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Artigo Original
Fatores de Risco Associados à Perda do Enxerto e Óbito Após o
Transplante Renal
Risk Factors Associated With Graft Loss and Patient Survival After
Kidney Transplant
Kelly Miyuki Harada; Edison Luiz Mandia Sampaio; Taina Veras de Sandes Freitas; Claudia Rosso
Felipe; Sung In Park; Paula Goulart Pinheiro Machado; Riberto Garcia; Hélio Tedesco Silva
Júnior; José Osmar Medina-Pestana.
Hospital do Rim e Hipertensão. Disciplina de Nefrologia - UNIFESP
RESUMO
Objetivo: Avaliar os fatores de risco relacionados à mortalidade e à perda do enxerto nos primeiros dois anos após o transplante renal. Métodos:
Análise retrospectiva de transplantes renais realizados entre 2003-2006, utilizando banco de dados informatizado. Os desfechos analisados foram:
sobrevidas do paciente, do enxerto e fatores de risco através de análise multivariada de Cox. Resultados: Dos 2.364 transplantes, 67% foram com
doador vivo (DV), 6% com doadores falecidos (DF) com critério expandido (DCE). As sobrevidas do paciente e do enxerto foram superiores entre
receptores de DV do que entre os de DF (97% vs 91%; 96% vs 83%, p<0,001). Ao final de 24 meses, os receptores de etnia negra apresentaram
sobrevida do enxerto (84% vs 89%, p<0,05) inferior devido à maior mortalidade (sobrevida do paciente: 87% vs 93%, p<0,01). Na data do transplante,
os fatores de risco relacionados à mortalidade do receptor foram o tipo de doador (DF, RR=2,4, IC 1,6-3,6) e a etnia negra (RR=1,8, IC 1,2-2,9). Os
fatores de risco relacionados à perda do enxerto foram o tipo de doador (DF, RR=2,1, IC 1,4-3,2), DCE (RR=2,0 IC:1,2-3,3), presença de função
retardada do enxerto (RR=1,8, IC 1,2-2,7) e ocorrência de rejeição aguda (RA, RR=3,5, IC 2,5-4,8) no primeiro ano após o transplante. Aos seis meses
de transplante, os fatores de risco relacionados à mortalidade do receptor foram o tipo de doador (DF, RR=2,5, IC 1,5-4,3) e a ocorrência de RA (RA,
RR=2,4, IC 1,6-3,8). Os fatores de risco para a perda do enxerto foram o tipo de doador (DF, RR=2,0, IC 1,1-3,7), rins de DCE (DCE, RR=2,6, IC 1,16,2), a ocorrência de RA (RA, RR=9,5, IC 5,4-16,4) e a função renal no 6º mês (creatinina > 1,5 md/dL) (RR=2,1, IC 1,3-3,4). Conclusão: Os fatores
de risco tradicionais continuam a exercer influência negativa nos desfechos do transplante. A maior mortalidade é a principal causa do resultado inferior
observado entre os receptores de etnia negra, o que contrasta com resultados norte-americanos e necessita maior investigação para a escolha de
esquemas de imunossupressão mais apropriados para essa população.
Descritores: Transplante renal. Imunossupressão. Sobrevida do enxerto. Sobrevida do paciente.
ABSTRACT
Objective: To evaluate the risk factors related to mortality and graft loss two years after transplantation. Methods: A registry of transplant recipient
data from all patients who underwent kidney transplantation between the years 2003 and 2006 at the Hospital do Rim e Hipertensão (UNIFESP),
was analyzed. End points were patient and graft survivals. Cox regression models were used to assess the independent effect of risk factors.
