Trechos traduzidos para o português

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LATOUR_Recompondo o social_TrechosDoLivro
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ng-the-socialq-bruno-latour-introducao&option=com_content&Itemid=54
luiz paulo nascimento
Reassembling the Social", Bruno Latour: Introdução
Quando os investigadores das ciências sociais acrescentam o adjetivo "social" a um
fenômeno, designam um estado de coisas estabilizado, um agregado de laços. Os
problemas começam a surgir quando o adjetivo "social" serve para designar um tipo de
material.
Por este motivo, desejo redefinir a noção de social, retornando ao seu sentido original e
tornando-o novamente capaz de delinear as conexões.
Todavia, um tal projeto implica redefinir o que se entende correntemente por
"sociologia". As virtudes que estamos hoje prontos areconhecer aos empreendimentos
científicos e técnicos têm muito pouco a ver com o sentido que os fundadores das
ciências sociais atribuíam quando deram origem às suas disciplinas. Nem a ciência nem a
sociedade permaneceram, por assim dizer, suficientemente estáveis para cumprir as
promessas de uma "socio-logia" forte.
Creio chegado o momento de transformar o que se entende por "social". Portanto, desejo
formular uma definição alternativa da "sociologia" não deixando de conservar este útil
vocábulo.
Encontramos duas abordagens bastante diferentes. Apenas uma delas se transformou no
senso comum; a outra abordagem constitui o objeto desta obra.
A primeira solução consiste em postular a existência de um tipo de fenômeno específico.
Um dado fenômeno era dito "social" ou "relevar da sociedade" a partir do momento em
que podia ser definido atribuindo-lhe propriedades específicas, algumas negativas - não
devia ser "puramente" biológico, linguístico, econômico, ou natural - e outras positivas deveria produzir, reforçar, exprimir, manter, reproduzir ou subverter a ordem social, para
dar conta de outros fenômenos sociais - o social poderia explicar o social - bem com para
fornecer um certo tipo de explicação daquilo que outras disciplinas não conseguem dar
conta.
Esta versão da teoria social de tornou a configuração, por padrão, do nosso software
mental que tem em conta o seguinte: existe um "contexto" social; este contexto é
investigado por investigadores especializados denominados sociólogos ou sócio-(x). Os
agentes normais estão sempre situados "no interior" de um mundo social que os envolve,
sendo a totalidade dos seus efeitos apenas visível ao olhar mais disciplinado dos
cientistas sociais; é-lhes possível imitar toscamente o sucesso das ciências naturais ao
serem tão objetivos como os outros cientistas, graças ao uso de instrumentos
quantitativos. Quando os cientistas sociais são solicitados a dar os seus pareceres, pode-se
extrair desses estudos alguma espécie de relevância política, mas apenas após se ter
acumulado conhecimento suficiente.
A outra abordagem não toma como certo o pressuposto fundamental da primeira. Afirma
que não há nada de específico na ordem social; a "sociedade", longe de ser o contexto "no
qual" tudo se enquadra, deveria antes ser concebida como um entre muitos conectores
que circulam pelo interior de estreitos condutos.
Se estas duas abordagens são tão distintas, como poderão elas reivindicar-se como uma
ciência do social e aspirar ao uso do nome de "sociologia"? Enquanto os sociólogos
tomam os agregados sociais como um dado suscetível de esclarecer os apectos residuais,
os investigadores desta segunda perspectiva consideram os agregados sociais como o que
é necessário explicar a partir das associações fornecidas.
A semelhança entre as duas abordagens aparece de imediato se tivermos em mente a
etimologia da palavra "social". Apesar de a maioria dos cientistas sociais preferirem
chamar "social" a algo de homogêneo, poder-se-á perfeitamente designar por este termo
uma série de associações entre elementos heterogêneos. O adjetivo "social" já não
qualifica uma coisa entre outras, mas um tipo de conexão entre coisas.
Esta definição poderá parecer absurda na medida em que se arrisca a diluir a sociologia,
significando qualquer tipo de agregado. Mas é isto justamente o que este ramo alternativo
da teoria social pretende sugerir, pois todos estes elementos heterogêneos podem
encontrar-se recombinados de forma inédita dando lugar, por sua vez, a novos
agrupamentos. Em cada momento, temos de reconstruir a concepção do que estava
associado porque a anterior definição passou a ser, até certo ponto, irrelevante.
Portanto, o projeto global daquilo que supostamente fazemos em conjunto é colocado em
dúvida. Nos será necessária uma outra concepção do social, muito mais ampla do que
comumente se designa por este etrmo, e todavia estritamente limitada no que respeita ao
delinear das novas associações e à arquitetura criada por seus agregados.
Não importa mais considerar o Direito, por exemplo, como o que deve ser explicado a
partir da "estrutura social", que viria acrescentar-se à sua lógica própria; pelo contrário, é
a lógica própria ao Direito que deve poder explicar certos traços que permitem às
associações uma maior longevidade. Não há que situar as organizações num "quadro
social mais amplo" na medida em que elas próprias dão um sentido mais prático ao fato
de se inscreverem num conjunto mais amplo de associações.
A primeira abordagem permitia explicar cada atividade reportando-a aos próprios
agregados sociais que operavam por detrás dela; a segunda defende que não há, para a
sociologia, nada por detrás destas atividades. Tal é, com efeito, o principal ponto de
divergência entre as duas versões. Depois de ter sido muito útil no passado, o que se
chama "explicação social" tornou-se contraproducente porque interrompe o movimento
de associação em vez de lhe dar um seguimento.
Aos olhos da segunda abordagem, os representantes da primeira simplesmente
confundiram o que deviam explicar com a própria explicação. Começam pela sociedade
ou outros agregados sociais, quando afinal isso deveria ser o ponto de chegada.
Reforçaremos a distinção entre a sociologia padronizada do social e uma subfamília mais
radical a que chamo de sociologia crítica.
Para clarificar, designarei a primeira abordagem de "sociologia do social" e a segunda de
"sociologia das associações". Existem muitas excelentes introduções à sociologia do
social, mas nenhuma, que eu conheça, para este subdomínio da teoria social, a "teoria do
ator-rede". Idealmente, a palavra sociologia seria a melhor, mas só pode ser usada após as
suas duas partes - o que é social e o que é ciência - terem sido reconstituídas.
Na maior parte das situações, é não só razoável mas também indispensável recorrer à
sociologia do social, na medida em que oferece um atalho cômodo para designar todos os
componentes já aceitos. No entanto, nas situações em que as inovações abundam, em que
as fronteiras do grupo são incertas, a gama de entidades que importa levar em
consideração se torna flutuante, a sociologia do social não é mais capaz de delinear as
novas associações dos atores. Já não é suficiente limitar os atores ao papel de
informantes, é preciso devolver-lhes a capacidade de produzirem as suas próprias teorias
acerca do que forma o social. Para retomar um slogan da teoria do ator-rede, é preciso
"seguir os próprios atores". se a sociologia do social funciona bem com o que já foi
agrupado, o mesmo não sucede quando se trata de juntar de novo os participantes naquilo
que não é - ainda não é - uma espécie de domínio social.
Uma forma mais radical de relacionar as duas escolas: a sociologia do social é "prérelativista" , enquanto que a nossa sociologia seria plenamente "relativista". Quando
tratamos de processos lentos de mudança, uma interpretação pré-relativista é adequada.
Mas logo que as coisas aceleram, as inovações proliferam, e as entidades são múltiplas: é
aqui que uma solução relativista tem de ser desenhada.
Até onde poderemos ir se suspendermos a hipótese do senso comum que diz que a
existência dum domínio social oferece um quadro de referência legítimo para as ciências
sociais? Será que os sociólogos poderão descobrir novas possibilidades de caminhar
abandonando a noção de uma substância social e considerando-a uma "hipótese
supérflua"? Serei, portanto, muito opinativo e muitas vezes parcial; para compensar esta
falha de eqüidade, tentarei ser o mais corerente possível ao elaborar as conclusões mais
radicais que derivam das posições que escolhi.
Esta distinção entre duas maneiras contrastadas de conceber a tarefa das ciências sociais
não é de todo nova. Encontramo-la na antiga disputa entre Gabriel Tarde e Émile
Durkheim, tendo este saído vencedor. Tarde sempre lamentou que Durkheim tenha
abandonado a tarefa de explicar a sociedade, em favor de um projeto político que visava a
engenharia social. Trade concebia o social, não como um tipo de organismo, mas como
um fluido em circulação; ele é um dos poucos, tal como Harold Garfinkel, que pensaram
que a sociologia podia ser uma ciência que relatasse a maneira como a sociedade se
mantém junta, em vez de usar a sociedade para explicar outras coisas. Se a sociologia
tivesse heraddo mais de G. tarde (não esquecendo Conte, Spencer, Durkheim e Weber),
poderia ter sido uma disciplina ainda mais relevante. As duas tradições podem ser
facilmente reconciliadas, sendo a segunda tão-somente o retomar da tarefa que a primeira
havia tomado como rapidamente terminada.
Para explorar o modo como a ANT pode contribuir para reagrupar as conexões sociais,
este livro está organizado em três partes:



Como configurar as várias controvérsias acerca de associações sem restringir, a
priori, o social a um domínio específico?
Como tornar plenamente delineáveis os meios que permitem aos atores
estabilizarem essas controvérsias?
Através de que procedimentos será possível reagrupar o social, não numa
sociedade mas num coletivo?
As ciências sociais foram pouco ousadas na forma como modelaram a grande
complexidade das associações com que se depararam. Poder-se-ia dizer que a ANT se
esforça por tornar o mundo social tão plano quanto possível, de modo a assegurar que o
estabelecimento de qualquer novo laço será claramente visível. Se é verdade que as
visões da sociedade oferecidas pelos sociólogos do social foram sobretudo uma maneira
de garantir a paz civil na época do modernismo, então que espécie de vida coletiva e que
tipo de saber os sociólogos das associações poderão recolher, agora que a dúvida paira
sobre a modernização, e a tarefa mais importante consiste em encontrar formas de
coabitação?
Sob certos aspectos, esta obra se assemelha a um guia de viagem. A vantagem do estilo
"guia de viagem" em relação a um "discurso do método" é o fato de que não pode ser
confundido com o território que ele simplesmente cobre. Ele dá sugestões, em vez de se
impor ao viajante.
Reassembling the Social", Bruno Latour: Segunda fonte de
incerteza
Na maioria das situações, usamos 'social' para mencionar aquilo que já foi agregado e age como um todo. O
uso sem problema da palavra é válido desde que não confundamos a sentença 'social é o que se reúne?',
com uma que diz 'social refere-se a um tipo particular de coisa'. Temos que abrir uma segunda fonte de
incerteza, esta lidando agora com a natureza heterogênea dos ingredientes que compõem os laços sociais.
Cientistas sociais e atores estavam a par uns dos outros e ambos levantaram essencialmente o mesmo tipo
de questão: como podemos saber do que o mundo social é composto? A ação não é realizada sob o
completo controle da consciência; pelo contrário, a ação deve ser sentida como um nó, um amarrado, e um
conglomerado de muitos e surpreendentes conjuntos de agenciamentos que têm de ser lentamente
desembaraçados.
Nunca estarmos sozinhos em conduzir um plano de ação requer alguns exemplos. Por exemplo, você se
tornou diferenciado de seus pais por ter um grau acadêmico. Você começa a imaginar quem diferenciou
você de seus semelhantes, quem moldou sua voz, suas maneiras, sua face tão diferentemente das deles?
Talvez uma estranha fera. Segundo, você acha que está apaixonado por sua futura parceira. Você lê um
estudo estatístico de padrões de casamento onde outras jovens garotas estão apaixonadas mais ou menos
durante o mesmo período. Então, quem está apaixonado nesse momento? Outras com certeza, um
agenciamento estranho e alienígena.
Na longa e variada história de suas disciplinas, os cientistas sociais, sociólogos, historiadores, geógrafos,
linguistas, psicólogos, e economistas tiveram de multiplicar agenciamentos para dar conta da
complexidade, diversidade, e heterogeneidade da ação. Cada um teve de encontrar um meio de domar
aqueles muitos alienígenas.
A TAR deseja nada mais que herdar essa tradição e intuição. A ação é “inassumida” (overtaken) ou
“assumida por outros” (other-taken)!
Mas há uma lacuna enorme, insuperável, abismal em partir desta intuição – a ação é “inassumida” - para a
conclusão usual de que uma força social a assume. Para que as ciências sociais retomem sua energia inicial,
é crucial não conflagrar todos os agenciamentos que assumem a ação para dentro de algum tipo de
agenciamento – 'sociedade', 'cultura', 'estrutura', 'campos', 'indivíduos', ou qualquer nome que seja dado –
que possa ele mesmo ser social. A ação deve permanecer uma surpresa, uma mediação, um evento.
Devemos começar pela sub-determinação da ação, a partir das incertezas e controvérsias sobre quem e o
que está atuando quando 'nós' atuamos. Devemos nos mover muito lentamente para com isso remover o
veneno que é secretado quando essa intuição é transformada em 'alguma coisa social' que carrega a ação.
Uma vez que o que nos faz agir não é composto de um estofo social, pode ser associado em conjunto, em
novas maneiras.
Um ator é aquilo que é levado a agir por muitos outros
Um 'ator' na expressão composta ator-rede não é a fonte da ação, mas o alvo móvel de um vasto arranjo de
entidades rodeando por volta dele.
Usar a palavra 'ator' significa que nunca está claro quem e o que está atuando quando agimos, uma vez que
um ator em um palco nunca está sozinho na atuação. A própria palavra ator dirige nossa atenção a um
deslocamento completo da ação. Se é dito que um ator é um ator-rede, é em primeiro lugar para sublinhar
que ele representa a maior fonte de incerteza sobre a origem da ação – a vez da palavra 'rede' virá no
momento certo.
Não é porque haja alguma hesitação sobre a fonte da ação que tenhamos que nos apressar em dizer de onde
ela aparece. Inventar um motor social oculto, inconsciente, seria uma maneira garantida de reintroduzir esse
éter do social que estamos tentado dispensar. Não porque os atores saibam o que estão fazendo e os
cientistas sociais não, mas porque ambos têm de permanecer intrincados pela identidade dos participantes
em qualquer processo de ação.
Os sociólogos das associações devem guardar como seu tesouro mais precioso todos os vestígios que
manifestam as hesitações que os próprios atores sentem sobre as 'forças' que os fazem agir. Devemos
paradoxalmente tomar todas as incertezas, hesitações, deslocamentos e intrincamentos como nossa
fundação. Assim como os atores são constantemente engajados por outros na formação e destruição de
grupos, eles se engajam em prover explicações controversas para suas ações, bem como para aquelas de
outros. Cada simples entrevista, narrativa e comentário, não importa o quanto trivial ela pareça, dará ao
analista um arranjo selvagem de entidades para dar conta dos comos e porquês de qualquer processo de
ação.
