UNIVERSIDADE FUMEC Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Matheus Bonaccorsi Fernandino GOVERNANÇA JURÍDICA NAS EMPRESAS FAMILIARES Belo Horizonte 2013 Matheus Bonaccorsi Fernandino GOVERNANÇA JURÍDICA NAS EMPRESAS FAMILIARES Dissertação apresentada no Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito, da Universidade FUMEC, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito. Área de Concentração: Regulação e Autonomia Privada Orientador: Prof. Dr. Frederico Gabrich de Andrade Belo Horizonte 2013 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por todas as coisas. Aos meus pais pelo dom da vida e educação. À esposa Renata pela compreensão. Aos mestres Frederico Gabrich de Andrade e Antônio Carlos Diniz Murta pelos ensinamentos jurídicos, possibilidade de formação acadêmica e paciência com as minhas dificuldades. Para que servem os freios de uma automóvel? Para parar ou para poder andar mais rápido? Desenvolver políticas estratégicas, Governança Corporativa e mecanismos de proteção e controle são como freios do carro: em primeiro lugar permitem andar mais rápido. Segundo, parar, se necessário. Possibilitam sonhar alto e agir rapidamente e com segurança. Empreendedores e as famílias empresárias desenvolvem empreendimentos perseguindo sonhos. Geralmente desejam criar um futuro para as próximas gerações. As políticas estratégicas, as políticas de governança e os mecanismos de proteção para as famílias empresárias são a preservação de um legado, a manutenção de um sonho. Portanto “o sonho do controle das empresas familiares” pode ser realizado por várias gerações. Werner Bernholdt RESUMO As organizações familiares são formadas por uma estrutura interna composta de três feixes de relações jurídicas distintas e sobrepostas que envolvem família, propriedade e gestão. Eles interagem de forma simultânea no dia a dia da exploração da atividade econômica organizada, refletindo por completo no desenvolvimento e sobrevivência dessas organizações empresariais ao longo do tempo. Além disso, nas empresas familiares se verifica a ocorrência do fenômeno da “transmudação das relações jurídicas”, no qual é possível identificar a mudança da natureza jurídica dos direitos e obrigações entre os “familiares”. Tudo isso causa dificuldades ou impede a administração eficaz e segura das empresas familiares, que enfrentam problemas no desenvolvimento de uma gestão estratégica e planejada para a conservação do patrimônio nas mãos da família e sobrevivência do negócio empresarial ao longo do tempo. O planejamento e a elaboração de estruturas legais de Governança Jurídica se apresentam como uma solução segura e eficaz para as empresas familiares. A implementação de medidas de Governança Jurídica de forma contínua possibilita que as organizações familiares possam prevenir, amenizar ou dirimir os conflitos de interesses entre os sócios. A implantação e desenvolvimento da Governança Jurídica constitui um trabalho sem fim, sob pena de se tornar obsoleto e ineficaz com o tempo. Sua elaboração deve começar pela implementação das práticas de análise da adequação e conformação da “Tipicidade Societária”, de criação de Holding Familiar de Participações, e de instituição de Conselho de Administração como órgão obrigatório de gestão, já que são estruturantes e indispensáveis. Além dessas, outras medidas de Governança Jurídica poderão ser propostas no caso concreto pelo profissional do Direito e adotadas conjuntamente ou de forma sucessiva pelas empresas familiares, na eterna busca por uma gestão mais segura e eficaz para a conservação do patrimônio nas mãos da família e sobrevivência do negócio empresarial ao longo do tempo e gerações. Palavras-chave: Empresas Familiares. Propriedade. Família. Gestão. Governança Jurídica. Governança Corporativa. Governança Familiar. ABSTRACT Family organizations are formed by an internal structure consisting of three (3) distinct bundles of legal relations and overlapping involving "family", "ownership" and "management." They interact simultaneously in day to day operation of organized economic activity, reflecting in full in the development and survival of business organizations over time. Moreover, in family businesses demonstrates the occurrence of the phenomenon of " transmutation of legal relations "in which it is possible to identify the change of the legal nature of the rights and obligations between the "family". All this causes difficulties or prevents the safe and effective management of family businesses, who face problems in developing a strategic and planned management for conservation of heritage in the hands of family and survival of entrepreneurial business over time. The planning and preparation of legal structures "Corporate Governance" presented as a safe and effective solution for family businesses. The implementation of measures "Legal Governance" continuously enables family organizations can prevent, mitigate or resolve conflicts of interest among members. The development and deployment of "Legal Governance" is a dead-end job, otherwise become obsolete and ineffective over time. Your preparation should begin by implementing practices and conformation analysis of the adequacy of the "Corporate typicality", creating Family Holding of Shares, and the institution of the Board of Directors as required governing body, as are structural and essentials. Besides these, other measures of "Legal Governance" will be proposed in this case by professional law and adopted jointly or successively by family firms in the eternal quest for a safer and more effective management for the conservation of heritage in the hands of family and survival of business enterprise over time and generations. Keywords: Family Business. Property. Family. Management. Corporate Governance. Corporate Governance. Family Governance. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 7 2 IMPORTÂNCIA DAS EMPRESAS FAMILIARES ..................................................... 10 3 CONCEITUAÇÃO DE “EMPRESA FAMILIAR”....................................................... 17 3.1 Perfil jurídico adotado ............................................................................................. 17 3.2 Conceito de Empresa Familiar ................................................................................ 22 4 COMPLEXIDADE DAS RELAÇÕES JURÍDICAS NAS EMPRESAS FAMILIARES .................................................................................. 29 5 GOVERNANÇA JURÍDICA NAS EMPRESAS FAMILIARES .................................... 41 5.1 Aspectos conceituais da Governança Jurídica ......................................................... 42 5.2 Governança Jurídica, Governança Corporativa e Governança Familiar ................. 45 5.3 Instrumentos de Governança Jurídica..................................................................... 56 5.3.1 Análise da adequação e conformação da “tipicidade societária” .................... 61 5.3.2 Criação de holding familiar de participações................................................... 78 5.3.3 Instituição de Conselho de Administração como órgão de gestão .................... 88 5.3.4. Celebração de um “Acordo de Acionistas” ou “Acordo de Cotistas” entre os sócios da família empresária ........................................................................... 96 6 CONCLUSÃO ............................................................................................................... 106 REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 110 7 1 INTRODUÇÃO As empresas familiares têm forte presença na economia capitalista de diversas nações ao redor do mundo, encontrando-se presentes de forma extraordinária em diversas economias de livre mercado e gerando boa parte dos empregos do planeta. Há empreendimentos familiares com diferentes características de tamanho, receita de faturamento, números de empregados e ramos de atividades negociais. Podem variar desde pequenas empresas regionais até grandes conglomerados multinacionais com atuação negocial em vários segmentos de mercado. Talvez, pelo fato de justamente possuírem diferentes formas, até o momento não se conseguiu chegar a uma definição conceitual objetiva que reúna todas elas, abrangendo todas as multiplicidades de formas das empresas familiares. Do ponto de vista jurídico, a classificação que se entende mais adequada é aquela baseada na “Perspectiva de Poder” da família sobre a organização empresarial. Uma “empresa familiar” será aquela em que os membros de uma mesma família exercem, do ponto de vista jurídico, o controle societário sobre o empreendimento. A “empresa” será considerada como de “caráter familiar” se pessoas ligadas pelo vínculo de parentesco detiverem a totalidade ou a maior parte da titularidade dos direitos de voto das cotas ou ações de uma organização empresarial, de tal forma que seja assegurado à família o controle societário dessa empresa. As empresas familiares são formadas por uma estrutura interna composta de três feixes de relações jurídicas distintas e sobrepostas: a “família e seus membros”, a “propriedade das cotas e ações” e, ainda, a “gestão do empreendimento”. Nas organizações empresariais de caráter familiar, é possível constatar a ocorrência de três grupos de interações jurídicas que envolvem as “relações de parentesco”, a “titularidade do capital votante das cotas ou ações” e, por último, o “exercício do poder de controle da administração da empresa”. São eles: família, propriedade e gestão, todos relacionados aos membros de uma mesma família na atividade empresarial. Os integrantes das empresas familiares deixam de ser apenas “parentes” dentro do seio familiar para se relacionarem também como empreendedores inseridos numa estrutura societária empresarial. As relações jurídicas entre os envolvidos, que até então eram tratadas sob a ótica do Direito de Família, transformam sua natureza, passando a ser regulamentadas por outros “princípios”, “regras” e “valores” jurídicos no âmbito do Direito Empresarial. 8 Trata-se da ocorrência do fenômeno da “transmudação das relações jurídicas” dentro das empresas familiares. Em cada empreendimento é possível identificar a real mudança da natureza jurídica das relações entre os “familiares”, a partir do momento que eles passam a interagir entre si sob uma nova e diferente perspectiva jurídica, qual seja, a de “sócios” de uma organização empresarial. Com isso, as empresas familiares normalmente enfrentam enormes dificuldades no desenvolvimento de uma administração planejada e na sobrevivência no mercado. Devido à coexistência das relações jurídicas de família, propriedade e gestão; nas corporações familiares há um entrelaçamento de interesses pessoais e visões entre os envolvidos que dificulta ou impede a implementação de medidas claras e eficazes de gestão administrativa nos negócios empresariais. Nesse sentido, tais empresas precisam adotar determinadas “medidas” com o fim de organizar melhor as relações jurídicas entre os envolvidos e clarear o entendimento dos direitos e obrigações pessoais, inerentes a cada sistema da família, propriedade e gestão. Nessas organizações, é necessário implementar de forma sistemática e contínua “práticas” que possibilitem prevenir, amenizar e dirimir os conflitos de interesses inerentes à cumulação de papéis e funções simultâneos pelos seus integrantes. As empresas familiares detêm ampla liberdade de iniciativa e atuação empresarial para elaborarem as medidas jurídicas que julgarem mais adequadas a seu caso, visando ao exercício de uma gestão empresarial menos conflituosa e segura. Com fulcro nos princípios da “autonomia privada” e da “livre iniciativa”, que regem o Direito Privado, elas podem elaborar inúmeras e diferentes medidas jurídicas consultivas com a finalidade de prevenção e resolução dos conflitos envolvendo os seus “parentes” no exercício da uma gestão empresarial. Diante disso, precisam romper com o senso comum de que medidas jurídicas servem apenas para resolver de forma reativa problemas já existentes, normalmente já em conflito na esfera judicial. É preciso enxergar que o conhecimento da técnica jurídica pode ser empregado de forma consultiva para auxiliar a tomada de decisões nos negócios (suporte preventivo na análise do risco), a busca de soluções empresariais (formatação mais adequada para os negócios e novas demandas), o planejamento estratégico da corporação (busca por melhores resultados) e, ainda, a prevenção de conflitos societários (segurança para os membros da família investidora). 9 Com esse viés, o presente trabalho pretende chamar a atenção das empresas familiares sobre a importância do planejamento e elaboração de estruturas legais de Governança Jurídica dentro da visão estratégica adotada pela organização empresarial. A fim de atingir esse objetivo, nesta introdução é realizada uma contextualização do tema empresas familiares. No primeiro capítulo, será abordada a importância desses empreendimentos no mundo e no Brasil, com apontamento de estatísticas numéricas que comprovam que elas representam a maior parte das organizações empresariais em diversos países. No capítulo 2, será analisado o significado da expressão “empresa familiar” sob o ponto de vista jurídico, distrinchando os conceitos das palavras “empresa” e “familiar” com base no ordenamento legal vigente. No capítulo seguinte, será feita uma análise jurídica sobre a estrutura das relações internas das empresas familiares que envolvem a família, propriedade e gestão, bem como do fenômeno da “transmudação das relações jurídicas”, que geram dificuldades no desenvolvimento de uma gestão estratégica e planejada para a conservação do patrimônio nas mãos da família e sobrevivência do negócio empresarial ao longo do tempo. No capítulo 4, será feita a construção lógico-racional do conceito de Governança Jurídica dentro das empresas familiares, diferenciando-o da Governança Corporativa e da Governança Familiar. Nesse mesmo tópico, serão exemplificadas algumas medidas práticas de Governança Jurídica passíveis de serem adotadas pela família empresária, e será desenvolvida uma análise pormenorizada sobre as medidas jurídicas de adequação e conformação da “Tipicidade Societária”, criação de Holding Familiar de Participações, instituição de Conselho de Administração como órgão obrigatório de gestão e, ainda, a celebração de um “Acordo de Acionistas” ou “Acordo de Cotistas” entre os sócios da família empresária. Ao final, serão abordadas as conclusões sobre a importância da Governança Jurídica nas empresas familiares, demonstrando que ela se apresenta como uma solução segura e eficaz para que tais empresas possam prevenir, amenizar ou dirimir os conflitos de interesses entre os sócios advindos da sobreposição das relações de família, propriedade e gestão, assim como aqueles advindos do fenômeno da “transmudação das relações jurídicas”. A implementação dessas medidas jurídicas de forma contínua possibilita uma gestão mais segura e eficaz para a conservação do patrimônio nas mãos da família e sobrevivência do negócio empresarial ao longo do tempo e gerações. 10 2 IMPORTÂNCIA DAS EMPRESAS FAMILIARES As empresas familiares constituem uma parcela significativa dos grandes grupos empresariais mundiais e também nacionais. Estudos1 revelam que as empresas familiares representam a grande maioria das organizações do mundo, o que lhes garante um lugar de destaque na economia mundial. Normalmente são identificadas2 como de “pequeno porte”,3 mas podem se desenvolver e se transformar em grandes organizações multinacionais, tais como: WalMart (família Walton), Ford (família Ford), Grupo Samsumg (família Lee), Grupo LG (família Koo), Carrrefour (família Defforey), Fiat (família Agnelli), Cargil (famílias Cargill/MacMillna), Peugeot-Citroen (família Peugeot), BMW (família Quandt), Banco Santander (família Botín), Bosch (família Bosch), Motorola (família Gavin), Norvatis (família Landolt), Bouygues (família Bouygues), Hyundai (família Chung) (MOREIRA JUNIOR, 2007). Nesse sentido, as empresas familiares têm forte presença na economia capitalista de diversas nacionalidades. As estatísticas4 listadas mais adiante demonstram que as companhias com caráter familiar estão presentes de forma extraordinária em diversos locais e não perderam o vigor com o passar dos anos. Mesmo com o aumento das alternativas de financiamento da atividade empresarial (tais como bancos 5 de desenvolvimento econômico,6 1 2 3 4 5 Ao longo deste capítulo serão mencionados vários dados numéricos a respeito das empresas familiares no Brasil e no mundo, colhidos de diversas fontes e autores. Essa imagem sobre as empresas familiares acontece porque a maioria dessas sociedades empresárias inicia de forma diminuta as suas atividades empresariais com base, quase que exclusivamente, nas ideias, empenho e investimentos dos indivíduos idealizadores-empreendedores, em alguns casos ajudados por seus parentes. Casais juntam suas economias e dirigem lojas em conjunto. Irmãos e irmãs aprendem o negócio dos pais desde crianças, ficando atrás dos balcões ou na plataforma de carga depois da escola. (RICCA, 2007). O conceito de “pequeno porte” empregado nessa expressão abrange os 2 (dois) conceitos jurídico-econômicos dispostos na Lei Complementar nº 123/06, que institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, a respeito de: (i) “microempresa” (ou ME), que é a pessoa jurídica que aufere o faturamento bruto anual igual ou inferior a R$360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e (ii) “empresa de pequeno porte” (ou EPP), que é a pessoa jurídica que obtém o faturamento bruto anual superior a R$360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais). Os números das pesquisas realizadas são variáveis e, não raro, não coincidentes porque dependem do próprio conceito de “Empresa Familiar” adotado pelo pesquisador. Eles sempre oscilam em alguns pontos percentuais para mais ou para menos de acordo com os requisitos e critérios adotados. No entanto, todas as pesquisas apontam como resultado uma grande quantidade percentual de empresas familiares presentes nas economias capitalistas, o que se permite tomar como verdadeira a afirmação de que as empresas familiares representam a maioria das empresas. Conforme disposto na Resolução nº 394/76 do Conselho Monetário Nacional (CMN) (CMN, 1976), os bancos de desenvolvimento são instituições financeiras controladas pelos governos estaduais, e têm como objetivo precípuo proporcionar o suprimento oportuno e adequado dos recursos necessários ao financiamento, a médio e a longo prazos, de programas e projetos que visem a promover o desenvolvimento econômico e social do respectivo Estado. As operações passivas são depósitos a prazo, empréstimos externos, emissão ou endosso de cédulas hipotecárias, emissão de cédulas pignoratícias de debêntures e de Títulos de Desenvolvimento 11 instituições financeiras,7 fundos de investimentos,8 “fundos private equity e venture capital”),9 capitais, 11 10 participação de milhares de acionistas anônimos por meio do mercado de e o crescimento das corporações tidas como impessoais; as empresas familiares ainda representam a maioria dos empreendimentos em vários países, compreendendo desde Econômico. As operações ativas são empréstimos e financiamentos, dirigidos prioritariamente ao setor privado. Devem ser constituídos sob a forma de sociedade anônima, com sede na capital do Estado que detiver seu controle acionário, devendo adotar, obrigatória e privativamente, em sua denominação social, a expressão "Banco de Desenvolvimento", seguida do nome do Estado em que tenha sede. 6 Além dos bancos de desenvolvimento estaduais, importante mencionar o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), empresa pública federal voltada para o financiamento de projetos de investimentos, aquisição de equipamentos e exportação de bens e serviços em todos os segmentos da economia. Além disso, o Banco atua no fortalecimento da estrutura de capital das empresas privadas e destina financiamentos não reembolsáveis a projetos que contribuam para o desenvolvimento social, cultural e tecnológico (BNDES, 2012). 7 Nos termos do art. 17 da Lei nº 4.595/64, consideram-se instituições financeiras as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Da mesma forma, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas acima, de forma permanente ou eventual (BRASIL, 1964). 8 Os fundos de investimentos são condomínios, divididos em cotas, que reúnem as aplicações de vários indivíduos para investimentos em carteiras de ativos disponíveis no mercado financeiro e mercado de capitais. Tais fundos revelam uma maneira organizada de captar recursos individuais e investir de forma coletiva em títulos e valores mobiliários, tendo suas atividades devidamente fiscalizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e regulamentadas pela Instrução CVM nº 409/04. 9 De acordo com a Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), os “fundos de private equity e venture capital” são tipos de investimento que objetivam a participação em empresas com alto potencial de crescimento e rentabilidade, por meio da aquisição de ações ou de outros valores mobiliários (debêntures conversíveis, bônus de subscrição, entre outros), visando obter ganhos expressivos de capital, a médio e longo prazo. Tais fundos se destinam a transformar pequenas e médias empresas em grandes companhias, disponibilizando oportunidades adequadas para financiar o seu crescimento, com apoio para a criação de estruturas adequadas de governança corporativa, foco no crescimento e lucratividade, bem como na sustentabilidade futura do negócio (ABVCAP, 2012). No Brasil, esses fundos e seus gestores-administradores são fiscalizados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e regulamentados pelas Instruções CVM nº 209/94 (Fundos Mútuos de Empresas Emergentes – normalmente voltados ao “venture capital”) e CVM nº 391/03 (Fundos de Investimento em Participações – aplicáveis aos veículos de “venture capital e private equity”). 10 Embora não exista consenso, Zeidan e Veras (2009) explicam que se busca diferenciar os investimentos de venture capital e private equity de acordo com o grau de desenvolvimento da empresa investida. Enquanto os fundos de venture capital buscam oportunidades em empresas que se encontram em estágio de prédesenvolvimento, gestores de private equity procuram empresas em fase mais madura. Isso não implica dizer que ações de governança sejam necessariamente diferenciadas em cada caso, já que o grau de comprometimento do investidor, tanto na gestão quanto no controle de quaisquer dos fundos, depende de questões específicas de cada negócio combinado com a estratégia de atuação do investidor. 11 O mercado de capitais (também chamado de “mercado de valores mobiliários”) é aquele em ocorrem as negociações e intermediações dos valores mobiliários e outros títulos criados ou emitidos pelas sociedades anônimas (ações, debêntures, bônus de subscrição e os cupons desses títulos; certificados de depósito de valores mobiliários; cédula de debênture; cotas de fundos de investimentos em valores mobiliários ou de clubes de investimentos em quaisquer ativos; notas comerciais; contratos futuros, de opções e outros derivativos; quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante da prestação de serviços). Esse mercado é composto pelas bolsas de valores, mercado de balcão organizado e entidades do mercado de balcão não-organizado (1 - instituições financeiras e demais sociedades que tenham por objeto distribuir emissão de valores mobiliários; 2- sociedades que tenham por objeto compra de valores mobiliários em circulação no mercado, para os revender por conta própria; 3- sociedades e agentes autônomos que exerçam atividades de mediação na negociação de valores mobiliários, em Bolsas de Valores ou no mercado de balcão organizado), nos termos dos arts. 2, 15, 21 e 22 da Lei nº 6.385/76. 12 pequenas propriedades até grandes empreendimentos ranqueados entre os maiores e mais bem-sucedidos do mundo. Em termos gerais, as estimativas numéricas indicam que cerca de 65% a 80% de todas as empresas do mundo são familiares (PORTAL TUDO EM FAMÍLIA, 2011). Ou que os empreendimentos familiares representam entre 80% e 98% dos negócios em economias livres no mundo e geram aproximadamente 85% dos empregos do planeta (TONDO, 2008). Nos Estados Unidos, os grupos familiares empregam 62% da força de trabalho, respondendo por 64% do produto interno bruto e movimentam aproximadamente 2/3 da Bolsa de Nova York (LANDES, 2007).12 Na União Europeia, os empreendimentos familiares representam 60% a 90% do mercado, sendo 70% na Espanha (LETHBRIDGE, 2005), 75% na Inglaterra (LETHBRIDGE, 2005), 80% na Alemanha (LETHBRIDGE, 2005), 70% em Portugal (BORNHOLDT, 2005), 85% na Suíça (BORNHOLDT, 2005), 90% na Suécia (BORNHOLDT, 2005), 95% na Itália (BORNHOLDT, 2005) e entre 60% e 70% na França (LANDES, 2007), onde as famílias controlam mais de 50% das 250 maiores empresas listadas na Bolsa de Valores de Paris.13 Para ilustrar a força econômica das empresas familiares ao redor do mundo, citam-se como exemplos grandes conglomerados empresariais presentes em diversos países e com ramos de atuação distintos.14 São grandes empresas e multinacionais que permanecem controladas por suas famílias fundadoras. No QUADRO 1 tem-se uma demonstração das maiores corporações transnacionais de caráter familiar existentes no mundo sob o critério de faturamento bruto auferido com as suas diferentes atividades setoriais: 12 Nos Estados Unidos, em meados dos anos 90 (noventa), mais de 90% (noventa por cento) das empresas eram unidades familiares, respondendo por mais da metade dos bens e serviços do país; além disso, um terço das empresas relacionadas na Fortune 500 (as quinhentas maiores do país) era controlado por famílias ou contavam, em seus Conselhos de Administração, com membros das famílias fundadoras. E mais: estas famílias costumavam desempenhar-se muito melhor, superando de longe a média das concorrentes gerenciadas (não familiares) (LANDES, 2007). 13 Landes (2007) aponta os dados estatísticos relativos à França com fulcro no artigo “Multi-generations French family firms”, escrito por Christine Blondel e Ludo Van de Herden em “Families in Business”, e publicado no mês de abril de 2002. 14 Segundo Bueno, é erro comum classificar as empresas entre familiares e multinacionais, como se aquelas não pudessem ser multinacionais e somente fossem compostas de pequenos e médios empreendimentos. É certo se afirmar que a minoria das empresas familiares são multinacionais, fato que também ocorre com as demais instituições, já que no universo empresarial esses conglomerados transnacionais são realmente minoritários, mas não se pode concluir que o critério geográfico é o que diferencia a empresa de familiar da não familiar (BUENO, 2007). 13 Família Empresa País Setor Faturamento (em U$ bi) Participação da Família (Ações com direito a voto) Walton Wal-Mart EUA Varejo 244,5 38% Ford Ford EUA Automobilístico 164,1 40% Lee Samsung Coréia do Sul Diversos 101,4 22% Defforey Carrefour França Varejo 88,4 29% Peugeot PeugeotCitroën França Automobilístico 68,3 42% Agnelli Fiat Itália Automobilístico 63,3 30% Quadro 1 – Maiores empresas familiares do mundo em faturamento Fonte: Costa (2010) Levantamentos feitos em 2004 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) apontaram que existiam no Brasil cerca de 4,1 milhões de empresas constituídas formalmente nos ramos da indústria, comércio e serviços, sendo certo que desse total 3,1 milhões não possuíam empregados e eram operadas apenas pelos seus fundadores, com a ajuda de familiares (COSTA, 2010). Como não existem pesquisas específicas para o levantamento desses números,15 estima-se que o percentual de participação dos empreendimentos familiares é de 85% (BORNHOLDT, 2005) a 90% (LETHBRIDGE, 2005) sobre o universo total de empresas existentes no país. Alguns consultores e especialistas trabalham com o número de 90% como sendo o correto para representar a participação das empresas familiares na economia nacional (MOREIRA JUNIOR, 2007). E, quando a análise é feita somente sobre o universo das micro e pequenas empresas, esse percentual aumenta de 90% para 95%, com predominância de ocorrência nos setores de agronegócio, comércio e serviços (GENTIL, 2003). Realmente, tal fato não é difícil de ser comprovado. A maior parte dos estabelecimentos comerciais que qualquer cidadão frequenta ou com que se relaciona todos os dias para adquirir os produtos e serviços necessários à sua sobrevivência são predominantemente de cunho familiar. Trata-se de pequenos e médios estabelecimentos, como padarias, escolas, supermercados, empresas de transporte coletivo, concessionárias de veículos, construtoras, incorporadoras, hospitais, contabilidades, escritórios de advocacia, 15 Como se verá no próximo capítulo, uma das dificuldades para a determinação exata desses números estatísticos reside na própria indeterminação conceitual de “empresa familiar”. Os critérios adotados para a consideração de um empreendimento empresarial como de caráter familiar são muitos, variando conforme a ótica do pesquisador. 14 dentre outros segmentos, que são fundados no âmago familiar e passam a ser administrados por pessoas com alguma relação de parentesco. Ainda sob a ótica de tamanho, com o foco agora voltado para o sentido oposto, dentre as 264 maiores empresas de capital nacional listadas em Melhores e Maiores da Revista Exame publicada no ano de 2005, 142 delas tinham características de empresa familiar. Isso significa que, dentre as maiores empresas brasileiras classificadas sob o critério de faturamento bruto, cerca de 54% delas são familiares (LETHBRIDGE, 2005). Em todas as pesquisas citadas acima os números impressionam. A quantidade de empresas familiares no mundo, e em particular no Brasil, é enorme dentro do universo econômico (movimentação financeira) e empresarial (quantidade de unidades produtivas) dos países analisados. Ainda que alguns afirmem que a existência do “modelo profissional de gestão”16 irá eliminar por completo o aspecto familiar dentro das empresas, especialmente na medida em que vão crescendo e se tornando grandes corporações (LANDES, 2007); a continuidade dos estudos sobre as empresas familiares se faz necessária diante dos números apresentados. Mesmo que analistas em gestão apontem que a tendência no mundo empresarial será a adoção progressiva do formato impessoal17 na administração das médias e grandes empresas, a realização de estudos sobre os empreendimentos familiares continua sendo necessária diante das estatísticas apresentadas acima, que desmentem esse prognóstico.18 Isso porque as empresas familiares nunca deixarão de existir. E muito provavelmente o número de empresas familiares não diminuirá com o passar do tempo. Mesmo com a adoção do “formato profissional de gestão” por algumas corporações empresariais, inclusive e eventualmente 16 pelos próprios empreendimentos familiares como mecanismo de No “modelo profissional de gestão” (também chamado de “modelo corporativo de gestão”), a gestão da empresa é feita por executivos-profissionais com formação acadêmica específica e recrutados no mercado de trabalho (sem relação de parentesco com a família empresária), que passam a ocupar cargos nos órgãos de gestão da companhia (Diretorias e Conselhos) e cumprem regras rígidas de governança corporativa. 17 O sentido de impessoalidade ora utilizado se relaciona com a desvinculação de grau de parentesco para escolha de gestor de uma Companhia. 18 Trata-se de desperdício de tempo diante da existência e crescimento do “modelo profissional de gestão”. A afirmação consiste em dizer que o formato da gestão nas empresas familiares é obsoleto e fadado ao insucesso, já que utiliza parentes escolhidos pela relação de confiança para a condução das atividades empresariais e não pela competência, como apregoado no “modelo profissional corporativo de gestão”. Trata-se de um pensamento limitado posto que, como se verá nos próximos Capítulos, o caráter familiar de uma empresa não se confunde necessariamente o sistema de gestão adotado. Podem existir, como de fato existem, corporações familiares que adotam o “modelo profissional de gestão” e nem por isso deixaram de ter a família como principal proprietária e controladora do negócio, imprimindo nas atividades empresariais o viés familiar (todavia, com a implementação de mecanismos de governanças jurídica e corporativa, é possível separar a propriedade da gestão). 15 profissionalização da sua administração por meio da contratação de executivos de mercado;19 a propriedade do empreendimento comercial provavelmente continuará nas mãos da família. Não obstante o formato de gestão adotado no empreendimento, o domínio sobre a atividade empresarial tenderá sempre a permanecer nas mãos da família fundadora do negócio. Nesse sentido, os patriarcas proprietários do empreendimento familiar buscarão quase sempre a possibilidade de que seus filhos e netos participem dos negócios da família, disponibilizando a eles o acesso ao negócio da família como forma de lhes proporcionar uma vida mais segura e próspera, com possibilidade diferenciada de ganho financeiro e perpetuação dos negócios da família nas mãos de pessoas próximas e confiáveis. Por outro lado, de forma correspondente se observa que os herdeiros também criam certa expectativa de participar dos negócios da família e serem donos do empreendimento. Em regra, se verifica que culturalmente existe o entendimento de um possível “direito divino de herança” difundido entre os herdeiros, em que esses sucessores se sentem imbuídos do direito de participar, gerir e receber o patrimônio do pai como benefício pessoal e, se possível, ainda com o seu genitor em vida (LANDES, 2007).20 Além disso, especificamente no Brasil o estudo das empresas familiares possui grande relevância e utilidade. Isso se deve à sua economia, que ainda se encontra em desenvolvimento, com a maior parte do seu setor empresarial sendo formada por pequenas e médias empresas de origem familiar,21 responsáveis por boa parte da geração de empregos e da riqueza nacional. São nesses pequenos e médios empreendimentos nacionais de cunho familiar que se encontra o verdadeiro ganho de desenvolvimento do país. Em regra, a riqueza resultante do giro empresarial desses empreendimentos permanece investida no próprio país. Todos os benefícios econômicos gerados com a exploração dessa atividade empresarial, incluindo os 19 Aqui, importante desde já perceber que o desenvolvimento da atividade empresarial pela família capitalista pode ser exercido com a separação entre a propriedade sobre o empreendimento e a gestão adotado. A titularidade total, parcial ou controlada da empresa poderá continuar nas mãos da família, com a sua administração sendo exercida de forma profissional por terceiros na qualidade de executivos da corporação. 