Results: The referred center performed 2364 transplants, 67% with living donors and 6% with expanded criteria donors. Patient and graft survivals
were better among recipients of living related donors (97% vs. 91%; 96% vs. 83%, p<0.001). After 24 months, the recipients with black ethnicity
presented worse graft survival (84% vs. 93%, p<0.01) due to higher mortality (patient survival: 87% vs. 93%, p<0.01). At the moment of
transplantation, the risk factors related to recipient mortality were deceased donors (RR= 2.4, CI: 1.6-3.6) and black ethnicity (RR=1.8, CI: 1.22.9). Graft loss risk factors included deceased donors (RR=2.1, CI: 1.4-3.2), expanded criteria donors (RR=2.0, CI: 1.2-3.3), delayed graft function
(RR= 1.8, CI: 1.2-2.7), and acute rejection (RR= 3.5, CI: 2.5-4.8). Six months after transplantation, recipient mortality risk factors were deceased
donors (RR= 2.5, CI: 1.5-4.3) and the presence of acute rejection (RR= 2.4, CI: 1.6-3.8); risk factors to graft loss included deceased donors (RR=
2.0, CI: 1.1-3.7), expanded criteria donors (RR= 2.6, CI: 1.1-6.2), acute rejection (RR= 9.5, CI: 5.4-16.4) and graft function (c>1.5 mg/dL) (RR=2.1,
CI: 1.3-3.4). Conclusion: Traditional risk factors continued to have a negative influence on the end-points of transplantation. Unlike data from the
US, mortality is the main cause of worse outcome among recipients of black ethnicity. This fact underscores the need for continued investigation
in order to identify the most adequate immunosuppression strategy for the African-Brazilian population.
Keywords: Kidney transplantation. Immunosuppression. Graft Survival. Patient Survival.
Recebido em 07/07/08 / Aprovado em 11/08/08
Endereço para correspondência:
Kelly Miyuki Harada
Hospital do Rim e Hipertensão – UNIFESP
Rua Borges Lagoa 960, 11º andar
04038-002 - São Paulo - SP
E-mail: [email protected]
J Bras Nefrol 2008;30(3):213-20
Fatores de Risco Após o Transplante Renal
214
INTRODUÇÃO
Os próximos anos devem confirmar a tendência de
aumento no número de indivíduos com diagnóstico de
insuficiência renal crônica necessitando de terapia substitutiva. O transplante renal é o tratamento de escolha, no
que se refere à sobrevida dos pacientes1. Entretanto, doadores vivos, falecidos e falecidos com critério expandido
são, em número, insuficientes para suprir essa crescente
demanda.
No Brasil, diferente de outros países, o transplante
recebe amplo subsídio do Governo federal, porém houve
encarecimento do tratamento paralelamente à crescente
multiplicidade de recursos terapêuticos disponíveis. As
dimensões éticas e econômicas desse avanço têm sido
questionadas pela comunidade transplantadora.
Grande número de atualizações são, periodicamente, introduzidas na prática do transplante renal. Novos
regimes imunossupressores e critérios utilizados para a
seleção de doadores e receptores estão entre as mais relevantes modificações introduzidas nos últimos anos. Desta
forma, análises periódicas dos resultados estão amplamente justificadas.
O Hospital do Rim e Hipertensão realiza um
programa de transplante em larga escala2. Neste estudo,
são apresentados os resultados de todos os transplantes
renais realizados nessa instituição entre os anos de 2003 e
2006.
MATERIAIS E MÉTODOS
População: Foram estudados todos os receptores de
transplante renal realizados entre 1º de janeiro de 2003 e 31 de
dezembro de 2006. As informações foram registradas
prospectivamente na base de dados informatizada mantida pela
instituição, utilizada rotineiramente para a avaliação de
desempenho dos principais desfechos do transplante renal. A
análise foi realizada retrospectivamente com dados atualizados
até 22 de agosto de 2007.
Definições: Doador falecido com critério expandido
(DCE) foi definido como doador com idade acima de 60 anos ou
aquele com idade entre 50 e 59 anos, combinado com pelo
menos duas das seguintes condições: hipertensão arterial
sistêmica, creatinina maior que 1,5mg/dL e acidente vascular
cerebral hemorrágico como causa de óbito3. Receptores
pediátricos foram aqueles com idade inferior a 18 anos na data
do transplante. A perda do enxerto renal foi definida como a
necessidade de diálise por mais de 30 dias consecutivos ou a
realização de um novo transplante e a função retardada do
enxerto (FRE) como a necessidade de diálise nos sete primeiros
dias pós-transplante. Os pacientes foram classificados como
perda de seguimento quando transferidos definitivamente para
acompanhamento em outro centro, sem retornarem para pelo
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menos uma consulta semestral. Rejeição aguda clínica foi
definida como toda disfunção aguda do enxerto tratada
efetivamente por pelo menos três dias, com ou sem
comprovação histológica.