O engano que devemos aprender a evitar é ignorar os termos esquisitos, barrocos e mais idiossincráticos
oferecidos pelos atores, seguindo apenas aqueles que possuem circulação no mundo de fundo do social.
Temos de resistir à idéia de que há em algum lugar um dicionário onde todas as variedades de palavras dos
atores podem ser traduzidas pelas poucas palavras do vocabulário social.
Somos capazes de garimpar esta maneira difícil de falar ou não? Não é ser movido, ou melhor, ser posto em
movimento pelos informantes, exatamente o que queríamos dizer com um questionamento?
Não devemos substituir uma surpreendente porém precisa expressão que seja o bem conhecido repertório
do social que deve estar escondido por trás dela. Aos analistas é permitido possuir apenas alguma infralinguagem, cujo papel simplesmente auxiliá-los a tornarem-se atentos à própria e plenamente exercida
meta-linguagem dos atores.
A agenda política de muitos teóricos sociais superou sua libido scendi. Eles consideravam que sua real
tarefa era era menos inventariar os agenciamentos ativos no mundo, que varrer as muitas forças que, em sua
visão, atravancam o mundo e mantêm as pessoas em um estado de alienação. A tarefa de emancipação à
qual eles se devotaram requer que eles reduzam o números de entidades aceitáveis. Parece óbvio que uma
estratégia voltada a artificialmente eliminar do mundo a maioria das entidades a serem levadas em
consideração não pode alegar que leve à emancipação.
O que é mais perigoso é mudar da sociologia do social para a sociologia crítica. Ela não apenas ignora os
dados e os substitui por dados não controversos vindos de forças sociais já estabelecidas, mas também
quando toma as reações indignadas daqueles que são 'explicados' dessa forma como aquilo que prova a
verdade inquestionável. As controvérsias sobre agenciamentos têm que ser exercidas por completo, não
importa quanto difícil seja, para não simplificar antecipadamente a tarefa de agregar o coletivo.
Isso não quer dizer que devemos nos abster de aludir a variáveis ocultas para sempre, ou que temos de crer
que atores vivam em pleno controle de suas próprias ações. Pelo contrário, temos visto exatamente que a
mais poderosa descoberta das ciências sociais é que outros agenciamentos sobre os quais não temos
controle nos fazem fazer coisas. Variáveis ocultas têm surgido acondicionadas de maneira que não há
janela de controle para verificar o que há lá dentro. É por conta do grande sucesso de explicações sociais se
apresentarem tão sem custo que agora temos de aumentar o preço e o controle de qualidade sobre o que
conta como uma força oculta.
Uma questionamento sobre a metafísica prática
Se chamarmos de metafísica a disciplina que propõe definir a estrutura básica do mundo, a questão passa a
ser como explorar as metafísicas próprias dos atores. Sociólogos do social têm respondido ao abstrair-se
completamente da metafísica e cortar todas as relações com a filosofia. Eles também limitaram estritamente
o conjunto de agenciamentos 'realmente atuando' no mundo para assim libertar os atores de sua ilusão,
preparar o terreno para a engenharia social em grande escala, e suavizar o caminho rumo à modernização.
Não é nenhuma surpresa que esse programa acabou por não chegar a lugar algum. Atores incessantemente
se engajam nas mais absurdas construções metafísicas ao redefinir todos os elementos do mundo. Apenas
um pesquisador treinado pela tradição psicológica poderia registrar o que eles têm a dizer. Não significa
que filósofos os conhecerão melhor. Significa que isolar as ciências sociais dos reservatórios de inovações
filosóficas é uma receita para garantir que ninguém sequer perceberá as inovações metafísicas propostas
pelos atores comuns. Ainda pior se os cientistas sociais não apenas se abstenham da metafísica, mas tomem
como sua tarefa agarrar-se à mais limitada lista de agenciamentos. Atores têm muitas filosofias, mas
sociólogos pensam que eles devem se prender a algumas poucas. Atores preenchem o mundo com
agenciamentos enquanto sociólogos do social dizem a eles de quais blocos construtivos seus mundos são
constituídos. Mesmo se isso fosse uma estratégia excelente, a qual não é, como veremos, ainda assim seria
ciência ruim.
Claro, há uma razão mais respeitável e prática; é a enorme dificuldade em seguir sua proliferação.
Entretanto, se agenciamentos são inumeráveis, controvérsias sobre o agenciamento têm uma boa maneira
de se ordenar. Embora exista uma lista indefinida de grupos, podemos inferir uma pequena lista de apoios
que permitem ao sociólogo se mover de uma formação de grupo para a próxima. Da mesma forma, penso
que é possível propor um conjunto limitado de apoios para acompanhar as maneiras nas quais os atores
creditam ou desacreditam um agenciamento nas explicações que oferecem sobre o que os faz agir.
Pode ainda parecer paradoxal, mas se alimentar de controvérsias oferece um caminho muito mais seguro do
que a tarefa implausível de determinar a priori quais grupos e quais agenciamentos serão autorizados a
preencher o mundo social.
Uma lista para mapear controvérsias sobre agenciamento
Embora nunca saibamos com certeza quem e o que está nos fazendo agir, podemos definir uma lista de
aspectos que estão sempre presentes em argumentos contraditórios sobre o que aconteceu: agenciamentos
são parte de uma explicação; a eles é atribuída uma figura de algum tipo; eles estão postos em oposição a
outros agenciamentos concorrentes; e, finalmente, eles são acompanhados por alguma teoria explícita de
ação.
Primeiro, agenciamentos são sempre apresentados em uma explicação como realizando alguma coisa, ou
seja, produzindo alguma diferença em um estado de relações. Um agenciamento invisível que não produz
diferença, não produz transformação, não deixa vestígios, e não faz parte de nenhuma explicação não é um
agenciamento. Você precisa produzir a explicação de sua ação, e para isso precisa tornar mais ou menos
explícito quais testes geraram quais vestígios observáveis. Na TAR, não é permitido dizer: 'Ninguém
menciona isso. Não tenho prova mas sei que há algum ator escondido atuando aqui por trás do cenário.' A
presença do social tem de ser demonstrada novamente toda vez; não pode ser simplesmente postulada.
Segundo, o que realiza a ação é sempre dotado na explicação de alguma carnalidade e aspectos que os
fazem ter alguma forma ou moldagem, não importa o quanto vaga. 'Figuração' é um daqueles termos
técnicos que preciso introduzir para explicar que existem muitas mais figuras do que as antropomórficas. É
simplesmente torná-las ideo- ao invés de antropo-mórficas. Uma vez que a questão da figuração é
considerada, não há razão para dizer que a primeira é uma 'abstração estatística' enquanto a outra seria um
'ator concreto'. Sociólogos precisam de tanta variedade ao 'desenhar' atores quanto há de debates sobre
figuração em arte moderna e contemporânea.
A TAR usa a palavra técnica actante que se origina do estudo da literatura. A grande dificuldade na TAR é
não ser intimidada pelo tipo de figuração: ideo-, ou tecno-, ou bio-morfismos são 'morfismos' tanto quanto
a encarnação de algum actante em um simples indivíduo.
Teóricos literários têm sido muito libertários em seus questionamentos sobre figuração do que qualquer
cientista social. Livros, peças e filmes, desde a tragédia clássica até os quadrinhos, proporcionam um vasto
campo de ação para experimentar explicações sobre o que nos faz agir. Simplesmente há diferentes
maneiras de fazer os atores realizarem coisas, cuja diversidade é plenamente mobilizada sem ter de separar
antecipadamente os agenciamentos 'verdadeiros' dos 'falsos' e sem ter de assumir que sejam todos
traduzíveis ao repetitivo idioma do social.
É por isso que a TAR pegou emprestado das teorias narrativas sua liberdade de movimento. Sociólogos da
TAR se tornam menos rígidos, menos estritos em sua definição de que tipos de agenciamentos povoam o
mundo. É apenas ao comparar constantemente repertórios complexos de ação que os sociólogos podem se
tornar capazes de registrar os dados. Registrar ao invés de filtrar, descrever ao invés de disciplinar.
Terceiro, atores também se engajam em criticar outros agenciamentos. Explicações de agenciamento
constantemente adicionarão novas entidades enquanto desqualificam outras como ilegítimas. Portanto, cada
ator mapeará, para proveito do analista, a metafísica empírica para a qual ambos são confrontados.
A única coisa que pode parar o questionamento é a decisão dos analistas em escolher entre esses
movimentos aqueles que pareçam mais razoáveis. Isso não quer dizer que os cientistas sociais sejam
desprovidos de poder. Entretanto, eles precisam primeiro se engajar nas atividades de construção de mundo
daqueles que eles estudam. Muito freqüentemente, cientistas sociais – e especialmente os sociólogos
críticos – agem como se fossem questionadores 'críticos', 'reflexivos' e 'distanciados' encontrando um ator
'simplório', 'não-crítico' e 'não-reflexivo'. O analista simplesmente repete aquilo do que o mundo social já
era feito; os atores simplesmente ignoram o fato de que foram mencionados na explicação do analista.
Quarto, atores – conforme a nova proposição padrão da TAR defende – também possuem sua própria metateoria sobre como o agenciamento atua e, mais freqüentemente do que não, deixam o metafísico tradicional
totalmente desorientado. Aqui novamente, a principal distinção será decidir se o agenciamento é tratado
como um intermediário ou um mediador.
Essa diferenciação transpassa todos os agenciamentos, não importa qual seja sua figuração. O que conta
não é o tipo de figuras mas o leque de mediadores que um é capaz de mobilizar. As ciências sociais têm
insistido demais em qual agenciamento escolher, e não o suficiente em como cada um deles deveria atuar.
Então, figuração e teoria de ação são dois itens diferentes na lista, e não devem ser confundidos um com o
outro.
Como fazer alguém realizar alguma coisa
Então, a sociologia se torna a disciplina que diz respeito ao deslocamento inerente em fazer alguém realizar
alguma coisa. Na maioria das teorias de ação, o segundo termo é predeterminado pelo primeiro: 'Me dê a
causa e eu terei o efeito'. Mas esse não é o caso quando os dois termos são tomados como mediadores. Se
sempre fosse o caso da entrada predeterminar a saída, então seria melhor desconsiderar os efeitos. Com os
mediadores, montes de surpreendentes alienígenas podem pipocar no intermédio.
Uma tal distinção afeta todos os agenciamentos. Se veículos são tratados como mediadores ativando outros
mediadores, então um monte de situações novas e imprevisíveis proliferarão (eles fazem coisas realizarem
outras coisas além do que era esperado). A questão chave para uma ciência social é decidir se tenta
deduzir, a partir de poucas causas, o máximo de efeitos que lá estavam em potencial, ou se tenta substituir o
máximo de causas possível por uma série de atores.
Sociólogos são freqüentemente acusados de tratar atores como muitos títeres manipulados por forças
sociais. Titereiros raramente se comportarão como tendo controle total sobre seus títeres. Quando uma
força manipula outra, não significa que é uma causa gerando efeitos; pode também ser uma ocasião para
outras coisas começarem a agir. A questão interessante nesse ponto não é decidir quem está agindo e como,
mas se deslocar de uma certeza sobre a ação para uma incerteza sobre a ação – mas para decidir o que está
agindo, e como. Logo que abrimos novamente o leque completo de incertezas sobre os agenciamentos,
recuperamos a poderosa intuição que reside na origem das ciências sociais.
A sociologia tem estado embaraçada pelo prejuízo de que há um locus privilegiado dentro do domínio
social onde a ação é 'concreta'. Mas se a ação é não-local, não pertence a qualquer sítio específico; é
distribuída, variada, múltipla, deslocada e permanece intrigante tanto para os analistas quanto para os
atores.
Esse ponto ajuda a não confundir a TAR com movimentos que têm apelado para a 'concretitude' do
indivíduo humano com sua ação significante, interativa, e intencional; ou que têm ignorado o mundo vivo e
significante dos indivíduos humanos em favor de uma 'manipulação fria, anônima, técnica'. Uma sociologia
'interpretativa' acredita que certos tipos de agenciamento automaticamente trarão vida, riqueza, e
'humanidade'.
Uma explicação repleta de indivíduos pode ser mas abstrata que uma outra consistindo apenas de atores
coletivos. Aqui mais uma vez, cientistas sociais têm muito freqüentemente confundido seu papel de analista
com algum tipo de chamado político para a disciplina e emancipação.
Devemos: ou compartilhar da companhia de analistas que possuem apenas uma metafísica em plena
operação, ou 'seguir os próprios atores' que estão se virando com mais de uma. A concretitude não vem de
escolher alguma figuração, mas do aumento, nas explicações, da relativa troca por mediadores em
substituição aos intermediários. Isso será o sinal que nos indica o que é um bom estudo TAR. 'Concreto' e
'abstrato' não designam um tipo específico de personagem. Quais agenciamentos são invocados? Com quais
figurações eles são dotados? Através de qual modo de ação eles estão engajados? Estamos falando de
causas e seus intermediários, ou de concatenação de mediadores? TAR é simplesmente a teoria social que
tomou a decisão de seguir os nativos, não importa a quais imbróglios metafísicos eles nos levam.
Reassembling the Social", Bruno Latour: Terceira fonte de
incerteza
Se a sociologia foi marcada pela descoberta de que a ação é transbordada, foi atiçada
mais fortemente pela descoberta de que existem hierarquias, assimetrias e desigualdades.
Todas parecem ser mais sólidas que as pirâmides, e explicar porque a sociedade deve ser
considerada como uma entidade específica sui generis.
É justamente porque desejamos explicar essas assimetrias que não devemos
simplesmente repeti-las. Poder e dominação têm de ser produzidas, constituídas,
compostas.
Para prover uma explicação, sociólogos das associações, porque querem manter a
intuição original das ciências sociais, têm que rejeitar que a sociedade seja desigual e
hierárquica; que pese desproporcionalmente em algumas partes; e que possua todos os
aspectos de inércia. A assimetria flagrante de recursos não significa que sejam gerados
por assimetrias sociais. Leva apenas à conclusão oposta: é prova de que outros tipos de
atores além dos sociais estão em jogo.
