já pontuava que as instâncias intermediárias é que propiciam
ao sujeito sua inserção na totalidade social. Podemos supor que é aí que se dão as
relações – que são mediadas e se dão entre os indivíduos enquanto representantes do
capital, em papéis estabelecidos por essa sociedade.
Guirado (1987) afirma que,
“[...] as relações concretas se dão sempre nas e pelas
instituições sociais. Com isso defende a necessidade de
tentarmos articular o que é do universo singular, pontuado
por Freud na sua clínica, e o universo das relações
institucionais que o extrapolam”.
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 14
Antunes (1995) expõe que,
“nas relações e nas instituições, os sujeitos tendem a reproduzir o instituído,
porque reconhecem a ordem estabelecida como natural e autêntica, mas
desconhecem o caráter instituído dessa ordem e a ideologia que legitima
essa reprodução.” (p. 73).
A intervenção, segundo Guirado (1987), está na interpretação do
discurso e do lugar do sujeito nas relações institucionais. Pontua que, de um lado,
“há o discurso dos agentes que expressam representações da prática [...]
e de outro, encontramos [...] cada ator (ou grupo de atores) sendo sempre
“sujeito suporte” da ação e do discurso institucional.” (p. 74).
Podemos dizer que as mudanças ou reflexões possíveis dentro das
instituições onde os indivíduos atuam e se relacionam não têm como foco a estrutura,
com propostas de mudanças e reformas administrativas,
organizacionais e de funcionamento. Essas propostas estão
sustentadas na concepção de organização como unidade
singular e com funcionamento independente e estabelecido
previamente. Uma das formas de intervenção é proporcionar ao
indivíduo uma análise permanente de suas relações
constituídas, ou seja, uma forma de atuação deve vir a ser com
os sujeitos refletindo as relações vividas, propiciar a reflexão
das relações estabelecidaS constituintes e constitutivas.
Entretanto, é importante ressaltar que qualquer
intervenção com os indivíduos nas instituições não pode estar
desvinculada da sociedade. Os limites que encontramos na
sociedade se apresentam na instituição todo o tempo. As relações que lá se
estabelecem são também mediadas, estando claro que a possibilidade de alteração
estará sempre esbarrando nos limites que o funcionamento social e político dessa
sociedade apresenta.
Barrenblitt (1986) descreve que o indivíduo está com sua consciência
coisificada, estabelece com a técnica uma relação como sendo algo em si mesmo.
Esse meio tecnológico, burocrático e de fetichização produz nele a incapacidade de
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 14
se vincular com os outros, ficando indiferente ao que acontece com as outras pessoas,
conseqüência da ordem social que produz e reproduz a frieza. Portanto, as relações
que se estabelecem dentro das organizações são produto da sociedade e estão de
certa forma mutiladas, e para se tentar produzir uma clareza acerca desse modo
constitutivo exige-se a implementação, praticamente inviável, de um deslocamento no
sentido contrário ao movimento da sociedade.
É justamente nesse sentido a expectativa. CONTI espera poder buscar
os meios que vão contra a produção da indiferença humana, ir contra a ordem social
que reproduz tal frieza nos seus mecanismos subjetivos, produzidos nas suas diversas
instâncias. Propõe-se a investigar a institucionalidade introjetada e constituinte desse
sujeito, constituidor do contexto, considerando que o indivíduo está mediado pela
instituição e que esta é produto da sociedade e como esse conjunto afeta sua vida em
comunidade, desmobilizando suas ações coletivas.
Um outro aspecto importante para atuar com o indivíduo dentro das
organizações é apontado por Zimmerman (1997). Ao tratar do conceito de indivíduo,
diz que o homem está inserido num contexto social, no qual representa diversos
papéis e neles é reconhecido. Sua identidade só tem sentido nessa relação com o
contexto. O saber de si está intrinsecamente dependente dessa consciência que se dá
pelo reconhecimento de seus papéis como pai, filho e profissional.
A PESSOA, A ORGANIZAÇÃO E O TRABALHO...
Como pesquisadora com experiência na área de educação e em
instituições, tenho questionado de que forma a
especificidade do saber profissional, aliada à
subjetividade dos sujeitos na sociedade
contemporânea, pode contribuir em processos e
programas de formação e desenvolvimento de
indivíduos e grupos que possibilitem a reflexão e a
análise das relações sociais, bem como a
compreensão de como esses indivíduos as constituem
na atualidade. Questiona-se se os Programas de
Formação podem, de alguma forma, refletir-se na
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 14
postura e nos valores dos indivíduos e, ainda, se pode haver uma transposição dessas
reflexões para suas ações nos diversos âmbitos de suas vidas, nos grupos e na sociedade
em geral, já que esses indivíduos são mediados socialmente e compõem as redes das
relações sociais.
O indivíduo se constitui na relação com a
cultura e com a sociedade. Os aspectos subjetivos da
realidade social estão presentes em reações individuais,
expressas em ações, posturas, atitudes e valores.
Observando que os indivíduos reproduzem tal realidade
e que suas subjetividades dependem em grande parte
dela, surgiu o interesse em investigar como são esses
indivíduos, qual a conseqüência em suas atitudes e se há
formas de atuar com os sujeitos que produzem algum efeito no contexto social atual.
A partir de uma reflexão sobre a relação do indivíduo com a sociedade,
buscou-se a possibilidade de intervenção por meio de ações educacionais que consigam
ultrapassar a proposta de ação disciplinar, que possam ir além da mera ação pedagógica,
em que a contribuição das Ciências Sociais tenha como foco o próprio sujeito, sua
subjetividade e a mudança de cultura.
REFLEXÃO
Diante dos pressupostos teóricos abordados neste capítulo faça uma
reflexão sobre como seria o seu olhar para a sua turma, seus alunos na sala de aula
enquanto grupo.
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Psicologia da Educação
CAPÍTULO 14
REFERÊNCIAS
BARRENBLITT, Gregório (org). Grupos: teoria e técnica. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1986.
CONTI, Carmen Lúcia Tozzi Mendonça Conti. O Instituto Atende – Psicologia e Serviço
Social e o itinerário pela transformação social. UNESP: FHDSS, 2004 (Dissertação de
Mestrado).
OSÓRIO, Luiz Carlos. Teorias e práticas. São Paulo: Cortez, 2000.
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