Desfechos: Os desfechos primários medidos ao final de
12 meses foram as sobrevidas: (1) actuarial do paciente; (2) do
enxerto renal; (3) do enxerto renal com óbito censorado. Os
desfechos secundários, avaliados ao final de 24 meses, foram as
sobrevidas do receptor e do enxerto renal de acordo com (1) a
idade do receptor (transplante adulto ou pediátrico); (2) enxerto
obtido de doador com critério expandido; (3) etnia; (4) presença
de rejeição aguda; (5) presença de rejeição aguda e/ou função
retardada do enxerto; (6) qualidade da função renal observada
seis meses após o transplante. (creatinina < 1,5; entre 1,5 e 2,0;
entre 2,1 e 2,5; > 2,5mg/dL). Análises univariada e multivariada
foram empregadas para identificar a magnitude da influência de
fatores de risco selecionados nas sobrevidas do paciente e do
enxerto. As características demográficas, o regime de
imunossupressão inicial e a análise dos desfechos selecionados
foram estratificados pelo tipo de doador. As perdas de
seguimento dos pacientes foram censoradas no seu último dia de
registro de acompanhamento ambulatorial.
Análise estatística: As variáveis contínuas foram
apresentadas como média e desvio padrão e as variáveis
categóricas como freqüência e percentagem. A análise entre dois
grupos foi estimada através do teste t de Student não pareado
para as variáveis contínuas e teste qui-quadrado de Pearson ou
exato de Fischer para as categóricas. As curvas de sobrevida
foram obtidas utilizando-se o método de Kaplan-Meier e as
comparações foram realizadas pelo teste Log-rank. Análise de
regressão de Cox foi utilizada para identificar a magnitude da
influência de fatores de risco selecionados sobre as sobrevidas
do paciente e do enxerto. A análise estatística foi realizada com
o programa SPSS v.7.5 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). A
significância dos resultados foi definida com o valor p<0,05.
RESULTADOS
População: 2.364 transplantes renais foram
realizados no período de estudo, sendo 1.588 (67,2%)
com doador vivo e 776 (32,8%) com doador falecido; 135
(5,7%) transplantes foram realizados com doadores com
critério expandido e 239 (10%) transplantes foram
realizados em receptores pediátricos. Isso significa uma
média de 591 transplantes por ano ou 1,6 transplante por
dia. Os receptores de transplante com doador falecido
apresentaram maior idade média (42,2±17,1 vs.
37,6±12,9, p<0,001), maior freqüência da etnia negra
(10,4% vs. 6,0%, p<0,001), das etiologias Diabetes
Melitus (12,6% vs. 7,4%, p=0,001) e Hipertensão Arterial
(13,1% vs. 4,4%, p=0,001) e também maior tempo em
diálise (48,8±34,7 vs. 23,9±22,7, p<0,001). O tratamento
dialítico mais prevalente foi a hemodiálise. A reatividade
contra painel (PRA- Panel Reactive Antibodies) dos
215
receptores submetidos a transplante com doador vivo
(7,8±22,6 %) ou falecido (9,1±22,7 %) foi similar (p=
0,203); da mesma forma, o PRA dos receptores com DCE
também foi semelhante ao restante da população
(7,8±19,6% vs. 8,2±22,8%; p=0,822). Entretanto, o
número de mismatches dos receptores com doador vivo
foi menor que aquele com doador falecido (2,2±1,8 vs.
2,9±1,4; p< 0,05). O tempo médio de seguimento foi de
2,2 anos (Tabela 1).
Regime de Imunossupressão Inicial: No total,
27,8% dos receptores receberam algum tipo de indução,
seja com bloqueadores do receptor da interleucina-2 ou
com preparações de anticorpos citotóxicos. O uso de
indução foi maior entre os receptores de transplante renal
de doador falecido, devido ao maior risco imunológico de
alguns desses receptores, sendo que os receptores
pediátricos representam quase a totalidade do uso de
indução entre os receptores de doador vivo. Os inibidores
de calcineurina foram utilizados em 86,6% dos
receptores, sendo tacrolimo em 59,3% e ciclosporina em
27,3%. As drogas antiproliferativas foram utilizadas
como imunossupressão adjuvante em 78,1% dos
receptores, sendo azatioprina em 52,3% e micofenolato
em 25,8%. O sirolimo foi utilizado em 8,5% dos
receptores nessa série. Quase todos os receptores
receberam corticosteróides, sendo a dose máxima inicial
de prednisona de 30mg/dia (Tabela 1).