Os tipos de atores em ação devem aumentar
Uma vez que o segundo significado de "social" como associação está colocado, podemos
compreender o que está confuso em relação aos sociólogos do social. Eles usam o
adjetivo para designar dois tipos inteiramente diferentes de fenômenos: um refere-se a
interações locais, face a face, despidas, não equipadas, e dinâmicas; o outro é uma
espécie de força que supostamente explique porque essas mesmas interações face a face
temporárias podem se tornar duráveis e de longo alcance. Saltar do reconhecimento de
interações para a existência de uma força social é, mais uma vez, uma inferência que não
segue a premissa.
Com a TAR, é necessário pôr a primeira definição em uma esfera bastante limitada e se
livrar da segunda. Resumindo, nenhuma ligação é dita como durável e feita de matéria
social.
É possível agora distinguir, na noção composta de sociedade, o que é pertinente a sua
durabilidade e o que é pertinente a sua substância. É possível agora trazer para a frente os
meios práticos de manter as ligações em seus lugares, a ingenuidade constantemente
investida ao alistar outras fontes de ligações, e o custo a ser pago para a extensão de
qualquer interação.
Se considerarmos as habilidades sociais básicas, é fácil compreender que as conexões que
elas são capazes de tecer são sempre fracas demais para sustentar o tipo de peso que os
teóricos sociais gostariam de atribuir a sua definição de social; seriam limitadas a
interações transientes, de vida muito curta. É precisamente porque é tão difícil manter
assimetrias, intrincar de modo durável relações de poder, reforçar desigualdades, que
tanto trabalho é constantemente devotado em migrar as ligações fracas e rapidamente
decadentes para outros tipos de ligações.
Os sociólogos dirão que quando apelam à durabilidade das ligações sociais eles levantam
algo que possui a durabilidade, solidez e inércia necessárias. Evidentemente, é uma
solução conveniente mas não explica de onde essa qualidade vem. Os sociólogos, em um
movimento descuidado, podem tomar a direção errada e dizer que a durabilidade, solidez
e inércia são fornecidas pela durabilidade, solidez e inércia da sociedade em si.
As conseqüências de tal argumento são desastrosas. A tentação é forte demais em agir
como se existisse agora uma força formidável que pudesse prover a todas as assimetrias
de vida curta a durabilidade e a expansão. As causas e efeitos seriam invertidos, e os
meios práticos de produzir o agregado social despareceriam de vista.
Seriam tão tolos os sociólogos? Claro que não, uma vez que eles nunca usam isso na
prática; eles usam isso de um modo mais vago. Quando invocam a durabilidade de alguns
agregados sociais eles sempre, consciente ou inconscientemente, emprestam às fracas
ligações sociais a carga pesada vinda das massas de outras coisas não-sociais. São sempre
as coisas que, na prática, emprestam sua qualidade à infeliz "sociedade". Portanto, na
prática, o que os sociólogos dizem ser o "poder da sociedade" é alguma espécie de
inventário de todas as entidades já mobilizadas para dotar as assimetrias de uma maior
duração.
A solução da TAR não é se engajar em polêmicas contra os sociólogos do social, mas
simplesmente multiplicar as ocasiões onde rapidamente se detecta a contradição na qual
eles podem ter caído, para gentilmente forçar os sociólogos novamente a traçar os meios
não-sociais mobilizados. O que a TAR faz é "seguir os atores em sua trama através das
coisas que eles adicionaram a suas habilidades sociais para configurar de modo mais
durável as interações constantemente em deslocamento."
É neste ponto que o contraste real entre a sociologia das associações e a sociologia do
social será mais claramente visível. Muitas escolas da ciência social podem aceitar as
duas primeiras incertezas como seu ponto de partida; mas agora a lacuna será
consideravelmente alargada, porque vamos aceitar, como atores em completa plenitude,
entidades que eram explicitamente excluídas da existência coletiva.
Se os sociólogos tiveram o privilégio de observar mais cuidadosamente os babuínos, eles
teriam testemunhado que custo incrível era pago quando a tarefa era manter, por
exemplo, a dominância social sem o uso de nenhuma coisa, apenas habilidades sociais. É
o poder exercido por meio das entidades que não dormem, e associações que não se
quebram, que permite que o poder dure mais tempo e se expanda mais amplamente. Isso
não quer dizer que a sociologia do social seja inútil; apenas que deve ser excelente para
estudar babuínos, mas não para estudar humanos.
Transformando os objetos em participantes do curso da ação
O contraste entre as duas escolas: assim que se começa a ter dúvidas sobre a habilidade
das ligações sociais em se expandir duravelmente, um papel plausível para os objetos
pode ser oferecido; assim que se acredita que agregados sociais podem manter sua
própria existência movidos por "forças sociais", os objetos desaparecem de vista.
A ação social não apenas é transbordada por elementos externos, ela é também deslocada
ou delegada a diferentes tipos de atores, os quais são capazes de transportar além a ação
por meio de outros modos de ação e outros tipos de forças, de modo conjunto. À primeira
vista, trazer de volta os objetos ao curso normal da ação deve parecer bastante inócuo.
A principal razão para os objetos não terem chance de desempenhar qualquer papel
anteriormente era a própria definição de atores e agenciamentos mais freqüentemente
escolhida, limitada a priori ao que humanos "intencionais" e "significantes" realizam. Se
aderirmos à nossa decisão de começar com as controvérsias sobre atores e
agenciamentos, então qualquer coisa que modifique um estado de relações ao constituir
uma diferença é um ator - ou, se ainda não há figuração, um actante. Portanto, as questões
a serem feitas sobre qualquer agente são: Constitui uma diferença no curso de ação de um
outro agente, ou não? Há algum teste que permita a alguém detectar essa diferença?
A resposta do senso comum deve ser um retumbante "sim". Esses impementos, de acordo
com nossa definição, são atores, ou mais precisamente, participantes no curso da ação,
aguardando serem dotados de uma figuração.
É claro que isso não significa que esses participantes "determinam" a ação; significa que
deve haver muitas gradações metafísicas entre a completa causalidade e a total
inexistência. Nenhuma ciência do social pode sequer começar se a questão sobre quem e
o que participa na ação não é em primeiro lugar profundamente explorada, mesmo que
isso signifique permitir elementos os quais, por falta de um termo melhor, chamaremos
de não-humanos. O projeto da TAR é simplesmente estender a lista e modificar os
formatos e figuras daqueles alistados como participantes, e delinear uma maneira de fazêlos agir como um todo durável.
O que é novo é que os objetos são repentinamente iluminados não apenas como sendo
atores plenos, mas também como aquilo que explica a paisagem diferenciada com a qual
começamos, os poderes amplos da sociedade, as enormes assimetrias, o massacrante
exercício do poder.
Como é que, apesar desse fenômeno massivo e ubíquo, a sociologia permanece "sem
objeto"? Como explicar que tantos cientistas sociais se orgulham em considerar o
"significado social" ao invés de "meras" relações materiais, "dimensão simbólica" ao
invés de "causalidade bruta"? Objetos não são mencionados em lugar nenhum, mas são
sentidos em toda parte. Eles vivem às margens do social, realizando a maior parte do
trabalho, mas nunca sendo permitidos a serem representados como tal. Parece não haver
nenhuma via, nenhum conduto, nenhum ponto de entrada para eles serem tecidos em
conjunto com a mesma trama do restante das ligações sociais. Seria infantil demais dizer
que a TAR desempenha o papel do beijo do príncipe? Em algum grau, é por ter sido uma
sociologia orientada a objetos, para humanos orientados a objetos, que esta escola de
pensamento foi notada em primeiro lugar.
Objetos ajudam apenas intermitentemente a traçar conexões sociais
À primeira vista, a dificuldade em registrar o papel dos objetos vem da aparente
incomensurabilidade de seus modos de ação. Mas os sociólogos do social
compreenderam mal a natureza de tal incomensurabilidade. Eles concluíram
precisamente o oposto: é por serem incomensuráveis é que precisam ser considerados em
primeiro lugar!
É verdade que a força exercida por um tijolo sobre outro parece pertencer a categorias tão
obviamente diferentes daquela exercida por uma placa de "pare" em um ciclista, que
parece perfeitamente razoável colocar entidades materiais e sociais em duas prateleiras
deiferentes. Razoável porém absurdo, uma vez que se percebe que qualquer ação humana
pode tecer em conjunto, por exemplo, uma ordem de pôr um tijolo, a ligação química
entre cimento e água... a divisão aparentemente razoável entre material e social so torna
exatamente o que ofusca qualquer investigação sobre como uma ação coletiva é possível.
Por coletivo não dizemos uma ação realizada por forças sociais homogêneas, mas, pelo
contrário, uma ação que coleta tipos diferentes de forças tramadas conjuntamente. A
partir de agora, a palavra "coletivo" tomará o lugar de "sociedade".
Qualquer curso de ação cumprirá uma trajetória através de modos completamente
estranhos de existência, que foram agregados conjuntamente por tal heterogeneidade. Se
quisermos ser um pouco mais realistas sobre as ligações sociais, a continuidade de
qualquer curso de ação raramente consistirá de conexões de humano com humano ou
conexões de objeto com objeto, mas provavelmente ziguezagueará de para o outro.
Isso não tem nada a ver com a "reconciliação" da famosa dicotomia objeto/sujeito. Não
há qualquer caso empírico onde a existência de dois agregados coerentes e homogêneos,
por exemplo tecnologia "e" sociedade, possa fazer algum sentido. A TAR não é o
estabelecimento de alguma absurda "simetria entre humanos e não-humanos";
simplesmente significa não impor a priori alguma assimetria espúria.
Esse interesse pelo objeto não tem nada a ver com um privilégio atribuído à matéria
"objetiva" em oposição a linguagem, símbolos, valores ou sentimentos "subjetivos". Para
absorver a terceira fonte de incerteza, devemos estar prontos para questionar sobre o
agenciamento de todas as espécies de objetos. Logo que alguma liberdade de movimento
é atribuída de volta aos não-humanos, o leque de agentes capazes de participar no curso
da ação se alarga prodigiosamente. O que torna a TAR difícil de conter é que ele
preenche precisamente o espaço que é esvaziado pelos sociólogos críticos com as
palavras condenatórias de "objetificação" e "reificação".
Ainda assim, os sociólogos do social não são bobos. Eles têm uma boa razão para hesitar,
antes de seguir o fluido social para onde quer que ele os leve. Temos de nos tornar
capazes de acompanhar a suave continuidade de entidades heterogêneas e a completa
descontinuidade entre participantes que, ao final, sempre permanecerão incomensuráveis.
Você começa com agregrados que parecem vagamente familiares e acaba com outros
completamente estranhos. Essa oscilação torna o delineamento de conexões sociais
especialmente complicado.
Entre um motorista que diminui a velocidade próximo a uma escola, e um motorista que
diminui por causa de um quebra-molas, a diferença é grande ou pequena? Devemos dizer
que apenas a primeira conexão é social, moral e simbólica, e a segunda é objetiva e
material? Não. mas se dissermos que ambas são sociais, com vamos justificar a
diferença? Elas podem não ser sociais de forma alguma, mas são certamente coletadas ou
associadas em conjunto. Ninguém pode chamar a si próprio de cientista social e perseguir
apenas algumas conexões - as morais, legais e simbólicas - e parar logo que surge alguma
relação física intercalada com as outras.
Se interrompermos nosso trabalho de campo a cada obstáculo ao focar apenas na lista de
conexões já previamente encontradas, o mundo social se tornaria imediatamente opaco;
por outro lado, se sociólogos tiverem também de se tornar engenheiros, artesãos, etc.,
nunca irão parar de seguir seus atores. Temos de trazer não-humanos para a explicação
apenas enquanto eles são apresentados como comensuráveis com as ligações sociais, e
também aceitar, no instante seguinte, sua fundamental incomensurabilidade. Não admira
que os sociólogos do social tenham tropeçado nessa dificuldade! Não significad, contudo,
que eles estejam certos. Signiofica apenas que a sociologia requer um leque mais amplo
de ferramentas.
Uma lista de situações onde a atividade de um objeto é mais facilmente visível
Os estudiosos da TAR têm de aceitar duas demandas contraditórias: de um lado, não
queremos que o sociólogo se limite às ligações sociais; de outro, não exigimos que o
investigador se torne um tecnologista especializado. Uma solução é aderir à nova
definição de social como um fluido, visível apenas quando novas associações estão sendo
constituídas.
Essas situações não são tão raras como se poderia pensar. Para serem considerados,
objetos têm de fazer parte de explicações. Se nenum vestígio é produzido, eles não
oferecem nenhuma informação. Embora a situação seja a mesma para grupos e
agenciamentos - sem teste, sem explicação, sem informação - é claramente mais difícil
para os objetos, uma vez que produzir seus efeitos enquanto permanecem em silêncio é o
que os torna tão bons. Objetos, pela própria natureza de suas conexões com humanos,
rapidamente deixam de ser mediadores para ser intermediários, deixando de ser um para
ser nada. Por isso é que truques específicos têm de ser inventados para fazê-los falar, ou
seja, para que ofereçam descrições de si próprios, para produzir roteiros do que eles estão
fazendo outros - humanos ou não-humanos - realizarem.
Situações bastante elaboradas e, freqüentemente, artificiais, têm de ser geradas para
revelar suas ações e performações. Mas mesmo assim, há uma diferença: quando
humanos se tornam mediadores, é difícil detê-los. Um fluxo indefinido de dados é
disparado, enquanto que objetos tendem a retornar ao plano de fundo muito rapidamente,
interrompendo o fluxo de dados. Seu modo de ação não está mais visivelmente conectado
às ligações sociais usuais, uma vez que se baseiam em espécies de forças escolhidas
precisamente por suas diferenças frente às forças sociais normais. Objetos surgem como
associáveis uns aos outros e a ligações sociais apenas momentaneamente.
Felizmente, é possível multiplicar as ocasiões onde essa visibilidade momentânea é
aumentada o suficiente para gerar boas explicações.
A primeira solução é estudar inovações; e as muitas controvérsias sócio-técnicas. Nesses
locais o sobjetos vivem uma vida claramente múltipla e complexa; eles surgem
plenamente combinados a outros agenciamentos sociais mais tradicionais. É apenas
quando seu lugar é estabelecido que eles desaparecem de vista.
Segundo, os implementos deixam de ser estabilizados quando são enxergados por
usuários distanciados. Embora essas associações não delineiem uma inovação, a mesma
situação de enredo é produzida. Nesses encontros, objetos se tornam mediadores, ao
menos por um instante, antes de rapidamente desaparecer de novo por meio do uso
prático, habituação, ou desuso.
O terceiro tipo de ocasião é aquela oferecida por acidentes, falhas, e ataques:
repentinamente, intermediários completamente silenciosos tornam-se mediadores
plenamente ativos; mesmo objetos. Felizmente para a TAR, a recente proliferação de
objetos "arriscados" multiplicou as ocasiões para ouvir, ver e sentir o que os objetos
podem estar fazendo quando destróem outros atores.