20 Além da herança, para os sucessores, os bônus típicos de pertencer a uma família empresária são: status; poder; relacionamentos facilitados; posição diferenciada na comunidade em que vive; e oportunidades emergentes advindas do padrão econômico e cultural mais elevado. Em contrapartida, os ônus são: altas expectativas da família em relação ao seu desempenho pessoal nas diversas áreas da sua vida; esperança de manutenção e crescimento do empreendimento da família; cobranças de sucesso empresarial; exposição pessoal no meio empresarial; e a ausência de “anonimato” na comunidade em que vive (TONDO, 2007). 21 São empresas que nascem do impulso criativo e empreendedor do seu idealizador, desenvolvem-se no âmbito familiar e têm projeção econômica local. 16 lucros acumulados, reinvestidos ou distribuídos aos sócios, são revertidos para o desenvolvimento da economia nacional porque continuam nas mãos de residentes no país.22 Assim, pode-se afirmar que o capitalismo que envolve as empresas familiares é de suma importância para o Brasil. A economia advinda desses empreendimentos gera o verdadeiro crescimento estruturante e sustentável do país, trazendo melhores condições de vida para toda a sua população, tanto sob a perspectiva de aumento de renda para o cidadão, quanto também de uma melhor distribuição de renda. Por isso, diante do aspecto quantitativo revelado pelos números acima e da repercussão econômica das suas atividades empresariais no mundo, a realização de estudos que busquem maior conhecimento sobre o funcionamento das empresas familiares é de suma importância. O desenvolvimento de trabalhos que almejem a melhor compreensão dos empreendimentos familiares é sempre muito profícuo para o desenvolvimento e crescimento das atividades empresariais do país. Especificamente no Brasil, estudar os aspectos das empresas familiares significa conhecer melhor boa parte do segmento empresarial do país. Estimular pesquisas acadêmicas e o desenvolvimento de temas sobre os empreendimentos familiares permite compreender de 80% a 90% das unidades produtivas que movimentam a economia nacional, geram renda, concedem empregos, diminuem a desigualdade e, ainda, possibilitam o efetivo crescimento do país a médio e longo prazo. 22 Nas empresas multinacionais, toda (ou quase toda) a riqueza gerada é transferida para as suas matrizes no exterior, sem maiores compromissos com o verdadeiro desenvolvimento local (sustentável e estruturante). 17 3 CONCEITUAÇÃO DE “EMPRESA FAMILIAR” Neste capítulo, tem-se como objetivo tecer alguns esclarecimentos iniciais sobre os entendimentos existentes em torno da expressão “empresa familiar”. Diante da diversidade de conceitos, cumpre determinar qual será a definição conceitual adotada neste trabalho e o respectivo sentido jurídico de cada um desses termos no universo do Direito. Para facilitar a compreensão jurídica, a expressão “empresa familiar” será analisada em duas partes e explicada de maneira segmentada com fulcro na atual legislação cível e empresarial vigente no país. Na primeira parte, será abordado o aspecto jurídico da palavra “empresa” dentro do contexto do Código Civil de 2002 (CC/02)1 e com o advento da “Teoria da Empresa”,2 adotada por esse diploma legal. Em seguida, será apresentado o entendimento jurídico sobre o vocábulo “familiar” (que adjetiva a palavra “empresa”), voltado para o universo técnico específico do Direito Societário, especialmente da Lei nº 6.404/76. 3.1 Perfil jurídico adotado Como dito, importante esclarecer inicialmente o sentido jurídico do termo “empresa” empregado na expressão “empresa familiar”. Tendo em vista que o termo possui semântica 1 2 O “novo” Código Civil foi promulgado pela Lei Federal nº 10.406, publicada em 10 de janeiro de 2002, vindo a entrar em vigor 01 (um) ano após a sua publicação, conforme determinou o seu art. 2.044. Com a sua promulgação, houve a revogação expressa do Código Civil anterior, então instituído pela Lei nº 3.071, de 01 de janeiro de 1916, assim como da Primeira Parte do Código Comercial, retratado pela Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. Na “Teoria dos Atos do Comércio”, de origem francesa, até então vigente no Brasil sob a égide do Código Comercial Brasileiro, o critério de identificação do “comerciante‟ se baseava na “natureza” dos atos econômicos que ele praticava de forma profissional. Se os atos estivessem classificados como “mercantes” (atos “de mercancia” ou “do comércio”) pelo Código Comercial e seu Regulamento nº 737/1850, tal prática era considerada como “comercial” e, por consequência, a pessoa praticante daqueles atos um “comerciante”. Com o advento do novo Código Civil em 2002 e a adoção da “Teoria da Empresa”, de origem italiana, o critério de avaliação comercial mudou de perspectiva e passou a ter o seu foco voltado para o “modo” ou “forma” pelo qual os atos econômicos são praticados pelo sujeito. A partir de então, os atos econômicos são classificados como “empresariais” se no seu exercício profissional desempenhado pela pessoa existe certa “organização” (capital, insumo, trabalho e tecnologia) para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Se for verificado que o sujeito desenvolve profissionalmente as suas atividades econômicas de forma “organizada”, os atos praticados serão considerados como “empresariais” e, por consequência, a pessoa que os exerce um “empresário”. Assim sendo, nessa nova ótica da “Teoria da Empresa”, a “empresa” como objeto é a “atividade econômica organizada”, e o “empresário” como sujeito é “quem exerce profissionalmente essa atividade econômica organizada, voltada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” (definição esta que, inclusive, está de forma expressa disposta no art. 966 do CC/02). 18 que pode variar conforme seu emprego, é necessário primeiramente explicar qual o entendimento jurídico que ela possui no contexto da expressão “empresa familiar” empregada neste trabalho. Conforme se verifica dos dicionários da língua portuguesa, o termo “empresa” possui quatro significados diferentes, que dependem do contexto empregado pelo emissor e podem traduzir: (i) aquilo que se empreende, empreendimento; (ii) organização econômica destinada à produção ou venda de mercadorias ou serviços, tendo como objetivo geral o lucro; (iii) em teoria econômica, unidade de produção e vendas; (iv) organização jurídica; firma, sociedade (FERREIRA, 1999; HOUAISS, 2001). Assim sendo, percebe-se que tais significados traduzem possíveis entendimentos etimológicos3 e semânticos4 sobre a palavra “empresa” dentro da língua portuguesa, conforme seja sua origem e evolução no tempo. Também, os conceitos postos nos dicionários correspondem aos seus significados empregados nas diversas áreas do conhecimento humano, sendo neste caso em especial o entendimento advindo da área econômica. Segundo Duarte (2004), isso acontece porque existe certa dificuldade na identificação de uma noção única para a palavra “empresa”. O termo é utilizado de diversas formas nos meios de comunicação em massa, nas relações interpessoais, ou ainda nos livros técnicos das ciências jurídicas ou econômicas. Tal locução peca pela indeterminação, variando de significado de acordo com o contexto no qual foi inserida pelo emissor, fato que naturalmente determina diversidade de entendimentos e por vezes incompreensões entre as pessoas. No universo jurídico, também se observa essa polissemia na aplicação da palavra “empresa” pelos legisladores e operadores do Direito. Esse termo ganha vários significados em diversas áreas dependendo do emprego que for feito pela Lei ou pelo seu intérprete, assumindo assim diferentes conotações jurídicas. Isso não significa que o termo “empresa” não possua um conceito técnico e definido. Como dito anteriormente, do ponto de vista jurídico existe a definição técnica dessa expressão dentro da atual “Teoria da Empresa”, adotada pelo novo Código Civil. Pela atual legislação civil e empresarial pátria, o conceito de “empresa” traduz uma “atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”, conforme se extrai do disposto no art. 966 do CC/02 por meio de uma interpretação “indireta e substancial” da definição legal do conceito de “empresário”. 3 4 A etimologia corresponde ao estudo das palavras, de sua história e das possíveis mudanças dos seus significados (FERREIRA, 1999). Já a semântica refere-se ao estudo das mudanças ou translações sofridas, no tempo e no espaço, pela significação das palavras (FERREIRA, 1999). 19 Apesar desse conceito jurídico, o aspecto econômico do termo sempre influenciou e ainda interfere diretamente na sua interpretação jurídica e seu uso diário. Para Mendonça (2000), não seria possível realizar uma distinção entre os conceitos econômico e jurídico de “empresa”, já que supostamente tratam de uma mesma coisa. No entendimento daquele estudioso, “empresa‟ seria uma organização técnico-econômica que se propõe a produzir, mediante a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital; bens ou serviços destinados à troca (venda), com a esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, pela pessoa (natural ou jurídica) que reúne, coordena e dirige esses elementos sob a sua responsabilidade. O jurista Ascarelli (1947) observou esse fenômeno e explicou que se trata de uma consequência natural advinda da própria opção feita pela adoção da “Teoria da Empresa” como base do Direito Empresarial. Segundo ele, essa teoria confunde, algumas vezes numa única afirmação, elementos diversos. Ela seria exata quando indica “objetivamente” um determinado “sistema de organização técnico-econômica”, mas errônea quando aplicada com sentido “subjetivo” que identifica a “empresa” como um “sujeito de direito”. 5 Em primeiro lugar, é necessário desfazer uma série de equívocos e preconceitos que perturbam a exata compreensão do fenômeno econômico e jurídico que é a “empresa”. O leigo tem noção da “empresa” no sentido objetivo, como se a sua materialização fosse o próprio estabelecimento comercial ou a sociedade, referindo-se a ela como a “minha empresa”. É preciso compreender que “empresa” como entidade jurídica é uma abstração (entidade abstrata), devendo ser reconhecida como organização e trabalho formado de pessoas e bens componentes da azienda (exercício de uma atividade pela ação intencional do empresário – elemento abstrato) no qual, sem exercício dessa organização, não se pode falar em “empresa” (REQUIÃO, 2012). Nesse sentido, Asquini (1943) identificou e analisou a multiplicidade de significados do termo “empresa”, vindo a elaborar o que chamou de “Teoria dos Perfis”.6 Com essa teoria, Asquini tentou explicar que a palavra “empresa” se refere a um “fenômeno econômico poliédrico”, e por isso não poderia ser traduzido (ou simplesmente reduzido) num conceito jurídico único. 5 Neste ponto, realmente é preciso deixar claro que o “sujeito” não pode ser confundido com o “objeto”. O “sujeito de direito” é pessoa do “empresário” que exerce a atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de mercadorias ou de serviços (é “quem” a exerce a atividade). Lado outro, o “objeto de direito” é “empresa” que é o meio e a forma pela qual o empresário exerce as suas atividades, exercendo direitos e contraindo obrigações jurídicas com repercussão econômica. 20 Assim sendo, no entendimento de Asquini (1943) a “empresa” é um “fenômeno econômico” que se desdobra em quatro significados diferentes e simultâneos no mundo jurídico relativos aos seguintes aspectos: subjetivo, institucional, corporativo e organizacional, assim explicados por sua “Teoria dos Perfis”: a) “Conceito Subjetivo”, para identificar as “pessoas” que são sujeitos de direitos e obrigações no mundo jurídico. A palavra “empresa” serviria para se referir às “pessoas naturais ou jurídicas” que poderão exercer em nome próprio a atividade econômica organizada: (i) Empresários Individuais – EI;7 (ii) Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada – EIRELIs;8 e (iii) Sociedades Empresárias;9 b) “Conceito Objetivo” (ou “Patrimonial”), para designar os bens materiais e imateriais que compõem o “estabelecimento comercial”. 10 Neste caso, o termo “empresa” seria empregado para identificar o “complexo de patrimônio organizado” destinado ao exercício das atividades empresariais pelos EIs, EIRELIs e Sociedades Empresárias;11 c) “Conceito Funcional”,12 para traduzir “atividade econômica organizada”.13 Aqui, o termo “empresa” retrataria o “intuito profissional” do empresário de praticar atos econômicos reiterados; a organização de um ou mais fatores de produção (insumo, capital, trabalho, tecnologia) para exercício dessa atividade (“azienda”); e a finalidade de se obter 6 A “Teoria do Perfis” foi lançada por esse estudioso no artigo denominado Profilli dell‟ Empresa. Rivista Del Diritto Commerciale. Milão: Francesco Vallardi, 1943, v. 41, com tradução feita por Fábio Konder Comparato no artigo intitulado Perfis da Empresa. Revista de Direito Mercantil. São Paulo, Saraiva, 2003, v. 104. 7 No Brasil, o “Empresário Individual - EI” é a pessoa natural que exerce em seu nome a atividade típica de empresário (atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços), em pleno gozo da capacidade civil e não impedido legalmente, nos termos dos arts. 966 e 972 do Código Civil. 8 As “Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada – EIRELIs” são pessoas jurídicas de direito privado conforme qualifica o art. 44, constituídas por uma única titular, pessoa natural, para exercer as atividades típicas de empresário, nos moldes do art. 980-A do Código Civil. 9 Já as “Sociedades Empresárias” são pessoas jurídicas de direito privado conforme qualifica o art. 44, constituídas segundo algum dos tipos societários regulados pelos arts. 1.039 a 1.092, e que têm por objeto o exercício de atividade própria de empresário, de acordo com os arts. 982 e 983, sendo todos do Código Civil. 10 Neste ponto, o próprio Alberto Asquini (1943) alertou que em 1942 o Código Comercial Italiano inseriu em seu texto o instituto do “estabelecimento” de forma separada de “empresa”. Naquela ocasião, o Código Italiano adotou “nomen juris” próprio (“estabelecimento”) para designar o fenômeno econômico da empresa sob o perfil objetivo, vinculando o intérprete a não usar mais no universo jurídico a palavra “empresa” com o mesmo significado de “estabelecimento”. 11 No Código Civil Brasileiro, o “Estabelecimento Comercial” também se tornou uma figura típica e com definição própria. O art. 1.142 expressamente o conceitua como complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária. Como observação, cumpre lembrar que a redação desse artigo não cotemplou a figura da EIRELI porque esse instituto somente foi incorporado pelo Código Civil no ano de 2011, com a vigência da Lei nº 12.441/11, que modificou o art. 980-A. 12 De acordo com Bertoldi (2013), o entendimento de que a “empresa” nada mais é senão a “atividade desenvolvida pelo empresário” vai se consolidando entre os estudiosos. Esse termo deve se referir à materialização da iniciativa criadora do empresário, da projeção patrimonial de seu trabalho de organização dos distintos fatores produtivos. 13 Como dito, no Brasil esse é o perfil correto do ponto de vista técnico diante da “Teoria da Empresa” adotada pelo Código Civil a partir de 2002. É a definição que mais se aproxima daquela adotada pelo legislador pátrio ao positivar “diretamente” o conceito de “empresário” no art. 966 e indiretamente o significado de “empresa”. 21 alguma vantagem econômica apropriável como resultado direto da exploração dessa atividade; d) “Conceito Corporativo” (ou “Institucional”), 14 para se referir à formação de uma “classe” ou “segmento” como identificação de uma coletividade de pessoas que atuam em determinado ramo, profissão ou local para exercício da atividade empresarial. Neste aspecto, a “empresa” seria um núcleo ou grupo de pessoas reunidas em torno de uma “finalidade econômica comum”, que incluiria não somente EI/EIRELI/Sociedade (como sujeitos de direitos), como também os eventuais colaboradores, prestadores de serviços, clientes e comunidade local. 15 Dessa maneira, alguns estudiosos como Rodrigues (1977) afirmam que a “Teoria dos Perfis” criada por Asquini se amolda perfeitamente ao ordenamento jurídico brasileiro, que trata a “empresa” mais como um “conceito econômico” do que um “conceito jurídico unitário”. A legislação pátria, em diversas passagens, se refere ao termo “empresa” com diferentes significados, conceituando-a ora como “sujeito”,16 ora como “estabelecimento”,17 ora como “atividade”18 e ora “grupo comum”,19 motivo pelo qual é realmente polissêmica, se considerado todo entendimento jurídico, e não apenas o Direito Empresarial que adota o seu “perfil funcional” como critério técnico correto dentro da perspectiva da “Teoria da Empresa” adotada pelo Código Civil. No presente trabalho, o conceito de “empresa” que será empregado na expressão “empresa familiar” adota fundamentalmente o viés do “Conceito Subjetivo” suscitado na “Teoria dos Perfis” criada por Asquini (1943). A palavra será utilizada para se referir às “pessoas” que são sujeitos de direitos e obrigações no mundo jurídico. Assim, doravante, o termo “empresa” deve ser entendido dentro do contexto jurídico do “Perfil Subjetivo”, servindo para designar as “pessoas naturais ou jurídicas” que poderão exercer em nome próprio a atividade econômica organizada: (i) Empresários Individuais - EI; 14 Na visão de Duarte (2004), a concepção institucional, além de dar uma maior relevância ao fenômeno empresarial, permite uma concepção que abrange as suas múltiplas manifestações sem deixar de dar o necessário relevo à atividade que é o meio pelo qual a instituição-empresa alcança o seu escopo produtivo. 15 Para Martins (1996), o “Perfil Corporativo” revela a “empresa” como um organismo utilizado para o exercício da atividade mercantil, subordinado ou dirigido por uma pessoa física ou jurídica, que tem o nome de empresário. 16 A título de exemplo, veja essa “personificação” ocorrendo no tratamento dispensado pelos arts. 7º, 13, 166, 175, 195, 218 e 222 da CR/88; arts. 2º, 10, 13, 36, 40, 47, 52, 56, 57, 133 da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT (Decreto-Lei nº 5.452/43); arts. 77 e 197 do Código Tributário Nacional – CTN (Lei nº 5.172/66); e art. 88 da Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93). 17 Como exemplos de “conceito patrimonial”, o art. 488 da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT (Decretolei nº 5.452/43) e o art. 133 do Código Tributário Nacional – CTN (Lei nº 5.172/66). 18 Sob o aspecto “funcional”, o art. 966 do CC/02 sob o qual a “Teoria da Empresa” assenta sua lógica jurídica. 22 (ii) Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada – EIRELIs; e (iii) Sociedades Empresárias. 3.2 Conceito de Empresa Familiar As empresas familiares se apresentam das mais variadas formas e características de tamanho, receita de faturamento, números de empregados e ramos de atividades negociais, abrangendo desde pequenos empreendimentos locais até grandes corporações multinacionais com diversos objetivos e em diferentes países. Talvez pelo fato de justamente se apresentarem das mais variadas formas, até o momento não conseguiu se chegar a uma definição conceitual que reúna todas essas diferenças. Ao que parece, as pesquisas sobre as empresas familiares começaram nas décadas de 60 e 70, com a necessidade de se entender problemas emergentes como o nepotismo, brigas entre irmãos, rivalidade de gerações e administração profissional (CARLTON, 2003). Entre os pesquisadores, não existe consenso sobre um conceito objetivo capaz de abranger todas as multiplicidades de formas das empresas familiares. O QUADRO 2 ilustra as diversas possibilidades de classificação das “empresas” consideradas como “familiares”, de acordo com o enfoque escolhido por cada estudioso sobre o tema: 19 Com o significado de “coletividade de pessoas e interesses”, os arts. 34 e 41 do Código Florestal (Lei nº 12.651/12). 23 Quadro 2 – Síntese da Classificação das Empresas Familiares Fonte: Zorzanelli (2011) Com isso, vê-se que existem vários critérios para se classificar uma “empresa” como “familiar”. Esses pontos se diferenciam conforme o foco que o pesquisador dá ao se propor a dissecar a matéria estudada. No QUADRO 2, percebem-se cinco critérios possíveis de classificação das “empresas” como “familiares”, tendo cada um deles um foco e uma ótica diferentes sobre os elementos presentes nas empresas. Nesse quadro, Zorzanelli (2011) identifica as possibilidades de classificação das empresas familiares sob os seguintes aspectos: (i) grau de abertura do capital; (ii) fatores sociodemográficos; (iii) geração ocupante do poder; (iv) vínculo da família com a empresa; e (v) perspectiva do poder. O “grau de abertura de capital” leva em consideração a participação da família e de terceiros sobre a propriedade e “titularidade” das cotas ou ações da empresa. Sob essa perspectiva, pode-se subdividir e alcançar três níveis diferentes de empresas familiares, sendo: (i) “tradicional”; (ii) “híbrida”; e (iii) “de influência familiar”. Aquelas consideradas do tipo “tradicional” são as que geralmente têm capital social “fechado” ou de difícil circulação devido à imposição de certas restrições ou condições para alienação de cotas ou ações em favor de terceiros. Nelas, o controle da administração é exercido totalmente pela família detentora do capital social da empresa. As chamadas 24 “híbridas” são aquelas em que existe a participação societária da família e também de terceiros sobre o capital da empresa, com controle da sua administração sendo exercido pela família por deter a maior parte desse capital votante. Já no tipo de “influência familiar”, o capital social da empresa se concentra em sua maior parte nas mãos de terceiros, com a família mantendo pequena parte de cotas ou ações sob a sua propriedade e titularidade de tal forma que lhe assegure, senão o controle societário da gestão, pelo menos alguma influência nas deliberações sociais e decisões sobre os rumos da empresa. Sobre a classificação dos “fatores sociodemográficos”, é possível identificar “empresas” como “familiares” e dividi-las por critérios intrínsecos do tipo: (i) “idade”, considerando o tempo das suas atividades empresariais contado desde a data da sua constituição; (ii) “ramos de atividade”, em que o olhar se volta para as atividades econômicas descritas como “objetivo social” nos documentos societários constitutivos da empresa; (iii) “forma jurídica”, na qual a análise recai sobre o formato jurídico-societário escolhido pela empresa dentre as alternativas legais para exercício da sua atividade econômica organizada; (iv) “mercado geográfico”, com foco na região ou circunscrição geográfica de atuação de cada empresa. No outro critério de classificação, as “empresas” podem ser identificadas como “familiares” pela existência de membros da família que, com o passar do tempo, continuam à frente do negócio.20 Na perspectiva de “geração ocupante do poder”, as empresas familiares são analisadas pela participação das próximas gerações de membros da família como proprietários e titulares da empresa ou controladores da sua gestão. Sobre esse aspecto, veja o organograma (FIG. 1) que subdivide as empresas familiares quando utilizado o critério de “geração ocupante do poder”, cujas variáveis são o “tempo” e as “gerações da família” detentoras da propriedade do capital ou da administração da empresa: 20 Esses empreendimentos passam a ter caráter “familiar” por preservar no tempo os interesses e objetivos da família com a permanência de novos e sucessores membros da família no controle do capital ou da administração da empresa. 25 Figura 1 - Geração Ocupante do Poder Fonte: Zorzanelli (2011) Também é possível classificar as “empresas” como familiares sob o critério do “vínculo da família com a empresa”, no qual esta é tida como “familiar” dependendo da vinculação existente entre a empresa e a família empreendedora e seus membros. Com esse viés, as empresas familiares são divididas em: (i) “empresa de trabalho familiar”, na qual os membros da família trabalham como colaboradores no empreendimento e dali tiram o seu sustento próprio; (ii) “empresa familiar conjuntural”; (iii) “empresa investimento”, em que a família utiliza a empresa para alocação de recursos, obtenção de benefícios tributários ou detenção de participações societárias em outras empresas; (iv) “empresa de direção familiar”, cuja relação da família acontece no âmbito da gestão, com parentes exercendo cargos de administração dentro da empresa. Por último, existe o critério denominado “perspectiva de poder”, que se fundamenta no controle societário. Sob esse critério, as “empresas” são vistas como de caráter “familiar” caso seu controle societário seja exercido por membros de uma mesma família; se o poder de gestão estiver nas mãos de pessoas ligadas por alguma relação de parentesco, a empresa será considerada como “familiar”. Conforme o grau de poder e concentração do controle societário da empresa sob a titularidade da família, as empresas familiares podem ser divididas em três níveis de controle: (i) “poder absoluto do controlador”, em que a família é detentora da totalidade da propriedade e titularidade das cotas ou ações com direito a voto, garantindo-lhe o controle total e não compartilhado com terceiros; (ii) “poder bastante concentrado”, no qual a família compartilha parte do controle societário com terceiros, mas ainda assim detém a maioria das cotas ou ações, assegurando-lhe ampla possibilidade de definição dos administradores, das diretrizes e das políticas de administração na empresa; e (iii) “poder semidelegado”, em que a família 26 compartilha o controle societário da empresa com terceiros e, por isso, não define sozinha quem são os administradores e quais são as estratégias de atuação da empresa. 21 No presente trabalho, o critério que será adotado para a compreensão de uma “empresa” como “familiar” será aquele que considera o empreendimento sob a “perspectiva de poder”. A caracterização de uma “empresa” como de “natureza familiar” será baseada na verificação do grau de poder da família sobre a organização empresarial. Doravante se considerará, também, uma “empresa familiar” como aquela em que os membros de uma mesma família exercem do ponto de vista jurídico o controle societário sobre o empreendimento, detendo a totalidade ou a maior parte da titularidade dos direitos de voto das cotas ou ações de uma organização empresarial. Nesse sentido, a “empresa familiar” ocorrerá quando os membros de uma mesma família possuírem o “controle societário” do empreendimento pela maioria da titularidade do capital votante da organização empresarial, com votos suficientes para definir os rumos da gestão e administração da empresa. Por consequência, a “empresa familiar” deverá então cumular dois requisitos para o preenchimento das condições elencadas como necessárias: a) “Exercício do poder e controle societário” 22 sobre as deliberações da administração e gestão da organização empresarial, que poderá ser exercido de três formas distintas pela família: (i) “controle societário direto”, pela titularidade da maioria dos direitos de voto em nome próprio advinda da condição de proprietária e titular das cotas ou ações votantes da empresa familiar, que lhe assegure o controle direto da administração e gestão da empresa; (ii) “controle societário indireto”, pela titularidade da maioria dos direitos de voto em nome próprio advinda da condição de proprietária e titular das cotas ou ações votantes de empresa controladora da organização familiar, que assim exerce o controle de natureza societária sobre a administração e gestão da empresa familiar controlada; e (iii) “controle societário agrupado”, pela titularidade da maioria dos direitos de voto assegurada por meio de 21 No entendimento de Antonelli (2011), a divisão das empresas familiares com base na classificação da “perspectiva de poder” deveria ser feita da seguinte forma maneira, a saber: a) a empresa é propriedade de uma família, detentora da totalidade ou da maioria das ações ou cotas, de forma a ter o seu controle econômico; b) a família tem a gestão da empresa, cabendo a ela a definição dos objetivos, das diretrizes e das grandes políticas; c) finalmente, a família é responsável pela administração do empreendimento, com a participação de um ou mais membros no nível executivo mais alto. 22 Sobre o controle societário, o art. 116 da Lei nº 6.404/76 diz que se entende por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: (i) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e (ii) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. 27 “acordo societário”23 firmado com outros sócios ou acionistas para assegurar à família a maioria dos votos sobre a administração e gestão da empresa familiar;24 e b) “Vínculo de parentesco”25 entre aquelas pessoas naturais que, em última instância, detêm a titularidade da maioria dos direitos de voto por serem proprietárias e titulares das cotas ou ações votantes da empresa familiar ou da empresa controladora da empresa familiar. Neste ponto, importante lembrar que o “vínculo de parentesco” pode ser “natural” ou “civil”, conforme resulte de consanguinidade ou de outra origem. No caso de parentesco “natural” (por „“consanguinidade”26), esse se subdivide em dois tipos de vínculos consanguíneos: (i) o de “linha reta”, formado por ascendentes e descendentes; (ii) o de “linha colateral” (ou “transversal”), formado por pessoas provenientes de um só tronco, até o quarto grau, sem descenderem uma da outra. Na outra forma de parentesco, denominada “civil” (por “afinidade”), o vínculo acontece entre cônjuge ou companheiro de um lado e os ascendentes, descendentes e irmãos do outro.27 Assim sendo, a definição de “empresa familiar” nesta pesquisa é aquela cujos integrantes possuem alguma relação de parentesco e detêm diretamente, por controle ou acordo societário, uma titularidade de votos suficientes para conduzir e determinar os rumos do negócio empresarial, com harmonia e preservação dos interesses da família no tempo. Com esse entendimento, quando a expressão “empresa familiar” for utilizada ao longo deste trabalho, o que se deve ter em mente é que ela na verdade quer se referir juridicamente a uma “empresa de controle familiar”. Não importa se a família exercerá a administração da empresa ocupando cargos executivos de direção e representação, nomeando parentes, ou se ela os designará para assento apenas no Conselho de Administração dando as orientações gerais e delineando as estratégicas para o negócio, ou ainda se ela vier a profissionalizar sua gestão com a adoção do 23 Em regra, esse “acordo societário” é firmado nas Sociedades Anônimas por meio de um documento denominado “Acordo de Acionistas”, registrado na sede da companhia, que tem como objetivo disciplinar quatro assuntos típicos previstos no art. 118 da Lei nº 6.404/76: (i) compra e venda de suas ações; (ii) direito de preferência para adquirir as ações; (iii) exercício do direito a voto; (iv) exercício do poder de controle. No entanto, pelos princípios da “Autonomia Privada” e da “Livre Iniciativa” que regem o Direito Privado, previstos no art. 1º, inciso IV e art. 170, caput da CR/88, é possível que o “acordo societário” seja feito também pelos sócios dos demais formatos das sociedades empresárias por meio de um “Acordo de Cotistas”, assim como venha a disciplinar outros assuntos de interesses dos sócios não previstos expressamente na Lei nº 6.404/76. 24 Mais adiante, especificamente no capítulo 5 deste trabalho, serão explicados com maiores detalhes os vínculos societários de controle ou não existentes entre as sociedades empresárias, que podem ser basicamente de: a) “Sociedade Controladora” (“Holding” ou “Investidora”); b) “Sociedade Controlada” (ou “Subsidiária”); (iii) “Sociedade Coligada”; e (iv) “Sociedade de Simples Participação”. 25 Ex vi o disposto no art. 1.593 do CC/02. 26 Segundo definem os arts. 1.591 e 1.592 do CC/02. 27 Nos termos dos art.1.595 do CC/02. 28 modelo profissional e a nomeação de executivos contratados no mercado. Desde que o “poder e controle societário” da empresa continue direta ou indiretamente nas mãos da família, 28 a organização empresarial terá as características de uma verdadeira “empresa familiar”.29 28 Segundo Lethbridge (2005), no passado as famílias controlavam a totalidade da empresa, ocupavam os principais postos da diretoria e financiavam seus investimentos com recursos próprios. A necessidade cada vez maior de capital obrigou as famílias a vender parte da companhia a bancos e fundos de investimento. Em vez de controlar 100% do capital, como ocorria antigamente, muitas famílias mantêm o controle das empresas com bem menos do que isso. 29 A decisão da família sobre a profissionalização ou não da gestão não se confunde com o enquadramento da “empresa” como “familiar”. Não é essa forma de administração da corporação, mas sim a “titularidade do controle societário” que a caracteriza como “familiar”. 