O regime imunossupressor mais freqüente incluiu
a combinação de tacrolimo e azatioprina (36%), seja em
receptores de doador vivo ou falecido. Uma porcentagem
maior de receptores de doador vivo utilizou ciclosporina
e azatioprina (23,3%), principalmente receptores
pediátricos ou de rim de doador HLA idêntico, enquanto
que a associação de tacrolimo e micofenolato (25,7%) foi
mais freqüente entre os receptores de doador falecido.
Desfechos primários: A sobrevida livre de
rejeição aguda clínica, após dois anos de transplante, foi
similar entre os transplantes realizados com doador vivo
(74,2%), falecido (excluindo DCE) (74,0%) e DCE
(82,4%) (p= 0,17). Não houve diferença na sobrevida
Tabela 1. Características demográficas de 2364 pacientes transplantados renais.
Parâmetro
Idade (anos)*
IMC (kg/m2)
Sexo masc.
Etnia*
Branco
Pardo
Negro
Outros
NÃO CONSTA
Etiologia*
GNC
DM
HAS
Indeterminado
Outros
Tratamento Anterior*
Hemodiálise
Peritoneal
Conservador
Tempo em diálise* (meses)
PRA (%)
HLA mismatches#
Imunossupressão inicial*
Indução*
TAC/AZA/PRED
CSA/AZA/PRED
TAC/MPA/PRED
CSA/MPA/PRED
TAC/SRL/PRED
CSA/SRL/PRED
OUTRAS
Tempo de seguimento (anos)
Total
(n=2364)
Doador vivo
(n=1588)
Doador falecido
(n=776)
39,1±14,6
23,2±4,6
1409 (59,6)
37,6±12,9
23,0±4,4
963 (60,6)
42,2±17,1
23,4±5,1
446 (57,5)
1413 (59,8)
519 (22,0)
177 (7,5)
41 (1,7)
214 (9,1)
998 (62,8)
335 (21,1)
96 (6,0)
23 (1,4)
136 (8,6)
415 (53,5)
184 (23,7)
81 (10,4)
18 (2,3)
78 (10,1)
460 (19,5)
215 (9,1)
172 (7,3)
890 (41,9)
527 (22,3)
337 (21,2)
117 (7,4)
70 (4,4)
716 (45,1)
348 (21,9)
123 (15,9)
98 (12,6)
102 (13,1)
274 (35,2)
179 (23,1)
1971 (83,4)
220 (9,3)
173 (7,2)
32,6 ± 29,9
8,2±22,7
2,5±1,7
1290 (81,3)
135 (8,5)
163 (10,2)
23,9 ± 22,7
7,8±22,6
2,2±1,8
681 (87,8)
85 (11,0)
10 (1,2)
48,8 ± 34,7
9,1±22,7
2,9±1,4
633 (27,8)
850 (36,0)
386 (16,3)
447 (18,9)
162 (6,9)
105 (4,4)
98 (4,1)
316 (13,4)
2,2 ± 1,2
260 (11,0)
569 (35,8)
370 (23,3)
263 (16,6)
98 (6,2)
89 (5,6)
88 (5,5)
111 (7,0)
2,3 ± 1,3
373 (23,5)
281 (36,2)
16 (2,1)
184 (25,7)
64 (8,2)
16 (2,1)
10 (1,3)
205 (26,4)
2,0 ± 1,3
*p<0,001doador vivo versus doador falecido
# p<0,05 doador vivo versus doador falecido
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Fatores de Risco Após o Transplante Renal
216
livre de rejeição aguda após dois anos de transplante entre
receptores negros (75%) e não negros (73,4%) (p= 0,79).
A sobrevida global do paciente foi de 95,3%, a do enxerto
foi de 91,8% e a do enxerto com óbito censorado foi de
95,8% (Tabela 2). As sobrevidas do paciente e do enxerto
foram 6,8% e 12,5% maiores entre os receptores de
doador vivo comparados com receptores de doador falecido. A diferença na sobrevida do enxerto está reduzida a
6,9% quando os óbitos são censorados (Tabela 2).