Quarto, quando objetos retornam ao plano de fundo por bem, é sempre possível - porém
mais difícil - trazê-los de volta à luz pelo uso de arquivos, documentos, para produzir
artificialmente, através das explicações de historiadores, o estado de crise no qual as
máquinas, dispositivos, e implementos nascem.
Finalmente, quando tudo o mais falha, o recurso da ficção pode trazer os objetos sólidos e
hoje para dentro dos estados fluidos onde suas conexões com humanos pode fazer
sentido.
O trabalho de campo executado pelos estudiosos da TAR demonstrou que se os objetos
não são estudados, não é devido à falta de dados, mas à falta de vontade.
Quem tem esquecido as relações de poder?
O que incomoda tanto a TAR nas pretensões da sociologia do social: a palavra "social"
significa tanto interações locais face-a-face, que são transitórias demais para explicar as
assimetrias, quanto um apelo mágico a forças tautológicas, cujo preço exato no uso dos
objetos eles nunca estão prontos para pagar por completo.
Explicações sociais correm o risco de enconder aquilo que elas deveriam revelar, uma
vez que continuam muito freqüentemente "sem objeto". Temos de ser muito escrupulosos
em verificar se o poder e a dominação são explicados pela multiplicidade de objetos; Não
estaremos satisfeitos em ter o poder e a dominação como eles próprios sendo o misterioso
"container".
Os cientistas sociais abandonaram, no início do século XIX, as coisas e os objetos para os
cientistas e engenheiros, para deixar para trás os vastos terrítórios dos quais desistiram e
aderir forçosamente ao espaço reduzido alocado a eles: "significado", "símbolo",
"intenção", "linguagem". Todo objeto portanto foi dividido em dois, os cientistas e
engenheiros ficando com a maior parte - eficácia, causalidade, conexões materiais - e
deixando as migalhas aos especialistas do "social" ou da dimensão "humana". Qualque
alusão pelos estudiosos da TAR ao "poder dos objetos" sobre as relações sociais passou a
ser um lembrete doloroso aos sociólogos do social.
Mas polêmicas entre disciplinas não produzem bons conceitos, apenas barricadas. Ser
"tanto material quanto social" não é uma maneira para os objetos existirem: é
simplesmente uma forma para eles serem artificialmente partidos.
Cientistas sociais não estavam sozinhos em aderir polemicamente a uma metafísica
dentre as muitas disponíveis; outros departamentos da ciência tradicional também
tentaram afirmar que todos os objetos materiais possuem apenas "uma forma" de agir,
atribuindo ao social um papel não outro daquele de um intermediário cegamente
"transportando" o peso causal da matéria. Grande é a tentação em reagir, e tornar a
matéria um mero intermediário cegamente "transportando" ou "refletindo" ou
agenciamento da sociedade. Esses gestos motivam mesmo um sociólogo moderado a
insistir na importância de alguma "dimensão discursiva".
A escolha entre essas posições é irrealista. Nenhuma dessas aparições dos objetos no
coletivo está errada, naturalmente, mas são apenas formas primitivas de empacotar o
conjunto de ligações que constituem o coletivo. Nenhuma delas é suficiente.
Falar de "cultura material" não ajudaria muito uma vez que os objetos, nesse caso,
estariam simplesmente conectados uns aos outros. Objetos nunca são agregados
conjuntamente para formar um outro reino de alguma espécie; eles nunca serão fortes ou
fracos. Sua ação é sem dúvida muito mais variada, sua influência mais ubíqua, seu efeito
muito mais ambíguo, sua presença muito mais distribuída. Mesmo como entidades
textuais, objetos superam seus fazedores, intermediários se tornam mediadores. Mas para
aprender essa lição, o campo de pesquisa deve ser tornado amplo desde seu começo, e
não pode ser aberto se a diferença entre ação humana e causalidade material é mantida.
Uma razão ainda mais importante para rejeitar o papel atribuído aos objetos na sociologia
do social: ela oculta os apelos às relações de poder e desigualdades sociais que possuam
qualquer significância real. Ao pôr de lado os meios práticos, ou seja os mediadores, os
sociólogos são aqueles
que ocultam as reais causas de desigualdades sociais. Apelar à "dominação social" pode
ser útil como atalho, mas então torna-se muito tentador usar o poder, ao invés de explicálo. O uso gratuito do conceito de poder por tantos teóricos críticos os corrompeu
absolutamente - ou ao menos tronou sua disciplina redundante e sua estratégica política
impotente. O "poder" não apenas põe os analistas para dormir, ele também tenta
anestesiar os atores da mesma forma.
Se os sociólogos das associações desejam herdar essa intuição antiga, venerável, e
totalmente justificável, da ciência social - o poder é distribuído de modo desigual -, eles
também devem explicar como a dominação se tornou tão eficaz e por meio de quais
meios improváveis. Bastante razoável, é para eles a única maneira de torná-la passível de
modificação.
Reassembling the Social", Bruno Latour: Quarta fonte de
incerteza
Por fim, a sociologia pode permanecer como uma ciência muito embora isso signifique
pagar um preço mais alto que o esperado. No geral, abandonar o éter da sociedade para se
alimentar de controvérsias não parece ser um sacrifício tão grande.
Infelizmente, uma quarta fonte de incerteza tem de ser aceita, e essa nos levará aos
pontos mais complicados da sociologia das associações, e também a seu local de
nascimento: a sociologia da ciência. Após duvidarmos do 'socio' na palavra socio-logia,
agora temos de duvidar de sua 'logia'. Nessa junção os problemas se tornam tão
numerosos que todas nossas viagens poderiam ser interrompidas se não formos
cuidadosos o suficiente em preparar os visitantes para atravessar esse emaranhado.
Construtivismo vs. construtivismo social
A TAR é a história de um experimento iniciado tão despreocupadamente que levou um
quarto de século para retificá-la e capturar qual era seu real significado. Tudo começou
de maneira um tanto ruim, com o uso infeliz da expressão 'construção social de fatos
científicos'. Agora compreendemos porque a palavra 'social' pode motivar tanta
incompreensão. Mas porque a introdução da palavra 'construção' disparou mais confusão
ainda? O minúsculo campo dos estudos da ciÊncia renovou o significado de todas as
palavras que constituem essa pequena e inocente expressão.
Dizer que algo é construído significa que não é um mistério que tenha surgido vindo de
lugar nenhum. A grande vantagem em se visitar os locais de construção é que eles
oferecem um ponto de observação ideal para acompanhar as conexões entre humanos e
não-humanos. Isso é verdade não apenas para a ciência, mas para todos os outros locais
de construção. Você está vivenciando o sentimento perturbador e exasperante de que as
coisa podem ser diferentes, ou ao menos de que elas ainda podem fracassar.
Então, utilizar a palavra 'construção' parece à primeira vista ideal para descrever uma
versão mais realista daquilo que é feito para que qualquer coisa persista. As grandes
questões passam a ser: O quanto bem elaborado é? O quanto solidamente construído é? O
quanto durável ou confiável é? O quanto custoso é o material? A próxima e a que é
realmente interessante: está bem ou mal construído?
Se existem locais de construção onde a noção usual de construtivismo deveria ser
prontamente aplicada, têm de ser os laboratórios. Começamos utilizando a expressão
'construção de fatos': acima de tudo, dizer que a ciência, também, era construída produzia
a mesma excitação obtida com todas as outras 'construções': fomos para trás do palco;
aprendemos sobre as habilidades dos praticantes; vimos inovações virem à existência;
sentimos o quanto arriscado era; e testemunhamos a intrincada fusão de atividades
humanas e entidades não-humanas: a verdade sendo lentamente aceita em episódios de
tirar o fôlego, sem a certeza do resultado.
Infelizmente, a excitação se torna rapidamente azeda quando percebemos que para outros
colegas nas ciências sociais, da mesma forma que nas naturais, a palavra construção
significa algo inteiramente diferente do que o senso comum dizia até então. Dizer que
algo era 'construído', em suas mentes, significava que algo não era verdadeiro. Isso torna
a emergência de qualquer ciência simplesmente incompreensível. Fatos são fatos significando exatos - justamente porque são fabricados - significando que emergiram de
situações artificiais. Estávamos preparados para responder à questão mais interessante:
um determinado fato da ciência está bem ou mal construído?
Se queríamos queríamos seguir utilizando a palavra construção teríamos de lutar contra
os epistemólogos que seguiam afirmando que fatos eram 'com certeza' não construídos, e
contra nossos 'caros colegas' que pareciam querer dizer que, se fatos eram construídos,
então eram tão fracos quanto fetiches. Podia parecer mais seguro abandonar inteiramente
a palavra 'construção'; achei mais apropriado fazer com o construtivismo aquilo que
havíamos feito com o relativismo: ambos os termos possuiám uma tradição honorável
demais para não ser reafirmada. Aqueles que nos criticaram por sermos relativistas nunca
perceberam que o oposto seria o absolutismo. E aqueles que nos criticaram por sermos
construtivistas provavelmente não desejaram enxergar que a posição oposta, se as
palavras tivessem algum significado, seria o fundamentalismo.
Por um lado, parecia bastante fácil defender um significado robusto para esse termo tão
maligno, construção: simplesmente tínhamos de utilizar a nova definição de social.
Adicionar o adjetivo 'social' ao 'construtivismo' perverteu completamente seu significado.
Em outras palavras, 'construtivismo' não devia ser confundido com 'construtivismo
social'. 'Construtivismo social', significava, pelo outro lado, que substituímos aquilo de
que a realidade é feita por alguma outra coisa, o social no qual ela é 'realmente'
construída. Para trazer o construtivismo de volta a solo firme, é suficiente ver que, uma
vez que o social signifique novamente associação, toda a idéia de uma construção feita de
material social desaparece.
Essa operação de resgate não foi o bastante, uma vez que o resto das ciências sociais
parecia compartilhar uma noção completamente diferente do mesmo termo. Nós
produzimos anticorpos de maneira muito lenta contra a acusação de que havíamos
reduzido os fatos a 'mera construção'. Levou anos para que reagíssemos de maneira
equilibrada às teorias absurdas com as quais aparecíamos associados. Fomos acusados,
por nossos colegas na crítica social, de termos mostrado por fim que 'até mesmo a ciência
era absurda'! Desavisadamente, construtivismo tornou-se um sinônimo de seu valor
oposto: desconstrução.
Nossa empolgação em mostrar a 'construção social do fato científico' foi recebido com
tamanha fúria pelos própros atores! A substituição do social por outra coisa pareceu a
todo ator uma perda catastrófica, a ser resistida fortemente - e assim o foi! Se, entretanto,
a palavra social é usada para implementar as associações que tenham proporcionado a
algum estado de relações se tornar sólido e durável, então uma outra teoria social pode vir
a ser audível por fim.
Havia algo profundamente falho não apenas na filosofia usual da ciência, mas também
nas teorias usualmente utilizadas para dar conta de outros domínios além da ciência. o
que a TAR estava tentando modificar era simplesmente o uso do repertório crítico por
completo, ao abandonar simultaneamente o uso da Natureza e o uso da Sociedade. Isso,
entretanto, significava uma completa reinterpretação do experimento que tínhamos
conduzido, à primeira vista desavisadamente, ao tentar explicar sociologicamente a
produção da ciência.
Os destroços afortunados da sociologia da ciência
O campo da ciência é freqüentemente apresentado como a extensão da mesma sociologia
normal do social, em direção a um novo objeto: atividades científicas. Essa era a opinião
quase unânime - incluindo a dos nossos colegas com os quais, anos atrás, iniciamos
nossas investigações e os quais são chamados 'sociólogos do conhecimento científico' ou,
mais vagamente, 'estudiosos de ciência e tecnologia'.
A TAR não é o ramo da ciência social que foi bem sucedido em estender seus métodos à
atividade científica, e daí para o resto da sociedade, mas o ramo (ou talvez o galhinho)
formado por aqueles que foram profundamente abalados ao tentarem fornecer uma
explicação social dos fator duros da ciência. Concluímos que, no todo e em seus detalhes,
a teoria social fracassou sobre a ciência tão radicalmente que é seguro postular que teria
fracassado em qualquer outro lugar também. Se a sociologia afirma ser alguma espécie de
ciência - e realmente afirmamos isso - tem de vir a se confrontar com tal obstáculo sem se
retrair.
Devo explicar porque tivemos de abandonar as posições de nossos amigos: quatro
conclusões foram delineadas a partir do desenvolvimento da sociologia da ciência - a
quinta posição supostamente conclui que a ciência é uma 'ficção social como todas as
outras ficções sociais'.
A primeira posição: os estudos da ciência fracassaram completamente porque nenhuma
explicação social da ciência objetiva pode ser oferecida. Tentar explicar a ciência
sociologicamente é uma contradição uma vez que, por definição, o científico é somente
aquilo que escapou das fronteiras restritas da sociedade. Tal é a reação majoritária de
filósofos, epistemólogos e, bastante estranhamente, da maioria dos cientistas sociais:
pode existir uma sociologia dos aspectos superficiais da ciência - mas não dos aspectos
cognitivos, objetivos, atemporais dos resultados inquestionáveis da ciência.
A segunda: para que seja respeitada e bem sucedida, a sociologia deve se prender apenas
a esses pontos considerados superficiais pela posição anterior.
A terceira: sociólogos da posição anterior são tímidos demais. Eles nunca foram capazes
de oferecer uma razão pelo qual a ciência em si não possa ser cientificamente estudada.
Para os estudiosos em SCC e mais genericamente em ECT, os aspectos cognitivos e
técnicos da ciência, como um todo, são minuciosamente estudáveis, mas as ferramentas
usuais do campo de estudo seriam adequadas o bastante.
Do mesmo experimento delineamos uma quarta conclusão completamente diferente:
a) uma sociologia minuciosa da ciência é perfeitamente possível;
b) tal sociologia não pode estar limitada ao contexto superficial e social da ciência;
c) a prática científica é rígida demais para ser quebrada pela teoria social usual, e uma
nova tem de ser desenvolvida.
É necessário transformar o fracasso em fornecer uma explicação social convincente dos
rígidos fatos da ciência, em uma prova. Não é que a sociologia da ciência esteja fadada ao
fracasso, mas, ao invés disso, que a teoria social tem de ser refeita. Posso afirmar que ao
usar esse fracaso como trampolim, um novo caminho se abre para a teoria social: o social
nunca explicou qualquer coisa; ao contrário, o social é que tem de ser explicado. O
fracasso de uma explicação social da ciência tornou-se a grande chance para a teoria
social.