29 4 COMPLEXIDADE DAS RELAÇÕES JURÍDICAS NAS EMPRESAS FAMILIARES Como visto anteriormente, o universo das empresas familiares engloba desde pequenos empreendimentos até grandes conglomerados transnacionais com atuação em diferentes nichos de mercados. Devido à complexidade de formatos, a classificação de uma “empresa” como “familiar” dependerá do critério adotado pelo pesquisador, incluindo os pontos elencados como necessários de ocorrência. Apesar das dissonâncias descritas acima sobre a sua conceituação, quando o foco é o estudo sobre as relações internas das empresas familiares, existe certo consenso entre a maioria dos pesquisadores1 do tema, que as descrevem de maneira similar. Dessa maneira, é possível afirmar que as empresas familiares são formadas por uma estrutura interna composta de três feixes de relações jurídicas distintas e sobrepostas que envolvem a “família e seus membros”, a “propriedade das cotas e ações” e, ainda, a “gestão do empreendimento”. Nas organizações empresariais de caráter “familiar”, é possível se constatar a ocorrência de três grupos de interações jurídicas que envolvem as “relações de parentesco”, a “titularidade do capital votante das cotas ou ações”, e por último, o “exercício do poder de controle da administração da empresa”. Em outras palavras, nas empresas familiares se percebe a coexistência das relações jurídicas de família, propriedade e gestão que envolvem todos os seus integrantes e repercute diretamente no funcionamento do empreendimento. Nas empresas familiares, verifica-se a sobreposição de direitos e obrigações entre os “parentes naturais ou civis”, os “titulares do direito de voto” e o “controle da empresa”, que interagem de forma simultânea, refletindo por completo no andamento dessas organizações empresariais. Esse é o ponto comum relatado nas empresas familiares pelos referidos estudiosos: a presença de três diferentes, independentes e sobrepostos feixes de relações jurídicas advindas da família, propriedade e gestão envolvendo os membros de uma mesma família na atividade empresarial. Nesse sentido, pessoas com algum vínculo de parentesco 2 em dado momento de suas vidas se tornam também proprietárias e titulares de cotas ou ações sobre determinada 1 A título de exemplo, pode-se citar Gersick et al (1997); Bueno (2007); Cohn (1991); Landes (2007); Bornholdt (2005); Lodi (1987); e Bernhoeft (1989). 2 Como visto no capítulo anterior, o vínculo de parentesco poderá ter uma origem “natural” ou “civil”, conforme resulte de consanguinidade ou de outra origem, nos termos do art. 1.593 do Código Civil. 30 organização empresarial, exercendo sobre ela o poder de controle da sua administração.3 Nas empresas familiares, indivíduos até então ligados somente pela relação familiar passam simultaneamente a se relacionarem também de forma profissional como sócios de determinado empreendimento, vindo a exercer uma posição societária de controle na condução dessa atividade empresarial. Em sua obra, Gersick et al (1997)4 ilustram a presença e disposição dos três grupos de relações jurídicas dentro das empresas familiares por meio do esquema denominado “Os 3 Círculos”. A partir de estudos feitos na Universidade de Harvard, Gersick e al elaboraram um organograma ilustrativo em que é possível identificar com clareza a coexistência e interação das relações jurídicas de família, propriedade5 e gestão6 nas empresas familiares. Figura 2 - Modelo dos 3 Círculos Fonte: Gersick et al (1997, p. 6) Segundo Costa (2010), esse organograma tem sido utilizado como ferramenta explicativa por diversos autores de diferentes países porque consegue, de maneira didática e simples, ilustrar a sobreposição das relações de família, propriedade e gestão dentro das empresas familiares, propiciando a compreensão dos mecanismos de funcionamento nela 3 4 5 6 De acordo com as explicações anteriores, o “poder de controle societário” da família poderá ser exercido de forma direta, indireta ou agrupada, de acordo com o art. 116 da Lei nº 6.404/76. Para maior entendimento sobre a interação dessas diferentes relações existentes e as suas respectivas fases na vida de uma empresa familiar, recomenda-se a leitura do livro intitulado “De geração para geração: ciclo de vida das empresas familiares”, de Kelin Gersick e outros, publicado pela Editora Negócios, em 1997. Importante esclarecer que no lugar do termo “propriedade” Gersick et al utilizam a palavra “capital”, na intenção de se referirem à propriedade sobre o “capital social”. Assim, ambas expressões são sinônimas porque significam a propriedade sobre “cotas ou ações” ou “capital social” da empresa. Da mesma forma, Gersick et al preferiram o uso da palavra “empresa” no lugar de “gestão”. O sentido dessas expressões é o mesmo, significando a administração (“gestão”) sobre a atividade econômica organizada (“empresa”). 31 envolvidos; tendo sido, inclusive, tomada como referência para discussões em diversas organizações empresárias. O organograma permite visualizar as diferentes visões de cada membro sobre a empresa familiar, de acordo com o posicionamento que cada um ocupa no contexto da propriedade, família e gestão. Com base nele, é possível entender por que os membros de uma mesma família têm interesses divergentes dentro da organização empresarial, gerando inúmeras dificuldades para o sucesso dessa organização. O “Modelo dos 3 Círculos” aponta a existência de sete diferentes posições jurídicas dentro do contexto de uma família empresária e, consequentemente, sete diferentes possibilidades de ocupação entre os envolvidos nas relações entre propriedade, família e gestão: 1) Posição de nº 1 – membro da família controladora que não detém participação societária sobre o negócio familiar nem cargo de gestão; 2) Posição de nº 2 - pessoa de fora da família controladora que detém participação societária na empresa familiar, mas não possui cargo de gestão; 3) Posição de nº 3 - pessoa de fora da família controladora, sem participação societária na empresa familiar, mas detentora de algum cargo de gestão; 4) Posição de nº 4 - membro da família controladora que detém participação societária na empresa familiar, mas não exerce cargo de gestão; 5) Posição de nº 5 - pessoa de fora da família controladora que detém participação societária na empresa familiar e exerce cargo de gestão; 6) Posição de nº 6 - membro da família controladora, sem participação societária na empresa familiar, mas com exercício de cargo de gestão; 7) Posição de nº 7 - membro da família controladora que detém participação societária na empresa familiar e exerce cargo de gestão. A partir de cada posição é possível identificar os direitos e obrigações a que cada indivíduo está submetido, de acordo com as relações estabelecidas no contexto da família, propriedade e gestão. Por consequência, consegue-se vislumbrar quais são os interesses pessoais de cada um deles em comparação com os dos demais envolvidos, identificando suas prioridades pessoais versus as necessidades da empresa familiar, fato que permite compreender se são convergentes ou caminham em direções opostas. Gersick et al (1997) também apontaram que as relações jurídicas sobre a família, propriedade e gestão mudam com o passar do tempo e que cada um desses sistemas evolui de forma diferente. 32 Em complementação, os autores elaboraram o gráfico ilustrativo “Evolução das Empresas Familiares no Tempo” (FIG. 3), no qual descrevem o desenvolvimento independente de cada um dos eixos já expostos no organograma dos 3 círculos. Nesse gráfico, eles apontam a evolução autônoma das relações jurídicas dentro de cada um dos sistemas da empresa familiar. Figura 3 - Evolução das empresas familiares no tempo Fonte: Adaptado de Gersick et al (1997, p. 18) Nesse contexto, a FIG. 3 expõe de forma simplificada a evolução no tempo das empresas familiares, de acordo com cada um dos ciclos já apresentados na FIG. 2: a) Família – com a presença de quatro ciclos evolutivos diferentes no tempo, sendo: (i) “jovem família empresária”, em que os parentes ainda buscam oportunidades de empreender; (ii) “entrada na empresa”, no qual os parentes dão início a um negócio familiar ou adquirem participação relevante num empreendimento já existente, tornando-o de caráter familiar; (iii) “trabalho em conjunto”, que é o estágio em que ocorre maior a parte da convivência e compartilhamento entre os familiares do exercício do poder de controle na administração da empresa familiar; (iv) “passagem de bastão”, momento em que as novas gerações ingressam na organização por meio do recebimento de participação societária ou assunção de cargos de gestão; 33 b) Propriedade – com três fases cronológicas distintas, sendo: (i) “proprietário controlador”, momento em que detém sozinho, e em nome da família, a propriedade e titularidade das cotas ou ações da empresa familiar; (ii) “sociedade entre irmãos”, quando dois ou mais familiares da 2ª geração compartilham a propriedade e titularidade das cotas ou ações do empreendimento; (iii) “consórcios entre primos”, fase em que a propriedade e titularidade das cotas ou ações, no todo ou em parte, já foram passadas para as mãos também da 3ª geração; e c) Empresa – que deve ser aqui entendida como o exercício da gestão e administração pela família, com três estágios evolutivos sequenciais, sendo: (i) “início”, em que o objetivo da família é viabilizar o empreendimento e atingir o seu ponto de equilíbrio econômico-financeiro; (ii) “expansão e formalização”, no qual a estratégia familiar será a ampliação do negócio em busca de maior receita e faturamento; (iii) “maturidade”, em que a família geralmente se vale do seu poder de controle para administrar o negócio, de modo a atingir melhores margens de lucro e rentabilidade. Não bastasse a descrição interna da evolução de cada fase da família, propriedade e gestão no tempo, a FIG. 3 também permite visualizar como cada uma dessas fases pode interagir com outra de um sistema diferente nos seus diversos estágios de vida. Além disso, possibilita perceber que, ao longo do tempo, o desenvolvimento interno de cada um dos ciclos se dá de forma independente, e por vezes não coincidente, permitindo assim que ocorram diversas possibilidades de interação entre as fases de cada sistema em estágios diferentes.7 Com isso, vê-se que do ponto de vista jurídico as empresas familiares começam em geral com a família e o vínculo jurídico de parentesco que une seus membros por laços de afeto e sentimentos. Num primeiro momento, os parentes se relacionam observando somente as “regras” e “princípios” do ordenamento jurídico atinentes ao Direito de Família, que é de natureza privada, embora sofra algumas intervenções de ordem pública de acordo com o interesse do Estado. O norte jurídico que disciplina essas relações é o vínculo de parentesco e solidariedade, que mitiga em parte a autonomia da vontade e a atuação do indivíduo. Os “princípios” e “valores” jurídicos que dirigem as pessoas ligadas pelo vínculo de parentesco são: 1) “Princípio da Proteção da Dignidade da Pessoa Humana”, listado no art. 1º, inciso II, da CR/88; 7 Essas possibilidades de interação no tempo entre os sistemas “família”, “propriedade” e “gestão” são variadas. A título de exemplo, é possível vislumbrar que determinada empresa familiar esteja na Fase de nº 3 dentro do eixo “Família” (“trabalho em conjunto”), mas esteja na Fase de nº 2 no sistema “Propriedade (“sociedade entre irmãos”) e na Fase de nº1 quanto a “Empresa” (“início”). 34 2) “Princípio da Solidariedade Familiar”, cominado no art. 3º, inciso I, da CR/88; 3) “Princípio da Igualdade entre Filhos”, disposto no § 6º do art. 227 da CR/88; 4) “Princípio da Igualdade entre os Cônjuges e Companheiros”, seja heterossexual ou homossexual,8 extraído dos §§ 3º e 5º do art. 226 da CR/88,9 conjugados com o art.1.511 do CC/02; 5) “Princípio da Igualdade na Chefia Familiar”, observado no § 5º do art. 226 e no § 7º do art. 227, ambos da CR/88, complementados pelos arts. 1.566, incisos III e IV, 1.631 e 1.634 do CC/02; 8 9 Aqui é importante ressaltar que um novo desafio jurídico se impõe para os estudiosos do tema “empresas familiares”. No ano de 2011 o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, alargando o conceito de “família” descrito no ordenamento jurídico pátrio. Em tese, será possível observar no futuro “empresas familiares” cuja participação seja formada por pessoas exclusivamente do mesmo sexo que, além de sócios, têm uma relação de parentesco “civil” que as coloca no patamar de membros de uma mesma “família”. O julgamento foi proferido pelo STF na ADI nº 4.277-DF e publicado com a seguinte ementa, a saber: “Ementa: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. [...] 2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. [...] 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão família, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por intimidade e vida privada (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. [...]. 5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. [...] (STF - ADI: 4277 DF, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 05/05/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03 PP-00341) 35 6) “Princípio da Não-Intervenção ou da Liberdade”, disposto no art.1.513 do CC/02; 7) “Princípio do Melhor Interesse da Criança”, tipificado no art. 227, caput, da CR/88, conjugado com os arts. 1.583 e 1.584 do CC/02; 8) “Princípio da Afetividade”, cominado no § 7º do art. 226, no art. 227 e no art. 229 da CR/88; 9) “Princípio da Função Social da Família”, disposto no art. 226, caput, da CR/88. A lógica do Direito de Família destoa do restante do Direito Privado quando limita a autonomia da vontade por meio da imposição de determinadas normas, excetuando-se aquelas relativas a separações e divórcios extrajudiciais, introduzidas recentemente pela Lei nº 11.441/07. A imperatividade de algumas regras tolhe a liberdade do indivíduo com o propósito de manter e preservar a harmonia nas relações pessoais de parentesco dentro de uma família, imposição esta que diverge da livre movimentação individual encontrada no campo das relações de cunho exclusivamente patrimonial e econômico (MADALENO, 2008).10 Em regra, no Direito de Família a autonomia de vontade sofre algumas limitações de interesse público, pois existem regras inafastáveis por disposição particular das partes, tal como ocorre para o casamento, união estável, divórcio, reconhecimento de parentesco, prestação de alimentos, guarda e visita de filhos, regimes típicos de casamento, formas de testamentos, linha de sucessão hereditária legal, limitação de disposição de bens por ato de última vontade, doação e venda de bens entre parentes, dentre outras normas impositivas. As relações jurídicas não podem deixar de observar as regras impostas como tutela do Estado, nem modificá-las pela simples vontade das partes, sob pena de o próprio ato ou negócio jurídico praticado pelo indivíduo ser considerado inválido.11 Ocorre que, quando as pessoas envolvidas deixam de ser apenas “parentes” para se relacionarem também como empreendedores inseridos numa estrutura societária empresarial, o tipo de relação jurídica que será estabelecido entre elas muda de natureza. As relações jurídicas que até então eram tratadas sob a ótica do Direito de Família transformam sua natureza, passando a ser regulamentadas por outros “princípios”, “regras” e “valores” jurídicos, próprios do Direito Empresarial. Ao deixar de ser uma mera “família” para se tornar uma “família empresária”, as pessoas que até então se relacionavam somente na condição de “parentes” passarão ser tratadas como “sócias” no âmago empresarial. As “normas” e 10 Segundo Brochado (2008), nesse contexto que as relações jurídicas entre os parentes são regidas dentro do Direito de Família. Os “princípios” e “normas” descritos acima regulamentam as relações privadas entre pessoas ligadas pelo vínculo de parentesco, com indubitável dirigismo estatal e limitação parcial da liberdade existencial das pessoas 36 “valores” do Direito que irão reger o novo tipo de relacionamento “comercial” entre aqueles indivíduos mudam de natureza jurídica, seguindo agora uma lógica racional e jurídica distinta da relação meramente “familiar”. Nesse sentido, Mamede e Mamede (2011) ressaltam que essa “transmudação das relações familiares” fica bastante evidenciada quando se analisa juridicamente a constituição de “holdings familiares” pela “família empresária”. Segundo eles, com a constituição da “holding familiar”, a lógica privada aguda e radical da relação de parentesco se desfaz não apenas em relação ao direito do herdeiro com a parcela que lhe toca no patrimônio, mas também perante as relações estabelecidas com os demais herdeiros. Para os autores, não se trata mais de uma questão de Direito de Família, de Direito Sucessório ou de Direito de Propriedade; mas de Direito Empresarial e, mais precisamente, de Direito Societário. Os herdeiros não serão proprietários do patrimônio familiar, mas titulares das quotas ou ações da sociedade, que, por seu turno, será a proprietária daquele patrimônio e, assim, conservará a sua unidade. Assim sendo, na esfera empresarial não interessa mais a relação de “parentesco” e “solidariedade” eventualmente existente entre os empreendedores, mas sim o vínculo “associativo” ou “societário” que os une por meio de um contrato social, estatuto social ou acordo societário. No âmbito da “empresa familiar”, o foco contratado estará voltado para a conjugação de esforços de qualquer natureza sobre a atividade econômica organizada, com a finalidade de obter vantagens econômicas apropriáveis e a partilha desses resultados entre os sócios. Nesse aspecto, as “normas” e “valores” que passarão a reger as relações societárias entre os “familiares-empresários” no âmago do Direito Empresarial são: 1) “Princípios da Livre Iniciativa e Livre Concorrência”, dispostos no art. 1º, inciso IV, e art. 170, caput, da CR/88,12 os quais asseguram às empresas familiares e seus sócios o livre exercício de qualquer atividade econômica independentemente de autorização de órgãos públicos, à exceção somente nos casos expressamente previstos em lei;13 11 Caso típico de tutela estatal e limitação da vontade é, por exemplo, a proibição de renúncia aos alimentos, numa clara demonstração de intervenção do Poder Público nas relações privadas. 12 Segundo Grau (2000), o Brasil – República Federativa do Brasil – define-se como entidade política constitucionalmente organizada e assegura no seu texto de 1988 a soberania, a cidadania, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político, a dignidade da pessoa humana. Isso significa que a ordem econômica mencionada no art. 170, caput, do texto constitucional – dentro do mundo do ser, relações econômicas ou atividade econômica (em sentido amplo) – deve ser dinamizada visando à promoção da existência digna que todos devem gozar. 13 Na visão de Mamede (2011), os princípios da “Livre Iniciativa e Livre Concorrência” têm como desdobramento os subprincípios da “Livre Movimentação Interna de Capitais” e “Livre Empreendimento”. Dentro do processo histórico brasileiro, a Constituição da República de 1988 fez a opção por tais princípios 37 2) “Princípio da Liberdade de Contratar”, cominado no art. 1º, inciso VI, e art. 170, caput, conjugados com o art. 5º, inciso II, da CR/88, no qual é permitida às empresas familiares e seus sócios a livre atuação e estruturação empresarial, de tal forma que possam livremente se organizar, contratar e formatar seus negócios comerciais de acordo seus interesses, tendo a obrigação de respeitar somente aquilo que é taxativamente proibido por lei ou que tenha forma prescrita determinada por ela;14 3) “Princípio da Boa-fé e Probidade”, previsto no art. 422 do CC/02, em que as empresas familiares e seus sócios devem realizar suas ações dentro de um modelo de conduta social ou padrão ético de comportamento que guarde, desde a fase pré-contratual até a posterior execução dos seus negócios empresariais, valores objetivos de honestidade, lealdade, informação e probidade, a fim de não frustrar as justas expectativas de quaisquer dos contratantes;15 4) “Princípio da Função Social dos Contratos”, cominado no art. 421 e parágrafo único do art. 2.035 do CC/02, em que as empresas familiares e seus sócios devem exercer suas atividades empresariais dentro dos limites razoáveis e esperados para o negócio jurídico por cada parte, com benefícios para ambos os contratantes, sem que isso implique abuso do poder econômico, dominação dos mercados, eliminação da concorrência ou aumento arbitrário dos lucros;16 dispondo-os como valores constitucionais listados nos arts. 1º, inciso IV, e 170, caput, com status de fundamentos do Estado Democrático de Direito. 14 Para Santiago (2005), a “liberdade de contratar” implica a liberdade de decidir celebrar ou não o contrato, bem como a liberdade de escolher o outro contratante, Já a “liberdade contratual” é a liberdade de determinar o conteúdo do contrato, suas cláusulas, sendo permitida legalmente, inclusive, a criação de contratos atípicos. O Princípio da Função Social atinge a “liberdade contratual”. O indivíduo não fica limitado no seu direito de celebrar ou não um contrato com a pessoa de seu interesse e de sua escolha. Mas, uma vez decidido a celebrálo, deve fazê-lo de forma a não prejudicar a sociedade, respeitando um limite, a função social do negócio, que pode ser ferida através do seu conteúdo. 15 Conforme a lúcida e atual lição de Costa (apud TEPEDINO, 2005), no modelo contemporâneo cada um dos princípios clássicos é confrontado com um novo princípio, capaz de moldar-lhe a aplicação e redefinir-lhe a abrangência. A liberdade contratual hoje é informada pela boa-fé, considerada em seu viés objetivo, a incidir em todas as fases da relação negocial, qualificando a conduta das partes e orientando a interpretação do contratado; o vetusto “pacta sunt servanda” é mitigado pela necessidade de se assegurar o equilíbrio entre a prestação e contraprestação, evitando-se contratações iníquas ou execuções desarrazoadas de obrigações inicialmente razoáveis; a relatividade dos efeitos do contrato é abrandada pelo reconhecimento e afirmação da sua função social. 16 Isso acontece porque, de acordo com Timm (2008), o contrato tem uma função importante no seio da sociedade capitalista (coesão, cooperação, regulação de comportamentos e expectativas dentro da ótica solidarista), o equilíbrio e a justiça da relação contratual será garantida por meio de uma regulação heterônoma à vontade das partes contratantes, seja através das normas legais imperativas de proteção de interesses públicos e sociais (inerentes ao Direito Social) – artigos 421, 157, 187, e 478 do Código Civil), seja pelo respeito aos usos e costumes (art. 113 do Código Civil) – visualizando-se, em todas essas formas, uma interação e uma mediação da sociedade no seio do contrato a fim de garantir-lhe funcionalidade. 38 5) “Função Social e Preservação da Empresa”;17 disposto nos arts. 1º e 47 da Lei n° 11.101/05, em que se busca a preservação da atividade econômica organizada desenvolvida pelas empresas familiares, como forma de assegurar valores e objetivos constitucionais expressos no caput do art. 170 da CR/88, mantendo-se o pleno emprego, função social da propriedade, valorização do trabalho humano, livre iniciativa, existência digna e justiça social.18 Portanto, é indubitável a ocorrência do referido fenômeno da “transmudação das relações jurídicas” dentro das empresas familiares. Em cada empreendimento é possível identificar a real mudança da natureza jurídica das relações entre os “familiares” a partir do momento em que estes passam a interagir entre si sob uma nova e diferente perspectiva jurídica: qual seja, a de “sócios” de uma organização empresarial. Porém, na prática, o que se verifica é que os próprios “sócios” ignoram a ocorrência desse fenômeno dentro das empresas familiares. Na maioria das vezes, existe uma falta de clareza entre os envolvidos sobre as diferentes naturezas jurídicas dos tratamentos que devem ser dispensados quando se está no seio “familiar” (aplica-se o Direito de Família a essas relações entre os “parentes”) e quando se está no âmbito empresarial (aplica-se o Direito Societário entre os envolvidos na condição de “sócios”). Para a maior parte das “famílias empresárias”, existe uma grande confusão de papéis, cargos e funções durante o dia a dia das suas relações e interações jurídicas, especialmente quando: a) ora na condição de “sócios” da empresa familiar, as pessoas se relacionam nessa esfera empresarial de forma amadora e pouco profissional, como se fossem naquele momento apenas “parentes”, concedendo tratamentos, exigências e emoções inerentes às regras e princípios das relações afetivas do Direito de Família dentro da corporação; b) ora na condição de “parentes”, as pessoas se tratam como “sócios” (ou conselheiros, diretores ou empregados) dentro do âmbito familiar, levando para a esfera afetivo-particular as frustrações, desentendimentos, ressentimentos, hierarquia, subordinação, 17 Sobre esses dois princípios, Mamede (2005) ensina que o “Princípio da Função Social da Empresa” reflete, por certo, no “Princípio da Preservação da Empresa”, que dele é decorrente: tal princípio compreende a continuidade das atividades de produção de riquezas como um valor que deve ser protegido, sempre que possível, reconhecendo, em oposição, os efeitos deletérios da extinção das atividades empresariais que prejudica não só o empresário ou sociedade empresária, prejudica também todos os demais: trabalhadores, fornecedores, consumidores, parceiros negociais e o Estado. 18 Nesse princípio construído pelo moderno Direito Comercial, o valor básico prestigiado é o da conservação da atividade (e não do empresário, do estabelecimento ou de uma sociedade), em virtude da imensa gama de interesses que transcendem os dos donos do negócio e gravitam em torno da continuidade deste (COELHO, 2008). 39 competitividade, resultados e cobranças profissionais originárias do ambiente dos negócios empresariais. Normalmente, os envolvidos não conseguem elaborar, entender ou separar as razões, interesses e sentimentos que acontecem em cada um dos sistemas – família, propriedade e gestão – coexistentes nas empresas familiares. Segundo Campos (2011), nos momentos de sucessão empresarial isso fica bastante evidenciado. As dificuldades experimentadas pela família nessa etapa do ciclo de vida empresarial não se dão pela complexidade em si da mudança do comando gerencial ou do negócio, mas sim pela capacidade dos familiares envolvidos de absorverem essa alteração, que gera confusão e caos relacionados a distúrbios de ordem física ou afetiva. Não raro, a tomada de decisões racionais pelos “sócios” dentro da esfera empresarial fica conturbada ou prejudicada por emoções carregadas de afeto ou raiva pessoais, nutridas por uma relação de “parentesco” dentro do âmbito familiar, e vice-versa. Se essa “falta de clareza” sobre a “transmudação das relações nas empresas familiares” não for bem trabalhada, tal confusão de papéis pode se tornar uma “desvantagem competitiva” para o negócio familiar, que enfrentará esse problema juntamente com as dificuldades competitivas inerentes ao negócio empresarial em si, tais como acirramento da concorrência, políticas econômicas, dificuldades sociais, exigências do mercado, dentre outras.19 Os conflitos de interesses e o embate de visões resultam num leque de possibilidades que podem se configurar, simultaneamente, como grandes problemas nas tomadas de decisões sobre os rumos do negócio, ou podem promover avanços gratificantes para a organização empresarial, dependendo da forma como serão encaminhadas essas dificuldades e resolvidos esses conflitos experimentados pela “família empresária” (CAMPOS, 2011). Uma relação afetiva mal conduzida no seio familiar pode refletir num tratamento corporativo mais exigente no ambiente empresarial, assim como uma cobrança desarrazoada de resultados financeiros dentro do âmbito da empresa pode gerar um acirramento dos ânimos entre os parentes no convívio domiciliar. Por isso, as empresas familiares precisam adotar “medidas” que possam organizar melhor as relações jurídicas entre os envolvidos e clarear o entendimento os direitos e obrigações pessoais inerentes a cada sistema da família, propriedade e gestão. Nessas 19 Como dito, a dificuldade reside porque ora o indivíduo se relaciona como “parente” - inserido no contexto familiar, o seu vínculo se estabelece pela relação afetiva de parentesco – pai, mãe, filho, avô, neto, tio, sobrinho, etc. -; ora interage como “sócio” - encontra-se dentro do mundo empresarial, desempenhando papel profissional com hierarquia, subordinação, competitividade e resultados - conselheiro, diretor, gerente, chefe, etc. 40 organizações, é necessário implementar de forma sistemática e contínua “práticas” que possibilitem prevenir, amenizar e dirimir os conflitos de interesses inerentes à cumulação de papéis e funções simultâneos pelos seus integrantes. Segundo Cattani (1993), o maior desafio das corporações familiares é adotar e implementar estratégias adequadas à sua realidade empresarial para dirimir as divergências ou prioridades pessoais que surgirão naturalmente entre os membros da família na condução e gestão dos negócios empresariais. Com esse entendimento, neste trabalho se defende a necessidade da adoção de “medidas jurídicas” como parte do planejamento estratégico das empresas familiares. Entende-se que é preciso implementar em tais organizações empresariais, de forma sistemática, “práticas” de Governança Jurídica para a prevenção de conflitos de qualquer natureza que possam surgir na administração e em relação ao poder de controle sobre o empreendimento. Compreende-se que as empresas familiares detêm ampla liberdade de iniciativa e atuação empresarial para elaborarem as medidas jurídicas que julgarem mais adequadas ao seu caso, visando ao exercício de uma gestão empresarial menos conflituosa e segura. Com fulcro nos princípios da “Autonomia Privada” e da “Livre Iniciativa”, 20 que regem o Direito Privado, as empresas familiares podem elaborar inúmeras e diferentes medidas jurídicas consultivas com a finalidade de prevenção e resolução dos conflitos envolvendo os seus “parentes” no exercício da uma gestão empresarial. Com esse viés, no próximo capítulo, será exposto como as empresas familiares podem planejar estruturas legais de Governança Jurídica dentro da visão estratégica adotada pela organização empresarial. Em tópico seguinte, serão sugeridas medidas de Governança Jurídica que poderão ser adotadas pelas empresas familiares de acordo com a “análise estratégia dos seus objetivos”,21 que leva em consideração os critérios de “adequação” e “menor custo”,22 conforme os objetivos empresariais previamente traçados pela “família empresária” em seu planejamento estratégico. 20 Vide o art. 1º, inciso IV, e art. 170, caput, da CR/88. Segundo Gabrich (2010), o “pensar estratégico” pressupõe uma disposição de encarar o conhecimento científico com que se conta e as pessoas envolvidas na execução de uma atividade organizada (no Estado ou fora dele), como instrumentos necessários ao alcance dos objetivos pré-estabelecidos. Tais objetivos normalmente estão vinculados à determinação da maior felicidade possível, do maior número possível de pessoas, com o menor custo (de tempo e de dinheiro) possível, diante das circunstâncias fáticas, jurídicas, econômicas, sociais e políticas relacionadas ao caso. 22 O custo empresarial poderá ser mensurado em dinheiro, tempo ou desgaste emocional. 21 41 5 GOVERNANÇA JURÍDICA NAS EMPRESAS FAMILIARES A sobrevivência dos empreendimentos controlados por famílias é um dos temas mais mencionados nos ambientes especializados. Levantamentos otimistas indicam que menos de 10% das empresas desse gênero conseguem atingir (em boas condições) a quarta geração nas mãos de uma mesma família controladora. Entre a primeira e a terceira gerações costuma ocorrer de tudo: crescimento (com ou sem compra de concorrentes), decadência no negócio, venda do controle acionário e muitas bancarrotas. Enfim, tudo na empresa familiar é mais difícil (NIGRI, 2013). Diante das dificuldades advindas da sobreposição de papéis e transmudação das relações jurídicas, as empresas familiares necessitam de implementar, de forma sistemática e contínua e como parte de seu planejamento estratégico, práticas de Governança Jurídica para a prevenção e resolução dos conflitos de qualquer natureza que possam surgir entre os sócios/familiares ao longo da administração e do exercício do poder de controle sobre o empreendimento.1 Somente a inserção de medidas de gestão administrativa2 no planejamento das empresas familiares não basta para a resolução da sua complexidade jurídica. Devido à sua natureza, é preciso também adotar medidas estratégicas de Governança Jurídica. Este sempre foi e ainda é hoje o maior desafio das empresas familiares:3 criar,4 adequar5 e implementar6 medidas jurídicas de forma preventiva, contínua e planejada dentro da organização, fazendo 1 Conforme descrito por Maciel (2013), se por um lado a maioria das empresas brasileiras são organizações com controle familiar, também é verdade que elas são campeãs em descontinuidade. Em torno de 67% dessas companhias não sobrevivem à passagem da primeira para a segunda geração e, das remanescentes, 86% não chegam à terceira. Os comandantes das empresas familiares costumam olhar para seus filhos como herdeiros naturais que lhes devem obediência. Delegam a eles papéis secundários enquanto adiam o encaminhamento da sucessão. Com isso, alimentam conflitos que acabarão levando à divisão do patrimônio familiar a ao fim da empresa original. 2 Ou seja, práticas de cunho e foco administrativo tais quais as medidas de gestão propagadas pela governança corporativa. Para maior conhecimento sobre essas práticas nas empresas familiares, cf. IBGC. Governança Corporativa em empresas de controle familiar: casos de destaques no Brasil. São Paulo: Saint Paul, 2008, ou acesse o site do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (www.ibgc.org.br). 3 No Brasil, talvez esse seja um desafio inerente a toda e qualquer empresa diante da cultura de uma boa parte dos empreendedores, especialmente nas pequenas e médias corporações, que preferem não investir em consultoria e planejamento jurídicos preventivos, optando por assumir riscos com o pagamento futuro de eventuais medidas corretivas (ainda que sejam mais onerosas). 4 A empresa familiar terá liberdade de iniciativa e atuação empresarial para inovar com fulcro nos princípios da autonomia privada e da livre iniciativa que regem o direito privado, devendo respeito somente aos limites do que é proibido por norma jurídica existente, válida e eficaz, conforme o princípio da normatividade (ou juridicidade). 5 As empresas familiares deverão pautar suas escolhas e adequação por meio da análise estratégia dos seus objetivos empresariais. 6 Com o menor custo empresarial possível, mensurado em dinheiro, tempo ou desgaste emocional. 42 com que essas medidas sejam incluídas como parte da estratégia da corporação, de forma a viabilizar a exploração da suas atividades com maior segurança jurídica e eficácia possível. Em outras palavras, as empresas familiares precisam romper com o senso comum de que medidas jurídicas servem apenas para resolver, de forma reativa, problemas já existentes, normalmente já em conflito na esfera judicial. 