Ao final do segundo ano de transplante, as taxas de
sobrevida globais do paciente, do enxerto e do enxerto
com óbito censorado foram 93,1%, 88,3% e 94,1%,
respectivamente, tendo sido mantidas as diferenças
observadas no final do primeiro ano de transplante entre
receptores de doador vivo e de doador falecido (Figura
1,2 e 3). A principal causa de óbito dos pacientes foi
infecciosa (65%), sendo essa incidência semelhante entre
pacientes negros (62,5%) e não negros (55,3%) (p=
0,655), e a principal causa de perda de enxerto foi o óbito
com rim funcionante (48%). Óbitos ou perdas de enxerto
que ocorreram nos primeiros seis meses após o
transplante foram responsáveis pelas diferenças
observadas nas sobrevidas aos 12 e 24 meses (Figura 1).
Desfechos secundários: Para identificar as
possíveis variáveis relacionadas aos resultados inferiores
obtidos pelos receptores de rins de doador falecido,
comparamos os mesmos desfechos e estratificamos a
análise de acordo com a idade do receptor e do uso de
órgãos de doador com critério expandido. As taxas de
sobrevida do paciente, em receptores adultos, e do
enxerto, em receptores adultos e pediátricos, de rim de
doador vivo foram maiores do que as daqueles que
receberam rim de doador falecido após 24 meses de
transplante. Os receptores pediátricos apresentaram
melhor sobrevida do paciente em relação aos adultos após
esse período de seguimento. Os receptores de rim de
doador falecido com critério expandido apresentaram
taxas de sobrevidas do paciente e do enxerto significativamente inferiores comparados com receptores adultos
ou pediátricos de rim de doador falecido (Tabela 3).
As sobrevidas do paciente e do enxerto foram
significativamente inferiores entre os receptores de etnia
negra, entretanto não foram observadas diferenças entre
as etnias quando considerada a sobrevida do enxerto com
óbito censorado (Tabela 4). A sobrevida do paciente
também foi inferior nos receptores que apresentaram
rejeição aguda (doador vivo) e creatinina maior que
2,0mg/dL aos seis meses de transplante. As sobrevidas do
enxerto e do enxerto com óbito censorado foram piores
entre os receptores que apresentaram rejeição aguda,
função retardada do enxerto e creatinina maior que
2,0mg/dL aos seis meses de transplante (Tabela 4).
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Tabela 2: Parâmetros de eficácia aos 12 meses de transplante.
Parâmetro (%)
Sobrevida Livre de
Rejeição aguda#
Sobrevida do paciente*
Sobrevida do enxerto*
Sobrevida do enxerto
com óbito censorado*
TOTAL
Doador vivo
(n=2364)
(n=1588)
Doador
falecido
(n=776)
76,7
76,5
77,2
95,3
91,8
95,8
97,5
96,0
98,0
90,7
83,5
91,1
#
inclui todos os episódios de rejeição aguda tratados (ver
métodos).
*p<0,001 (doador vivo vs. doador falecido).
Figura 1. Curvas de sobrevidas Kaplan-Meier do paciente
Figura 2. Curvas de sobrevidas Kaplan-Meier do enxerto
Figura 3. Curvas de sobrevidas Kaplan-Meier do enxerto com
óbitos censorados
217
Tabela 3. Taxas de sobrevidas obtidas 24 meses após o transplante renal, estratificada por tipo de receptor e doador.
Tipo de receptor
1. Sobrevida do enxerto
Pediátrico (n=239)
Adulto (n=2125)
2. Sobrevida do enxerto com óbito censorado
Pediátrico
Adulto
3. Sobrevida do paciente
Pediátrico
Adulto
Doador vivo
(N=1588)
(N=641)
Doador Falecido (N=776)
Doador não expandido
DCE
(N=135)
96,6a (n=118)
92,3b (n=1470)
86,6d (n=121)
80,3 (n=520)
_
70,9
98,3c
96,3b
91,5
90,3
_
83,4
98,3
95,3b
94,8e
88,3
_
82,1
DCE: doador com critério expandido;
a
d
e
p=0,001; bp<0,001; cp=0,005 (doador vivo > doador falecido)
p=0,047 (doador falecido pediátrico = adulto > expandido)
p=0,021 (falecido pediátrico > falecido adulto > expandido)
Tabela 4. Taxas de sobrevidas obtidas 24 meses após o transplante renal, estratificada por fatores de risco
selecionados.