Se nossa decisão de traçar essas conclusões a partir desse experimento não pode ser posta
em prova, não obstante está longe de ser frívola. Foi a primeira vez em que cientistas
sociais estiveram realmente estudando um nível acima.
Objetividade, Eficácia e Rentabilidade - as três dádivas do Modernismo - foram
simplesmente aceitas sem questionamento. Os cientistas sociais caíram no perigoso
hábito de estudar apenas aquelas atividades que diferiam daquelas posições usuais.
Assim, nenhum teste real sequer foi proposto para verificar se uma explicação social de
qualquer coisa realmente se sustentava ou não, uma vez que a racionalidade em si nunca
foi questionada. O sociólogos sempre estudaram níveis abaixo, uma vez que o poder da
ciência permanecia ao seu lado e não era ele próprio questionado. As rodas dos
explicadores sempre foram forjadas em aço masi sólido que aquelas dos explicados. Não
surpreende que elas facilmente trituravam as provas e distorciam os dados sem esforço.
Então quem testaria a eficácia da explicação social? Certamente não os sociólogos
críticos, especialmente porque suas 'explicações' sempre se baseavam em relações com as
quais eles não davam muita importância. Seu ácido também não teve dificuldade em
dissolver questões as quais os cientistas sociais, em seu impulso quase profético pela
emancipação, tentaram ajudar as pessoas a se livrar! Que evento podia acordá-los de seu
sono dogmático?
A ciência representava um desafio completamente diferente e essa foi exatamente a razão
pela qual a confrontamos primeiro. Não apenas os cientistas sociais se preocupavam de
todo coração com a ciência, mas também ela era seu único tesouro que restou após o
cruel desencantamento do modernismo. Pela primeira vez, os cientistas sociais tinham de
estudar algo que era mais elevado, mais rígido e mais forte que eles. Pela primeira vez, os
explicados resistiram e trituraram os dentes das engrenagens dos explicadores.
Por fim, era o momento de realizar nas ciências sociais o experimento que nunca havia
sido realizado antes: que prova temos de que uma explicação social se mantém quando
estudamos um nível acima? Após dois séculos de explicação fácil do comportamento e
crenças, e de fornecer explicações que nunca puderam ser comparadas uma a uma com
aquilo que era explicado, estávamos prestes a finalmente ver se o social podia explicar
algo mais, ou não. Demorou bastante até que o local de trabalho do sociólogo pudesse
realizar um experimento arriscado o bastante, que tivesse uma mínima chance de
fracassar! E, dessa vez, ele explodiu. A explicação social desapareceu em pleno ar.
Naturalmente, muitos ramos da ciência social fizeram o mesmo esforço; é realmente
injusto dizer que esses corpos de trabalho se arriscaram a permanecer periféricos,
marginais e exóticos, enquanto fossem contrastados com a objetividade científica, a qual
se supunha escapar de tal espécie de tratamento? O serviço proporcionado foi o de
remover o padrão que os tornava, por comparação, marginais ou simplesmente 'especiais'.
Após os estudos da ciência, qualquer ciência social pode estudar o nível acima.
Nenhuma explicação social é necessária
Estudar o nível acima não significa estar submetido à agenda daqueles que estudamos. Se
eles não aprenderam nada com seus encontros conosco, isso é muito ruim para eles, e não
há muito que possamos fazer. Mas mesmo se eles traçaram a conclusão errada, seu furor
em afirmar que os sociólogos estavam tão claramente fracassando em tentar explicar seu
trabalho foi, para mim, um sinal crucial. Mostrava que sempre que uma explicação social
era fornecida, havia algo muito esquisito ocorrendo. Em algum momento a necessária
busca pela causalidade se tornara um empreendimento completamente diferente,
perigosamente próximo à prestidigitação.
Isso ocorre quando uma expressão complexa, única, específica, variada, múltipla e
original é substituída por um termo simples, banal, homogêneo, genérico, sob o pretexto
de que este termo pode explicar aquela expressão. Enquanto outras ciências permanecem
adicionando causas ao fenômeno, a sociologia deve ser a única na qual as 'causas' se
arriscam a ter o estranho efeito de fazer com que o fenômeno que elas deveriam explicar
desapareça de vez.
Os cientistas nos fizeram perceber que não havia a menor chance de que a espécie de
forças sociais que usamos como uma causa possa ter fatos objetivos como seus efeitos.
Não apenas porque faltamos com o respeito a eles, mas poruqe não podíamos detectar
nenhuma continuidade entre as causalidades que estávamos colocando e os objetos aos
quais elas eram agregadas. Graças à reação instintiva dos cientistas, nós demoramos a
perceber - embora o desejássemos - que essa ardilosa substituição devia estar ocorrendo
despercebida em todas as outras sub-áreas das ciências sociais também. O conjunto da
teoria social é que vinha sempre fornecendo objetos mais duros que as forças sociais
utilizadas para explicá-los. A legislação dos cientistas sociais parecia trabalhar
suavemente e para a satisfação de todos, ainda celebrando um novo sucesso para seu
'método científico'.
A TAR não admite que apenas a ciência e a tecnologia requeiram uma estratégia especial.
Uma vez que explicações sociais fracassaram em relação à ciência tão impiedosamente,
deve ter fracassado em todo lugar, com a ciência sendo especial apenas no sentido de que
seus praticantes não permitiram que os sociólogos passassem sobre seu território e
destruíssem seus objetos sem expressar seu dissabor de modo alto e claro. Os cientistas
não oferecem um caso especial de resistência: esse foi o caso em todo lugar, fosse nas
ciências sociais ou naturais. Nosso trabalho como cientistas sociais é gerar fatos duros
recalcitrantes, e opositores apaixonados que resistem às explicações sociais.
Efetivamente, os sociólogos sempre estudaram o nível acima. Isso poderia conduzir a
uma ciência do social, após tantas tentativas? O que está claro neste ponto é que a
ciência, como uma atividade, é parte do problema assim como é parte da solução, e que
nenhuma ciência social é possível nesse momento sem uma sociologia da ciência
fortemente determinada em seu âmago a remover a serpente da explicação social.
A descoberta de que 'dar uma explicação' não deve ser confundido com 'substituir um
fenômeno por um ente social' tem de ser plenamente absorvida se desejarmos continuar
nossas viagens.
A dificuldade reside na palavra 'substituição'. Mesmo os mais positivistas dos sociólogos
do social naturalmente oporão que o que eles 'realmente queriam dizer' é que deve existir
'por trás' das variedades de experiências religiosas uma força mais profunda e mais forte
que é 'atribuída à sociedade'.
Então, os sociólogos não 'querem realmente dizer' que uma força social pode ser tornada
visível, apenas que essa força é o que permite uma existência durável na ausência daquilo
que os atores dizem que deve ser a matéria sólida e substancial. Deve entretanto ser
notado que a tarefa de explicação se inicia apenas após uma profunda suspeita ter sido
introduzida sobre a própria existência dos objetos a serem explicados. Os te´roicos
críticos somariam a isso que tal revelação da entidade social na verdade destruiria a
ilusão necessária que faz a sociedade manter seu 'véu de falsa consciência'. Portanto, em
sua explicação, as forças sociais cumprem o complicado papel de ser, simultaneamente,
aquilo que tem de ser postulado a fim de explicar tudo, e aquilo que, por várias razões,
tem de permanecer invisível.
Quando começo a fazer perguntas ingênuas sobre o que realmente se quer dizer com um
explicação social, não há sociólogos razoáveis que afirmem que eles poderiam realmente
substituir pela sociedade os objetos que ela explica. Mas a dificuldade vem do duplo
significado do social que havíamos detectado: por trás da inócua afirmação
epistemológica de que explicações sociais têm de ser cuidadosamente buscadas, reside a
afirmação ontológica de que aquelas causas têm de mobilizar forças feitas de material
social. A TAR não compartilha da filosofia da causalidade utilizada nas ciências sociais.
Sempre que se diz que algum A está relacionado a algum B, é o próprio social que está
sendo gerado. Não quero confundir a agregação do coletivo com a mera revisão das
entidades previamente reunidas, ou com um conjunto de ligações sociais homogêneas. É
portanto essencial detectar logo que possível qualquer truque de mágica nas maneiras em
que o coletivo está sendo composto.
Se eles não substituem literalmente algum fenômeno por alguma força social, o que os
explicadores sociais querem dizer quando falam que há alguma força, 'por trás das
aparências ilusórias', que constitui a 'matéria real'? O que é uma entidade que cumpre a
parte principal, sem fazer qualquer coisa? Não acho justo neste momento impor limites,
afirmando que sociologia não é de forma alguma filosofia. Se a sociologia cai de volta
em uma instância anti-intelectualista sempre que as coisas ficam delicadas, porque
deveria chamar a si mesmo de ciência?
Temos de escolher ser literais, ingênuos, e míopes. Recusar-se, apenas pela metade, a
compreender é por vezes uma virtude.
Com minha mente voluntariamente estreitada eu diria que se é dito que o elemento social
A 'causa' a existência de B, C e D, então não apenas deve ser capaz de gerar novamente
B, C e D, mas também deve explicar as diferenças entre B, C e D. Se percorrermos a
literatura da história social e atentarmos aos número de coisas que se supõe terem sido
causadas pela 'força da sociedade', então a relação só pode ser uma onde uma única causa
produz milhões de efeitos. O elemento causador é capaz de explicar as diferenças entre
milhões de efeitos? Ou essas diferenças entre milhões de efeitos são na verdade
imateriais? Em ambos os casos, a causa A é portanto, para todos os fins práticos,
substituto para os milhões de B, C, Ds, etc. 'Claro que não', responderia o coro unânime
dos teóricos sociais.
Forçados a recuar, imagino que eles diriam que tentaram imaginar um tipo de casualidade
mais modesto, vago e incerto: 'algumas relações' e 'correlações' entre diferentes 'fatores'.
mas é esse justamente o local onde não se pode ser vago: temos de usar novamente a
distinção crucial entre intermediário e mediador. O elemento B, cuja emergência é
disparada por um fator, é tratado como um mediador, ou é construído como um
intermediário, para alguma força simplesmente transportada intacta, por meio da agência
do 'fator'? Temos de ser muito práticos novamente, e tão míopes quanto possível: se
algum 'fator social' é transportado pro meio de intermediários, então tudo que é
importante está no fator, não nos intermediários. Para todos os efeitos práticos, ele pode
substituir a eles, sem qualquer perda de nuances.
Nesse caso, e apenas nesse caso, desde o início fica óbvio tanto aos investigadores quanto
aos informantes que 'fatores' são incapazes de transportar qualquer ação por meio de
qualquer evento reduzido ao status de intermediário. Quando têm de transportar
explicações sociais para o santuário da ciência, os fatores têm uma tendência
desafortunada de ficar sem gasolina! Naturalmente, isso sempre foi verdade para o
transporte de todas as outras entidades. Mas antes dos estudos da ciência, nunca se
percebeu como rapidamente eles conduziam a uma parada completa. Graças às tentativas
de explicar socialmente os duros fatos científicos, estamos prestes a saber o que todos
eles queriam dizer antes por 'social'.
Tradução/translação vs. transporte
Alcançamos agora o próprio local de nascimento daquilo que foi chamado 'teoria atorrede' ou, mais acuradamente, 'sociologia da tradução'.
Quando sucessivas conexões foram estabelecidas com três objetos anteriormente nãosociais (micróbios, vieiras e recifes) que insistiam em ocupar a estranha posição de serem
associados com as entidades anteriormente sociais que estávamos tentando descrever, foi
o momento definitivo do que seria mais tarde chamado de TAR.
Por exemplo, pescadores, oceanógrafos, satélites e vieiras podem ter algumas relações
que fazem com que os outros realizem coisas inesperadas - essa é a definição de um
mediador. Há algum elemento nessa concatenação que possa ser designado como social?
Não. Nem o funcionamento dos satélites nem os hábitos de vida das vieiras seriam
clarificados de alguma maneira ao se adicionar algo social à explicação. Estágio um: o
social desapareceu.
Por outro lado, há algo na cadeia apresentada que se possa dizer que seja não social? Não.
Da três primeiras incertezas, aprendemos que estudar suas relações pode ser
empiricamente difícil, mas não é mais a priori proibido pelas 'objeções óbvias' de que
'coisas não falam'. O social não está em nenhum lugar em particular, mas pode circular
por todo lugar como um movimento conectando coisas não-sociais. Estágio dois: o social
está de volta, como associação.
Podemos agora estabelecer como a nova posição padrão, que todos os atores que vamos
apresentar podem estar associados de forma tal que façam outros realizar coisas. Isso é
feito ao gerar transformações manifestadas pelos muitos eventos inesperados disparados
nos outros mediadores que os acompanham pelo trajeto. Uma concatenação de
mediadores não traça as mesmas conexões e não requer o mesmo tipo de explicações.
Escritores dos estudos da ciência têm de delinear conexões entre entidades que são
completamente diferentes daquilo que antes era considerado como sendo uma cadeia de
explicações sociais. Um fator é um ator em uma concatenação de atores, ao invés de uma
causa seguida por uma cadeia de intermediários. Grande surpresa: os detalhes práticos do
caso à mão parecem fornecer alguma explicação do contexto que se supunha capaz de
explicá-lo. A direção da causalidade entre aquilo que deve ser explicado e aquilo que
fornece uma explicação não é simplesmente invertida, mas completamente subvertida. É
essa reversão na causalidade que a TAR tentou registrar em primeiro lugar, primeiro para
a ciência e tecnologia, e então para todos os outros tópicos. É daí que surge a estranha
idéia de que o social tem de ser explicado, ao invés de fornecer a explicação. Se formos
bons o suficiente em descrever tantos mediadores, perceberíamos que não há mais
nenhuma necessidade de uma sociedade que existe 'por trás'.
Usar a palavra social em tal processo é legitimado pela antiga etimologia da palavra
socius. Designar essa coisa que não é nem um ator entre muitos nem uma força por trás
de todos os atores, mas uma conexão que transporta, por assim dizer, transformações,
utilizamos a palavra tradução/translação. Portanto, a palavra 'tradução/translação' agora
representa uma relação que não transporta causalidade, mas induz dois mediadores a
coexistir. Posso agora estabelecer o objetivo dessa sociologia das associações mais
precisamente: não existe nenhuma sociedade, nenhum reino social, e nenhum laço social,
mas existem traduções/translações entre mediadores que podem produzir associações
delineáveis. Aprenderemos a alargar o vão entre uma explicação que faz uso do social
como tradicionalmente construído, e essa outra que propõe apresentar cadeias de
mediadores.