7 A família empresária necessita enxergar que o conhecimento da técnica jurídica deve ser utilizado de forma consultiva para auxiliar a tomada de decisões nos negócios (suporte preventivo na análise do risco), a busca por soluções empresariais (formatação mais adequada para os negócios e novas demandas), o planejamento estratégico da corporação (busca por melhores resultados) e, ainda, a prevenção de conflitos societários (segurança para os membros da família investidora). 5.1 Aspectos conceituais da Governança Jurídica O conceito de governança utilizado neste trabalho pode ser compreendido pela análise da sua definição semântica existente na língua portuguesa. A construção do raciocínio lógico e jurídico sobre o uso da expressão Governança Jurídica adjetivando a locução Governança como “espécie de governança” 8 advém da possibilidade de entendimento gerada a partir do seu significado linguístico. Na definição estabelecida por Houaiss (2001), a palavra governança tem o significado etimológico de “ato de governar (se), governo, governação”. Da mesma forma, no conceito exposto por Holanda (1999), o termo significa “governação”. Reportando-se ao que venha a ser “governar” e “governação”, Houaiss (2001) expõe que tais expressões significam o ato de “ter mando, direção, dirigir, administrar; controlar, dirigir ou fortemente influenciar as ações e o comportamento de algo ou alguém; tratar devidamente de seus próprios negócios e interesses”. Holanda (1999) define essas mesmas palavras como sendo o “regular o andamento de conduzir; exercer o governo de; imperar em; dirigir, administrar; ter o poder de autoridade sobre; reger, dirigir, administrar, ter mando ou 7 Esse é o pensamento de alguns empreendedores, que percebem o Direito como uma área do conhecimento voltada exclusivamente para a resolução de conflitos judiciais. Tais investidores resumem o conhecimento jurídico ao exercício da prática e defesa judicial em Juízo, limitando o Direito ao estudo de ação-processo judicial e à realização de práticas forenses contenciosas. 8 Isto é, como uma modalidade, tipo ou espécie de governança. 43 poder de administrar e dispor; encaminhar-se e dirigir-se; exercer autoridade; saber o que faz; regular”. Assim sendo, da conjugação e interpretação desses conceitos semânticos se percebe que a palavra governança melhor se traduz como: a prática ou realização de atos de direção, administração, regulação, controle dos seus próprios negócios e interesses, realização de ações e comportamentos para se dirigir e se administrar, enfim, saber o que faz. Quando se toma a palavra “governança” e a adjetiva com o termo “jurídica”, 9 pode-se interpretar e concluir que a expressão Governança Jurídica significa, então, o conjunto de atos de direção, administração e regulação de natureza jurídica (na área de conhecimento do Direito) praticados pelos administradores da empresa na condução dos seus negócios. A conjunção dessas palavras formando a expressão Governança Jurídica se traduz pela coletividade de ações e comportamentos jurídicos (com a aplicação da técnica jurídica) adotados pelos gestores dentro da corporação para melhor se dirigir, administrar e controlar os seus próprios interesses e negócios. Dessa maneira, a Governança Jurídica deve ser entendida como uma pluralidade de ações jurídicas ou coletividade de medidas técnicas, adotadas sempre de forma conjunta e sistemática.10 Para que se atinja o verdadeiro conceito de governança, serão necessários mais de um ato ou medida isolada para se verificar que a corporação realmente esteja intencionada a se autorregular, controlar ou dirigir melhor os seus interesses e negócios com o auxílio da técnica e do conhecimento jurídicos. Com isso, a configuração da Governança Jurídica implicará a tomada de ações de cunho jurídico pela empresa, 11 voltadas fundamentalmente para a estruturação (também jurídica) dos objetivos estratégicos da organização (normalmente relacionados com o crescimento, o fortalecimento, a rentabilidade, a sustentabilidade e a perenidade do negócio). Dentro da sua liberdade de iniciativa privada e atuação empresarial, a organização cria, adequa e implementa medidas jurídicas com fulcro nos princípios da autonomia privada e da livre iniciativa12 que regem o Direito Privado, devendo respeito somente aos limites do que é 9 No sentido de justamente qualificar esses atos de direção e regulação de governança como praticados no âmbito e foco jurídicos de uma corporação. 10 Pressupõe-se o exercício prático de ações ou medidas para que, nessa coletividade de condutas jurídicas, possa se identificar um comportamento empresarial voltado para melhor se controlar e governar. 11 Quer sejam elas adotadas de forma simultânea ou de maneira sucessiva pela corporação. 12 Vide art. 1º, inciso IV, e art. 170, caput, da CR/88. 44 proibido por norma jurídica existente, válida e eficaz conforme o princípio da normatividade (ou juridicidade).13 No entanto, é importante acrescentar que deve haver certa lógica e organização na adoção dessa pluralidade de medidas jurídicas pela corporação para que a Governança Jurídica tenha efetividade e contribua de forma eficaz na regulação dos seus atos. Tendo em vista que as práticas jurídicas serão o “meio” (instrumento), e uma gestão mais eficiente dos interesses e atividade empresarial será o “fim” (objetivo a ser atingido); a Governança Jurídica deve ser alicerçada e construída pelo operador do Direito14 dentro da lógica do planejamento estratégico e do plano de ação elaborados previamente para os negócios da organização. Assim, os administradores conseguirão implantar todos aqueles atos e medidas de cunho jurídico tidos como necessários para melhor uma melhor regulação de suas atividades comerciais. Por isso, torna-se importante a corporação inserir seus atos de Governança Jurídica como um dos elementos estratégicos da empresa. A Governança Jurídica deve ser considerada como parte necessária do planejamento estratégico da corporação quando da sua elaboração pelos gestores da companhia, para que posteriormente esses mesmos administradores consigam implantar todos aqueles atos e medidas de cunho jurídico tidos como necessários para melhor regulação das suas atividades comerciais. Nesse sentido, quando se refere ao exercício ou adoção de Governança Jurídica dentro das empresas familiares, se trata da aplicação desse conjunto de atos jurídicos extrajudiciais (na área do conhecimento do Direito) para melhor direção, administração, controle e regulação das suas atividades empresariais pela família empresária controladora no exercício do seu poder de mando dentro da corporação. A Governança Jurídica voltada para as organizações familiares significa uma coletividade de ações, providências, comportamentos e medidas jurídicas preventivas (com utilização da técnica jurídica) inseridas pela família empresária no exercício do poder de controle dentro das organizações. Além do foco para melhor desempenho das atividades comerciais, dentro do contexto de estrutura familiar, as medidas de Governança Jurídica poderão ser também utilizadas na prevenção ou resolução de conflitos entre os seus sócios (parentes) no exercício dessa gestão empresarial. Mais eficaz que qualquer outra prática empresarial, a Governança Jurídica nas empresas familiares pode e deve servir também para a prevenção dos conflitos de qualquer 13 Para melhor compreensão sobre o tema, recomendamos a leitura do artigo “O Caráter Normativo dos Princípios”, de Frederico de Andrade Gabrich, volume nº 393 da Revista Forense, 2007. 14 Pelo consultor jurídico ou advogado que prestar serviços para a corporação, seja de forma interna estruturada de um Departamento ou Setor Jurídico, ou externa de maneira terceirizada (contratação autônoma). 45 natureza que possam surgir entre os familiares envolvidos e terceiros ao longo da administração e exercício do poder de controle sobre o empreendimento, normalmente inerentes à sobreposição dos sistemas concomitantes de propriedade, família e gestão.15 Nesse sentido, o sucesso nessa prática depende da capacidade da família de definir sua atuação nessas três esferas, criando mecanismos formais e legais para administrar suas diferenças e conflitos (IBGC, 2007). Segundo Bornholdt (2009), as empresas familiares com governança se diferenciam no mercado e nas oportunidades de negócios porque passam a ser empresas mais desejadas para trabalhar e fazer negócios. A estabilidade gerada pelas medidas de governança atraem talentos e investidores, facilita o acesso a capitais e a fontes de suprimentos, e aumenta a confiança de clientes e da comunidade. Uma empresa familiar adequadamente estruturada com medidas e órgãos de governança permite atender as demandas das famílias, dos sócios e dos executivos e formar a estrutura para sua perpetuação. 5.2 Governança Jurídica, Governança Corporativa e Governança Familiar Como visto, a Governança Jurídica é constituída de ações e comportamentos que funcionam como ferramentas formais, legais e jurídicas auxiliando e capacitando a família empresária na condução do controle (poder de mando) da organização e na prevenção ou resolução das eventuais divergências dentro da empresa envolvendo as relações de parentesco, titularidade e gestão. De forma diferente, a Governança Corporativa pode ser definida como um sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e organizadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários, Conselho de Administração, Diretoria e órgãos de controle (IBGC, 2008). Trata-se de um sistema que assegura a todos os envolvidos a efetiva monitoração da gestão, garantindo um relacionamento de equidade, transparência, 14 Pelo consultor jurídico ou advogado que prestar serviços para a corporação, seja de forma interna estruturada de um Departamento ou Setor Jurídico, ou externa de maneira terceirizada (contratação autônoma). 15 Conforme exposto por Donaggio e Silveira (in PRADO, 2011), os problemas podem surgir quando as mesmas pessoas têm que cumprir obrigações diferentes tanto na área familiar (como fundador ou herdeiro) quanto na gestão (como administrador) ou da propriedade (como acionista). Essa sobreposição constitui potencial situação geradora de interesses conflitantes, sendo que o sucesso na governança pelas empresas familiares dependerá da capacidade da família definir, de forma clara, qual será sua atuação nesses três esferas por meio da criação de mecanismos formais e legais que administrem as diferenças e conflitos antes que eles ocorram. 46 responsabilidade pelos resultados (accountability) e obediência às leis do país (compliance) (RIBEIRO, 2007). Ou, conforme afirma Viegas (2008) ao mencionar a definição elaborada por Ira M. Millstein: Governança Corporativa se refere ao conjunto de leis, regulamentos de mercado e práticas voluntárias do setor privado, que permitem à empresa atrair capital financeiro e humano, operar com eficiência, perpetuar-se no longo prazo, respeitando os públicos interessados e a sociedade em geral. Suas práticas são medidas voluntárias (soft law)16 adotadas pelos órgãos de administração das empresas, com vistas a uma melhor e mais transparente gestão, a fim de conferir maior segurança aos investidores (shareholders)17 e demais interessados (stakeholders).18 19 Os shareholders são os cotistas ou acionistas, pessoas que são proprietárias de participação societária com cotas ou ações. Já os stakeholders são as “pessoas interessadas”, que devem ser consideradas em qualquer análise ou planejamento relativo à empresa. Os grupos em que se dividem os stakeholders e seus respectivos interesses se resumem nos seguintes: (i) sócios/acionistas, cujos interesses consitem, basicamente, no aumento do valor da organização empresarial, na rentabilidade e liquidez de seus investimentos, na transparência nas operações e projetos, e participação e controle da gestão social; (ii) administradores, que têm interesse em aumentar sua influência e prestígio, maximizar o valor da organização empresarial, desenvolver e colocar em prática suas ideias e capacidade, e participar dos resultados da atividade; (iii) empregados, cujo interesse reside no salário, nas prestações previdenciárias, na higiene, na segurança e na salubridade do ambiente de trabalho, 16 As medidas chamadas soft law são normas ou instruções de cumprimento não obrigatório, geralmente divulgadas por entidades de cunho não governamental como orientação ou sugestão de conduta para exercício de determinada atividade. A título de exemplo, cite-se o “Código de Melhores Práticas” elaborado pelo IBGC e os “Princípios de Governança Corporativa” publicado pela Organização para o Desenvolvimento Econômico (OECD). Em contraponto, tem-se as regras denomidadas hard law, que são leis e normas cogentes impostas pelo Estado, com obrigatoriedade de cumprimento e dever de observância. Nessa seara, inserem-se o Código Civil e as Leis nº 6.404/76 e 6.385/76, dentre outras. 17 Em português, significa “acionistas” (share significa ação, holder significa aquele que possui). Essa locução é utilizada para identificar os titulares de participações em sociedades empresárias, podendo ser cotistas ou acionistas (proprietários de participação societária com cotas ou ações). 18 Em português, significa “parte interessada”, “pessoa interessada” ou “interveniente” (stake significa interesse, participação ou risco; holder significa aquele que possui). É uma expressão utilizada para designar todos aqueles que de alguma maneira se relacionam com a companhia ou se interessam por ela como um público estratégico (sócios, empregados, clientes, fornecedores, credores, governo, sindicatos, entre outros). O termo é empregado para traduzir a ideia de que todas as “pessoas interessadas” devem ser envolvidas e consideradas em qualquer análise ou planejamento envolvendo a empresa. 19 Segundo Botrel (2009), a Stakeholder Theory (ou “teoria das partes relacionadas”) preceitua que a condução dos negócios sociais deve ser analisada sob múltiplas perspectivas. Juntamente com o legítimo interesse dos acionistas de receber dividendos, a companhia deve ser conduzida de modo a identificar e respeitar os direitos e interesses dos stakeholders, cuja natureza da relação com a companhia varia consideravelmente. 47 na promoção profissional e no desenvolvimento de suas personalidades; (iv) consumidores, que se interessam pela liberadade de escolha, pela qualidade e justa relação qualidade-preço, pela informação verdadeira e clara sobre os produtos e serviços, pela garantia de segurança dos produtos e serviços e pela assistência técnica pós-contratual; (vi) fornecedores, que têm interesse na aceitação dos princípios da livre concorrência, na capacidade de pagamento da companhia e na informação clara sobre as possibilidades comerciais; (vii) concorrentes, que se interessam pela propriedade industrial, pelas regras de livre concorrência, pela reciprocidade das relações, pelo cumprimento dos compromissos e pela cooperação nas diferentes políticas empresariais; (viii) comunidade, que tem interesse no cumprimento das obrigações fiscais e da legislação sob o ponto de vista social, na contribuição positiva para o desenvolvimento local e regional, no que respeita ao meio ambiente e na preservação dos recursos naturais renováveis e não renováveis. Por ser ligada à própria gestão da corporação, geralmente a Governança Corporativa é composta de práticas administrativas bem abrangentes 20 baseadas nos seguintes princípios e valores norteadores de conduta para os gestores (IBGC, 2012): a) Informação21 (disclosure) – disponibilizar às partes todas as informações22 inerentes ao negócio jurídico e de seu interesse (vai além do simples dever de informar imposto por lei). Trata-se de uma garantia da lisura na comunicação entre as pessoas nas contratações, decorrente do princípio da boa-fé, que orienta a interpretação e a aplicação de grande parte das normas jurídicas, especialmente as de Direito Comercial/Empresarial (GABRICH, 2010). Nesse sentido, importante destacar que nos últimos anos uma série de movimentos mudou significativamente no mundo e Brasil os parâmetros de transparência e consistência dessa comunicação. No plano internacional, a sucessão de escândalos corporativos do final dos anos 1990 e no início dos 2000 forçou a adoção de normas e regras rígidas, favoreceu a implantação da Lei Sarbanes-Oxley23 nos Estados Unidos e a aplicação 20 São utilizadas nas seguintes áreas das empresas: (i) gestão; (ii) conselho de administração; (iii) estrutura de propriedade; (iv) auditoria independente; (v) conselho fiscal; (vi) conflito de interesses. 21 A palavra “informação” traduz um ideia mais precisa desse princípio do que a expressão “transparência”, que comumente é empregada. Mais do que ser “transparente”, as partes em qualquer negócio jurídico têm o dever de informar uma à outra sobre todos os termos, cláusulas, condições e riscos da contratação do vínculo jurídico (isto é, de forma objetiva e sobre o negócio). Essa obrigação decorre do princípio da boa-fé e ultrapassa uma conduta pessoal meramente transparente, como se o grau de informação fosse medido pelo aspecto subjetivo (é possível a pessoa ter sido transparente e não ter informado). 22 Recomenda-se a leitura da esclarecedora obra de autoria de Frederico de Andrade Gabrich, intitulada “O Princípio da Informação”, lançada em 2010 pela Universidade FUMEC, na cidade de Belo Horizonte. 23 A Lei Sarbanes-Oxley foi promulgada no dia 30 de julho de 2002, pelo presidente George W. Bush, devido aos escândalos financeiros corporativos envolvendo diversas companhias americanas em fraudes contábeis e societárias, tais como as ocorridas com a Enron, Arthur Andersen, World.Com e Xerox. A Lei foi concebida pelos senadores da república Paul Sarbanes e Michael Oxley (por isso o apelido de “Lei Sarbox” ou “Lei Sox”) 48 das novas normas contábeis dos International Financial Reporting Standards (IFRS).24 No Brasil, houve a revisão da Lei nº 6.404/76,25 a criação do Novo Mercado,26 a adoção parcial das IFRS,27 e ainda, a exigência da elaboração do “Formulário de Referência” 28 como informação periódica a ser prestada ao mercado. b) Equidade (fairness) – tratamento justo entre todos os shareholders, especialmente aos minoritários devido à sua posição de hipossuficiência, assim como aos stakeholders como “partes interessadas”. Desse norte, extrai-se que atitudes ou políticas discriminatórias entre os acionistas, colaboradores, clientes, fornecedores ou credores, sob qualquer pretexto, são inaceitáveis; c) Prestação de Contas (accountability) – os gestores devem prestar contas de forma clara e regular para os acionistas (e, em certa medida, também para os investidores potenciais do mercado), assumindo integralmente as consequências por seus atos e omissões. Os agentes da administração, na qualidade de mandatários e delegados do poder de representação da sociedade empresária, devem prestar contas dos seus respectivos mandatos como princípio elementar e inerente às suas funções; d) Responsabilidade Corporativa (corporate responsability) – com uma visão mais ampla da estratégia empresarial, os agentes devem zelar pela perenidade das organizações, no intuito de contemplar todos os relacionamentos com a comunidade em que atua e promover para garantir a criação obrigatória de novos mecanismos de administração financeira, escrituração contábil, auditoria e gestão de informações pelas companhias para aumentar o fluxo de informações, gerar transparência e evitar fraudes ou, caso estas ocorram, a segurança de que existem meios para identificá-las. 24 As International Financial Reporting Santandars (IFRS) formam um conjunto de normas e pronunciamentos contábeis de padrão internacional, que é publicado e revisado por uma associação de profissionais de contabilidade de diversos países chamada International Accounting Standars Board (IASB). Essas normas foram criadas com o objetivo de formular um novo padrão de normas contábeis independentes que possa ser adotado por diversas companhias de diferentes países, a fim de harmonizar as demonstrações financeiras publicadas (balanço patrimonial, demonstração de resultados, demonstrações de fluxo de caixa, informações por segmento de negócio e as notas) com maior compreensibilidade, relevância, confiabilidade e comparabilidade. 25 A partir de 2001, a Lei nº 6.404/76, que regulamenta as Sociedades Anônimas no Brasil, sofreu diversas alterações com a promulgação das Leis n s. 10.303/01, 11.638/07, 11.941/09, 12.431/11 e 12.810/13. 26 A Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros (BM&F Bovespa) criou três segmentos de mercado dentre as companhias abertas listadas nos seus pregões conforme os níveis de governança corporativa adotados. São os chamados “Níveis Diferenciados de Governança Corporativa” (Nível 1 e Nível 2) e o Novo Mercado. Embora tenham fundamentos semelhantes, o Novo Mercado é direcionado principalmente à listagem de empresas que venham a abrir capital, enquanto os Níveis Diferenciados 1 e 2 destinam-se a empresas que possuem ações negociadas na atual BM&F Bovespa. 27 Por meio da Instrução nº 457/07, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) confirmou que a partir de 2010 as companhias abertas adotarão as normas internacionais de contabilidade. 28 O “Formulário de Referência” foi criado pela Instrução nº 480/09 da CVM para ser um dos principais documentos periódicos da companhia emissora, e reunirá uma série de informações relevantes para a compreensão e avaliação da própria corporação e dos seus valores mobiliários emitidos. Nesse formulário, a CVM exige de forma abrangente que sejam reunidas e prestadas diversas informações sobre diferentes áreas da companhia, tais como: atividades da corporação, fatores de risco, administração, estrutura de capital, dados 49 sua continuidade ao longo do tempo. Para tanto, são necessárias práticas de medidas de sustentabilidade e cumprimento da “função social” da empresa, incluindo a criação de riquezas, oportunidades de emprego, qualificação de trabalhadores, diversidade da força de trabalho, estímulo ao desenvolvimento científico, melhoria da qualidade de vida, ações de caráter educacional, cultura, assistencial e de preservação ao meio ambiente, e, ainda, absorção preferencial do trabalho e insumos oferecidos pela comunidade local. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), com fulcro nos princípios e valores descritos acima, elaborou um “Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa”, que tem por finalidade: (i) compilar normas consideradas salutares para a atuação de empresas/sociedades; (ii) indicar caminhos para a adesão a tais normas; (iii) incentivar o desenvolvimento da atividade empresarial e de um mercado de capitais mais previsível e transparente.29 Nesse Código,30 o IBGC sugere a adoção de normas e compromissos internos a serem alinhavados pelos shareholders e stakeholders, visando deixar a organização mais transparente e as pessoas envolvidas mais informadas sobre os negócios e desempenhos da organização. Além disso apresenta sugestões de condutas administrativas que devem ser implementadas por toda e qualquer empresa, de natureza pública ou privada, com caráter familiar ou não, constituída sob o formato de qualquer tipo societário, a fim de agregar “valor” e conferir maior informação, equidade, contabilidade e responsabilidade no relacionamento entre os envolvidos com a empresa em geral. Do ponto de vista jurídico, as práticas administrativas da Governança Corporativa podem ser classificadas em três gêneros de medidas: (i) normas de proteção aos acionistas minoritários; (ii) instrumentos de fiscalização da gestão empresarial; e (iii) enforcement31 dos dispositivos. Tudo visando à proteção dos acionistas e dos stakeholders em geral (PRADO, 2008). financeiros, comentários dos administradores sobre tais dados, valores mobiliários emitidos e operações com partes relacionadas. 29 Para maiores informações, veja na íntegra o “Código de Melhores Práticas” disponibilizado no site do IBGC (www.ibgc.gov.br). 30 Além do Código elaborado pelo IBGC, é importante destacar a existência dos “Princípios da OECD”, publicados em 1999 e posteriormente revisados em 2004 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, organização que promove as suas atividades por meio do Global Corporate Forum (GCGF). Criada pelo Banco Mundial e pelo International Finance Corporation (IFC), a OECD tem como finalidade promover iniciativas globais, regionais e locais para a melhoria do quadro institucional e das práticas de governança corporativa. Esses princípios estão estruturados nos seguintes capítulos: (i) assegurando a base da governança corporativa; (ii) os direitos dos acionistas e funções-chave da propriedade; (iii) o tratamento equitativo dos acionistas; (iv) o papel das demais partes interessadas na governança corporativa; (v) as responsabilidades do Conselho de Administração (VIEGAS, 2008). 50 No Brasil, não existe previsto no ordenamento jurídico um “Código Legal de Governança Corporativa” que seja obrigatório para as sociedades empresárias. Os dois principais dispositivos legais que tratam da organização e funcionamento do segmento empresarial no país – as Leis nºs 10.406/02 (Código Civil) e 6.404/76 (Sociedade Anônima) – não possuem um conjunto de normas de condutas cogentes que consiga atingir todos os objetivos listados acima propostos pela Governança Corporativa. Dessa maneira, a implantação das práticas de Governança Corporativa ocorre mais por iniciativa voluntária das empresas do que por obrigação legal. Para melhor se autorregulamentarem, 32 as corporações passam a aderir voluntariamente às normas de conduta sugeridas por órgãos privados, notadamente às regras determinadas pela BM&F Bovespa33 e pelo IBGC. Com essa adesão, acredita-se que a corporação atrairá novos investidores, na medida em que passará a se diferenciar do restante do mercado por assumir novas obrigações e deveres, além das legais, que impactam na percepção de risco do negócio. Ao dispensar tratamento com maior informação, equidade, contabilidade e responsabilidade aos shareholders e stakeholders, a empresa gerará uma sensação de ambiente de negócios mais seguro devido à percepção de menor risco,34 fato que naturalmente atrairá maior número de interessados em se tornarem sócios da corporação.35 Por consequência, a Governança Corporativa gera potencialmente uma capacidade maior de atrair investidores e capital para organização, que está sempre em busca de 31 Tal expressão remete à ideia de forçar, impor mediante algum tipo de força ou pressão para que determinadas decisões sejam cumpridas. 32 Autorregulação; direção e governação. 33 Em síntese, as empresas que desejarem aderir ao Nível 1 dos chamados “Níveis Diferenciados de Governança Corporativa” seguirão regras de transparência e dispersão acionária. As companhias do Nível 2 adotarão as regras do Nível 1, acrescidas das outras normas de equilíbrio entre os acionistas minoritários e majoritários. Por último, as empresas listadas no Novo Mercado cumprirão o grau máximo (mais avançado nível) das exigências de medidas de governança corporativa impostas pela BM&F Bovespa. A companhia adere de forma voluntária ao Novo Mercado por meio da assinatura um contrato obrigando-se a cumprir o “Regulamento da Listagem do Novo Mercado”, com obediência às regras dos Níveis 1 e 2 de governança corporativa, além de outras, tais como: obrigatoriedade de uso da arbitragem, emissão de ações somente ordinárias, divulgação dos demonstrativos financeiros em padrão internacional, etc. Para informações mais detalhadas, acesse o site www.bmfbovespa.com.br. 34 Sobre o risco, importante mencionar que a melhoria na qualidade das informações prestadas pela companhia e a ampliação dos direitos societários (incrementos de boas práticas de instrumentos de governança) reduzem as incertezas no processo de avaliação do investimento e, consequentemente, o risco da compra. A redução do risco do negócio gera uma melhor precificação das ações, incentiva novas aberturas de capital, novas emissões de ações, reforça a confiança no mercado de capitais e eleva a disposição dos investidores na aquisição de participações, resultando como consequência o barateamento do capital e a valorização da companhia como um todo (PRADO, 2008). 35 O interesse, valorização e liquidez da participação societária são influenciados positivamente pelo grau de segurança oferecido pelos direitos concedidos aos acionistas e pela quantidade de informações prestadas pelas companhias. 51 crescimento. Diante de um maior número de pessoas interessadas em investir seus próprios recursos na corporação, a empresa desenvolverá potencialmente uma maior e mais barata capacidade de financiar36 seu crescimento no mercado, ganhando assim dois diferenciais competitivos em relação aos demais competidores: (i) diminuição do custo do capital, barateando o financiamento da atividade empresarial;37 e (ii) valorização de suas cotas, ações ou papéis. Portanto, a Governança Corporativa adotada pelas empresas familiares38 tem seu foco no exercício de práticas de gestão voltadas para uma melhor eficiência na tomada de decisões e desempenho do negócio. São medidas de natureza administrativa que buscam auxiliar, com informação e transparência, as diferentes pessoas ou órgãos da corporação, envolvidos ou não na gestão do negócio, com o fim de melhorar o desempenho da empresa e o relacionamento corporativo (fato que poderá impactar na maior atração de capital e financiamento). Por último, cumpre ressaltar a existência da chamada Governança Familiar, que se refere às medidas de qualquer natureza tomadas no âmbito familiar pelas pessoas envolvidas com a empresa de controle familiar. Trata-se de atitudes formais adotadas pelos envolvidos na condição de parentes para melhor reger as suas relações enquanto família e conflitos inerentes à sobreposição dos sistemas concomitantes de propriedade, família e gestão. Conforme ensina Prado (2011), a Governança Familiar pode ser definida como o conjunto de regras e estruturas privadas que têm por objetivo administrar as questões relativas às relações pessoais e sociais entre os familiares ligados a uma empresa. A fim de minorar os riscos de conflitos entre os parentes que porventura possam repercutir negativamente na condução dos negócios, a família empresária passa a adotar medidas formais de relacionamento para administrar suas relações de parentesco. A título de exemplo, citam-se algumas possibilidades de implementação de medidas práticas de Governança Familiar: 36 Em suma, pode-se afirmar que existem quatro diferentes maneiras de financiamento da atividade empresarial: (i) recursos financeiros próprios dos empreendedores que dão início ou coordenam a atividade empresarial; (ii) mercado financeiro, por meio da concessão de empréstimos de recursos financeiros para financiamento da organização dos meios de produção (insumos, capital, trabalho ou tecnologia); (iii) mercado de capitais, com a captação de recursos financeiros na “poupança popular” (vindo da economia de particulares) para a empresa; (iv) novos sócios na corporação, com injeção de recursos financeiros arrecadada com a venda de participação societária para investidores, fundos de investimentos, “fundos private equity e venture capital” (estes últimos também chamados de “fundos de capital produtivo”). 37 Para aprofundamento do tema sobre “fundos de capital produtivo” (“private equity e venture capital”), recomendamos a leitura do livro “Como funcionam os fundos de investimentos em capital produtivo”, de Paulo Shinohara, publicado em 2007 pela Trevisan Editora Universitária. 38 A conceituação e medidas de Governança Corporativa são comuns a todos os tipos de organizações privadas. Independentemente da sua forma de controle (familiar ou não familiar), sua lógica e fundamentos se mantêm 52 a) Assembleias Familiares – são momentos formais de reunião entre os membros da família para discussão dos problemas entre os parentes e entre estes e terceiros, visando a uma maior integração e entendimento. Esses encontros devem seguir regras 39 previamente acordadas de participação,40 periodicidade, convocação, local, quóruns de instalação e deliberação, formalização de atas e divulgação das decisões, podendo tratar sobre quaisquer assuntos41 que repercutam positiva ou negativamente na família; b) Conselho da Família – tem a mesma finalidade da Assembleia Familiar, no sentido de se criar um foro institucionalizado para tratamento das questões familiares. Essa medida normalmente é instituída quando a família cresce e existe certa dificuldade de se reunir com frequência todos os membros por meio da Assembleia Familiar. Nesses casos, é legitimado um Conselho, que funciona como um centro colegiado de decisão (quando em substituição à Assembleia) ou segunda estrutura de poder da família (que se reúne com maior frequência que a Asssembleia ou para tratar determinados assuntos); tudo com a presença de somente alguns representantes da família. Na visão de Maciel (2013), o Conselho de Família irá manter todos os integrantes informados sobre a empresa, planejar a educação da futura geração de acionistas, identificar talentos entre os herdeiros e decidir sobre a transmissão do controle, transações acionárias e políticas de dividendos; c) Comitês – trata-se da formação de grupos específicos dentre os membros da família para determinadas finalidades ou realização de específicos projetos. Normalmente, os Comitês são constituídos na medida da necessidade da família empresária e possuem vigência temporária até a concretização do seu propósito específico;42 d) Family Office43 – é a criação de um escritório administrativo pela família para cuidar das questões práticas44 do dia a dia dos seus membros, a fim de criar facilidades ou inalterados se a empresa tiver o caráter familiar, aumentando apenas e tão somente a complexidade em virtude da eventual influência das questões familiares sobre a condução dos negócios (IBGC, 2008). 39 Tais regras devem ser escritas para ciência prévia e consulta periódica de todos, normalmente formalizadas no Protocolo ou Acordo de Família. 40 Nesses casos, é importante definir previamente se somente os parentes consanguíneos poderão participar, ou aqueles por afinidade também (genro, noras, cunhados, etc.). 41 Todo tipo de problema familiar pode ser discutido nessas reuniões, tenha ou não relação com a atividade empresarial. Não raro, nesses encontros são debatidos infortúnios da família como as dificuldades financeiras, doenças, dependências químicas, alcoolismo, casamentos, divórcios e carreiras. 