Parâmetro (n)
Sobrevida do
enxerto
Sobrevida do
enxerto com óbito
censorado
Sobrevida
do paciente
83,6a
88,7
93,9
94,3
87,4b
93,5
94,8c
86,7
81,5
73,7
98,2d
91,5
91,6
81,9
96,4e
93,1
88,2
88,2
84,9f
76,7
74,3
73,2
95,2f
86,7
81,6
82,0
88,5
87,9
89,2
87,6
95,7g
94,7
87,4
81,1
98,6g
97,8
92,3
88,8
96,8g
96,4
93,9
90,1
Etnia
Negros (177)
Não Negros (1973)
Tipo de Doador e incidência de RA
DV sem RA (1187)
DV com RA (401)
DF sem RA (601)
DF com RA (175)
FRE e RA
Sem FRE e sem RA (346)
Com FRE e sem RA (255)
Sem FRE e com RA (64)
Com FRE e com RA (111)
Creatinina aos seis meses (mg/dL)
<1,5 (1352)
1,5 a 2,0 (518)
2,1 a 2,5 (145)
> 2,5 (64)
DV: doador vivo; DF: doador falecido; RA: rejeição aguda tratada, FRE: função retardada do enxerto.
a
p<0,05; b p<0,001 Negros vs. não Negros
c
p<0,001 DV sem RA > DV com RA > DF sem RA > DF com RA
d
p<0,001 DV sem RA > DV com RA = DF sem RA > DF com RA
e
p<0,001 DV sem RA > DV com RA > DF sem RA = DF com RA
f
p<0,001 sem FRE e sem RA > com FRE e sem RA = sem FRE e com RA = com FRE e com RA
g
p<0,001 < 1,5 = 1,5 a 2,0 > 2,1 a 2,5 = > 2,5 mg/dL.
Uma vez que as diferenças nas sobrevidas, entre
receptores de rim de doador vivo e doador falecido, foram
estabelecidas primariamente nos primeiros seis meses de
transplante, uma nova análise foi realizada incluindo
somente os pacientes que alcançaram esse tempo de transplante com enxerto funcionante (n=2.079) e adicionando
uma nova variável de risco, a função renal aos seis meses
de transplante (Tabela 5). Após seis meses de evolução, o
transplante com rim de doador falecido e a ocorrência de
rejeição aguda influenciaram negativamente as sobrevidas
do paciente, do enxerto e do enxerto com óbito censorado.
A qualidade de função renal aos seis meses foi um fator
adicional para a sobrevida do enxerto, enquanto que, para
a sobrevida do enxerto com óbito censorado, o transplante
com rim de doador com critério expandido também
apresentou influência negativa (Tabela 5).
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Fatores de Risco Após o Transplante Renal
218
Tabela 5: Análise de risco proporcional de Cox (Risco Relativo e Intervalo de confiança de 95%) para perda do enxerto e óbito.
Fatores de risco
Perda do Enxerto
Univariada
Perda do enxerto censorando o óbito
Multivariada
Univariada
Multivariada
Univariada
Óbito
Multivariada
2,3 (1,7-3,2)
1,5 (1,0-2,1)
1,7 (1,2-2,5)
1,5 (1,1-2,0)
2,1 (1,7-2,7)
3,1 (2,3-4,3)
ns
ns
3,3 (2,1-5,2)
3,8 (2,8-5,3)
3,4 (2,5-4,7)
2,1 (1,4-3,2)
2,0 (1,2-3,3)
1,8 (1,2-2,7)
3,5 (2,5-4,8)
3,2 (2,4-4,4)
2,2 (1,4-3,4)
ns
3,1 (2,0-4,9)
2,6 (1,9-3,7)
ns
2,4 (1,6-3,6)
1,8 (1,2-2,9)
ns
ns
-
2,1 (1,4-3,3)
ns
ns
4,0 (2,8-5,7)
1,7 (1,2-2,3)
1,8 (1,1-3,0)
ns
ns
2,6 (1,1-6,2)
1,8 (1,0-3,1)
8,7 (5,0-14,9)
2,5 (1,6-4,1)
2,0 (1,1-3,7)
2,6 (1,1-6,2)
ns
9,5 (5,4-16,4)
2,1 (1,3-3,4)
2,6 (1,7-4,0)
ns
ns
2,5 (1,3-5,1)
2,2 (1,3-3,5)
2,3 (1,5-3,5)
1,5 (1,0-2,4)
2,5 (1,5-4,3)
ns
ns
2,4 (1,6-3,8)
ns
N=2364
Doador falecido
Etnia negra
Idade >18anos
DCE
FRE
Rejeição aguda
3,2 (2,5-4,1)
1,7 (1,1-2,4)
ns
3,0 (2,1-4,2)
3,2 (2,5-4,1)
2,0 (1,6-2,6)
N=2079 (os que completaram 6 meses)
Doador falecido
Etnia negra
Idade > 18anos
DCE
FRE
Rejeição aguda
Cr 6meses
> 1,5 mg/dL
2,1 (1,5-3,0)
ns
ns
2,3 (1,3-4,0)
2,0 (1,4-2,9)
3,8 (2,7-5,3)
1,9 (1,4-2,7)
ns= não significativo (p>0,05).