Há mais a experimentar do que o olhar alcança
O que pode aprecer realmente chocante é não apenas o estranho novo significado que dá
ao 'social', mas também o lugar não usual oferecido aos chamados objetos 'naturais'. O
social e o natural devem ser dissolvidos simultaneamente. Se ambos não forem colocados
de lado ao mesmo tempo, é em vão que faremos nosso trabalho de campo: alguns
agenciamentos ganharão o rótulo 'social' e outros o rótulo 'natural', e a
incomensurabilidade entre os dois tornará invisível o delineamento daquilo que queremos
dizer como conexões sociais. O modo como eles são associados será perdido de vez. Ao
mesmo tempo, os sociólogos voltarão do campo de mãos vazias, todos seus dados
subtraídos por uma divisão que contradiz a própria prática que eles tentaram explicar.
Temos de libertar os 'entes de fato' ('matters of fact') de sua redução a 'Natureza',
exatamente no mesmo grau em que devemos liberar objetos e coisas de sua 'explicação'
pela sociedade. O problema é que se já é difícil mostrar que o social é um artefato
produzidopela aplicação de uma noção mal-adaptada da causalidade, é mais complicado
ainda mostar que a 'Natureza', concebida como a reunião de todos os 'entes de fato' nãosociais, deve ser dispensada também. As reações absolutamente intrincadas à TAR por
vários anos é prova suficiente de que é bastante complicado.
A quarta fonte de incerteza pode nos ajudar. Perceberemos em breve que entes de fato
não descrevem que espécies de agenciamentos estão povoando o mundo de algum modo
mais vantajoso do que as palavras 'social', 'simbólico', e 'discursivo' descrevem sobre o
que é um ator humano e os estranhos que o ultrapassam. 'Sociedade' e 'Natureza' não
descrevem domínios da realidade, mas são dois compartimentos que foram inventados
juntos.
Não precisamos nos atracar com essas difíceis questões filosóficas. Precisamos apenas
ser abertos sobre o formato no qual os antigos objetos da natureza podem se apresentar
nas novas associações que estamos seguindo. Em todo lugar, a multiplicidade empírica de
agenciamentos anteriormente 'naturais' transborda a fronteira restrita dos entes de fato.
Não existe relação direta entre ser real e ser inquestionável.
O empirismo não mais surge como o alicerce sólido sobre o qual se constrói tudo, mas
uma apresentação muito pobre da experiência. Não é verdade que deve-se combater o
reducionismo adicionando algum 'aspecto' humano, simbólico, subjetivo, ou social à
descrição. O primeiro empirismo conseguiu, por razões políticas, obscurecer os muitos
caminhos e desvios da objetividade, e reduzir os não-humanos a sombras.
A grande chance da TAR é que as muitas dobras da objetividade se tornam visíveis logo
que se move um pouco mais para perto de onde os agenciamentos são levados a se
expressar. Positivistas não foram muito inspirados, quando escolheram os 'fatos' como
seus blocos construtores elementares, como se fosse o material mais primitivo, sólido,
não controverso, inquestionável, e como se todo o resto pudesse ser reduzido a isso. A
própria etimologia deve tê-los feito estremecer: Como um fato pode ser tão sólido se é
também fabricado? Fatos são possivelmente a construção menos primitiva, a mais
complexa, a mais elaborada, e a mais coletiva que há!
A TAR não está interessada apenas em libertar atores humanos da prisão do social, mas
em oferecer aos objetos naturais uma ocasião para escapar da cela estreita atribuída aos
entes de fato pelo primeiro empirismo. Até seu desenvolvimento, a divisão justa entre
'Natureza' e 'Sociedade' tem sido sempre ilustrada por velhos entes de fato
desinteressantes, rotineiros, e milenares. Como vimos no capítulo anterior, eles não mais
deixam vestígio, e portanto não há como apareçam novamente como mediadores.
A discussão começa a mudar de vez quando se introduz não os entes de fato, mas o que
chamo agora de 'entes de e
Reassembling the Social", Bruno Latour: Quinta fonte de
incerteza
Tendo alcançado este ponto, a tentação é grande em cair em desespero e voltar atrás,
ignorando a maioria das fontes de incerteza que revisei. Infelizmente, este tipo de ciência,
para este tipo de social, deve ser tão lenta quanto a multiplicidade de objeções e objetos;
deve ser tão custosa quanto for necessário para estabelecer conexões entre os muitos
mediadores; e deve ser tão reflexiva, articulada e idiossincrática quanto os atores. As
quatro fontes de incerteza têm de ser atacadas corajosamente todas de uma vez. Se uma
faltar, todo o projeto desmorona.
Mas confesso a dificuldade: não é contraprodutivo no final das contas? O quanto ridículo
é 'seguir os atores', quando os atores a ser seguidos se espalham em todas as direções
como uma colméia de abelhas perturbada por uma criança levada? E se cada ator é
composto de uma outra colméia, quando é que isso vai acabar então? Isso não é uma
sociologia, mas uma slow-ciologia!
Nós elaboramos textos; nós não olhamos através do vidro de alguma janela
Felizmente, há uma solução: somente ao nos prendermos obstinadamente a nossa decisão
de se alimentar de incertezas, podemos em algum momento pôr de volta os pés em solo
firme. Temos de adicionar uma quinta e última fonte de incerteza, aquela sobre o estudo
em si, para trazer ao primeiro plano a própria elaboração de relatos. O que é solicitado de
nós é fazer uma simples pergunta: o que estamos fazendo quando traçamos conexões
sociais? Não estamos, de fato, elaborando explicações arriscadas?
O que é uma explicação? É tipicamente um texto. Pode conter dez mil palavras, e ser lida
por muito poucas pessoas. No melhor caso, nós somamos uma explicação a todas aquelas
que são simultaneamente produzidas no domínio que estávamos estudando. Começamos
já no meio das coisas, in medias res; a maior parte das coisas que estudamos, acabamos
por ignorar, ou compreender pouco. O que fazemos em campo - conduzir entrevistas,
distribuir questionários, registrar anotações e imagens, gravar filmes, folhear a
documentação, vagar desgovernadamente - não fica claro para as pessoas. Mesmo
quando estamos no meio das coisas, com nossos olhos e ouvidos atentos, perdemos a
maior parte do que aconteceu. Mesmo que trabalhemos esforçadamente, as coisas não
melhoram porque, após alguns meses, estamos atolados em uma inundação de dados. E
quando você começa a escrever a sério, precisa sacrificar vastas quantidades de dados
que não cabem no pequeno número de páginas alocadas a você.
O resultado da investigação - em 99% dos casos - será um relato preparado sob imensa
coação, em um tópico requisitado por alguns colegas por razões que permanecerão
inexplicadas em sua maior parte. Tratados metodológicos podem sonhar com um outro
mundo: um livro na TAR, escrito por formigas para outras formigas, não tem outro
objetivo senão o de auxiliar a cavar minúsculas galerias neste mundo empoeirado e
terreno.
Trazer a elaboração de relatos para o primeiro plano pode irritar aqueles que preferem
agir como cientistas 'duros' e tentar compreender a existência de um dado fenômeno,
recusando a considerar a explicação escrita. Mas nós, que fomos treinados nos estudos da
ciência, não precisamos ignorar o peso de qualquer texto dado. Sabemos bem que,
mesmo nas ciências 'duras', os autores tentam desgovernadamente escrever textos sobre
difíceis questões de engajamento. Uma vez que estamos todos conscientes de que
fabricação e artificialidade não são opostos a verdade e objetividade, não temos hesitação
em iluminar o próprio texto como um mediador. Mas por esta mesma razão, não temos de
abandonar a meta tradicional de alcançar a objetividade. Nossos textos, como aqueles de
nossos colegas cientistas, realizam o curso paralelo de serem artificiais e acurados: tanto
mais acurados, por conta de serem artificiais. Mas correm o risco de de serem
simplesmente artificiais, ou seja repletos de artefatos. A diferença está entre aqueles que
elaboram textos ruins e aqueles que elaboram textos bons. Colocando de maneira mais
provocativa: a boa sociologia tem de ser bem escrita; caso contrário, o social não surge
através dela.
A questão é: há textos que fingem ser objetivos porque afirmam imitar o que eles crêem
ser o segredo das ciências naturais; e há aqueles que tentam ser objetivos porque seguem
objetos aos quais é dada a chance de fazer objeções sobre o que é dito sobre eles. A TAR
afirma que isso há de renovar o senso do que é uma explicação objetiva. A palavra não se
refere ao senso tradicional de questões de fato, mas aos canteiros de obra quentes,
interessantes e controversos das questões de engajamento, pela presença de muitos
objetantes.
Por que a literatura da ciência social é tão mal escrita? Primeiro, estudiosos se restringem
a imitar os escritos desleixados dos cientistas duros; segundo porque, ao contrário da
anterior, eles não convocam em seus relatos atores recalcitrantes o suficiente para
interferir em sua escrita ruim.
Cientistas naturais serão forçados a levar em consideração pelo menos algumas das
muitas idiossincrasias de seus objetos recalcitrantes. Parece que apenas os sociólogos do
social - especialmente os sociólogos críticos - podem acabar por encobrir eficientemente
o vocabulário preciso de seus informantes para dentro de sua meta-linguagem de
aplicação geral. Embora os cientistas naturais sofram grandemente para ser tão chatos
quanto possível, questões de engajamento inundam os escritos científicos. Mas os
cientistas sociais também conseguem freqüentemente, com grande custo, ser chatos de
verdade! Não se pode sufocar a voz dos não-humanos, mas se pode fazer isso com os
humanos. As pessoas têm de ser tratadas muito mais delicadamente que os objetos, já que
suas muitas objeções são mais difíceis de registrar; é muito mais crucial para as ciências
sociais que para as naturais. Introduzir as palavras 'explicação textual' em um discurso
sobre método destrói a eterna reivindicação dos sociólogos de escrever desleixadamente
sob o pretexto de que têm de escrever 'como' cientistas. Por conta de os estudiosos da
ciência terem tido muitas ocasiões para comprovar a lenta emergência da objetividade em
textos científicos, eles foram aliviados do fardo de tentar vestir as falsas roupagens da
prosa objetivista. Por conta de não viverem sob a sombra de uma objetividade
emprestada, eles podiam explorar outras formas de fazer o objeto resistir em suas
explicações textuais.
Antecipar a palavra 'textual' em explicações textuais permanece perigoso: para as
pessoas, os textos são freqüentemente construídos como 'histórias' ou, ainda pior, como
'simples histórias'. Estarei utilizando a expressão 'explicação textual' para se referir a um
texto para o qual o questionamento sobre sua acurácia e veracidade não foi posto de lado.
Se uma coisa é dizer que ciências sociais produzem explicações escritas, outra
completamente diferente é concluir a partir desse lugar-comum que escrevemos apenas
histórias de ficção.
Primeiro, tal entendimento revela uma ignorância considerável sobre o trabalho duro dos
escritores de ficção.
Mas, mais importante, uma explicação que aceita ser 'apenas uma história' é uma
explicação que perdeu sua principal fonte de incerteza:não se preocupa mais em ser
acurada, fiel, interessante ou objetiva. Nenhum cientista social pode chamar a si próprio
de cientista e abandonar o risco de escrever um relato verdadeiro e completo sobre o
tópico em mãos. Não é porque você se torna atento à escrita que tem de abandonar a luta
pela verdade. Em contrapartida, não é porque um texto seja brando e chato, que seja
também acurado.
Explicações textuais são o laboratório do cientista social. Assim, tratar um relato de
ciência social como uma explicação textual não é um enfraquecimento de seus apelos à
realidade, mas uma extensão do número de precauções que têm de ser incluídas e do
número de habilidades exigidas dos investigadores. Tornar a produção da objetividade
mais difícil é o nome do jogo. Se o social é algo que circula de certa forma, então pode
ser passado através de muitos dispositivos adaptados à tarefa - incluindo textos, relatos,
explicações e vestígios. Pode, ou não; explicações textuais podem fracassar da mesma
forma que experimentos freqüentemente fracassam.
Muito freqüentemente, sociólogos do social tentam simplesmente 'fixar um mundo no
papel', como se essa atividade nunca estivesse sob risco de fracassar. Sociólogos das
associações tentam uma experiência completamente diferente: pode a materialidade de
um relato em papel, uma história, ou mesmo uma ficção, estender a exploração das
conexões sociais um pouco mais além?
Definindo por fim o que uma rede é
Mas o que é um bom texto? Não estamos preocupados aqui com bom estilo. Eu definiria
uma boa explicação como aquela que traça uma rede.
Eu me refiro com esta palavra a uma cadeia de ações onde cada participante é tratado
como um mediador pleno. Portanto, por meio de muitas invenções textuais, o social pode
de tornar novamente uma entidade circulante que não mais é composta da agregação
viciada daquilo que se considerava antes como sendo parte da sociedade. Um texto, em
nossa definição de ciência social, é portanto um teste sobre quantos atores que o escritor é
capaz de tratar como mediadores, e sobre o quanto ele é capaz de apreender do social.
Portanto, a rede é nada mais que um indicador da qualidade de um texto sobre os tópicos
em mãos. Ela qualifica sua objetividade, ou seja, a habilidade de cada ator em fazer
outros atores realizarem coisas inesperadas. Um bom texto elicita redes de atores quando
permite que o escritor trace um conjunto de relações definidas pelas tantas
traduções/translações.
Então, como podemos definir em contrapartida uma explicação textual ruim? Em um
texto ruim apenas um punhado de atores serão designados como as causas de todos os
outros, os quais não têm nenhuma outra função. Lembre-se de que se um ator não faz
diferença, não é um ator. Há apenas clichês repetidos daquilo que já foi agregado em
conjunto como sendo o passado social. Simplesmente transporta causalidades por meio
de meros intermediários.
É aqui onde o contraste literário entre a TAR e a sociologia do social - e mais ainda com
a sociologia crítica - é maior. Massas de agentes sociais podem ter sido invocadas no
texto, mas uma vez que o princípio de sua agregação permanece desconhecido, e o custo
de sua expansão não foi assumido, é como se nada tivesse acontecido. è como se o
mundo social não fosse feito para existir. Embora a definição comum do social parece
estar por toda parte na visão geral, nossa definição do que é o social fracassa em surgir.
Em contrapartida, quando nossa definição do social é traçada novamente, a definição
comum do social tem de desaparecer em primeiro lugar. É difícil enxergar um contraste
mais extremo: ou é uma sociedade ou uma rede.