42 Como ilustração, pode-se afirmar que é comum a formação de Comitês Familiares para o desenvolvimento de livros, desenho da árvore genealógica e levantamento de informações sobre a história da família; realização de encontros periódicos entre os parentes; promoção de educação, wokshops, consultoria e treinamentos dos seus membros; organização de visitas ou viagens a fornecedores, clientes, concorrentes ou férias; realização de projetos beneficentes, responsabilidade social, consumo sustentável, ou ainda, proteção ao meio ambiente. 43 Na definição de Werner (2011), Family Office é uma estrutura criada por uma ou mais famílias para administrar os ativos tangíveis e intangíveis que não fazem parte da operação da empresa familiar. É, portanto, o espaço que a família tem para discutir seus problemas financeiros, pessoais e outros que não dizem respeito à operação do empreendimento empresarial. 53 profissionalizar o cuidado com o dinheiro e patrimônio familiar. Os parentes podem nomear membros da própria família para se responsabilizarem por tais conveniências, contratar diretamente profissionais 45 visando auxiliá-los nessas tarefas, ou ainda, terceirizar os serviços necessários. A formalização da estrutura legal-administrativa desse escritório poderá ocorrer por acordo informal ou escrito firmado entre os parentes, assim como pela constituição legal de uma sociedade empresária para suportar essa organização dos trabalhos. Importante realçar que o ganho maior para o contexto família-empresa não são as facilidades diretas geradas por esse escritório administrativo para cada membro (que são também importantes para cada indivíduo separadamente), mas o fato de essas questões práticas e pessoais se estabelecerem totalmente fora da estrutura física e administrativa da empresa familiar e distante do ambiente dos negócios. A gestão tangível das necessidades e patrimônio pessoais dos membros da família empresária deve ser tratada por uma estrutura separada e distante da gestão das operações e dos ativos da empresa familiar; e) Protocolo, Acordo Familiar ou Código de Ética – se refere a um documento escrito firmado entre os parentes para estipular previamente normas, valores, princípios, costumes e condutas a serem seguidas por todos os membros da família. Em tal acordo formal, o importante será a estipulação de comportamentos46 não cogentes por lei que tragam algum benefício ou tranquilidade para o relacionamento familiar. Dessa maneira, todas essas medidas práticas de Governança Familiar buscam atenuar os problemas enfrentados pela família empresária nas relações pessoais e sociais estabelecidas entre os seus membros e que podem de alguma maneira repercutir na organização empresarial familiar. Esses pontos críticos tendem a aumentar com o passar do tempo e com o nascimento de novos indivíduos no âmbito familiar, ou até mesmo com o posterior ingresso na empresa das novas gerações de parentes da família empresária. O nascimento de irmãos, filhos, netos, sobrinhos, ou o estabelecimento de novos relacionamentos com noras, genros e cunhados promove a constituição de novos núcleos familiares, aumentando a complexidade das relações pessoais e sociais. A empresa que inicialmente era monofamiliar passa a ter uma nova configuração, de bifamiliar ou 44 São questões concretas do tipo: pagamento de contas pessoais; manutenção de carros, barcos, aviões e helicópteros; programação de viagens; administração de residências; aplicação das finanças, etc. 45 Em casos mais sofisticados, a estrutura administrativa é composta por office-boy, secretária, motorista, advogado, contador, etc. 46 Neste caso, normalmente se estabelece a obrigatoriedade de determinado regime patrimonial de casamento para os membros; impossibilidade de prestação de fianças ou avais em favor de terceiros; autorização para uso do nome de família por cônjuges. 54 multifamiliar.47 Esses eventos fazem surgir novos pontos de vista familiares e diferentes desejos na condução dos negócios, podendo suscitar conflitos e divergências entre os membros, que devem ser prevenidos ou remediados pelas práticas das Governanças Jurídica, Corporativa e Familiar, conforme cada caso. De acordo com Werner (2011), os principais pontos conflitantes enfrentados pela família empresária durante seu crescimento são: a) Para a primeira geração: (i) definir os valores familiares que farão parte da “missão” da empresa familiar; (ii) assegurar a sobrevivência da empresa e da família; (iii) conduzir a primeira sucessão; (i) prover o envolvimento operacional da família na empresa; (v) proporcionar o crescimento patrimonial; (vi) procurar viver com sucesso; b) Para a segunda geração: (i) relacionamento entre irmãos; (ii) percepção do valor e trabalho já incorporados na empresa; (iii) utilização racional dos recursos familiares; (iv) identificação com a empresa e os valores criados pela geração anterior; (v) ingresso de novos membros na família; (iv) disputa de poder entre os familiares; (vii) conflitos de competência na empresa; c) A partir da terceira geração e para as multigerações: (i) identificação dos valores da empresa; (ii) levantamento do patrimônio da empresa e da família; (iii) conflitos gerenciais; (iv) utilização de recursos; (v) critérios de representatividade. Pode-se, então, concluir que a Governança Jurídica não se confunde com a Governança Corporativa nem com a Governança Familiar. Pela abordagem realizada, vê-se que existem três possibilidades de governança distintas, cada uma delas com suas próprias ferramentas, utilidade e objetivos distintos. Por oportuno, cabe apresentar o organograma (FIG. 4) proposto por Prado (2011) sobre a complementariedade das governanças jurídica, corporativa e familiar nas organizações familiares. 47 Em regra, o aumento do número de famílias na empresa ocorre pela formação de novos núcleos familiares pelas novas gerações da mesma família. Mas pode acontecer também que o número de famílias na corporação ocorra pelo estabelecimento de novos vínculos societários de aquisição, fusão, cisão ou parcerias com outras famílias diferentes. Nesses casos, a organização empresarial será composta por famílias distintas e também poderá ser classificada como bifamiliar ou multifamiliar. 55 Figura 4 - Organograma sobre as Governanças Fonte: Prado (2011, p. 37) O organograma permite perceber de forma didática que Governança Jurídica, Governança Corporativa e Governança Familiar têm cada uma funções próprias e áreas de atuação distintas dentro do contexto família, gestão e propriedade. Uma não se confunde com outra, apesar de serem complementares e simultâneas. As famílias empresárias devem procurar conhecer as nuances técnicas de cada uma das governanças. Com maior domínio técnico sobre essas possibilidades práticas de melhor estruturação das relações sobre a propriedade, gestão e família; a empresa familiar terá mais segurança, resultados e sustentabilidade na exploração das suas atividades comerciais. Portanto, as famílias empresárias devem desenvolver suas próprias medidas de governanças, políticas estratégicas e mecanismos de proteção da atividade empresarial para continuarem perseguindo seus principais sonhos familiares: preservação do patrimônio e garantia de um futuro seguro para as futuras gerações. Tais práticas empresariais são tão necessárias como os freios de um carro:48 em primeiro lugar permitem andar mais rápido. Em segundo, possibilitam parar, se necessário. As medidas de direção, administração e regulação jurídicas autorizam a família empresária a 48 Essa indagação provocativa foi feita por Bornholdt (2011) ao comparar a empresa familiar com um veículo automotor por meio da seguinte reflexão: para o que servem os freios de um automóvel? Para parar ou para poder andar mais rápido? 56 sonhar alto, agir rápido e com segurança para a preservação do seu legado e controle da empresa por diversas gerações. 5.3 Instrumentos de Governança Jurídica A eficiência e a produtividade dependerão da concentração e tranquilidade jurídica para bem gerir a empresa familiar. Essa tranquilidade nunca será absoluta, mas existirão meios de se restringirem os fatores inquietantes. Conflitos, disputas e paixões são inerentes ao ser humano, mas o posicionamento profissional e o alinhamento dos objetivos entre os familiares podem amenizar os problemas. A mistura entre família e empresa, aliada à falta de conhecimento do que pode acontecer ou mesmo à ideia de que “comigo não vai suceder nada”, levam a caminhos catastróficos (LODI, 2004). Segundo exposto por Shiguematsu (2011), preparar a sociedade para que ela possa crescer, sem necessariamente estar vinculada à figura de seus criadores, pode ser vital para a perpetuidade do próprio negócio. Nesse ponto, criar estruturas jurídicas bem definidas que viabilizem as operações do dia a dia da sociedade, estabelecer regras ou critérios para nortear determinados temas e, ainda, utilizar recursos de governança para a companhia são indispensáveis na preparação para os novos estágios de crescimento. No entanto, diante do vasto universo das empresas familiares, que engloba desde micro e pequenas empresas até corporações multinacionais ou transnacionais com atuação negocial em diversos países, não existem fórmulas preconcebidas de Governança Jurídica que se encaixem de forma exitosa em todos esses tipos de empresa. Diante das variedades existentes sobre o faturamento, estrutura societária e segmentos de atuação das corporações familiares, é inadequado definir previamente quais são as melhores medidas jurídicas a serem escolhidas e implementadas de forma obrigatória pela família empresária para o sucesso do seu empreendimento. Na visão de Bornholdt (2009), as organizações familiares precisam encontrar caminhos jurídicos não claramente identificáveis para manter o controle do capital e da gestão das famílias empresárias, já que não existem fórmulas prontas, mas sim reflexões, opções e fatores-chave. Dentro da sua liberdade de iniciativa e atuação empresarial, essas empresas devem criar quaisquer tipos de medidas de Governança Jurídica que resultem numa melhor forma de dirigir, administrar e controlar seus próprios interesses e negócios comerciais. 57 Por isso, nas empresas familiares é imprescindível que o profissional do Direito utilize a análise estratégica de objetivos49 como etapa integrante da elaboração da Governança Jurídica pretendida. E, da mesma forma, é de suma importância que a família empresária introduza a Governança Jurídica como um componente a ser considerado e discutido no planejamento estratégico da corporação. Nesse sentido, para que a Governança Jurídica alcance eficácia, o operador do Direito sempre deve nas corporações familiares nortear a concepção desse tipo de governança pelo pensamento jurídico estratégico, com elaboração, análise e revisão contínua das seguintes “etapas humanas de raciocínio lógico-jurídico” do ordenamento legal pátrio: a) Conhecer as opções jurídicas de que se dispõe (alternativas e riscos), com a apresentação das vantagens e desvantagens de cada opção legal conforme o princípio da normatividade (ou juridicidade); b) Identificar o perfil da empresa familiar e qual opção jurídica melhor se adequa ao seu perfil (identificam-se especialmente os valores e a cultura organizacional); c) Exercitar as possibilidades das escolhas, com o provisionamento mental e desenho futuro das consequências na adoção de cada opção jurídica (amadurecimento do modelo a ser adotado); e d) Implementar o formato jurídico escolhido, por etapas e com planejamento. A realização desse raciocínio lógico-jurídico pelo operador do Direito e o seu aprimoramento com a experiência advinda da vivência de diferentes situações práticas levam esse profissional a ter uma visão empresarial do Direito, por meio da qual passa a entender que o conhecimento jurídico deve ser colocado à disposição do empreendedor-capitalista para viabilizar as atividades empresariais. O conhecimento técnico do Direito passa a ser visto não como um fim em si mesmo, mas, e corretamente, como um meio para fomentar a organização dos atos econômicos pelo empresário-investidor, trazendo soluções jurídicas que o encorajem a assumir os riscos do empreendimento.50 49 Em que se propõe alcançar os objetivos jurídicos pretendidos com o menor risco e custo possível de dinheiro, de tempo e de desgaste emocional no desempenho da atividade empresarial. 50 Afinal, de que adiantariam o Direito Empresarial e a positivação das suas normas jurídicas, se inexistisse a pessoa do capitalista-empresário para empreender e assumir o risco da atividade econômica? São essas pessoas comuns (sem conhecimento técnico-jurídico) que fazem com que o fato social aconteça, para sobre ele recair a eventual necessidade de regulamentação do Direito (como num círculo virtuoso de retroalimentação). Por isso, acredita-se que o Direito Empresarial ao se positivar e o profissional da área ao operá-lo devem ter em vista os parâmetros e eventuais limites legais de conduta do empreendedor, mas nunca utilizar essas restrições jurídicas para inibir ou mesmo impedir que ele assuma novos negócios e riscos. Se eventualmente isso ocorrer, não se verá nem mais empresários que ousam, e muito menos necessidade de normas positivadas de Direito Empresarial. 58 Dessa maneira, a Governança Jurídica pode ser implantada no início das atividades econômicas ou em algum momento do ciclo empresarial. Independentemente do momento, essa estrutura jurídica e o conjunto de instrumentos legais inseridos na corporação devem ser sempre revistos periodicamente, a fim de promover eventuais adaptações a novas realidades da família e da empresa, realidades que podem influenciar as relações na empresa e entre os membros da família. A única certeza na vida além da morte física são as constantes mudanças e transformações das pessoas e de tudo que nos rodeia. E isso vale também para a vida empreendedora da família empresária, seus ciclos e gerações, que mudam constantemente e de forma complexa, consoante exposto por Prado (2011). Além disso, Menezes (2008) recorda que o mundo jurídico procura acompanhar as mudanças que ocorrem buscando oferecer instrumentos necessários para lidar com as novas realidades. Mas o certo é que os progressos verificados no mercado e as necessidades das pessoas e do mundo empresarial estão quase sempre num estágio adiante no tempo. Na verdade, a implantação e desenvolvimento da Governança Jurídica é um trabalho sem fim; se não o fosse, se tornaria obsoleto e ineficaz. A família empresária deve se cercar de uma assessoria jurídica constante na esfera empresarial (e se possível também no âmbito familiar) para a preservação da estratégia e dos objetivos traçados, a fim de não comprometer com o passar do tempo os resultados almejados. Com essa consciência da necessidade de evolução constante, citam-se abaixo algumas medidas de Governança Jurídica que as empresas familiares poderão adotar com o uso do conhecimento técnico do operador do Direito. Dentro do cenário de liberdade de iniciativa jurídica, trata-se de meras ilustrações de algumas das várias práticas jurídicas que as corporações familiares poderão criar, adequar e implementar de forma preventiva na sua estratégia de atuação, visando melhorar o desempenho e segurança dos seus negócios: a) Análise da adequação e conformação da “tipicidade societária” – realização de um estudo jurídico pela família empresária para verificação do formato jurídico-legal mais adequado ao negócio empresarial de acordo com os objetivos econômicos almejados. Com a elaboração de um “planejamento societário”, a família empreendedora buscará analisar e decidir com base num estudo técnico feito por profissionais qual o tipo societário previsto em lei é o mais benéfico e eficaz para estruturação da atividade econômica organizada; b) Criação de holding familiar de participações - constituição de uma estrutura legal controladora para possibilitar que a família empresária possa, por meio de uma sociedade de participações, distanciar das atividades operacionais e do dia a dia da administração da 59 empresa familiar, sem perder a propriedade do seu patrimônio e o controle macrossocietário da sua gestão. Com a efetivação dessa estrutura jurídica, a família poderá usufruir de diversos ganhos51 materiais e intangíveis advindos da segregação entre a “empresa operacional familiar” (que se dedicará exclusivamente à exploração da atividade econômica, de forma operacional) e a “empresa controladora familiar” (que se dedicará ao controle, planejamento, centralização e prevenção de conflitos sobre os negócios). c) Instituição de Conselho de Administração como órgão obrigatório de gestão – cominação jurídica no Contrato Social ou Estatuto Social da empresa familiar prevendo a existência obrigatória de um Conselho de Administração na estrutura de gestão da organização empresarial. A presença obrigatória de um Conselho de Administração independente, ativo e bem informado nas empresas familiares significa menos conflito entre família, gestão e propriedade, e mais segurança, transparência, eficácia e estratégia para desenvolvimento do empreendimento familiar pelos Administradores, Diretores ou Gerentes na “gestão executiva”, e os familiares “proprietários” ou “controladores” na “gestão administrativa”. d) Firmamento de um “Acordo de Acionistas” ou “Acordo de Cotistas” entre a família empresária – estipulação de regras de conduta entre os familiares sócios por meio de um instrumento formal de contrato escrito, objetivando a institucionalização do poder e a regulamentação prévia de assuntos relacionados ao exercício dos “direitos políticos” (exercício de direito de voto e exercício do poder de controle), “direitos patrimoniais” (compra e venda de cotas ou ações, e direito de preferência para adquiri-las) e quaisquer outras matérias de interesse dos sócios. A assinatura desse documento escrito entre os sócios com validade interna corporis e vínculo parassocial evitará desgastes e brigas futuras entre os parentes, que poderão afetar sobremaneira a organização empresarial e sua durabilidade no tempo. e) Obrigatoriedade da existência de Conselho Fiscal – estipulação jurídica no Contrato Social ou Estatuto Social da empresa familiar prevendo a existência obrigatória do órgão de Conselho Fiscal na organização empresarial. 52 A presença obrigatória desse órgão de forma independente contribui para uma gestão mais transparente em razão possibilidade de 51 Esses ganhos serão explicados de forma detalhada mais adiante. Com exceção das sociedades anônimas pela imposição do art. 161 da Lei 6.404/76, nos demais tipos societários a previsão e existência do Conselho Fiscal não são obrigatórios. De acordo com o art. 1.066 do Código Civil, o Contrato Social poderá ou não instituir um Conselho Fiscal conforme interesse manifestado nesse instrumento pelos sócios, deixando à critério deles a escolha pela cominação desse órgão. 52 60 exames de quaisquer documentos, mais informativa devido à emissão dos pareceres técnicos e, ainda, mais segura por causa da fiscalização dos administradores da empresa. f) Inserção obrigatória da figura do Conselheiro Independente53 – previsão jurídica da figura do Conselheiro Independente54 na composição do Conselho de Administração da empresa familiar. Nesse viés, tal Conselheiro figurará como “guardião” dos reais interesses da organização familiar, utilizando sua independência para: (i) desvelar as necessidades e direcionamento do negócio familiar visando à melhor rentabilidade e sustentabilidade no tempo; (ii) defender e impor seu entendimento frente aos demais Conselheiros, sem receios ou submissão a pressões. g) Realização obrigatória e periódica de Auditoria Independente – cominação jurídica da obrigatoriedade de realização periódica de Auditoria Independente como forma de auxiliar os trabalhos do Conselho Fiscal na fiscalização das contas nas empresas familiares. Com o auxílio obrigatório de uma Auditoria Externa, o Conselho Fiscal poderá desempenhar um trabalho ainda mais transparente, informativo e eficaz na fiscalização da gestão nas empresas familiares. 53 A definição do que é Conselheiro Independente pode ser verificada pelo item 2.1 do “Regulamento do Novo Mercado da BMF-Bovespa” e pelo “Código de Melhores Práticas” disponibilizado no site do IBGC. O item 2.1 daquele citado Regulamento caracteriza tal figura por: (i) não ter qualquer vínculo com a Companhia, exceto participação de capital; (ii) não ser Acionista Controlador, cônjuge ou parente até segundo grau daquele, ou não ser ou não ter sido, nos últimos 3 anos, vinculado a sociedade ou entidade relacionada ao Acionista Controlador (pessoas vinculadas a instituições públicas de ensino e/ou pesquisa estão excluídas desta restrição); (iii) não ter sido, nos últimos 3 anos, empregado ou diretor da Companhia, do Acionista Controlador ou de sociedade controlada pela Companhia; (iv) não ser fornecedor ou comprador, direto ou indireto, de serviços e/ou produtos da Companhia, em magnitude que implique perda de independência; (v) não ser funcionário ou administrador de sociedade ou entidade que esteja oferecendo ou demandando serviços e/ou produtos à Companhia; (vi) não ser cônjuge ou parente até segundo grau de algum administrador da Companhia; (vii) não receber outra remuneração da Companhia além da de conselheiro (proventos em dinheiro oriundos de participação no capital estão excluídos desta restrição). De forma um pouco mais criteriosa, o Código elaborado pelo IBGC afirma que Conselheiro Independente precisa cumprir os seguintes requisitos: (i) não ter qualquer vínculo com a organização, exceto participação não relevante no capital; (ii) não ser sócio controlador, membro do grupo de controle ou de outro grupo com participação relevante, cônjuge ou parente até segundo grau destes, ou ligado a organizações relacionadas ao sócio controlador; (iii) não estar vinculado por acordo de acionistas; (iv) não ter sido empregado ou diretor da organização (ou de suas subsidiárias) há pelo menos, 3 (três) anos; (v) não ser ou ter sido, há menos de 3 (três) anos, conselheiro de organização controlada; (vi) não estar fornecendo, comprando ou oferecendo (negociando), direta ou indiretamente, serviços e/ou produtos à organização em escala relevante para o conselheiro ou a organização; (vii) não ser cônjuge ou parente até segundo grau de algum diretor ou gerente da organização; (viii) não receber outra remuneração da organização, além dos honorários de conselheiro (dividendos oriundos de participação não relevante no capital estão excluídos desta restrição); (ix) não ter sido sócio, nos últimos 3 (três) anos, de firma de auditoria que audite ou tenha auditado a organização neste mesmo período; (x) não ser membro de entidade sem-fins lucrativos que receba recursos financeiros significativos da organização ou de suas partes relacionadas; (xi) manter-se independente em relação ao CEO; (xii) não depender financeiramente da remuneração da organização. 54 Para compreensão do conceito de “independência” do Conselheiro de Administração, recomenda-se a leitura da dissertação de mestrado inteiramente dedicada ao tema feita em 2012 por Marina Oehling Gelman, intitulada “O Conceito de Conselheiro Independente Vigente na Regulamentação dos Níveis Diferenciados de 61 Por se entender que as quatro primeiras medidas jurídicas expostas acima possuem caráter estruturante e indispensável para a formatação de uma Governança Jurídica eficaz dentro das empresas familiares, essas práticas serão mais bem analisadas separadamente em seguida. 5.3.1 Análise da adequação e conformação da “tipicidade societária” Sugere-se, como primeira medida a ser tomada na implantação da sua política de Governança Jurídica, que a família empresária realize a verificação jurídica da pertinência societária do formato empresarial adotado. A análise da adequação e conformação da tipicidade societária consiste na confrontação entre os objetivos econômicos almejados pela família empresária e o formato jurídico mais adequado para a consecução desses interesses patrimoniais. O objetivo é verificar qual o tipo legal de sociedade mais benéfico e eficaz para a melhor estruturação do seu negócio empresarial. Por consistir num “planejamento societário”, essa análise deverá ser realizada por um profissional do Direito, com conhecimento técnico específico na área empresarial. Para que seja um planejamento societário mais completo e robusto, recomenda-se ampliar os estudos legais para além do Direito Empresarial, abarcando também o conhecimento técnico das áreas de Direito Tributário e Contabilidade. No que se refere ao Direito Empresarial, este cuidará da análise da natureza jurídica das atividades econômicas que se pretende empreender, com o consequente estudo do formato societário mais adequado dentre as possibilidades legais permitidas pelo ordenamento jurídico pátrio. O “planejamento societário” terá como alvo assegurar eficiência para o investidor sobre as diversas nuances empresariais a respeito da: (i) ligação entre os sócios; (ii) natureza do documento jurídico do vínculo societário; (iii) responsabilidades dos sócios sobre as dívidas da sociedade; (iv) formas de administração e representação da sociedade; (v) possibilidades de formação do capital social; (vi) prazo de duração e vigência da sociedade; (vii) regras entre os sócios para os casos de morte, incapacidade, divórcio ou retirada da Governança Corporativa da BM&F Bovespa”, perante a Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. 62 sociedade; (viii) legislação para a regência supletiva das regras sociais; (ix) adoção de soluções alternativas de resolução de conflito.55 Em complemento, o objetivo da verificação dos profissionais das áreas do Direito Tributário e Contábil será o de buscar a menor carga tributária, fiscal e previdenciária possível sobre as atividades econômicas que o investidor pretende desenvolver. Nesse estudo, o “planejamento tributário”56 será no sentido de apontar possíveis meios de “elisão fiscal”57 55 As denominadas “Soluções Alternativas de Resolução de Conflitos” (ADRs) são métodos ou procedimentos adotados pelas partes em conflito que buscam, fora do Poder Judiciário (sem a intervenção do Estado), uma solução para a controvérsia a respeito de determinada relação jurídica. Essas soluções podem ser classificadas em dois grandes grupos: (i) autocompositivas; e (ii) heterocompositivas. As “autocompositivas” são aquelas em que as próprias partes envolvidas no conflito, com ou sem ajuda de um terceiro, encontram uma solução para a divergência. Podem-se citar como exemplos as soluções advindas dos métodos alternativos de “autotutela” (a própria parte impõe sobre a outra alguma atitude ou medida para tutelar o seu direito de forma moderada e indispensável), “negociação” (as partes de forma criativa buscam um entendimento, sem auxílio de terceiros), “mediação” (com a ajuda de um terceiro na função de “mediador”, as partes têm uma pessoa para ajudar a clarear os entendimentos e construírem juntas uma solução), e “conciliação” (com o respaldo de um terceiro na figura de “conciliador‟, este apresenta alternativas de solução para análise e aceitação pelas partes). Já as medidas “heterocompositivas” são aquelas em que as partes concedem legitimidade e poderes para um terceiro na função de árbitro analisar e julgar a controvérsia emergente. Nesse grupo, como exemplo de medida “heterocompositiva” fora da esfera judicial pode-se citar como a “arbitragem”, na qual um árbitro ou câmara arbitral, escolhida pelas partes por “Cláusula Compromissória” (previsão expressa no negócio jurídico firmado e antes da existência da controvérsia) ou “Compromisso Arbitral” (manifestação de vontade declarada diante da divergência existente), recebe poderes para analisar o litígio e proferir o julgamento de mérito por meio de sentença, seguindo a norma procedimental e os parâmetros da Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem). 56 Como expresso no artigo “Normas Antielisivas: intervenção estatal na esfera privada”, apresentado no XX Encontro Nacional do CONPEDI, realizado em 2011, na cidade de Belo Horizonte/MG; constata-se que a revolta e o inconformismo contra o pagamento de tributos são páginas que se repetem na história do homem. Desde o momento em que a contribuição feita ao soberano deixou de ser uma doação ou um ato voluntário presente, transformando-se em exigência do poder e obrigação do súdito, um conflito surdo e constante nasceu, deixando cicatrizes nas civilizações que se foram sucedendo. O homem, animal econômico e acumulador de riquezas, transformado em contribuinte, de imediato começa a elocubrar formas para escapar ou reduzir o impacto do tributo sobre seu patrimônio. Com o desenvolvimento da humanidade, o Estado como entidade soberana reguladora da convivência social passou a cobrar impostos e taxas do indivíduo em prol da coletividade, gerando um eterno conflito entre ambos que, naturalmente, vigorará até o final dos dias. De um lado o indivíduo, que até então podia se auto-organizar da melhor maneira que lhe aprouvesse, utilizando da sua ampla e irrestrita liberdade individual conforme sua capacidade econômica, e do outro o Estado, que para se consolidar necessitaria, dentre outras atitudes, limitar essa liberdade passando a instituir tributos. Nascia aí um binômio marcante para as sociedades, definido pelos termos Tributos versus Patrimônio Individual, e melhor retratado pelo conflito entre a liberdade econômica de cada membro enquanto autônomo, livre, em contrapartida à inafastável necessidade de uma coletividade que, para se formar, precisaria da contribuição de cada membro. Dentro da sociedade, constata-se que, não importando o grau de desenvolvimento econômico ou cultural do povo, o objetivo de pagar sempre menos impostos é uma constante na sociedade. Fala-se do direito que tem o indivíduo de organizar seus negócios, dentro dos limites da lei, com o objetivo de pagar menos impostos. O Estado deve assegurar esse direito, nos termos das garantias e dos direitos individuais. Reciprocamente, deve o Estado assegurar-se de que o cumprimento da lei tributária seja efetivo, que todos contribuam segundo sua capacidade econômica, para que a manutenção dos serviços a que o Estado moderno se propõe seja prestada na medida da exigência social. (BONACCORSI, 2011). 57 A elisão fiscal é uma denominação de origem latina (elisio, onis) empregada para se referir aos mecanismos e manobras lícitas utilizadas pelos contribuintes dentro da sua liberdade individual (conferida pela própria lei tributária) de organização econômica, após adotar ou não como ato precedente um planejamento fiscal. 63 para uma redução lícita dos custos dos impostos, taxas, contribuições, preços e tarifas incidentes sobre a organização empresarial (ato que não se confunde com “evasão fiscal”58).59 Como prática de Governança Jurídica, essa medida deve ser realizada preferencialmente antes do começo das atividades empresariais. Anteriormente ao início da empreitada econômica, é recomendável que o empreendedor (mesmo que naquele momento seja apenas um) 60 ou os investidores (se dois ou mais sócios, sejam pessoas físicas ou jurídicas) 61 busquem uma orientação jurídica-profissional sobre a melhor configuração empresarial para formalizarem o giro das suas atividades e requererem o registro de empresário, empresa individual ou sociedade empresária junto ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins (RPEM).62 No entanto, nada impede que seja também realizada após o início das atividades. Mesmo depois do start-up do negócio familiar, ou após vários anos de efetiva atividade, é sempre possível e recomendável a realização de um estudo profissional para checagem da adequação ou ineficiência 63 do formato empresarial adotado em relação aos objetivos da família, prevenção de conflitos entre os parentes, responsabilidades dos sócios, segurança patrimonial e, ainda, sustentabilidade do negócio ao longo do tempo. Ademais, a vida empresarial e o ciclo da família são dinâmicos e estão em constante evolução. Como dito no tópico anterior, o tipo societário que era adequado no passado pode não ser mais eficaz no presente, nem mesmo servir para o futuro. 58 A seu turno, importa-se ressaltar que a evasão fiscal é uma expressão de origem latina (evasio, onis, rad. de evasum, de evadere) que designa as hipóteses em que o contribuinte ocultou (disfarçou, mascarou) o fato (gerador) efetivamente ocorrido, mediante o emprego de certos instrumentos formais que não retratam os fatos reais. Tal artifício é considerado conduta ilegal porquanto o fato gerador e típico tributário foi constatado e com isso já nasceu a obrigação de pagar o tributo pelo contribuinte conforme determina a lei. 59 Para maior aprofundamento sobre esse assunto tributário, recomenda-se a leitura do artigo “Normas Antielisivas: intervenção estatal na esfera privada”, apresentado no XX Encontro Nacional do CONPEDI, realizado em 2011, na cidade de Belo Horizonte/MG. 60 Casos em que o start-up da atividade empresarial se dará pelo “patriarca” por meio da sua formalização como Empresário Individual ou EIRELI perante o registro público de empresas mercantis. 61 Hipóteses em que a atividade econômica organizada será inaugurada sob a forma de “sociedade empresária”, constituída como um dos tipos empresariais personificados descritos no Código Civil. 62 O Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins (RPEM) foi criado pela Lei nº 8.934/94 para dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos das empresas; cadastrar as empresas nacionais e estrangeiras em funcionamento no país; e proceder à matrícula e ao cancelamento dos agentes auxiliares do comércio. O RPEM é exercido em todo o território nacional de maneira uniforme, harmônica e interdependente, pelo Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis (Sinrem). O Sinrem é composto pelos seguintes órgãos: (i) Departamento Nacional de Registro do Comércio, órgão central do Sinrem, com funções supervisora, orientadora, coordenadora e normativa, no plano técnico; e supletiva no plano administrativo; e (ii) Juntas Comerciais, como órgãos locais, com funções executora e administradora dos serviços de registro. 