DISCUSSÃO
A população estudada foi jovem (39,1±14,6 anos) e
de etnia predominantemente branca (59,8%). Os receptores
negros englobaram 7,5% do total, o que difere da proporção
observada nos EUA, que, no mesmo período, foi de 25%4.
Apenas 9,1% dos pacientes, contra 24%4 nos EUA, apresentavam Diabetes Melitus como etiologia da Insuficiência
Renal. Tal diferença pode refletir a grande dificuldade de
manutenção clínica multiprofissional destes indivíduos
durante o tratamento conservador e dialítico em nosso meio,
tornando-os sem condições clínicas para o transplante, uma
vez que o percentual de pacientes diabéticos em diálise
crônica, em janeiro de 2007, foi estimado em torno de 26%5.
O transplante realizado com doador vivo foi mais freqüente
em nossa série (67,2% vs. 32,8%), enquanto que, nos EUA,
em 2004, 54%6 dos transplantes renais foram com doador
falecido. Cerca de 44% dos pacientes em programa de
diálise em nosso país estão aguardando transplante com
doador falecido5; o tempo em diálise foi significantemente
maior para os receptores submetidos a transplante com este
tipo de doador (48,8±34,7 vs. 23,9±22,7 meses).
O esquema de imunossupressão com TAC e AZA
abrangeu 36% dos tratamentos tanto para transplantes
com doador vivo como falecido, enquanto que a
combinação de TAC com MPA (18,9%) e a indução
(27,8%) ficaram reservadas para receptores de alto risco.
Os receptores pediátricos foram responsáveis por quase a
totalidade de receptores de doadores vivos que receberam
indução. Nos EUA, as combinações dos inibidores da
J Bras Nefrol 2008;30(3):213-20
calcineurina com MPA foram utilizadas em 75%4 dos
casos e a indução, em 67,8%4 dos receptores. Já a
combinação de TAC com AZA foi empregada em apenas
0,8%3 dos receptores.
Apesar das diferenças quanto às estratégias de
imunossupressão, as sobrevidas do paciente (95,3%) e do
enxerto (91,8%) foram similares às obtidas nos EUA
(96,1%4 e 92,4%4) e confirmam os melhores resultados
quando o transplante foi realizado com doador vivo. A
sobrevida do enxerto, ao final do primeiro ano de transplante, com doador vivo e falecido, tanto em nossa série
(96,0% vs. 83,5%) como nos EUA (95,1% vs. 89,6%)6,
reforçam essa observação. O maior tempo em diálise7, a
maior idade dos receptores e a maior freqüência de pacientes com Diabetes Melitus, entre os receptores de órgãos
de doadores falecidos, podem justificar essas diferenças.
Assim como observado entre os adultos, o
transplante renal pediátrico também apresentou melhores
sobrevidas do paciente (98,3% vs. 94,8%) e do enxerto
com óbito censorado (98,3% vs. 91,5%) quando realizado
com doador vivo (Tabela 3). Nos EUA, o transplante
pediátrico também mostrou melhor sobrevida do enxerto
(90,6% vs. 79,3%)4, mas não do paciente (97,5% vs.
95,3%)4 com doador vivo em relação ao falecido, ao final
de três anos de seguimento. Ao contrário do transplante
adulto, e apesar da diferença no período de acompanhamento, observamos melhor sobrevida do enxerto no
transplante pediátrico em nossa série em relação aos
resultados de centros nos EUA, tanto com doador vivo
(96,6% vs. 90,6%) como falecido (86,6% vs. 79,3%).