Rede é um conceito, não uma coisa surgida. É uma ferramenta para auxiliar a descrever
alguma coisa, não o que está sendo descrito. Uma rede não é o que está representado no
texto, mas o que apronta o texto para apreender o surgimento dos atores como
mediadores. A conseqüência é que se pode prover uma explicação ator-rede para tópicos
que não têm de nenhuma maneira o formato de uma rede - uma sinfonia, uma peça de
legislação, uma pedra vinda da lua, uma gravura.
Mas não seria algo calculado manter a delicada palavra rede? Essa tem significados
demais! A confusão toma lugar porque alguns dos objetos iniciais descritos pela TAR
eram redes no sentido técnico. Rede era uma novidade, que poderia auxiliar na elicitação
de um contraste com 'sociedade', 'instituição', 'cultura', 'campos', etc., os quais eram
freqüentemente concebidos como superfícies, torrentes de transferências causais, e reais
questões de fato. Mas hoje, redes se tornaram a regra, e superficies são a exceção.
Qualquer que seja a palavra, precisamos de algo para designar fluxos de
traduções/translações. Não existe nenhuma boa palavra, apenas o uso apropriado; além
disso, a metáfora material original ainda mantém as três importantes características:



uma conexão ponto-a-ponto está sendo estabelecida, a qual é fisicamente
acompanhável e portanto pode ser registrada empiricamente;
tal conexão torna vazia a maior parte do que não está conectado;
essa conexão não é realizada gratuitamente, exige esforço.
Para fazê-la servir a nossos propósitos, temos de adicionar uma quarta característica que,
concordo, despedaça a metáfora original de certa forma: uma rede não é feita de
amarrados de náilon, palavras ou qualquer substância durável, mas é o vestígio deixado
para trás por algum agente em movimento.
A precariedade da noção deriva parcialmente da disseminação de representações visuais
bastante simplistas. Esses gráficos visuais têm a desvantagem de não capturar
movimentos e de ser visualmente pobres. Ainda assim essas limitações têm sua
vantagem, uma vez que a própria pobreza da representação gráfica permite ao
investigador não confundir sua infra-linguagem com os ricos objetos que estão sendo
representados:o mapa não é o território.
Para traçar um ator-rede, o que temos de fazer é constituir os muitos vestígios deixados
pelo fluido social através do qual esses vestígios são mostrados novamente como
presentes, desde que algo aconteça nesse ator-rede; uma explicação arriscada,
significando que pode facilmente fracassar - e fracassa na maior parte da vezes - uma vez
que não pode pôr de lado nem a completa artificialidade da empreitada, nem seu apelo à
acurácia e à veracidade. Toda a questão é ver se a eventualidade do social pode ser
estendida por completo para a eventualidade da leitura por meio do texto. Esse é o preço
a pagar para que a objetividade, ou a completitude dos objetos, seja alcançada.
De volta ao básico: uma lista de cadernos
A melhor maneira de proceder é simplesmente manter registro de todos os nossos
movimentos, mesmo aqueles relativos à própria produção da explicação. A partir de
agora tudo são dados; tudo, desde a primeira ligação para um possível entrevistado, o
primeiro encontro com o orientador, as primeiras correções feitas por um cliente em uma
proposta de patrocínio, a primeira utilização de um mecanismo de busca, a primeira lista
de campos a marcar em um questionário. Pode ser útil listar os diferentes cadernos que se
deve manter.
O primeiro caderno deve ser reservado para um diário da própria investigação. Encontros,
reações de outros ao estudo, surpresas à estranheza do campo, e por diante, devem ser
documentados tão regularmente quanto possível.
Um segundo caderno deve ser mantido para coletar informações de maneira que seja
possível simultaneamente manter todos os itens em ordem cronológica e classificá-los em
categorias. O movimento através de um quadro referencial para outro é grandemente
facilitado se o conjunto de dados pode ser mantido intacto ao mesmo tempo que é
reordenado em tantos arranjos quanto for possível.
Um terceiro caderno deve estar sempre à mão para registrar dúvidas à vontade. A
adequação única que se pode conquistar ao desvendar imbróglios complexos não pode ser
obtida sem contínuos esboços e rascunhos. O que surge espontaneamente do teclado são
generalidades, clihês, definições transportáveis, explicações substituíveis, tipos ideais,
explanações poderosas, abstrações; em resumo, o tipo de coisa que muitos gêneros
sociais escrevem eles mesmos sem esforço. Para contra-atacar essa tendência, muitos
esforços têm de ser feitos para quebrar de vez a escrita automática. Idéias, parágrafos,
metáforas e trópicos podem surgir ocasionalmente durante o curso do estudo. Se eles não
são autorizados a encontrar um lugar e uma porta de saída, ou eles serão perdidos, ou,
pior ainda, comprometerão o trabalho duro da coleta de dados ao misturar a metalinguagem dos atores com a dos analistas.
Um quarto tipo de caderno deve ser cuidadosamente mantido para registrar os efeitos da
explicação sobre os atores cujo mundo foi desvendado ou unificado. É essencial verificar
como uma explicação desempenha seu papel de estabelecer o social. Não quer dizer que
aqueles que foram estudados têm o direito de censurar o que foi escrito sobre eles, nem
que o analista tem o incrível direito de ignorar o que seus 'informantes' dizem sobre as
forças invisíveis que os fazem agir. Uma vez que a relevância de uma explicação
arriscada pode surgir muito tempo depois, as dúvidas deixadas em sua emergência
também têm de ser documentadas.
Pode ser desapontador para o leitor perceber que as grandiosas questões têm de ser
enfrentadas com recursos não mais grandiosos que modestos cadernos. Mas eu avisei ao
leitor com antecedência: não há nada mais recompensador a ser obtido, e não há maneira
mais rápida. Se aquelas explicações textuais são acusadas de não ser 'científicas o
suficiente', eu retrucarei que embora podem não parecer científicas na definição clichê do
adjetivo, podem parecer científicas de acordo com a única definição que me interessa
aqui: elas tentam capturar alguns objetos recalcitrantes por meio de algum dispositivo
artificial com a mais extrema acurácia, mesmo que essa empreitada possa do mesmo
modo voltar vazia. É pura prática.
Desvendamento, não crítica
O objetivo é produzir uma ciência do social unicamente adequada à especificidade do
social, da mesma forma que outras ciêncas tiveram de inventar maneiras tortuosas e
artificiais para serem fiéis aos fenômenos específicos que eles desejam lidar. A tarefa é
desvendar atores como redes de mediações - daí o hífen na palavra composta 'ator-rede'.
Desvendamento não é o mesmo que 'mera descrição', nem o mesmo de 'desvelar', 'por
trás' das costas dos atores, as 'forças sociais em ação'.
Um bom texto nunca é um retrato não-mediado do que ele descreve. É sempre parte de
um experimento artificial para replicar e enfatizar os vestígios gerados pelas dúvidas nas
quais os atores se tornam mediadores, ou mediadores são transformados em
intermediários fiéis. Não há nada menos natural que ir a campo e permanecer como uma
mosca na parede. De-escrever, inscrever, narrar, e escrever relatos finais são tão nãonaturais, complexos, e dolorosos quanto dissecar moscas ou enviar um telescópio ao
espaço. O simples ato de registrar qualquer coisa no papel já é uma transformação
imensa, que requer tanta habilidade, bem como tanto artifício, quanto pintar uma
paisagem ou estabelecer alguma reação bioquímica elaborada. Nenhum estudioso deveria
achar humilhante a tarefa de se prender à descrição. Essa é, pelo contrário, a mais alta e
rara conquista.
Entretanto, podemos nos preocupar se ao nos prendermos à descrição fique faltando
alguma coisa, que é freqüentemente chamada de 'explanação'. E mesmo a oposição entre
descrição e explanação é outra daquelas falsas dicotomias que devem ser postas para
descansar. Se uma descrição permanece carente de uma explanação, significa que é uma
descrição ruim. hà uma exceção, entretanto, se ela se refere a um estado de coisas
legitimamente estável, onde alguns atores realmente desempenham por completo o papel
determinado. Essa nova desconfiança para uma explanação 'adicionada' a uma descrição
é realmente importante, porque é normalmente quando um 'quadro' é convocado que a
sociologia do social insinua sua redundante causa. Esse é o momento freqüentemente
escolhido pela sociologia crítica, para se apropriar das explanações sociais e substituir os
objetos a ser explicados por atores de 'forças sociais' irrelevantes, de uso geral, que são
burros demais para ser vistos ou não suportam ser revelados. Assim como o 'sexo seguro',
prender-se à descrição protege contra a transmissão das explanações.
É a tentativa de imitar uma visão falsa das ciências naturais que trava as sociais: sempre
se sente que a descrição é particular, idiossincrática, localizada demais. Se conexões são
estabelecidas entre locais, isso deve ser realizado através de mais descrições. Um bom
texto deve disparar em um bom leitor esta reação: ' Por favor, mais detalhes, eu quero
mais detalhes.'
Desvendar simplesmente significa que através do relato que conclui a investigação o
número de atores deve ser aumentado; o leque de agenciamentos fazendo os atores
agirem deve ser expandido; o número de objetos ativos em estabilizar grupos e
agenciamentos deve ser multiplicado; e as controvérsias sobre questões de ngajamento
devem ser mapeadas. Requer exatamente o mesmo tanto de invenção quanto um
experimento de laboratório para cada novo caso à mão - e o sucesso é tão raro quanto. Se
formos bem sucedidos, uma boa explicação performará o social no sentido preciso em
que alguns dos participantes na ação - por meio do agenciamento controverso do autor serão agregados de uma forma tal que eles podem ser apreendidos em conjunto.
Cientistas sociais muito freqüentemente alternam entre a soberba - cada um deles
sonhando em ser o Newton da ciência social ou o Lênin da mudança social - e o
desespero - eles desprezam a si mesmos por meramente amontoar mais relatos, histórias,
e estatísticas que ninguém lerá. Relevância, como qualquer outra coisa, é uma conquista.
Um relato é interessante ou não, dependendo da quantidade de trabalho feito para
interessar, ou seja, para colocá-lo entre outras coisas. Isso é exatamente o que as cinco
incertezas adicionadas em conjunto podem ajudar a revelar. Todas essas questões são
levantadas não apenas pelos estudiosos, mas também por aqueles que eles estudam. O
fato é que ninguém tem as respostas - é por isso que eles têm de ser coletivamente
trazidos à cena, estabilizados, e revisados. É por isso que as ciências sociais são tão
indispensáveis para a reagregação do social.
Para gerar essas respostas, todo novo artifício deve ser bem vindo, incluindo o da
modesta interpretação de um cientista social. O fracasso não é mais garantido que o
sucesso; certamente, vale a pena tentar. É precisamente porque todas as cinco fontes de
incerteza estão aninhadas umas às outras, que um relato pode oferecer uma escalação
provisória das conexões que acabou por desvendar. Ele oferece um local artificial (a
explicação textual) que pode ser capaz de solucionar, para alguma audiência específica, a
questão sobre a qual mundo comum eles pertencem. Por um lado, é apenas um texto feito
de folhas de papel. Pelo outro, é uma pequena e preciosa instituição para representar, ou
mais exatamente para re-representar - ou seja, representar novamente - o social a todos
seus participantes, para performá-lo, para lhe dar um formato.
Angustiar-se com a potencial eficácia dos textos sociológicos é exibir falta de modéstia
ou falta de ambição. Se for alguma coisa, o sucesso das ciências sociais em se disseminar
pelo mundo social é ainda mais assombroso que a expansão das ciências naturais e dos
dispositivos tecnológicos. Textos parecem caminhos modestos para se mover entre os
muitos e contraditórios quadros de referência, e mesmo assim sua eficácia não é igualada
pelas explicações sociais mais garndiosas e poderosas que são propostas para humilhálos. Nos, as pequenas formigas, não devemos dar como certo o céu ou o inferno, já que
há um monte de coisas neste mundo para mastigarmos através de nosso caminho.
Reassembling the Social", Bruno Latour: Introdução à Segunda
Parte | Como manter o social plano
Por que esses laços continuam tão esquivos? Nas páginas anteriores, uma razão foi
oferecida; o adjetivo 'social' designa dois fenômenos inteiramente diferentes: é ao mesmo
tempo uma substância, e também um movimento entre elementos não-sociais. Em ambos
os casos, o social desaparece. Não há nada mais difícil de capturar que laços sociais. Só é
traçável enquanto está sendo modificado. Fisiologistas demonstraram que para uma
percepção existir, movimentos e ajustes contínuos são necessários: sem movimento, não
há sensação. O mesmo é verdade para o 'senso do social': sem nova associação, não há
maneira de sentir a captura.
Para renovar o sentimento pelas conexões sociais tenho de opor dois diferentes tipos de
métodos. Aquele que chamo de 'sociologia do social' tenta manter unidos elementos dos
quais afirma serem feitos de algum material homogêneo; o outro - ao qual me refiro
como 'sociologia das associações' - tenta aprofundar as controvérsias. Em um caso,
sabemos aproximadamente do que o mundo social é feito - é feito 'do' ou 'no' social; no
outro, devemos sempre começar por não saber do que é feito. A busca pelo social, recémfirmado por doses minúsculas e oportunas, permite ao observador detectar novas
associações. Mas se você permite que os elementos que foram reunidos passem de sua
'data de validade', eles começam a apodrecer.
Como é possível ter dois significados completamente opostos para o mesmo adjetivo? As
ciências sociais têm perseguido simultaneamente três tarefas: documentar as várias
maneiras nas quais o social é construído pela engenhosidade de seus membros; estabilizar
as controvérsias sobre o social ao limitar o arco de entidades em ação no mundo; e tentar
solucionar a 'questão social' ao oferecer algum tipo de prótese para a ação política. Não
há nada errado com essas metas uma vez que a sociologia precisa ser capaz de atender
aos três seguintes encargos: deve ser capaz de apresentar o aro completo de controvérsias
sobre as quais as associações se tornam possíveis; deve ser capaz de mostrar através de
quais meios aquelas controvérsias são estabilizadas e como tais estabilizações são
mantidas; e pode auxiliar a definir os procedimentos adequados para a composição do
coletivo. O que é impossível é tentar atender a esses encargos simultaneamente sem dar
atenção a sua sequência.
Se você confunde o segundo com o primeiro, por exemplo, você começa a pensar que sua
principal tarefa é restringir - antecipadamente e no lugar dos atores - a gama de incertezas
nas quais você teme que os atores ficarão perdidos. As coisas pioram ainda mais quando
se confunde o terceiro encargo - aquele de relevância política - com os outros dois. Você
começa a substituir a composição do ator para o coletivo com a sua própria definição
para aquilo que os mantém reunidos.