63 Em caso de eventual constatação da ineficiência do atual formato empresarial, o profissional do Direito poderá adotar como forma de correção dessa anomalia os atos societários de transformação, incorporação, fusão ou cisão de empresas, dispostos nos arts. 1.113 a 1.122 do CC/02 e arts. 220 a 234 da LSA. 64 Da mesma maneira que se orienta sempre para as demais práticas de Governança Jurídica, a análise da conformação empresarial também deve ser constantemente revisada e adaptada às novas realidades da família, gestão e propriedade. Os ciclos de vida, estágios de desenvolvimento e gerações das pessoas envolvidas estão sempre em constantes mudanças e transformações. Em regra, as empresas familiares são constituídas pelas chamadas “sociedades empresárias”, composta por duas ou mais pessoas, que apresentam a forma de organização econômica mais recorrente para esse tipo de unidade produtiva. Porém, não se pode esquecer de que, além das “sociedades empresárias”, a atividade empresarial também pode ser organizada de maneira individual, com a iniciativa empreendedora de apenas uma “pessoa civil”. 64 Neste último caso, a organização da atividade empresarial poderá ser feita por meio: a) do seu requerimento e registro como Empresário Individual perante o RPEM para, em nome próprio, exercer direitos e contrair obrigações de natureza comercial, no termos do art. 96665 a 980 do CC/02. Neste caso, a pessoa civil praticará em seu próprio nome, de forma reiterada, profissional e organizada, os atos econômicos de produção ou circulação de mercadorias e de serviços, porquanto a legislação pátria não admite a criação de uma personalidade jurídica distinta da pessoa civil do Empresário Individual. Por isso, não há uma segregação patrimonial entre as responsabilidades civis da pessoa natural e as responsabilidades empresariais assumidas por essa mesma pessoa na condição de Empresário Individual, motivo pelo qual significa dizer que nesse formato empresarial as responsabilidades da pessoa civil são “ilimitadas” (não há separação entre as responsabilidades civis e empresariais da pessoa natural e as do Empresário Individual); b) da constituição e titularidade de uma Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) perante o RPEM. Essa “empresa individual” será uma pessoa jurídica de 64 A título de esclarecimento, registre-se que as expressões “pessoa civil” ou “pessoa natural” seriam as mais adequadas para designar a “pessoa humana”, capaz de direitos e deveres na ordem civil, de acordo com os arts. 1º e 2º do CC/02. Essas designações seriam utilizadas para contrapor a ideia de “pessoa jurídica”, que é uma construção legal, nos termos dos arts. 44 e 45 do CC/02, para atribuir a um ente fictício (entidade abstrata) a condição de “sujeito de direitos” e com essa personificação passar a ter a possibilidade de contrair direitos e obrigações no mundo jurídico, separadamente das pessoas naturais que a constituíram. No entanto, é muito comum encontrar a o uso do termo “pessoa física” para também se referir à “pessoa humana” e para diferenciála em relação às “pessoas jurídicas”. 65 Esse artigo é o pilar da “Teoria da Empresa”, adotada pelo novo Código Civil a partir de 2002 com a revogação expressa da primeira parte do Código Comercial de 1850 (Lei nº 556), feita pelo art. 2.045 dessa nova Lei Civil. O art. 966 consagra que “empresário” é quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços. 65 propriedade exclusiva do seu único titular (somente pessoa natural),66 e com personalidade jurídica totalmente distinta dele para poder contrair em seu próprio nome (de pessoa jurídica) direitos e obrigações comerciais inerentes ao exercício da atividade empresarial. Com isso, há uma segregação patrimonial entre as responsabilidades civis da pessoa natural do seu titular e aquelas assumidas pela Empresa Individual no exercício das suas atividades econômicas; consequentemente, nesse formato empresarial as responsabilidades do titular da EIRELI são “limitadas”. Tudo consoante o disposto nos arts. 4467 e 980-A68 do CC/02.69 Neste ponto, importante destacar que historicamente muitas empresas familiares nasceram da iniciativa empresarial de apenas uma pessoa. Não raro é possível ouvir relatos de histórias em que a corporação familiar foi constituída na sua fase embrionária somente pelo pai ou avô,70 que, com tamanho empreendedorismo, iniciou sozinho determinada atividade econômica, transformando-se hoje na fonte de sustento da família e em objeto empresarial de uma sociedade com os filhos, netos e primos, ou, ainda, o negócio principal de um grupo empresarial. 71 Para o Direito pátrio,72 as “sociedades” são constituídas por uma coletividade de pessoas que se unem por interesse comum e comprometem seus esforços pessoais e materiais 66 Na Instrução Normativa nº 117/12 do Departamento Nacional do Registro do Comércio (DNRC) resta esclarecido o entendimento jurídico particular do DNRC de que somente podem ser titulares de EIRELI pessoas civis, apesar de a Lei nº 12.441/11 e o art. 980-A não vetarem de forma expressa a sua constituição por pessoas jurídicas. Tal entendimento legal pode ser questionado judicialmente, já que no Direito Privado funciona a lógica liberal da atuação empresarial, com fulcro nos princípios da autonomia privada, legalidade e da livre iniciativa, positivados no art. 1º, inciso IV, art. 5º, inciso II, e art. 170, caput, da Constituição da República/88. 67 Ao final de tal dispositivo foi acrescentado o inciso VI, que criou uma nova modalidade de pessoa jurídica de direito privado, qual seja: EIRELI. 68 O caput do art. 980-A reza que a EIRELI será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País. Esse dispositivo e seus parágrafos foram introduzidos no CC/02 pela promulgação da Lei nº 12.441/11, que inovou e inseriu no Direito brasileiro a figura da “empresa individual”. 69 Dessa maneira, o legislador pátrio deixou evidente sua opção pela figura jurídica da “empresa individual” em detrimento dos chamados “empresários individuais de responsabilidade limitada” e das “sociedades unipessoais”, que foram adotadas em alguns ordenamentos legais de países estrangeiros como Alemanha, França e Itália. Para maior aprofundamento sobre o tema, recomenda-se a leitura da obra “Empresário Individual de Responsabilidade Limitada”, de Wilges Ariana Bruscato, Editora Quartier Latin, São Paulo, 2005. 70 Trata-se das figuras vulgarmente denominadas de “chefes de família” ou “patriarcas”, no sentido de líderes e chefes maiores de um grupo de pessoas ligadas pelo parentesco. 71 Sobre os “grupos empresariais” ou “grupos econômicos”, como se verá no próximo tópico, a LSA incorporou um modelo duplo (“dual”), em que se definiu em dois grupos distintos o relacionamento, a influência da participação acionária e o exercício dos direitos de acionistas de umas em relação às outras: (i) Grupo de Direito, regulamentado pelos arts. 265 a 267 da LSA; e (ii) Grupo de Fato, disposto no art. 243 da LSA e nos arts. 1.097 a 1.100 do CC/02. 72 Importante registrar que existem outras formas individuais de organizações admitidas pela legislação brasileira. O Direito pátrio considera como “sujeitos de direitos” com capacidade de exercer direitos e contrair obrigações os nascituros, espólios, condomínios e massas falidas, apesar de não serem propriamente “pessoas civis” ou “pessoas jurídicas”. 66 para a realização de determinadas atividades econômicas, tais como a produção e a circulação organizada de bens ou de serviços, com a perspectiva de posterior divisão dos benefícios patrimoniais apropriáveis.73 É o que se depreende da redação expressa do art. 98174 do CC/02. Esse dispositivo legal é claro ao transmitir o significado de pluralidade de pessoas para a formação de uma “sociedade”, na medida em que utiliza no seu texto as palavras: a) “Contrato” – demonstrando que é um negócio jurídico válido firmado necessariamente por duas ou mais pessoas por meio de um acordo voluntário de vontades. Trata-se de um “contrato plurilateral”,75 com a possibilidade de participação de um número variável e indeterminado de pessoas, em que todas elas são titulares de direitos e obrigações recíprocos, umas para com todas, formando várias partes vinculadas por um único acordo de interesses. Além dos elementos que informam os negócios jurídicos em geral (agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei), para o contratos sociais surgem requisitos específicos próprios das sociedades comerciais, podendo-se enumerar os seguintes: (i) pluralidade de sócios; (ii) constituição de capital; (iii) affectio societatis; e (iv) participação nos lucros e nas perdas (REQUIÃO, 2012).76 b) “Pessoas” – evidenciando que o uso do plural indica a composição de duas ou mais pessoas. Como no direito civil brasileiro se admite a existência das “pessoas naturais” (arts. 1º a 6º77 do CC/02) e das “pessoas jurídicas” (arts. 40, 41 e 4578 do CC/02), entende-se 73 Como o foco deste trabalho está no desenvolvimento de atividades com finalidades econômicas, não serão tratadas aqui as organizações coletivas de pessoas naturais formadas para o exercício de atividades sem fins econômicos. Nos termos do art. 44 do CC/02, são organizações coletivas personificadas e sem fins econômicos as associações, fundações, organizações religiosas e partidos políticos. 74 Tal texto menciona que celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. 75 Segundo Bertoldi (2013), foi na Itália, pelos estudos de Ascarelli, que se desenvolveu a teoria hoje adotada pela maioria dos estudiosos – a teoria do “contrato plurilateral”. Essa teoria defende a ideia segundo a qual o ato constitutivo da sociedade é efetivamente um contrato, só que um contrato plurilateral, na medida em que na sociedade é possível haver mais do que duas partes, as quais não podem simplesmente ser agrupadas em dois polos, como ocorre com os “contratos bilaterais”. Nesse caso, as partes são detentoras de direitos e obrigações sem relação a todos os outros sócios e também em relação à própria sociedade, tendo todos um objetivo comum. Diferente do contrato bilateral, no qual uma parte está em antagonismo com a outra; no contrato plurilateral todas as partes estão, lado a lado, objetivando um fim comum, o lucro. 76 Mesmo naquelas sociedades cujos atos constitutivos são retratados por um Estatuto Social (e não propriamente um Contrato Social), vigora como regra a pluralidade de pessoas para se formar a sociedade. Como será explicado adiante, a diferença nas “sociedades institucionais” ou “sociedades estatutárias” é a natureza institucional-estatutária do vínculo que une os sócios e a sociedade, cuja característica é não poder ser resolvido ou dissolvido conforme interesse e vontade unilaterais ou amplos dos sócios. 77 De acordo com esses dispositivos legais, a personalidade das “pessoas naturais” começa com o nascimento com vida e termina com a sua morte. As pessoas menores de dezesseis anos são consideradas “absolutamente incapazes”, as dentre os dezesseis até os dezoito anos incompletos são “relativamente incapazes”, e aquelas a partir de 18 (dezoito) anos completos são tidas como pessoas “capazes”, com capacidade jurídica plena de exercício de todos os atos da vida civil. A hipótese de capacidade civil que foge a essa regra é a emancipação do menor “relativamente incapaz”, descrita no parágrafo único do art. 5º do CC/02. 67 que qualquer uma dessas modalidades de pessoas pode firmar e ser parte do “contrato de sociedade”, seja desde o início, para a constituição da organização, ou posteriormente, para integrá-la quando já estiver formada. Assim, é possível que as sociedades tenham em seus quadros sociais somente “pessoas civis” (maiores ou menores 79), apenas “pessoas jurídicas” (públicas ou privadas) ou, ainda, ambos os tipos de pessoas de forma concomitante. No entanto, no Direito Empresarial pátrio a regra da pluralidade de pessoas para a composição obrigatória nas “sociedades” comporta algumas exceções exaustivas previstas em lei. São aceitas apenas cinco hipóteses de unipessoalidade, reunidas em dois grupos distintos de situações, conforme o momento da constatação da singularidade pessoal da sociedade: (i) originária; ou (ii) superveniente. No primeiro grupo, verificam-se duas hipóteses de situações originárias de unipessoalidade nas sociedades. São elas: a) Subsidiária Integral – o art. 25180 da LSA possibilita que as sociedades anônimas brasileiras81 constituam de forma originária outra sociedade, por ações, cujo capital social seja integralmente de sua propriedade e titularidade. Nesta hipótese, a sociedade anônima gera outra sociedade subscrevendo sozinha todas as ações representativas do capital social dessa nova pessoa jurídica; b) Empresa Pública – o Decreto-Lei nº 200/67 permite ao Poder Público a constituição de uma “Empresa Pública”, que terá a União Federal como sua controladora absoluta e será regida pelas normas de Direito Privado e Administrativo. Nos termos do art. 5º, inciso II,82 desse Decreto-Lei, 83 a União Federal poderá constituir uma nova pessoa 78 Nesses artigos, percebe-se que dentre as “pessoas jurídicas” existem as pessoas jurídicas de “direito público”, interno e externo, e as de “direito privado”. A existência legal e a personalidade jurídica das “pessoas jurídicas de direito público” começam com sua criação pela própria lei, enquanto as das “pessoas jurídicas de direito privado” iniciam com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedidas, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar seu ato constitutivo. 79 Sobre as pessoas naturais, importante esclarecer que os menores civilmente poderão figurar como parte do contrato de sociedade. É possível que eles sejam “sócios” de sociedades desde que preencham os requisitos do § 3º do art. 974 do CC/02, que impõe: (i) o sócio incapaz não pode exercer a administração da sociedade; (ii) o capital social deve ser totalmente integralizado; (iii) o sócio menor “absolutamente incapaz” deve estar representado e o “relativamente incapaz” deve estar assistido por seus representantes legais. 80 Esse dispositivo legal reza que a companhia pode ser constituída mediante escritura pública, tendo como único acionista a sociedade brasileira. 81 A Lei é clara ao dispor esse benefício exclusivamente para sociedades por ações nacionais, sendo vedada essa hipótese para companhias estrangeiras. 82 O conceito de “empresa pública” é dado por esse artigo, que descreve essa peculiar sociedade unipessoal como entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei para exploração da atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito. 83 A título de curiosidade, esse Decreto-Lei também conceitua o que são as “autarquias”, “sociedades de economia mistas” e “fundações públicas”. 68 jurídica de direito privado sob qualquer formato societário permitido pelo Direito, com integralização de patrimônio próprio e capital social exclusivamente subscrito pelo Governo Federal. Já no segundo grupo ocorrem as hipóteses de unipessoalidade supervenientes. Nesses casos, são previstas três possibilidades legais de sociedade singular que ocorrem nas seguintes situações jurídicas específicas e futuras: a) Sociedades em Nome Coletivo, Comandita Simples e Limitada – nesses tipos societários se permite que a sociedade, originalmente constituída via Contrato Social por duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas, perca temporariamente essa pluralidade sem que isso implique causa para sua dissolução total, conforme dispõe o art. 1.033, inciso II,84 e art. 1.05185 do CC/02. Após a sua constituição, se por qualquer motivo 86 a sociedade restar com apenas um sócio durante o seu prazo de vigência, esse sócio remanescente terá o prazo legal de 180 (cento e oitenta) dias para efetuar a recomposição da multiplicidade de pessoas dentro do seu quadro social; b) Sociedade em Comandita por Ações87 e Sociedade Anônima – a LSA, em seu art. 206, inciso I, alínea “d”,88 prevê que, se essas sociedades regularmente constituídas via Estatuto Social perderem sua pluralidade de acionistas durante o exercício das suas atividades, o acionista remanescente terá a obrigação legal de reconstituir o número mínimo de dois acionistas até a realização da próxima Assembleia Geral Ordinária, no exercício social subsequente. Nesses tipos societários, é possível que a singularidade de acionistas superveniente não figure como motivo para a imediata decretação da dissolução da companhia caso ele deseje prosseguir com as atividades da sociedade, assim permanecendo de forma temporária até, no máximo, o início do exercício social seguinte e a realização da próxima Assembleia Geral Ordinária; 84 O texto desse artigo comina que se dissolve a sociedade quando ocorrer a falta de pluralidade de sócios não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias. 85 Segundo tal dispositivo legal, dissolve-se de pleno direito a sociedade em comandita simples se por mais de 180 (cento e oitenta) dias perdurar a falta de uma das categorias dos sócios: comanditados ou comanditários. Eventualmente, se a categoria de sócios comanditados for aquela que vier a faltar, os sócios comanditários nomearão um administrador provisório para praticar, durante aquele período de 180 (cento e oitenta) dias e sem assumir a condição de sócio, os atos de administração de acordo com o parágrafo único do art. 1.051 do CC/02. 86 Geralmente, as causas que levam à singularidade de sócios nas sociedades limitadas são a retirada, exclusão ou falecimento dos demais participantes. 87 Aqui, cumpre relembrar que as Sociedades em Comandita por Ações são regidas pela LSA, conforme determina o art. 1.090 do CC/02. 88 Reza tal dispositivo que a companhia será dissolvida pela existência de um único acionista, verificada em assembleia geral ordinária, se o mínimo de dois não for reconstituído até o ano seguinte, ressalvados somente os casos de conversão da companhia em subsidiária integral. 69 c) Subsidiária Integral – além da possibilidade de constituição originária, é possível que uma companhia seja convertida em subsidiária integral mediante aquisição ou incorporação de todas as suas ações por uma sociedade brasileira. Conforme possibilita o § 2º do art. 25189 da LSA, por meio da aquisição ou incorporação de ações,90 a sociedade pode se tonar uma subsidiária integral de companhia brasileira, se esse fato tiver ocorrido posteriormente à sua regular constituição com pluralidade de acionistas. Em se tratando de empresas familiares, o recomendável é que elas sejam organizadas sob a forma de “sociedades empresárias”, na qual duas ou mais pessoas reciprocamente se obrigam a contribuir com bens e serviços para o desenvolvimento de determinadas atividades econômicas e a partilha dos resultados. As “sociedades empresárias” 91 são aquelas que têm por objeto o exercício de atividades próprias de empresário sujeitas a registro. Nos termos do art. 981 do CC/02, a “sociedade” é caracterizada como “empresarial” quando suas atividades econômicas forem exploradas sob o formato típico de “empresa”, igualmente à forma exercida pelo Empresário Individual. Nesse sentido, será “empresarial” a sociedade que tiver como escopo o exercício de atividades com todas as características listadas no art. 966 do CC/02. O caráter de “empresarialidade” será conferido à sociedade se no desenvolvimento dos seus negócios sociais ela apresentar obrigatoriamente 92 os elementos caracterizadores da atividade econômica própria de empresário. São eles: a) Intuito Empresarial – desenvolvimento de “atos reiterados” com repercussão econômica, de forma a configurar uma verdadeira “atividade econômica”. A forma reiterada 89 A redação desse artigo diz que a companhia pode ser convertida em subsidiária integral mediante aquisição, por sociedade brasileira, de todas as suas ações, ou nos termos do art. 252 da LSA. 90 O art. 252 da LSA e seus parágrafos tratam das incorporações de ações para conversão da companhia em subsidiária integral. Conforme reza o caput desse dispositivo, a incorporação de todas as ações do capital social ao patrimônio de outra companhia brasileira, para convertê-la em subsidiária integral, será submetida à deliberação da assembleia geral das duas companhias, mediante protocolo e justificação, nos termos dos arts. 224 e 225 da LSA. 91 Como este trabalho objetiva analisar do ponto de vista jurídico as “empresas familiares” (sociedades com natureza “empresarial” de caráter familiar), não serão abordadas as sociedades que não tenham por objeto social o exercício de atividades “empresariais”. Por isso, com base nos arts. 966, 982 e 983 do CC/02, cumpre somente registrar a existência das demais “sociedades não empresárias” denominadas: (i) “sociedades simples”, que têm por objeto a prestação de serviços intelectuais de natureza científica, artística e literária, e são constituídas segundo algum dos tipos societários denominados próprio-puro (art. 997 a 1.037), em nome coletivo (arts. 1.039 a 1.044), em comandita simples (arts. 1.045 a 1.051), limitada (arts. 1.052 a 1.087) e comandita por ações (art. 1.090 a 1.092); e (ii) “sociedades cooperativas”, que têm por objeto a exploração de qualquer gênero de serviço, operação ou atividade em favor dos seus associados, e são regulamentadas pelos (arts. 1.093 a 1.096 do CC/02 e Lei nº 5.764/71). 92 De forma excepcional, a lei já confere a toda e qualquer sociedade anônima o caráter de “empresarialidade”. Independentemente de qual venha a ser o objeto social, as sociedades por ações serão sempre consideradas como empresariais, conforme determina o parágrafo único do art. 982 do CC/02. 70 deve transparecer uma “intenção empresarial” evidente de exercício profissional e não eventual das suas atividades; b) Organização – conjugação de bens materiais e imateriais para o desenvolvimento da atividade econômica. Por meio da separação, destinação e organização de quaisquer dos fatores de produção (insumo, trabalho, capital ou tecnologia), em conjunto ou isoladamente, a atividade econômica passa a ser exercida de maneira minimamente organizada e profissional; e c) Finalidade Econômica – o exercício das atividades econômicas de maneira organizada e profissional visará à obtenção de quaisquer vantagens patrimoniais ou extrapatrimoniais apropriáveis (não necessariamente lucro). Os custos e investimentos suportados pelo empreendedor, conjugados com a assunção do “risco de perda”,93 terão como objetivo final (e justificativa desse risco empresarial) a apropriação de resultados econômicos materiais e imateriais, que pode ou não ser dinheiro. Da mesma forma, recomenda-se que as empresas familiares sejam formadas pelos seus sócios como “sociedades empresárias personificadas” nos termos da lei, constituídas como “pessoas jurídicas” distintas das pessoas civis ou jurídicas dos seus sócios.94 Dessa maneira, as empresas familiares formadas pela reunião de duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas devem necessariamente firmar um “contrato de sociedade” 95 por escrito e registrá-lo devidamente às margens do RPEM,96 podendo tal documento variar conforme o tipo de sociedade a ser constituída: (i) “Contrato Social” 97 ou (ii) “Estatuto Social”.98 93 Em regra, o empreendedor ou capitalista assume esse “risco de perda” quando percebe a sua possibilidade de transformação em “risco positivo” (também chamado de “oportunidade”). Na maioria dos casos, o empreendedor identifica uma necessidade humana ainda não atendida pelo mercado, ou vislumbra a possibilidade de atender aquela que já existe de maneira mais eficiente ou inovadora, decidindo assim por assumir os “riscos de perda” no desenvolvimento dessa nova atividade em troca de um possível resultado econômico apropriável (retorno material ou imaterial que o empreendedor, de acordo como os seus interesses, possa se sentir recompensado pelos investimentos suportados e riscos assumidos). 94 Em complemento ao que foi dito anteriormente de forma genérica para as pessoas jurídicas de direito privado e com base no art. 45, ressalta-se que as sociedades seguem o art. 985 do CC/02, que expõe que as sociedades notadamente adquirem personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos. 95 À luz dos arts. 104 e 987 do CC/02, o “contrato de sociedade” pode ser firmado por um contrato verbal ou escrito, expresso ou tácito, já que a lei reconhece sua existência e validade e aceita sua comprovação por qualquer meio de prova admitida pelo Direito, com fulcro no art. 212 desse mesmo códex. 96 Por disposição expressa do art. 1.150 do CC/02, as “sociedades empresárias” têm os registros dos seus atos constitutivos e das suas modificações posteriores vinculados ao Registro Público de Empresas Mercantis – RPEM, a cargo das Juntas Comerciais, regulamentado pela Lei nº 8.934/94. 97 Nos termos do art. 997 do CC/02, esse “contrato de sociedade” poderá tomar a forma de um documento particular assinado pelas partes ou de Escritura Pública devidamente lavrada em Cartório de Notas, desde que contenha obrigatoriamente as seguintes cláusulas mínimas: (i) nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; (ii) denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; (iii) capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; (iv) a quota de 71 Com essa formalização escrita e registrada,99 a família empresária obterá a constituição de uma “pessoa jurídica”, com capacidade e personalidade legais para assumir em seu nome próprio a titularidade da exploração das atividades econômicas organizadas de produção ou circulação de bens e de serviços. Por meio do registro do “Contrato Social” ou “Estatuto Social” constitutivo da sociedade empresária, a família conseguirá organizar uma estrutura jurídica segregada. De forma lícita e segura, o patrimônio próprio dos sócios será separado daqueles outros bens materiais e imateriais pertencentes à nova e específica “pessoa jurídica” constituída, usufruindo da segregação patrimonial devida pela autonomia da personalidade jurídica. Com essa separação, a família empresária conseguirá de forma lícita e segura distinguir publicamente as pessoas civis ou jurídicas dos sócios, os seus patrimônios próprios e pessoais desvinculados da atividade empresarial e, ainda, o limite das suas responsabilidades jurídicas assumidas na constituição da sociedade empresária e sobre a exploração das suas atividades econômicas. Em outras palavras, a família empresária alcançará a própria limitação do seu “risco de perda” empresarial, pois terá condições de mensurar e limitar todo o seu investimento de tempo, patrimônio e emocional alocados na sociedade empresária para a sua constituição e posteriormente durante a sua administração. cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la; (v) as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços; (vi) as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; (vii) a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; (viii) se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais. Após a formalização e assinatura desse documento entre os sócios, em que se recomenda também a presença e assinatura de 2 (duas) testemunhas, tal documento de constituição deverá ser devidamente registrado junto ao RPEM nos 30 (trinta) dias subsequentes ao da sua assinatura, consoante determina o art. 998 do CC/02. 98 Inicialmente, os acionistas deverão elaborar um Projeto de Estatuto Social, que deverá observar três frentes de requisitos-exigências impostas pelo art. 38 da Lei nº 6.404/76: (i) satisfazer os mesmos requisitos para elaboração dos “contratos das sociedades” em geral, especialmente aqueles mínimos dispostos no art. 997 do Código Civil; (ii) observar todas as determinações legais pertinentes às companhias anônimas, notadamente aquelas advindas da sua regulamentação jurídica específica pela Lei nº 6.404/76; e (iii) descrever as normas que naquele caso regerão a companhia “em organização”. Após elaboração desse Projeto de Estatuto, tal ato constitutivo da sociedade deverá ser devidamente aprovado, de forma solene, pelos acionistas fundadores e subscritores das ações para se tornar um documento jurídico definitivo e apto ao posterior registro junto ao RPEM, podendo essa aprovação ocorrer por meio de: (i) Assembleia Geral de Constituição ou Escritura Pública, quando a oferta de subscrição das ações ocorreu de forma particular (art. 88 da Lei nº 6.404/76); ou exclusivamente por Assembleia Geral de Constituição, quando a oferta de subscrição das ações se der publicamente (arts. 82 a 87 da Lei nº 6.404/76). 99 Com base no art. 986 do CC/02, necessário ressaltar que a falta de formalização do documento escrito, ou somente o seu firmamento sem o respectivo registro no RPEM, não tem o condão de constituir uma “pessoa jurídica” distinta das pessoas civis ou naturais dos seus sócios, tampouco segregar seus respectivos patrimônios e responsabilidades jurídicas. 72 Pelo princípio da tipicidade societária,100 vigente no Direito Empresarial brasileiro, a família empresária deverá obrigatoriamente adotar um dos cinco 101 formatos de sociedades personificadas de natureza empresária previstos no Código Civil, de maneira exaustiva, no art. 983:102 a) Sociedades em Nome Coletivo (arts. 1.039 a 1.044)103 – são constituídas obrigatoriamente por sócios pessoas naturais, que se responsabilizam entre si de forma ilimitada e solidária104 pelas obrigações empresariais contraídas em nome da sociedade, e perante a sociedade de forma subsidiária 105 sobre esses deveres sociais. A pessoa jurídica da sociedade é constituída pela formalização de um Contrato Social devidamente registrado perante o RPEM, sendo sua administração exercida somente pelos próprios sócios e o uso da firma social106 privativo daqueles definidos no Contrato Social (ou, se omisso, de todos eles), 100 A legislação societária do país adota o “Princípio da Tipicidade Societária”, em que é obrigatório o respeito e observância das formas (ou tipos) societários descritos no Código Civil, criando-se um padrão incontornável de possibilidades de sociedades personificadas empresárias e não empresárias. Como justificativa para essa adoção, o legislador almeja alcançar: (i) estabilidade nas relações jurídicas dos sócios dentro das sociedades, equilibrando internamente os direitos e obrigações advindos do estabelecimento do vínculo contratual ou estatutário de sociedade; (ii) proteção dos direitos, créditos e interesses de terceiros, e do mercado em geral, que venham a se relacionar com as sociedades por meio de negócios jurídicos, concedendo-lhes a oportunidade de reconhecimento prévio das responsabilidades dos sócios conforme o tipo societário escolhido e dos seus principais aspectos de funcionamento, administração e representação. 101 Com a vigência do novo Código Civil em 2002, o tipo societário de “Capital e Indústria” deixou de existir. Em tal espécie havia dois tipos de sócios: “sócios capitalistas”, que se comprometiam a integralizar dinheiro na sociedade e se responsabilizavam de forma solidária e ilimitada entre si pelas obrigações sociais; e “sócios de indústria”, que contribuíam com o trabalho, atividade e serviços em prol da sociedade e não se responsabilizavam pelos deveres sociais. Atualmente, o Código Civil, por meio do art. 1.006, possibilita a figura do “sócio de indústria” nos tipos societários em que não existe vedação expressa: “simples própria”, “nome coletivo” e “comandita simples”, já que nas “limitadas” o § 2º do art.1.055 veda expressamente a contribuição em serviços e nas “sociedades anônimas” e “comanditas por ações” a integralização legal permitida é somente em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro, nos termos do art. 7 da LSA. 102 Neste ponto, confira que esse artigo utiliza o verbo “deve” (e não “pode”) na sua redação para transmitir a ideia de “obrigatoriedade” na adoção de um dos tipos societários cominados na Lei Civil. Veja: “A sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092; a sociedade simples pode constituir-se de conformidade com um desses tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias” (BRASIL, 2002). 103 Curiosamente, esse tipo de sociedade tem origem familiar. Ela surgiu na Idade Média quando irmãos recebiam, por herança, os negócios do seu ancestral e os mantinham “em nome coletivo” dessa família. Posteriormente é que essas sociedades passaram a ser formadas não exclusivamente por membros de uma mesma família, mas por pessoas cujo vínculo se estabelece pelo Contrato Social (BERTOLDI, 2013). 104 A determinação do CC/02 é clara no sentido de que todos os sócios dessa sociedade respondem de forma solidária entre si pelas obrigações sociais contraídas com terceiros. No entanto, é possível que entre os sócios exista uma estipulação, no ato constitutivo da sociedade ou por deliberação posterior unânime, que defina de forma diferente a responsabilidade de cada um sobre essas obrigações sociais, consoante dispõe o parágrafo único do art. 1.039. 105 Ex vi o disposto no art. 1.024 do Código Civil, que diz que os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais. 106 Para melhor entendimento sobre “nome empresarial” e suas espécies de “firma individual”, “firma social” e “denominação social”, recomendamos a leitura da Instrução Normativa nº 116/11 emitida pelo DNRC, que descreve de forma mais pormenorizada cada um desses institutos em comparação com o CC/02. 73 com o uso obrigatório no final da firma do complemento nominal “e Companhia” de forma extensa ou abreviada; b) Sociedades em Comandita Simples (arts. 1.045 a 1.051) – são constituídas por meio do Contrato Social devidamente registrado perante o RPEM e formadas por duas categorias de sócios distintas: comanditados e comanditários. Os comanditados são obrigatoriamente pessoas físicas que se responsabilizam entre si de forma ilimitada e solidária pelas obrigações empresariais contraídas em nome da sociedade,107 exercem sozinhos todos os atos de gestão da pessoa jurídica e, ainda, utilizam de forma privativa a firma social com o uso obrigatório no final da firma do complemento nominal “e Companhia” de forma extensa ou abreviada. Os comanditários podem ser pessoas naturais ou jurídicas, que aportam o capital para viabilizar a exploração da atividade empresarial, obrigando-se somente pela integralização do valor da sua cota social e sem a prática de qualquer ato de gestão;108 c) Sociedades Limitadas (arts. 1.052 a 1.087) – constituídas pela formalização e registro do seu Contrato Social junto ao RPEM, essas sociedades têm seu capital social dividido em cotas sociais e formado obrigatoriamente por contribuições em dinheiro ou bens suscetíveis de avaliação em dinheiro.109 A obrigação de cada sócio é limitada somente ao dever de integralização do valor das suas cotas sociais subscritas,110 sem qualquer tipo de responsabilidade solidária ou subsidiária pelas dívidas sociais contraídas perante terceiros.111 A administração da sociedade pode ser exercida por uma ou mais pessoas naturais que sejam sócios ou não,112 nomeadas no Contrato Social ou em ato em separado. A sociedade pode 107 Em relação à sociedade, os sócios comanditados respondem de forma subsidiária pelos deveres sociais, a teor do art. 1.024 do Código Civil. 