219
A priorização na alocação de órgãos de doadores
com idade inferior a 18 anos e o menor tempo em diálise
desses receptores, em relação aos adultos, contribuíram
para os resultados. Além de haver um aumento percentual
de transplantes com rim de doador falecido, o crescimento mais significativo ocorreu com os números anuais de
doadores com critério expandido (2,6%, 5,3%, 6,9%,
7,3%), que englobaram cerca de 6% do total de transplantes no período.
O uso de órgãos de doadores considerados, anteriormente, não adequados para transplante ocorre também
pela maior sobrevida que estes receptores apresentam em
relação àqueles pacientes que permanecem em programa de
diálise8. Essa também é uma realidade em nosso meio, em
que, segundo dados do Ministério da Saúde, em 88 mil
pacientes que realizaram diálise crônica de 1997 até 2000, a
sobrevida actuarial foi de 80% ao final de um ano9. Apesar
disso, os transplantes realizados com doadores com critério
expandido apresentaram os piores resultados de sobrevida,
tanto do paciente como do enxerto, o que indica a necessidade de avaliação criteriosa para a alocação desses órgãos.
A despeito do comportamento similar, frente às
drogas imunossupressoras, do afro-brasileiro e afroamericano10,11, observamos pior sobrevida do paciente
entre os receptores de etnia negra após 24 meses de
transplante (87,4% vs. 93,5%) (Tabela 4). Entretanto, a
sobrevida do enxerto com óbito censorado, em nosso
estudo, foi a mesma entre receptores negros e não negros
(93,9% vs. 94,3%). Tais resultados diferem dos observados nos EUA, em que as sobrevidas dos pacientes,
brancos e afro-americanos, entre 2001 e 2004, tanto com
doador vivo (94,8% vs. 94,5%) como com doador falecido (90,4% vs. 89,4%), foram similares 4. Já as sobrevidas dos enxertos, tanto com doador vivo (88,8% vs.
83,3%) como com doador falecido (82,0% vs. 75,1%),
foram inferiores entre os receptores afro-americanos 4.
Os fatores de risco determinantes desse resultado
inesperado não puderam ser determinados, uma vez que
não observamos diferenças na incidência de rejeição
aguda e de óbito por infecção entre negros e não negros.
Avaliação mais detalhada faz parte de um estudo em
andamento. Finalmente, fatores tradicionais como incidência de rejeição aguda, função retardada do enxerto e
valor de creatinina após seis meses de transplante ainda
têm impacto sobre as sobrevidas do enxerto e paciente.
A análise multivariada de risco confirmou que
etnia negra e doador falecido são as únicas variáveis que
influenciaram negativamente a sobrevida do paciente,
sendo que doador falecido continuou a ser fator de risco
mesmo tardiamente. Essa variável também influenciou a
sobrevida do enxerto e enxerto com óbito censorado,
inclusive para aqueles receptores que completaram seis
meses de transplante.
A ocorrência de rejeição aguda esteve associada a
uma redução na sobrevida do enxerto e do paciente.
Estratégias de imunossupressão que associam indução com
timoglobulina reduzem essa incidência para cerca de 5%12;
tal esquema de tratamento não é utilizado como regra, visto
que há possibilidade de aumentar a, já elevada, taxa de
óbitos por infecção (65%). Mesmo considerando que as
perdas de enxerto ocorridas até o sexto mês de transplante
tenham sido determinantes, o doador com critério expandido, a rejeição aguda e a qualidade da função renal aos seis
meses (Cr>1,5mg/dL) continuaram a representar risco para
a sobrevida do enxerto para aqueles receptores que
ultrapassaram os seis meses de transplante.
Nesse estudo, órgão de doador falecido com ou
sem critério expandido, a ocorrência de retardo na função
inicial e de rejeição aguda e a qualidade da função renal
aos seis meses de transplante estiveram associados com
os desfechos clássicos do transplante renal. A etnia negra
esteve associada a uma menor sobrevida do paciente,
porém estudos mais detalhados são necessários para
determinar os fatores de risco envolvidos nesse achado.
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Fatores de Risco Após o Transplante Renal
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