Temos de superar a mistura, sem abandonar qualquer dos três encargos originais. Sim, as
controvérsias são encerradas e as incertezas são estabilizadas, mas esse é também o
trabalho dos próprios atores, de forma que isso também produz traços empíricos e de
modo que isso pode ser minuciosamente documentado. Alguma ordem pode ser
recuperada, a qual é bem diferente das tentativas dos próprios investigadores em limitar
as controvérsias antecipadamente.
Argumentarei que aquilo que tem apresentado o social como não-traçável é a própria
existência da sociedade ou, mais genericamente, de um reino social. Dessa vez o
problema não vem da ambigüidade da palavra social, mas de uma confusão entre agrupar
o corpo político e agrupar o coletivo.
Para colocar de maneira ampla, a sociedade, essa invenção do século XIX, é uma
estranha figura transicional que mistura o 'Leviathan' do século XVIII e o coletivo do
século XXI. Ao exigir da sociedade que cumpra dois trabalhos ao mesmo tempo, ou seja,
tornar o coletivo traçável e desempenhar o papel de um substituto para a política, ela
nunca foi capaz de cumprir qualquer dos dois apropriadamente.
A razão para essa dupla amarração pode ser definida de modo simples: supunha-se do
corpo político, por construção, ser virtual, total, e presente desde sempre, para solucionar
o problema impossível da representação política, fundindo os muitos em um e tornando o
um obedecido pelos muitos, e para traçar, por um movimento circular contínuo, essa
reunião virtual e total que está sempre sob risco de desaparecer por completo.
Mas logo que você desloca o modo de existência do 'público' para dentro aquele de uma
sociedade, para com isso lhe poupar da imensa, contraditória e árdua tarefa de compô-lo
através de meios políticos, sua fragilidade problemática desaparece. Todas as
dificuldades de abraçar o social começam de um tal esforço impossível de ficção
metalúrgica: o formato movediço do 'Fantasma Público' agora aprisionado em bronze.
Enquanto que o corpo político era incessantemente traçado pela política, a sociedade
estava lá, gostássemos ou não. Cientistas sociais tomarão essa presença fantasmagórica
como a melhor prova de sua misteriosa existência. Exatamente o oposto do que é
necessário para o coletivo ser reunido: se já está lá, os meios práticos para compô-lo não
são mais traçáveis; se é total, os meios práticos para totalizá-lo não são mais visíveis; se é
virtual, os meios práticos para percebê-lo, visualizá-lo e coletá-lo desapareceram de vista.
Para colocar ainda mais grosseiramente: ou existe sociedade, ou existe sociologia.
Naturalmente, todos os teóricos sociais sabem disso perfeitamente bem e é por isso que
cada um, de sua própria maneira, tem feito esforços para extirpar suas investigações das
sombras da sociedade. Assim, por meio de um estranha reviravolta dos fatos, a sociedade
se tornou ao mesmo tempo aquilo que foi sempre criticado como sendo uma ficção e
aquilo que sempre esteve presente todavia como o horizonte intransponível de todas as
discussões a respeito do mundo social. Ela permaneceu encalhada como uma baleia,
espraiada na costa. Não há meio de prosseguir na renovação da teoria social enquanto a
praia não for limpa e a moribunda noção de sociedade inteiramente dissolvida. Para fazer
isso temos de extrair dela tanto o corpo político que ela usurpou quanto o coletivo que ela
mantém escondido.
Não é tão surpreendente para aqueles de nós que viram anteriormente como a natureza,
também, bloqueava o caminho. Mas se é relativamente fácil mostrar a composição
política da natureza, o abismo entre o social como associação e o social como substância
parece mais difícil de reconhecer. O último parece ser capaz de reinar onde o primeiro foi
forçado a abrir mão de parte de sua soberania. Não há escapatória. Após a natureza, é a
sociedade que tem de sumir. Se não, nunca seremos capazes de coletar o coletivo.
A mesma estratégia da Parte I: Devemos apresentar o arco completo de controvérsias ao
invés de tentar decidir por nós mesmos qual é o melhor ponto de partida a seguir. Desta
vez tomarei como nosso ponto de partida a própria dificuldade que os cientistas sociais
parecem ter tido em apontar suas investigações ao local adequado. Os dois coletores que
eles escolheram simplesmente não estão lá, porque um problema específico - como
solucionar as relações políticas dos Muitos e do Um - foi confundido com um outro:
como compor o coletivo.
Como manter o social plano
Usuários da ciência social parecem considerar que é bastante razoável reunir, invocar,
convocar, mobilizar e explicar o social. Praticantes da ciência social sabem o quanto é
doloroso, custoso, árduo e imensamente intrincado. Dependendo de qual investigador
decidimos seguir, embarcaremos em tipos muito diferentes de viagens. Sociólogos do
social traçaram, com sua definição de social, um vasto domínio que não guarda nenhuma
relação, qualquer que seja, com os mapas que vamos precisar para nossa definição de
social. O trabalho agora ante nós não é mais ir a diferentes lugares no mesmo país - mas
produzir uma paisagem completamente diferente para que possamos viajar através dela.
Não há maneira de decidir como delinear nossos itinerários sem compreender o princípio
da projeção que sociólogos do social têm usado para os deles. Eles têm sido forçados a
constantemente migrar entre duas espécies de locais - a interação local e o contexto
global - cada qual tão desconfortável que eles têm de fugir deles tão rápido quanto
possível. Temos de capturar a dinâmica desta viagem infernal se desejarmos escapar de
seu destino.
Todo cientista social sabe muito bem que interações locais não são um bom lugar para
descansar. Quando, por uma razão ou outra, você chega ao cenário, rapidamente toma
consciência de que a maioria dos ingredientes compondo a cena não foram trazidos até ali
por você e que muitos foram improvisados na hora pelos outros participantes. Um
informante 'local', mobilizado pelas questões de um etnografista, percebe que a maioria
de seus padrões de pensamento estão vindo de lugares e agenciamentos sobre os quais ele
não tem nenhum controle.
Qualquer interação dada parece transbordar de elementos que já estão previamente na
situação, vindos de algum outro tempo, algum outro lugar, e gerados por algum outro
agenciamento. Se algum observador segue a direção sugerida por esse transbordamento,
será levado para longe de qualquer interação dada para alguns outros lugares, outros
tempos, e outros agenciamentos que parecem tê-los moldado dentro do formato. É como
se um forte vento impedisse qualquer um de se manter no sítio local.
O problema é para onde ir a partir daí. A confusão entre corpo político e sociedade está
ameaçando a nos deixar fora de rumo. Sim, as interações são postas para existir por
outros atores mas, não, aqueles lugares não formam um contexto em torno delas.
Há freqüentemente uma ampla lacuna entre as intuições corretas das ciências sociais e as
soluções estranhas que elas oferecem. É mais uma vez o caso: eles têm tendido a
confundir a projeção do Fantasma Público com a pre-eminência da sociedade. O primeiro
é um apelo constante a retomar o feito impossível da política, enquanto a segunda não é
nada além de uma maneira de dissimular a tarefa de composição ao agir como se esta já
houvesse sido completada. Assim, quando os investigadores começam a olhar para longe
dos sítios locais, já que obviamente a chave para as interações não é para ser encontrada
ali - o que é suficientemente verdadeiro - eles acreditam que têm de voltar sua atenção ao
'quadro estrutural' dentro dos quais se supõe que as interações estejam aninhadas - e aqui
as coisas ficam terrivelmente equivocadas.
Tal automático se tornou o costume de alcançar aqueles sítios quando se está insatisfeito
com as interações locais, que fica muito difícil reconhecer que isso não leva a lugar
algum.
Muito embora pareçam ser aquilo o que toda investigação é forçada a alcançar a fim de
obter compreensão das interações locais, os aspectos estruturais parecem oferecer pontos
de descanso quase tão confortáveis quanto um arbusto de urtiga.
Existe algo que apresenta a interação como possível ao trazer à cena a maior parte de seus
ingredientes necessários, mas este 'algo' está ao mesmo tempo presente por trás e
demasiado abstrato para realizar qualquer coisa. A estrutura é muito poderosa, e ainda
assim muito fraca e remota para ter qualquer eficácia. É por isso que, como se houvessem
alcançado o limite de um elástico esticado, os cientistas sociais são subitamente puxados
na direção oposta, dos 'aspectos estruturais profundos' de volta às interações mais 'reais' e
'concretas'. Um segundo vento, uma segunda corrente não menos violenta que a primeira,
está agora forçando qualquer visitante para longe do contexto e de volta aos sítios de
prática locais.
Infelizmente, tentar se agarrar à cena local ao fim da viagem de retorno não é muito uma
solução uma vez que as forças que empurraram os investigadores para longe ainda estão
no lugar: continua óbvio que o que é 'real' e 'concreto' não reside por completo naquelas
interações também. O investigador se vê em uma situação impossível. Quando se agarra
às interações, é convocado a ir embora e 'pôr as coisas no contexto mais amplo'. Mas
quando finalmente alcança aquele contexto estruturante, é intimado a deixar o nível
abstrato rumo aos sítios da 'vida real', da 'dimensão humana', da 'vivacidade'. Mas se
'estrutura' é uma abstração, a interação também é!
Essa alternância abrupta tem sido chamada de dilema entre ator e sistema ou debate entre
micro e macro. A questão é decidir se o ator está 'dentro' do sistema ou se o sistema é
feito 'de' atores interagindo. Usualmente, a estratégia é polidamente reconhecer o
problema, declarar que essa é uma questão artificial, e então seguir em frente imaginando
algum compromisso razoável entre as duas posições. Devemos tentar firmar um
compromisso entre atores e sistema, ou devemos partir para alguma outra coisa?
Em face disso, 'ator-rede' poderia ser um bom candidato para um compromisso: a solução
pré-formatada seria considerar ao mesmo tempo o ator e a rede na qual está
incorporado.Tal solução morna se somaria às muitas outras, para reconciliar as duas
necessidades óbvias das ciências sociais: interações são transbordadas por algumas
estruturas que dão forma a elas; essas próprias estruturas permanecem abstratas demais
enquanto não são instanciadas, mobilizadas, realizadas ou encarnadas em alguma espécie
de interação local e vivaz. A dialética pode generosamente oferecer sua profusão de
enlaçamentos para envolver e amarrar tais compromissos: dos atores, se dirá que estão
simultaneamente mantidos pelo contexto e sustentando-o em seu lugar, enquanto que o
contexto será ao mesmo tempo aquilo que faz os atores agirem e aquilo que está sendo
feito em contrapartida pelo feedback dos atores. É verdade que o Fantasma Público só
pode ser desenhado por meio de um movimento cíclico que lembra um círculo dialético.
Mas esse indispensável laço utilizado para traçar a conexão paradoxal entre cidadãos e
seus representantes perde toda sua virtude quando é tomada para ser a relação de um ator
'dentro de' um sistema. O dilema entre ator e sistema é a indesejada projeção, sobre o
plano da teoria social, das relações paradoxais que cidadãos mantêm com sua república.
É por isso que a solução explorada pela TAR não tem nada a ver com oferecer apenas um
outro compromisso entre micro e macro, ator e sistema. Não afirmamos que as interações
não existam realmente por terem de ser 'postas dentro de' um contexto, nem que o
contexto nunca exista realmente por ser sempre 'instanciado'. Pelo contrário, afirmamos
que um outro movimento, inteiramente diferente daquele usualmente seguido, revela a si
próprio mais claramente por meio da própria dificuldade de se agarrar a um lugar
considerado como local ou a um lugar considerado como o contexto para o anterior. Se
não há maneira de ficar em qualquer lugar, simplesmente significa que aqueles lugares
não são alcançáveis - seja porque eles não existem por fim, ou porque eles existem mas
não podem ser alcançados com o veículo oferecido pela sociologia.
Pode ser possível obter vantagem dessa interminável alternância entre opostos polares,
para aprender alguma coisa sobre a topografia real do social. A TAR é simplesmente
aquela teoria social que transformou 'o Grande Problema' da ciência social, de um recurso
para um tópico para resolvê-lo. A intuição dos sociólogos deve ser seguida, mas não a
solução que eles ofereceram com sua equivocada definição do social. Mais uma vez, a
TAR espera ser fiel à tradição, enquanto extrai o veneno que a tem debilitado tanto.
Muito embora o corpo político seja uma sombra, um fantasma, uma ficção que é
produzida pelo movimento cíclico da ação política, isso não quer dizer que o mundo
social tenha o mesmo aspecto etéreo. Mas uma vez que os analistas utilizaram a
sociedade como atalho para a política, eles nunca estão em uma boa posição para
diferenciar as paisagens desenhadas por aqueles rastreadores variados.
Contrário ao que Platão disse em sua República, não há um mas pelo menos três 'Grandes
Animais': o Corpo Político, a Sociedade, o Coletivo. Mas para ser capaz de tornar essas
três diferentes bestas visíveis, deve-se permanecer tão míope quanto uma formiga a fim
de desconstruir cuidadosamente o que o 'social' usualmente significa. Sim, devemos
seguir a sugestão de que interações são transbordadas pelos muitos ingredientes
previamente no lugar que vêm de outros tempos, outros espaços e outros agentes; sim,
devemos aceitar aidéia de se mover para outros sítios a fim de encontrar as fontes
daqueles muitos ingredientes. Mas tão logo saímos de alguma interação, devemos
abandonar as auto-estradas, e ao contrário escolher caminhar por um caminho estreito.
Embora cientistas sociais se orgulhem de ter adicionado volume às interações planas,
descobre-se que eles foram rápido demais. Eles removeram da investigação o próprio
fenômeno da ciência social: a própria produção de lugar, tamanho, e escala. Contra tal
formato tridimensional, temos de tentar manter o domínio social completamente plano.
Cientistas sociais pensaram que a sociedade proporcionava uma terceira dimensão dentro
da qual todas as interações deveriam encontrar um lugar. Para resistir a essa tentação,
vou oferecer uma projeção em duas dimensões. Pode parecer estranho à primeira vista,
mas temos de nos tornar os Defensores da Terra Plana da teoria social. Essa é a única
maneira de acompanhar como as dimensões são geradas e mantidas. É a única maneira de
mensurar a distância real que cada conexão social tem de vencer para gerar alguma
espécie de traçado.
Primeiro relocaremos o global para com isso quebrar o automatismo que leva da
interação ao 'Contexto'; em seguida redistribuiremos o local para com isso compreender
por que a interação é uma abstração como tal; e finalmente, conectaremos os sítios
revelados pelos dois movimentos anteriores, destacando os vários veículos que
constituem a definição do social entendido como associação. Então, e somente então, o
coletivo terá espaço bastante para ser coletado.
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