108 Caso o sócio comanditário venha a praticar algum ato de administração da sociedade ou utilizar a firma social para a prática de negócios, ficará responsável igualmente ao sócio comanditado pelas obrigações sociais, nos termos do art. 1.047 do CC/02. 109 Como dito anteriormente, o § 2º do art.1.055 veda de modo taxativo a contribuição dos sócios que consista na prestação de serviços para integralização de cotas sociais e formação do capital social nessa espécie de sociedade. 110 A limitação dessa responsabilidade dos sócios advém da disposição expressa do art. 1.052 do CC/02, que diz que nas sociedades limitadas a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas cotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. 111 Importante destacar que essa regra de limitação da responsabilidade pessoal de cada sócio é excepcionada enquanto o capital social da sociedade não é totalmente integralizado, nos termos da parte final do art. 1.052 do CC/02. Nestes casos, todos os sócios respondem, subsidiariamente em relação à sociedade e solidariamente entre si, pelas dívidas sociais contraídas perante terceiros até o limite da integralização de todo o capital social da sociedade. 112 Nas Sociedades Limitadas, é permitida a administração da pessoa jurídica por terceiros não sócios de acordo com o parágrafo único do art. 1.060 do CC/02. Os sócios podem designar administradores não sócios para gerir a sociedade, que dependerá de deliberação unânime enquanto o capital social não estiver totalmente integralizado, e de dois terços, no mínimo, após a integralização das cotas sociais por todos os sócios. 74 utilizar o nome empresarial de firma 113 ou denominação social para exploração das suas atividades empresariais; d) Sociedades Anônimas114 (arts. 1.088 a 1.089 e Lei nº 6.404/76) – têm seu capital social dividido em ações e formado por contribuições dos sócios, obrigatoriamente integralizadas em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro. A obrigação de cada acionista é limitada somente ao valor das ações subscritas ou adquiridas, não tendo ele quaisquer responsabilidades subsidiárias ou solidárias pelas obrigações sociais contraídas perante terceiros.115 A constituição desse tipo de sociedade é realizada mediante a aprovação dos seus atos constitutivos e posterior registro perante o RPEM, passando obrigatoriamente por três fases sucessivas e distintas, a saber: (i) requisitos e providências preliminares;116 (ii) constituição;117 e (iii) providências e formalidades 113 Diferentemente dos demais tipos societários contratuais vistos anteriormente, nas Sociedades Limitadas os sócios administradores não respondem subsidiariamente pelas dívidas sociais. Aqui, todos os sócios (administradores ou não) respondem de forma limitada pelo valor da integralização das suas cotas sociais para formação do capital social, incluindo aqueles que exercem a administração da pessoa jurídica e eventualmente emprestam o seu nome pessoal para formação da firma social. 114 Esse tipo societário se subdivide em duas espécies: “sociedades anônimas abertas” e “sociedades anônimas fechadas”. As “companhias abertas” são aquelas que têm suas ações e demais valores mobiliários por ela emitidos negociados e intermediados no “mercado de valores mobiliários” composto pelas bolsas de valores, mercado de balcão organizado e entidades do mercado de balcão não organizado (1 - instituições financeiras e demais sociedades que tenham por objeto distribuir emissão de valores mobiliários; 2- sociedades que tenham por objeto a compra de valores mobiliários em circulação no mercado, para os revenderem por conta própria; 3- sociedades e agentes autônomos que exerçam atividades de mediação na negociação de valores mobiliários, em Bolsas de Valores ou no mercado de balcão organizado), nos termos dos arts. 15, 21 e 22 da Lei nº 6.385/76 e do art. 4º da Lei nº 6.404/76. Por outro lado, considera-se “companhia fechada” a sociedade cujas ações e demais valores mobiliários não estão admitidos à negociação e intermediação nesse “mercado de valores mobiliários”. 115 A limitação da responsabilidade dos acionistas em relação às dívidas sociais é conferida pelo art. 1º da Lei nº 6.404/76 e pelo art. 1.088 do CC/02, que cominam expressamente que cada sócio ou acionista somente se obriga pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir. 116 Nesta primeira etapa, os acionistas fundadores e subscritores realizarão o cumprimento de alguns atos preparatórios que irão conferir viabilidade fática e jurídica à Companhia para sua posterior e efetiva constituição. São basicamente quatro providências preliminares a serem promovidas: (i) subscrição, com pelo menos duas pessoas, de todas as ações em que se divide o capital social fixado no Estatuto Social; (ii) realização pelo subscritor, como entrada inicial, de 10% (dez por cento), no mínimo, do preço de emissão das ações subscritas em dinheiro; (iii) depósito em nome do subscritor, da entrada inicial e da parte do capital já realizada em dinheiro, em qualquer instituição financeira legalmente constituída no país (a Comissão de Valores Mobiliários – CVM –, por meio do Ato Declaratório nº 2/78, autorizou todos os bancos comerciais, e não mais apenas o Banco do Brasil, a receberem esse depósito em dinheiro feito pelo acionista subscritor por ocasião da constituição da Companhia); (iv) avaliação dos bens, por meio da realização de Assembleia Geral específica determinada no art. 8 da Lei nº 6.404/76, se a subscrição das ações tiver sido feita em bens pelo subscritor. 117 Nesta segunda fase, os acionistas fundadores e subscritores buscarão a aprovação dos atos constitutivos da Companhia. Caso a subscrição das ações tenha ocorrido de forma pública, o projeto de Estatuto Social será submetido à aprovação dos subscritores em Assembleia Geral, com a consequente nomeação dos primeiros administradores e conselheiros fiscais nessa solenidade se esse Estatuto for aprovado por metade do capital social. Na eventualidade de a subscrição das ações ocorrer de forma particular, a deliberação sobre o projeto do Estatuto Social poderá ser realizada por Assembleia Geral ou por Escritura Pública, com a nomeação dos primeiros administradores e conselheiros fiscais após aprovação do Estatuto por esses atos. 75 complementares.118 Em regra, a administração dessas sociedades é exercida de forma colegiada por uma Diretoria composta de, no mínimo, dois diretores, fiscalizada por um Conselho Fiscal formado de três a cinco membros, com suplentes de igual número. A existência de um Conselho de Administração como órgão da administração é facultativa na maioria dos casos, sendo obrigatória a sua presença em conjunto com a Diretoria somente nos casos de companhias de “Capital Aberto”, “Capital Autorizado” e “Economia Mista”;119 e) Sociedades em Comandita por Ações (arts. 1.090 a 1.092 do CC/02 e arts. 280 a 283 da Lei nº 6.404/76) – têm seu capital social dividido em ações e formado por contribuições dos sócios, obrigatoriamente integralizadas com dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro. Os acionistas constituem essa pessoa jurídica pela formalização e registro do Estatuto Social junto ao RPEM, obrigando-se de forma limitada ao valor subscrito das suas ações.120 Mas aqueles acionistas que, além de sócios, são também administradores da sociedade serão nomeados como “diretores” no ato constitutivo dessa pessoa jurídica e se responsabilizarão de forma ilimitada pelos deveres sociais, e subsidiariamente em relação à sociedade. 121 Assim sendo, dentre todos os cinco tipos empresariais permitidos pelo Código Civil, a família empresária deverá escolher aquele formato societário que considerar mais adequado para a constituição da sua empresa familiar, amoldando-se aos seus interesses econômicos122 e com o auxílio de profissionais.123 118 Nesta terceira e última etapa, os primeiros administradores da Companhia serão responsáveis por formalizar e dar publicidade sobre a constituição da Companhia. Tais administradores deverão providenciar dentro de 30 (trinta) dias subsequentes: (i) o registro e arquivamento dos atos constitutivos da sociedade perante o RPEM do lugar da sua sede social; (ii) a publicação desses documentos no Órgão Oficial da União ou do Estado ou Distrito Federal, conforme o local em que esteja situada a sua sede; e (iii) a publicação de tais documentos também no jornal de grande circulação editado na localidade em que está situada a sede da companhia. 119 A obrigatoriedade dessa presença do Conselho de Administração como órgão de gestão nas sociedades anônimas se extrai da leitura do: (i) § 2º do art. 138, que diz que as companhias abertas e as de capital autorizado terão obrigatoriamente Conselho Administração; e (ii) art. 239, que dispõe que as companhias de economia mista terão obrigatoriamente Conselho de Administração, assegurado à minoria o direito de eleger um dos conselheiros, se maior número não lhes couber pelo processo de voto múltiplo. 120 Esses acionistas com responsabilidade limitada são os “sócios comanditados”, que participam da companhia se responsabilizando limitadamente ao valor das suas ações subscritas ou adquiridas. 121 Trata-se dos “sócios comanditados”. Conforme dispõe o art. 1.091 do CC/02, somente acionistas e pessoas físicas têm a qualidade para administrar esse tipo de sociedade, sendo vedada a nomeação de terceiros. Como sócio e administrador-diretor, o acionista utiliza de forma privativa a firma ou denominação social e responde de forma subsidiária e ilimitadamente pelas obrigações da sociedade, sendo certo que nos casos da existência de mais de um administrador-diretor, todos serão solidariamente responsáveis entre si. 122 Apesar disso, caso os sócios eventualmente estabeleçam formato de sociedade diferente desses regulares e personificados, essa sociedade constituída será considerada como “em comum”, submetendo-se aos efeitos jurídicos listados nos arts. 986 a 990 do CC/02. 123 Como dito anteriormente, para que seja um “planejamento societário” mais completo e robusto, recomenda-se ampliar os estudos legais para além do Direito Empresarial e abarcar também o conhecimento técnico das áreas de Direito Tributário e Contabilidade. 76 Assim, em relação a essa primeira medida de Governança Jurídica, a separação dos tipos societários empresariais em grupos distintos, de acordo com suas particularidades legais e confronto com a realidade familiar apresentada, podem ajudar os sócios na tomada de decisão para escolha do formato de sociedade mais adequado para a empresa familiar. Dentro dessa lógica, é possível ordenar e classificar as sociedades empresárias, segundo seus aspectos jurídicos relevantes, em três grupos distintos, aliando a teoria jurídica e seu uso prático: a) Ligação entre os sócios – nessa classificação, as sociedades empresárias se dividem em duas classes: (i) sociedades de pessoas; e (ii) sociedades de capital. As “sociedades de pessoas” são aquelas que têm como pilares o sentimento de confiança, o conhecimento, a identidade e a harmonia entre os sócios (aspectos intuitu personae). Em razão disso, geralmente há limitação sobre a circulação das cotas ou ações,124 a fim de evitar que terceiros ingressem na sociedade sem a aprovação dos demais por unanimidade ou quórum qualificado em que se assegure a construção de um consenso ou harmonização sobre as relações entre as pessoas dos sócios. As “sociedades de capital” são aquelas em que a ligação entre os sócios se fundamenta na necessidade de reunião de capital social suficiente para a viabilização dos negócios empresariais (intuitu pecunia), não importando quem são as pessoas dos sócios e suas características individuais. Nessas sociedades, o que importa são as contribuições em dinheiro ou bens suscetíveis de avaliação em dinheiro que cada sócio realizou ou se compromete a integralizar em favor da sociedade. Por isso, nas “sociedades de capital” geralmente não existem restrições às transferências de cotas e ações, uma vez que o relacionamento e aptidões pessoais entre os sócios não têm importância para o negócio empresarial. 125 124 Neste ponto, inseriram-se as “ações” dentro do contexto de “sociedades de pessoas” porque decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceram a possibilidade da presença do caráter personalíssimo (“intuitu personae”) nas relações entre os sócios de sociedade anônima fechada, igualmente como ocorre nas “sociedades contratuais”. Apesar de as sociedades por ações terem como regra o aspecto pecuniário como ponto de ligação entre os sócios (“intuitu pecunia”), de acordo com o art. 36 da Lei nº 6.404/76, nas sociedades anônimas fechadas a contribuição do capital para formação do patrimônio social (dinheiro ou bens) pode, em alguns casos, perder importância para a afeição e relacionamento pessoais existentes entre os sócios. Nesses casos, o STJ tem entendido que em determinadas hipóteses é possível se aplicar as regras das “sociedades de pessoas” para as “sociedades anônimas”, com base no art. 1.089 do CC/02. Confira a jurisprudência formada pelos seguintes julgamentos do STJ, a saber: REsp 1303284/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 16/04/2013, DJe 13/05/2013; EREsp 1079763/SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Segunda Seção, julgado em 25/04/2012, DJe 06/09/2012; REsp 917.531/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/11/2011, DJe 01/02/2012; REsp 507.490/RJ, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, julgado em 19/09/2006, DJ 13/11/2006; e EREsp 111.294/PR, Rel. Ministro Castro Filho, Segunda Seção, julgado em 28/06/2006, DJ 10/09/2007. 125 Sob o ponto de vista desse ponto de ligação entre os sócios, em regra os tipos societários classificados como “sociedades de pessoas” são: (i) em nome coletivo; (ii) em comanditas simples; (iii) algumas limitadas; e (iv) algumas anônimas fechadas. Já as “sociedades de capital” são: (i) algumas limitadas, (ii) algumas anônimas 77 b) Natureza do ato que vincula os sócios – sob esse aspecto, as sociedades empresárias podem ser classificadas como: (i) contratuais; e (ii) institucionais. As “sociedades contratuais” são aquelas em que o vínculo societário é formalizado por meio de um contrato social construído sob a autonomia da vontade dos sócios. As cláusulas e condições do Contrato Social são negociadas dentro dos interesses e conforme a vontade de todos os sócios, que terão ao seu dispor um instrumento de “natureza contratual” para reger a vida social. Por outro lado, as “sociedades institucionais” são aquelas cujo ato societário formalizado é um Estatuto Social, elaborado pelos acionistas fundadores, sob a forma de Projeto e ao qual os outros sócios aderem sem possibilidade de discussão ou liberdade de negociação individual. Se o acionista ingressar na sociedade no ato da oferta de subscrição das ações, ele se vincula unilateralmente às cláusulas e condições do Estatuto Social, de forma irrevogável e irretratável pela assinatura da lista ou boletim de entrada, podendo esse documento ser alterado somente com o quórum de deliberação unânime 126 em Assembleia Geral de Constituição. Se o acionista adquirir de terceiros as suas ações, ele também se vincula unilateralmente às cláusulas e condições do Estatuto Social, de forma irrevogável e irretratável no ato da cessão e transferência das ações em seu favor, podendo esse documento ser alterado somente com o quórum de deliberação de metade das ações com direito a voto 127 em Assembleia Geral Extraordinária.128 c) Responsabilidades dos Sócios129 - sob essa ótica, os tipos societários personificados podem ser divididos em sociedades de: (i) responsabilidade ilimitada dos sócios; (ii) responsabilidade limitada dos sócios; e (iii) responsabilidades mistas. As “sociedades de responsabilidade ilimitada” são aquelas em que os sócios podem vir a fechadas; (iii) as abertas; e (iv) as em comanditas por ações. No entanto, importante analisar cada caso para avaliar se determinada sociedade é de “pessoas” ou de “capital”, verificando os termos do seu Contrato Social ou Estatuto Social e as eventuais limitações impostas pelos sócios na circulação das cotas ou ações para terceiros. 126 Nas Assembleias Gerais de Constituição, o quórum de deliberação de unanimidade para alteração do Projeto de Estatuto Social é exigido pelo § 2º do art. 87 da Lei nº 6.404/76, tendo cada ação direito a um voto, independentemente da sua espécie ou classe. 127 De acordo com o art. 135 da Lei nº 6.404/76, é necessária a aprovação de acionistas que representem metade, no mínimo, das ações com direito a voto para reforma do Estatuto Social, se maior não for o quórum exigido pelo Estatuto de companhias fechadas. 128 De acordo com esse aspecto de classificação, as “sociedades contratuais” são: (i) em nome coletivo; (ii) em comandita simples; e (iii) limitadas. Já as “sociedades institucionais” são: (i) anônimas; e (ii) em comandita por ações. 129 Importante não confundir os desdobramentos das responsabilidades dos sócios com as responsabilidades da própria sociedade. A responsabilidade da pessoa jurídica da sociedade empresária é sempre ilimitada, com todo o seu patrimônio respondendo por suas eventuais dívidas e compromissos, sem limite ou restrição. 78 responder subsidiariamente130 com seus patrimônios pessoais pelas dívidas contraídas pela sociedade, responsabilizando-se entre si (sócios) de forma solidária e perante terceiros de maneira ilimitada. As “sociedades de responsabilidade limitada” são aquelas em que os sócios se responsabilizam até o limite do valor do capital social integralizado ou que se comprometeram a realizar, sem o ônus de virem a responder com seus bens pessoais por eventuais dívidas da sociedade não quitadas junto a terceiros. Por último, as “sociedades de responsabilidades mistas” são aqueles tipos societários em que se verifica a presença das duas espécies de sócios, sendo uma parte deles com responsabilidade ilimitada e a outra com responsabilidade limitada. 131 Portanto, a análise da adequação e conformação da tipicidade societária é um instrumento jurídico de suma importância para as empresas familiares atingirem os seus objetivos econômicos almejados com maior segurança e eficiência. Trata-se de uma prática de “planejamento societário" que deve ser adotada como uma das medidas de Governança Jurídica possíveis de serem inseridas dentro da estratégia das organizações familiares. Assim, sugere-se que essa análise de adequação deva ser desenvolvida pela família empresária preferencialmente no momento da concepção do empreendimento, e posteriormente de forma periódica, como maneira probatória de se confrontar a qualquer tempo se o tipo legal escolhido no passado continua sendo eficiente e seguro para a realidade econômica atual da empresa familiar que, pelo dinamismo inerente ao mundo negocial, tende a se alterar com o tempo. 5.3.2 Criação de holding familiar de participações Conforme se verá adiante, a constituição da chamada “Holding Familiar” é uma medida de Governança Jurídica recomendável nas empresas familiares. A criação de uma sociedade de participações pela família empresária com o objetivo de controlar as atividades 130 Cumpre destacar que, em relação à própria sociedade, os sócios respondem pelas dívidas da sociedade com seus bens particulares de forma subsidiária, nos termos do art. 1.024 do CC/02. Os bens pessoais dos sócios somente podem ser constritos após executados primeiro todos os bens do patrimônio social. 131 Nessa classificação, as “sociedades de responsabilidade ilimitada” são: (i) em nome coletivo. Já as “sociedades de responsabilidade limitada” são: (i) limitadas; (ii) anônimas; e (iii) em comandita por ações. E por último, as “sociedades de responsabilidades mistas” são: (i) em comandita simples; e (ii) em comandita por ações. 79 operacionais da empresa familiar por meio de uma estrutura jurídica segregada é uma prática útil na prevenção de conflitos e melhor gestão das empresas familiares. “Holding” é uma palavra de origem inglesa formada pelo prefixo “hold”, extraído do verbo “to hold”, acrescido com o gerúndio “ing”. Na tradução livre para o português, o verbo “to hold” no seu formato infinitivo significa controlar, segurar, manter ou guardar (HARLAND, 1987), tendo a sua variação verbal para o gerúndio o significado de controlando, segurando, mantendo ou guardando. Assim, a “sociedade holding”, expressa a ideia de uma empresa 132 cujo objetivo social é controlar, manter ou deter bens e direitos patrimoniais. Ao denominar uma “sociedade” como sendo uma “empresa holding” ou “holding company”,133 o entendimento jurídico que se pretende externar é o de uma corporação cuja finalidade principal será possuir a propriedade, titularidade ou controle de ativos econômicos. Nesse contexto, importante desde já esclarecer que do ponto de vista jurídico a classificação de uma “sociedade” como holding tem relação direta com o seu objeto social ou finalidade empresarial, discriminados pelos fundadores nos seus documentos societários constitutivos. O uso da expressão holding na qualificação de uma sociedade serve unicamente para retratar o propósito específico de suas atividades econômicas definidas pelos sócios no seu Contrato Social ou Estatuto Social. Sendo assim, verifica-se que as “sociedades holding” não são juridicamente consideradas um tipo societário específico dentro do ordenamento legal pátrio, além daqueles já previstos no art. 981134 e seguintes do CC/02. Para o Direito Privado, a “empresa holding” é simplesmente uma sociedade que foi constituída obrigatoriamente sob um daqueles formatos societários com personalidade jurídica previstos na legislação civil, tendo como diferencial a característica de o seu objetivo social ser voltado para o controle, manutenção e detenção de bens e direitos patrimoniais. 132 Aqui neste texto, como já explicado no capítulo 2, a expressão “empresa” está sendo referida dentro do seu perfil institucional, com o sentido de sociedade, organização e corporação. 133 Por não ser foco do presente trabalho, neste ponto cumpre esclarecer que não será abordada a discussão doutrinária que possa existir sobre a natureza simples ou empresária das atividades econômicas de uma “sociedade holding”. Essa discussão pode ser parcialmente resolvida pelo teor do parágrafo único do art. 982 do CC/02, que já presume que sempre a sociedade anônima será empresária e a sociedade cooperativa será simples, independentemente de qual seja o objeto social de ambas. Nas demais hipóteses, acredita-se que o intérprete deverá obrigatoriamente destrinchar o caso concreto para concluir se estão ou não presentes os três elementos caracterizadores da atividade própria de empresário: intuito empresarial (atividade profissional), organização (quaisquer dos fatores de produção – insumo, trabalho, capital ou tecnologia) e finalidade econômica (qualquer tipo de vantagem apropriável, que não se confunde com lucro). 134 Tal dispositivo legal afirma que celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. 80 Dentre as diversas finalidades possíveis que uma “sociedade holding” poderá desempenhar, assinalam-se algumas expostas por Lodi e Lodi (2004) e que frequentemente figuram também como os principais motivadores da sua constituição dentro do universo de um planejamento jurídico. Nessa esteira, a holding poderá: a) Ter a finalidade de manter majoritariamente ações de outras empresas, possibilitando assim o controle de grupos empresariais e a concentração desses controles, evitando a pulverização acionária em consequência de sucessivas alienações; b) Possibilitar o exercício do poder de controle.135 Isso não significa ter a totalidade das cotas136 ou ações,137 mas sim em número e qualidade suficientes para constituir a maioria ou influir diretamente nas decisões. Caso ainda assim não tenha poder político suficiente para exercer sua vontade ou influência, a holding poderá se valer do instrumento de acordo societário ou parcerias para controlar um grupo sem ter o controle societário propriamente dito;138 c) Prover o caráter de internacionalidade, isto é, manter ações de companhias que não estejam necessariamente no mesmo país. Ela se mostra importante “ponte” para empresas controladoras de exportação importação e investimentos estrangeiros; d) Usufruir de grande mobilidade, pois quase a totalidade de seus ativos (ações, títulos, posse, demonstrações e controles) cabe em uma valise, ou, antes, em um notebook. Ela pode estabelecer-se em qualquer lugar a qualquer tempo; e) Não necessitar ter como objetivo social a realização e o desenvolvimento de operações comerciais ou industriais. As empresas que possuem esses tipos de atividades são chamadas de “sociedades operacionais” ou “sociedades operativas”, e seu posicionamento é voltado para fora, o mercado; 135 Aqui, importante reiterar que no ordenamento jurídico pátrio se percebem três modalidades de exercício do controle: 1) direto, pela titularidade e direito de voto como sócio ou acionista; 2) indireto, pela relação de natureza societária, com participação na controladora e esta no capital votante da controlada; e 3) agrupado, mediante acordo com outros sócios ou acionistas. 136 Em regra, nas “sociedades contratuais” que tenham o vínculo societário de um Contrato Social e seu capital social dividido em cotas (tal como acontece nos tipos societários simples, em nome coletivo, em comandita simples e limitada), o controle é apurado pelo princípio majoritário, disposto nos arts. 999 e 1.076 do CC/02, em que a maioria dos votos das deliberações sociais é formada por 50% + 1 do capital social, já que geralmente todas as cotas sociais têm direito de voto. 137 Nas “sociedades institucionais”, em que o vínculo societário é um Estatuto Social e o seu capital social está dividido em ações (citem-se os formatos de comandita por ações e a anônima), o princípio majoritário do capital social não se aplica, porque normalmente existem ações com direito de voto e outras sem esse direito político (que, de acordo com o § 2º do art. 15 da LSA, poderão ser no, máximo, 50% do capital social da companhia). Nesse cenário, os quóruns de instalação, deliberação e a maioria das deliberações sociais serão contabilizados nas Assembleias Gerais dentro da categoria de ações que têm direito de voto e representam somente parte do capital social total da empresa, nos termos dos arts. 125 e 129 da LSA. 81 f) Adotar um posicionamento minoritário, com a detenção de cotas ou ações de outras empresas com a finalidade de investimento. Nesses casos, as holdings são formadas para receber dividendos sem a intenção de gestão da empresa. No Brasil, as “sociedades holdings” são também chamadas de “sociedades de participação”, “sociedades patrimoniais” ou simplesmente “holdings”. Tal classificação foi introduzida no ordenamento jurídico pátrio por meio da Lei nº 6.404/76 (LSA), especificamente pelo § 3º do seu art. 2º, que dispõe ser possível às companhias terem como objeto social a participação em outras sociedades, estando essa finalidade prevista ou não de forma expressa no seu Estatuto Social. Com isso, o art. 2º e seus parágrafos139 da LSA formaram um importante marco teórico para o Direito Societário brasileiro. Por meio deles, já naquela oportunidade de promulgação da LSA em 1976, se definiu que: a) As sociedades anônimas poderiam ter ampla liberdade de atuação empresarial e iniciativa para o exercício de suas atividades econômicas, sendo permitido estipular como seu objeto social qualquer tipo de empresa não contrária à lei, à ordem pública e aos bons costumes; b) As atividades das sociedades anônimas seriam invariavelmente de natureza jurídica mercantil, qualquer que fosse o tipo de negócio previsto como seu objeto social e explorado pela companhia; c) A companhia poderia ter como objeto social a mera participação em outras sociedades (sem cumulação necessária com atividades operacionais de comércio ou indústria), ainda que não prevista essa finalidade de maneira expressa no Estatuto Social ou o objetivo da companhia consista simplesmente em usufruir de incentivos fiscais com essa participação acionária. Não bastassem essas disposições, a LSA foi além da simples permissão legal da constituição de “sociedades holdings” e desenvolveu conceitos relacionados com os níveis de participação societária entre companhias. De forma inovadora, essa legislação comercial adotou determinados critérios de classificação das sociedades anônimas conforme o grau de 138 A esse respeito, veja o fundamento legal consubstanciado pelo art. 116 da LSA, e como doutrina o livro “Acordo de Acionistas: homenagem a Celso Barbi Filho”, do estudioso Modesto Carvalhosa, publicado pela Editora Saraiva no ano de 2011. 139 Confira a íntegra do texto desse importante dispositivo, in verbis: “Art. 2º Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes. §1º Qualquer que seja o objeto, a companhia é mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio. §2º O estatuto social definirá o objeto de modo preciso e completo. §3º A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais.” (BRASIL, 1976). 82 relacionamento, influência da participação acionária e exercício dos direitos de acionistas de umas em relação às outras. Nesse ponto, a LSA incorporou um modelo duplo (“dual”) para definir de forma ampla a influência societária nas companhias por ações. Com inspiração na sistematização do Direito alemão,140 o legislador brasileiro adotou o critério de formação de dois gêneros distintos para a classificação dos relacionamentos acionários entre as sociedades anônimas e a formação dos seus grupos econômicos: a) Grupos de Direito – são aqueles formados por sociedades que se relacionam entre si mediante convenção formalizada no RPEM, obrigando-se a combinar recursos ou reforços para a realização dos respectivos objetivos sociais, ou participar de atividades ou empreendimentos comuns. De acordo com o art. 265 141 da LSA, para constituição desse tipo de grupo econômico é fundamental a formalização e registro do documento jurídico de constituição grupal, que convenciona por escrito a união das sociedades empresárias para atingimento de uma finalidade comum; b) Grupos de Fato – são aqueles constituídos por sociedades que não formalizaram uma convenção de grupo entre elas, mas que se relacionam por meio de participação acionária e influência política de umas em relação às outras. Nesses casos, não existe um documento jurídico escrito firmado entre as sociedades, e muito menos registro de algo parecido no RPEM. Porém, a circunstância de se relacionarem com participação acionária e exercício dos direitos de acionistas de umas sociedades anônimas sobre as outras configura a hipótese jurídica de formação de um grupo de sociedades e econômico “de fato”. No que tange ao “Grupo de Direito”, essa espécie de grupo econômico, criada pela formalização do seu relacionamento acionário perante o RPEM, deverá observar as normas dispostas nos arts. 265 a 267142 da LSA para o seu funcionamento. A convenção escrita 140 Segundo Araujo Neto (2011), a legislação do anonimato brasileira adotou o modelo chamado “dual”, com inspiração no modelo alemão. Porém, esse sistema leva em consideração somente as possibilidades de formação de “grupos acionários”, descartando outras formas de reunião de interesses. No mundo empresarial, é possível o exercício de controle por meios diferente da participação acionária, tal qual ocorre quando se verifica nas companhias dependência econômica, interesses diversos, absenteísmo dos acionistas ou dispersão acionária. 141 Além da particularidade sobre a necessidade de formalização e registro de um documento escrito, o art. 265 da LSA impõe que a sociedade controladora, ou de comando do grupo, seja brasileira e exerça direta ou indiretamente, e de modo permanente, o controle das sociedades filiadas, como titular de direitos de sócio ou acionista, ou mediante acordo com outros sócios ou acionistas. 142 Tais dispositivos rezam, taxativamente: “Art. 265. A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns. § 1º A sociedade controladora, ou de comando do grupo, deve ser brasileira, e exercer, direta ou indiretamente, e de modo permanente, o controle das sociedades filiadas, como titular de direitos de sócio ou acionista, ou mediante acordo com outros sócios ou acionistas. § 2º A participação 83 registrada junto ao RPEM disporá sobre a estrutura administrativa do grupo e a coordenação ou subordinação dos administradores das sociedades filiadas. A assinatura e o registro do contrato grupal no RPEM não importarão em unificação de personalidades jurídicas ou patrimônios, que continuarão distintos entre as sociedades, sendo necessária a identificação nas denominações sociais da existência do grupo econômico com o acréscimo, ao final do nome empresarial, do complemento “grupo de sociedades” ou simplesmente “grupo”.143 Por outro lado, no que se refere ao “Grupo de Fato”, a LSA não tratou essa possibilidade jurídica como um “conjunto” ou uma “espécie” expressa de grupo econômico. Justamente por ser circunstância jurídica auferida “de fato” (e não “de direito”), a LSA não destinou dentre os seus artigos um capítulo específico denominado “Grupo de Fato” para regramento legal e conjunto das sociedades anônimas conforme suas participações acionárias. Assim, a legislação comercial regulamentou separadamente cada uma das possibilidades jurídicas de influência e participação acionária sobre os direitos de acionistas de umas em relação às outras. Por meio do seu art. 243,144 a LSA cominou de forma autônoma cada variação acionária das sociedades anônimas dentre as figuras jurídicas de “controladora”, “controlada‟ ou “coligada”, de acordo com a quantidade de propriedade ou acordo sobre os direitos de sócios que uma companhia deteria sobre a outra. Nesse sentido, a LSA cominou para as sociedades anônimas 145 que: a) Sociedade Controladora (Holding ou Investidora) - é aquela que, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócios que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade controlada (subsidiária); b) Sociedade Controlada (Subsidiária) - é aquela na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo recíproca das sociedades do grupo obedecerá ao disposto no artigo 244. Art. 266. As relações entre as sociedades, a estrutura administrativa do grupo e a coordenação ou subordinação dos administradores das sociedades filiadas serão estabelecidas na convenção do grupo, mas cada sociedade conservará personalidade e patrimônios distintos. Art. 267. O grupo de sociedades terá designação de que constarão as palavras “grupo de sociedades” ou “grupo”. Parágrafo único. Somente os grupos organizados de acordo com este Capítulo poderão usar designação com as palavras “grupo” ou “grupo de sociedade”.” (BRASIL, 1976). 143 Sobre o funcionamento prático desses grupos, recomenda-se a leitura as orientações dispostas na Instrução Normativa nº 73/98 emitida pelo DNRC. 144 A atual redação do art. 243 da LSA se deve a recentes alterações advindas com a Medida Provisória nº 449, de 3 de dezembro de 2008, posteriormente convertida na Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009. 145 Além das sociedades anônimas, essa classificação também se aplica às “sociedades de grande porte”, constituídas sob os demais formatos empresariais, conforme o art. 3º da Lei nº 11.638/2007. As “sociedades de grande porte” são assim consideradas como as empresas ou conjunto de sociedades com ativos superiores a R$240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões) ou receita bruta anual de superior a R$300.000.000,00 (trezentos milhões). 84 permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores; c) Sociedades Coligadas - são aquelas sociedades nas quais a investidora possui “influência significativa” nas deliberações sociais e na eleição dos administradores, sendo essa influência considerada significativa quando a investidora detém ou exerce o poder de participar nas decisões das políticas financeira ou operacional da investida, sem controlá-la.146 Posteriormente, a CR/88 veio enfatizar de forma clara a possibilidade de organização e melhor controle sobre as atividades empresariais. Os arts. 1º,147 5º,148 6º,149 e 170150 dessa Carta Magna demostraram um novo cenário de liberdade de atuação privada e ordem social, abrindo caminhos para a elaboração de estratégias comerciais para os empreendimentos empresariais. As holdings, os planejamentos, os estudos de viabilidade e as análises de 146 Sobre o grau de “influência significativa” de uma holding ou investidora, cumpre destacar que o § 4º do art. 243 da LSA dispõe ser presumida a ocorrência de “influência significativa” quando a investidora for titular de 20% ou mais do capital votante da investida, sem controlá-la. 147 Diz o caput desse dispositivo legal, textualmente: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.” (BRASIL, 1988). 148 Confira nesse dispositivo constitucional os direitos e garantidas individuais que asseguraram essa nova ordem de liberdade privada, iniciativa, legalidade e atuação, in verbis: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...] XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; [...] XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento; XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado; XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado; XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; [...] XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; [...] LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; [...]” (BRASIL, 1988). 149 Na esfera coletiva, restou consignado: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (BRASIL, 1988). 150 Sobre a ordem econômica, o legislador constituinte estabeleceu como princípios gerais: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.” (BRASIL, 1988). 85 investimentos se tornaram necessários para a realização dos novos negócios dentro desse novo ambiente emergido a partir dos anos 90 (LODI, 2004). Assim sendo, resta evidenciada a existência de fundamento legal para a constituição de uma empresa holding, de caráter familiar, sob o formato de sociedade anônima, exclusivamente para participar de outra sociedade, detendo a titularidade das suas cotas ou ações. Pela legislação pátria vigente, vê-se que é plenamente possível a criação de uma sociedade do tipo por ações com finalidade única de controle, manutenção e detenção pela família empresária dos direitos de sócio de outra empresa operacional. Em relação aos demais tipos societários,151 a Lei Civil não impõe a quaisquer deles a previsão de constar em seu Contrato ou Estatuto a finalidade social de holding, quer seja como único objetivo social, quer seja em conjunto com outras atividades econômicas previstas além da participação em outras sociedades.152 Nesse sentido, o parágrafo único do art. 981 do CC/02 apenas reza que as atividades das sociedades podem se restringir à realização de um ou mais negócios determinados. Pelos princípios da autonomia privada e da livre iniciativa,153 que regem o Direito Privado, fica permitida às sociedades a realização de qualquer espécie de negócio jurídico na consecução das suas atividades econômicas, devendo tão somente observar os limites legais dos negócios jurídicos válidos, listados no art. 104 do CC/02, que são: (i) agente capaz; (ii) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e (iii) forma prescrita ou não defesa em lei. Ademais, no que tange à figura da “sociedade limitada”, o CC/02 permite expressamente a tal tipo societário se submeter, no que couber, às disposições legais aplicáveis ao formato empresarial das sociedades anônimas. Por disposição taxativa do art. 1.053 do CC/02, as sociedades limitadas poderão adotar por cláusula escrita no seu Contrato Social a regência supletiva das normas da sociedade anônima para sua regulamentação no direito privado. Por último, ressalte-se que o próprio Código Civil prevê a figura jurídica da holding para os demais tipos societários regulamentados por essa lei geral. Assim como a LSA fez para as sociedades por ações, o CC/02 também classificou as demais sociedades conforme sua 151 Com exceção da sociedade cooperativa, cujo objetivo social é específico para a exploração de qualquer gênero de serviço, operação ou atividade em favor dos seus associados. Tendo em vista a Lei nº 5.764/71, notadamente o disposto nos seus arts. 4º e 5º, conclui-se que a sociedade cooperativa tem forma e natureza jurídica próprias, sendo o seu formato jurídico incompatível com o de uma sociedade de participações. 152 Sob a multiplicidade de atividades, pode-se classificar a sociedade como uma holding pura caso seu objeto social contemple somente a participação em outras sociedades, ou como holding mista se seu objeto social tiver como finalidade o desenvolvimento de outros negócios econômicos. 153 Vide o art. 1º, inciso IV, e o art. 170, caput, da CR/88. 86 participação na propriedade e titularidade dos direitos de sócio sobre o capital social de outra sociedade. Nos termos dos arts. 1.097 a 1.100 do CC/02, restou prevista a figura jurídica da holding para todos os tipos societários personificados, que poderá ser classificada de acordo com a participação no capital social votante sobre outra sociedade como: a) Sociedade Controladora – é a sociedade que possui a maioria dos votos nas deliberações dos quotistas ou da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores de outra sociedade; b) Sociedade Controlada – aquela cujo controle (maioria dos votos nas deliberações dos quotistas ou da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores) está em poder de outra, mediante ações ou quotas possuídas por sociedades ou sociedades por esta já controladas; c) Sociedade Coligada ou Filiada – sociedade de cujo capital outra sociedade participa com dez por cento ou mais, sem controlá-la; d) Sociedade de Simples Participação – sociedade de cujo capital outra sociedade possui menos de dez por cento do capital com direito a voto. Como bem alertado por Lodi e Lodi (2004), a escolha da forma societária da holding será de especial importância, pois estará intimamente ligada à finalidade a que cada uma delas se propõe. Não se pode, em tese, colocar uma fundação para fabricar parafusos, mas ela será muito útil quando a solução for a falta de sucessores ou existirem profundos conflitos familiares. Não se pode ter uma sociedade anônima quando o problema for sigilo, defesa do patrimônio e se pretender evitar pulverização societária. Também é impossível ter uma sociedade limitada quando a intenção é captar recursos de terceiros ou aproveitar incentivos fiscais ou mesmo entrar no mercado financeiro. O tamanho do grupo empresarial deve determinar a função e a forma societária das holdings e demais empresas em geral. No caso das empresas familiares, uma proposta prática de Governança Jurídica é a constituição de uma holding familiar sob o formato de sociedade por ações ou limitada, para controlar a empresa operacional familiar que, a seu turno, ficará com a incumbência de organizar e desenvolver sozinha as atividades econômicas. A recomendação jurídica é a montagem de uma estrutura legal controladora para possibilitar que a família empresária possa, por meio de uma sociedade de participações, distanciar-se das atividades operacionais e do dia a dia da administração da empresa familiar, sem perder a propriedade do seu patrimônio e o controle macrossocietário da sua gestão. 87 Na criação de uma nova sociedade por ações ou limitada com caráter de holding, a família empresária subscreve todo o capital social dessa nova empresa com a integralização das suas cotas ou ações correspondentes à participação na empresa familiar. Por meio da transferência da propriedade e titularidade das suas ações e cotas, a família empresária transfere em favor da holding toda a sua participação societária sobre a organização familiar, passando a nova sociedade de participações a deter o controle e o capital social da corporação familiar. Com isso, surgem inúmeros ganhos para o contexto da família, gestão e propriedade. Dentre os diversos benefícios, assinalam-se alguns exemplos: a) Substituição das pessoas físicas dos sócios na empresa operacional familiar, evitando que a família fique exposta inutilmente, haja ostentação de riqueza, possibilidade de sequestros, roubos e uma série de outros elementos inconvenientes; b) Acomodação e contenção dos eventuais conflitos familiares, fazendo com que, ao final, a família vote unida nas deliberações que sejam tomadas nas sociedades de que participa ou que controla (MAMEDE; MAMEDE, 2011); c) Estruturação de uma instância societária para eventuais discussões, planejamentos e deliberações somente entre os familiares, sem a participação de outros sócios ou interferência na gestão direta das operações da atividade empresarial da empresa controlada; d) Proteção da empresa familiar contra problemas ou demandas familiares advindas de relacionamentos amorosos dos seus sócios com terceiros, tais como casamentos, divórcios, namoros, uniões estáveis, dissolução de união estável, pactos pré-nupciais; e) Simplificação da sucessão familiar da família empresária e transferência de patrimônio, herança, legado e elaboração de testamentos. No futuro, qualquer disputa ou discussão em relação à transferência de bens se dará na holding, e não mais na empresa operacional familiar; f) Centralização da administração de uma ou mais unidades produtivas (empresa operacional familiar), dando unidade, estabelecendo metas e cobrando resultados. Dessa maneira, torna-se núcleo de irradiação de uma cultura empresarial (benchmarking), que pode até influenciar sociedades nas quais possui simples participação e não controle (MAMEDE; MAMEDE, 2011); g) Profissionalização da gestão e direção da empresa familiar. Com a transferência dos familiares para a holding, a empresa operacional familiar poderá se valer de uma estrutura profissional de gestão, buscando no mercado executivos para ocupar cada cargo de acordo com a sua comprovada competência técnica para aquela determinada função; 88 h) Facilitação do planejamento fiscal-tributário e otimização da atuação estratégica do grupo empresarial, principalmente na consolidação de vantagens competitivas reais e sustentadas (OLIVEIRA, 1995); i) Se constituída sob a forma de sociedade simples, não sujeição da holding à Lei de Falência e Recuperação Judicial; j) Atuação da holding como procuradora de todas as empresas do grupo empresarial familiar junto a órgãos de governo, entidades de classe e, principalmente, instituições financeiras, reforçando seu poder de barganha e sua própria imagem (OLIVEIRA, 1995). Como reza o velho ditado: quem controla não opera, quem opera não controla. É nessa sabedoria popular empresarial que reside a ideia principal de formatação de uma holding familiar: criar uma estrutura jurídica que permita à empresa operacional familiar se dedicar exclusivamente a seu objeto social de organização da atividade econômica (que é operacional), e transfira as funções de controle para a sociedade de comando. Na visão de Carvalhosa (2008), é grande o número de empresas familiares abertas cujo controle encontra-se consolidado em uma holding fechada. A criação de uma holding assegura, de um lado, a completa separação entre o patrimônio pessoal dos sócios, resguardando a família empresária dos riscos econômicos inerentes ao exercício da atividade empresarial e sua continuidade no tempo. De outro lado, a holding familiar impõe uma inequívoca delimitação de atuação da família empresária sobre as atividades da empresa familiar operacional. Portanto, conclui-se que a constituição de uma holding familiar para participação e controle das empresas familiares apresenta-se como uma importante medida de Governança Jurídica na complexa saga de perpetuação do patrimônio da família no tempo, garantindo um futuro mais seguro para as próximas gerações. 5.3.3 Instituição de Conselho de Administração como órgão de gestão Como discorrido acima, a coexistência dos sistemas da família, propriedade e gestão potencializa a ocorrência de conflitos entre os sócios. A sobreposição de papéis e funções simultâneas pelos familiares causa inevitáveis divergências de interesses entre os participantes de uma empresa familiar. 89 Nesse contexto, a previsão jurídica da existência de um Conselho de Administração na estrutura de gestão das empresas familiares também é uma importante medida jurídica de Governança Jurídica. A inserção da obrigatoriedade de constituição desse órgão de gestão no Contrato Social ou Estatuto Social da empresa familiar também figura como prática de Governança Jurídica que resulta em inúmeros benefícios para um relacionamento entre família, propriedade e gestão menos conflituoso. Por meio da instituição legal do Conselho de Administração como órgão da administração obrigatório nas empresas familiares, é possível: 1) Definir os papéis, tarefas e responsabilidades entre os envolvidos na gestão frente à tomada de decisões da empresa; 2) Separar e evidenciar os interesses entre os gestores (Administradores, Diretores ou Gerentes) e os proprietários ou controladores do empreendimento; 3) Elaborar o planejamento estratégico da empresa. Nesse sentido, a estruturação legal do Conselho de Administração possibilita o afastamento da família sobre a gestão executiva diária da empresa sem que isso prejudique seu poder de controle e direção sobre o empreendimento. A implantação desse órgão como parte integrante da gestão elide a obrigatoriedade de ocupação dos cargos de Administradores, Diretores ou Gerentes pelos familiares sem perda do controle societário sobre a organização empresarial. Com a instituição obrigatória do Conselho de Administração, mantém-se de forma legal o “elo jurídico” entre a “gestão” e “propriedade” dentro da empresa em favor da família empresária. Por meio dessa estruturação jurídica-legal, os familiares “proprietários” ou “controladores” das cotas ou ações da empresa continuam com um “vínculo legal” entre a “gestão executiva” e a “gestão estratégica” do empreendimento, vínculo esse que possibilita: (i) a fixação geral dos negócios da organização familiar; (ii) a eleição e destituição das pessoas dos Administradores, Diretores ou Gerentes; (iii) a determinação das atribuições e obrigações de cada um dos Administradores, Diretores ou Gerentes.154 Dessa maneira, a cominação legal nos documentos societários da empresa familiar concederá à família empresária a segurança jurídica necessária para: a) afastar-se por completo dos cargos de “gestão executiva” da empresa, dando oportunidade para a profissionalização dessa administração diária por meio do recrutamento 154 Nos termos dos arts. 138 e 142 da Lei nº 6.404/76, o Conselho de Administração terá a competência privativa de desempenhar essas três funções dentro da empresa, além de outras, não podendo tais encargos serem delegados a qualquer outro órgão da administração da organização empresarial. 90 de pessoas no mercado com formação técnica específica para ocupar os cargos de Administradores, Diretores ou Gerentes;155 b) afastar-se parcialmente da “direção executiva” da empresa, deixando nos cargos de Administradores, Diretores ou Gerentes somente aqueles parentes (membros da família) que reconhecidamente possuem o perfil profissional, técnico e a experiência para ocuparem aquela respectiva função dentro da organização familiar e assim trazerem resultados-ganhos para a empresa. Além disso, o Conselho de Administração supre a tendência de clareza e transparência que o mercado vem exigindo, conferindo às empresas familiares maior segurança na gestão de seus negócios. Enquanto no sistema unilateral a visão dos executivos pode ser limitada e, muitas vezes, até mesmo viciada por características que se fazem endêmicas a cada tipo de cargo (diferença entre as funções e os perfis de Conselheiros e Diretores); na divisão entre Diretoria e Conselho há uma maior variedade de perfis dentro da companhia, ensejando assim mais debates, de forma a contribuir de forma efetiva para a administração e o gerenciamento da empresa (VELLOSO, 2012). Do ponto de vista legal, o ordenamento jurídico pátrio se vale da “Teoria Organicista”156 para explicar os órgãos sociais de administração e disciplinar, de forma democrática, a organização das sociedades empresárias. Com base nessa teoria, os “poderes de administração” nas empresas são divididos em três categorias distintas: (i) “poder deliberador e legislativo”, delegado à Assembleia Geral; (ii) “poder executivo ou administrativo”, bipartido pela Diretoria e Conselho de Administração; e (iii) “poder fiscalizador e de controle”, reservado ao Conselho de Fiscal. No que tange ao “poder executivo ou administrativo”, em regra 157 as sociedades empresárias podem estruturá-lo conforme seu interesse, de maneira “monista” ou “dualista”. No sistema “monista”, a estrutura de gestão da organização empresarial é formada apenas pela presença da Diretoria como órgão de execução e administração, cabendo à Assembleia 155 Como dito no tópico anterior, a profissionalização da gestão e direção da empresa familiar significa a busca e contratação no mercado de trabalho de pessoas com comprovada competência técnica e experiência profissional para ocuparem, como executivos, os cargos de gestão diária e representação legal da organização empresarial. 156 A “Teoria Organicista” prega que os órgãos de administração da companhia não representam a sociedade, mas são a própria sociedade. Os administradores não cumprem a sua função como meros mandatários da companhia, como se existisse uma relação contratual de mandato (vínculo de representação por instrumento de procuração) e fosse pressuposta a presença de duas pessoas distintas (companhia e administradores). Os administradores são a própria companhia e exercem seu mister no interesse dela, e não no próprio. 157 Como será explicado adiante, em algumas hipóteses a lei obriga a estruturação do “poder executivo ou administrativo” de forma “dualista”, isto é, com a presença obrigatória de Diretoria e Conselho de Administração. 91 Geral eleger os membros, fiscalizar e supervisionar esse órgão. Já no formato “dualista”, essa gestão é dividida entre a Diretoria, a quem compete a execução e representação da organização empresarial, e o Conselho de Administração, responsável pela administração geral dos negócios da sociedade e pela eleição dos membros, fiscalização e supervisão da Diretoria, em conjunto com a Assembleia Geral. 158 Nas sociedades empresárias anônimas de “capital aberto”, de “capital autorizado” e de “economia mista”,159 o Conselho de Administração é órgão colegiado obrigatório, sendo facultativo nas demais hipóteses de sociedades anônimas160 e nos outros outros tipos legais de sociedades empresárias. De acordo com o art. 138, § 2º, da Lei nº 6.404/76, ficaria a critério dos sócios da empresa familiar não enquadrada nas hipóteses das exigências legais das sociedades anônimas, e nos demais formatos societários, optarem por adotar ou não a dualidade de órgãos de administração para a condução dos negócios da sociedade empresária. Nos termos do art. 142 da LSA,161 uma vez legalmente instituído, o Conselho de Administração possui o dever primordial de fixar a orientação geral dos negócios da companhia. O Conselho de Administração será o órgão do “poder administrativo” com a responsabilidade de definir quais serão as prioridades, missão, objetivos e estratégias a serem adotadas pela empresa familiar. Ao assumir a função de “órgão orientador” da exploração da atividade econômica organizada, o Conselho de Administração possibilita também que as empresas familiares tenham internamente uma instância para “debate” e “pensamento” do negócio empresarial. A 158 Importante ressaltar que, em qualquer dos sistemas “monista” ou “dualista”, o Conselho Fiscal terá sempre a competência privativa de fiscalização e controle das contas da sociedade empresária, cabendo a eleição e destituição dos seus membros de forma direta pela Assembleia Geral. 159 Com dito, a obrigatoriedade da presença do Conselho de Administração como órgão de gestão nas sociedades anônimas se extrai da leitura dos seguintes dispositivos da LSA: (i) § 2º do art. 138, que determina que as companhias abertas e as de capital autorizado terão obrigatoriamente Conselho Administração; e (ii) art. 239, que dispõe que as companhias de economia mista terão obrigatoriamente Conselho de Administração, assegurado à minoria o direito de eleger um dos conselheiros, se maior número não lhes couber pelo processo de voto múltiplo. 160 Segundo Carvalhosa (2003), excetua-se desse rol as sociedades subsidiárias integrais, as constituídas por apenas dois sócios e as em comandita por ações, que não podem possuir Conselho de Administração, seja por impossibilidade intrínseca ou por expressa proibição legal. 161 Neste ponto, necessário transcrever a íntegra do art. 142 para melhor entendimento. Diz textualmente esse dispositivo legal: “Art. 142. Compete ao conselho de administração: I - fixar a orientação geral dos negócios da companhia; II - eleger e destituir os diretores da companhia e fixar-lhes as atribuições, observado o que a respeito dispuser o estatuto; III - fiscalizar a gestão dos diretores, examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis da companhia, solicitar informações sobre contratos celebrados ou em via de celebração, e quaisquer outros atos; IV - convocar a assembléia-geral quando julgar conveniente, ou no caso do artigo 132; V manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da diretoria; VI - manifestar-se previamente sobre atos ou contratos, quando o estatuto assim o exigir; VII - deliberar, quando autorizado pelo estatuto, sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição; VIII – autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a alienação de bens do ativo não circulante, a constituição de ônus reais e a prestação de garantias a obrigações de terceiros; IX - escolher e destituir os auditores independentes, se houver.” (BRASIL, 1976). 92 empresa familiar poderá contar com um órgão estratégico com o dever legal de “pensar” e “definir” quais serão as ações executivas da Diretoria necessárias para o acerto dos objetivos sociais do empreendimento com a maior eficiência, segurança e economia de recursos possíveis. Com isso, a constituição do Conselho de Administração também gera a oportunidade de uma administração mais planejada e estratégica nas empresas familiares. Por meio desse órgão, é possível a família empresária elaborar um planejamento estratégico para a sua gestão empresarial e: a) conhecer a organização familiar, por meio da realização de um diagnóstico empresarial que pesquise todas as informações relacionadas com a mesma e determine no plano externo as oportunidades e ameaças; e no plano interno, as forças e as fraquezas; b) conhecer e discutir os negócios e os mercados nos quais a organização empresarial atua e a família empresária tem interesse; c) definir de forma mais clara quais são os objetivos da organização e do planejamento que se propõe desenvolver;162 d) definir as metas que serão perseguidas para que sejam atingidos os objetivos propostos pela organização; e) elaborar um planejamento estratégico sistêmico, por meio de cenários factíveis que descrevam o custo, o benefício e as alternativas (políticas, econômicas, sociais, culturais, financeiras e jurídicas) existentes para sua implementação eficaz; f) elaborar e implementar um plano de ação, pois todo planejamento somente fará sentido se for realmente aplicado para maximizar os resultados, de qualquer natureza, do negócio empresarial. Nesse sentido, entende-se que a existência do Conselho de Administração nas empresas familiares é essencial. Seja porque colabora na pacificação dos conflitos inerentes à sobreposição da família, propriedade e gestão,163 seja porque a família empresária se valerá de um órgão próprio e específico para “pensar” a estratégia da empresa familiar. 162 A separação entre a “gestão executiva”, alocada para a Diretoria, e a “gestão administrativa”, reservada ao Conselho, cria o necessário “distanciamento” para que se possa enxergar melhor quais são os erros, falhas, necessidades e prioridades do empreendimento. 163 Como explicado, o Conselho de Administração contribui para a separação formal da “propriedade” e “gestão” na medida em que permite o afastamento seguro entre a “família” e a “gestão” da empresa familiar, devendo isso ser feito de forma estruturada e legal via Contrato Social ou Estatuto Social. 93 Importante destacar que os membros do Conselho de Administração devem ter como norte sempre os interesses da empresa familiar. De acordo o art. 154 da Lei nº 6.404/76,164 os Conselheiros devem focar sua conduta visando sempre ao bem comum da sociedade. Durante o desempenho das suas funções nas empresas familiares, os Conselheiros de Administração deverão observar e cumprir os deveres de “diligência”, “lealdade”, “sigilo” e “informação”. A Lei nº 6.404/76 expressamente determina para os Conselheiros de Administração que respeitem o: a) Dever de Diligência – empregar todo o cuidado e diligência possíveis na condução e administração dos negócios da empresa, compatíveis e inerentes ao que se pode esperar de todo homem ativo e probo (art.153165);166 b) Dever de Lealdade – não permitir que os interesses pessoais se sobreponham aos da Cia, sendo proibido o aproveitamento de oportunidades no âmbito pessoal em desfavor da empresa ou a omissão no exercício ou proteção de direitos da companhia visando à obtenção de vantagens (caput do art. 155167); c) Dever de Sigilo - proibição do uso ou divulgação de dados e informações não divulgadas no mercado visando obter vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários, devendo guardar sigilo sobre essas informações obtidas em razão do cargo e capazes de influir de modo ponderável nas negociações de mercado (§§ 1º ao 4º do art. 155168); 164 Tal artigo reza que o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa. Ainda que o Conselheiro tenha sido eleito por grupo ou classe de acionistas, ele continuará com os mesmos deveres que os demais, não podendo, ainda que para defesa do interesse dos que o elegeram, faltar a esses deveres. 165 Confira a redação desse artigo na íntegra: “Art. 153. O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios”. 166 Sobre o “dever de diligência” dos administradores, confira também a disposição do art. 1.011 do CC/02, que prevê esse tipo de responsabilidade para o administrador dos demais tipos societários. 167 O “dever de lealdade” está assim cominado: “Art. 155. O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado: I - usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo; II - omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando à obtenção de vantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse da companhia; III – adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou que esta tencione adquirir”. 168 O “dever de sigilo” é definido da seguinte maneira: “Art. 165. [...] § 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários. [...] § 4º É vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de valores mobiliários”. 94 d) Dever de Informar – obrigação de informar os acionistas de seus bens e interesses pessoais sobre a empresa no início e ao longo da sua gestão, assim como de comunicar ao mercado e aos órgãos de fiscalização quaisquer fatos relevantes sobre a sociedade empresária que possam influenciar no mercado (§ 4º e caput do art. 157169). Da mesma forma, nas empresas familiares se sugere a elaboração de um “Regimento Interno” para melhor regulamentar o funcionamento do Conselho de Administração. Para que seja possível cobrar produtividade mínima e resultados práticos desse Conselho na pessoa dos seus Conselheiros, que não raro são os próprios “proprietários” e “controladores”; sugere-se a criação de um regimento interna corporis para nortear seu funcionamento, condução e regularidade dos trabalhos em prol da organização familiar. Como bem ressaltam Donaggio e Silveira (in PRADO, 2011), é prudente que as atividades do próprio Conselho estejam contidas em um regimento interno, a fim de formalizar um conjunto de normas e regras que explicitem as responsabilidades, atribuições e rotinas de trabalho do Conselho de Administração. Esse regimento interno é um instrumento muito eficiente para estabelecer os limites de atuação e responsabilidades do órgão versus as responsabilidades individuais dos conselheiros. Por último, sugere-se tomar como base os parâmetros lançados pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBCG) para a estruturação legal do Conselho de Administração e estipulação de suas cláusulas, termos e condições via Contrato Social ou Estatuto Social, e Regimento Interno da empresa familiar. Nesse sentido, e sem esquecer as necessárias adaptações ao caso concreto de cada empresa familiar, o Código das Melhores Práticas de Governança (IBCG, 2009) traz em seu bojo importantes regras jurídicas que podem ser adotadas para melhor funcionamento e regulamentação do Conselho de Administração nas empresas familiares. São elas: a) composição com cinco a onze membros, desde que seja um número razoável e ímpar; b) mandato dos conselheiros unificados não superior a dois anos, permitida a reeleição não automática, sempre condicionada à avaliação do Conselheiro de acordo com seu desempenho no mandato anterior; 169 Sobre o “dever de informação”, importante a leitura do § 4º e caput do art. 157: “Art. 157. O administrador de companhia aberta deve declarar, ao firmar o termo de posse, o número de ações, bônus de subscrição, opções de compra de ações e debêntures conversíveis em ações, de emissão da companhia e de sociedades controladas ou do mesmo grupo, de que seja titular. [...] § 4º Os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquer deliberação da assembleiageral ou dos órgãos de administração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa 95 c) reuniões entre seis a doze vezes por ano, com manutenção de um ritmo de trabalho e continuidade de ações; d) definição de agenda anual de compromissos, com agendamento prévio das reuniões e demais afazeres de forma a comprometer os Conselheiros; e) realização de avaliação de desempenho dos Conselheiros e do próprio Conselho como forma de manter interesse e quantificar o comprometimento de cada membro; f) designação de pessoas diferentes para ocupar os cargos de Presidente da empresa e Presidente do Conselho, evitando assim o conflito de interesses pela confusão de papéis; g) escolha e composição do Conselho com pessoas de diferentes formações e experiências, visando à interdisciplinariedade das áreas do conhecimento humano e troca de experiências; h) avaliação e alinhamento dos valores pessoais dos Conselheiros com os valores e Código de Conduta da empresa; i) contratação de uma Secretária para ajudar no fluxo e envio de informações e dados entre os Conselheiros; j) sempre que necessário, formação de “Comitês de Apoio”, “Conselhos Consultivos” ou “Comissões” para tratarem matérias específicas de forma mais técnica, profunda e eficaz; k) possibilidade de inserção de Conselheiros Independentes como membros obrigatórios do Conselho de Administração. Portanto, nas empresas familiares o Conselho de Administração como órgão obrigatório serve de importante mecanismo para o balanceamento e equilíbrio das relações jurídicas que envolvem os sistemas da família, propriedade e gestão. Com a instituição obrigatória desse órgão, a família empresária terá a oportunidade de criar um instrumento de “pesos e contrapesos” que permitirá gerir de forma mais eficaz seus negócios. A composição de um Conselho de Administração dentro das empresas familiares figura como uma importante medida de Governança Jurídica para a preservação das atividades econômicas no tempo. A presença de um Conselho de Administração independente, ativo e bem informado significa menos conflito entre família, gestão e propriedade, e mais segurança, transparência, eficácia e estratégia para o desenvolvimento do empreendimento familiar pelos Administradores, Diretores ou Gerentes na “gestão executiva”, e os familiares “proprietários” ou “controladores” na “gestão administrativa”. influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia”. 96 5.3.4. Celebração de um “Acordo de Acionistas” ou “Acordo de Cotistas” entre os sócios da família empresária Além das medidas jurídicas acima listadas, a celebração de um “Acordo de Acionistas” ou “Acordo de Cotistas” entre os sócios da família empresária figura como importante prática de Governança Jurídica para a regulamentação prévia de assuntos de interesses da família, bem como para a institucionalização do exercício do poder de controle relativamente à empresa familiar. A estipulação prévia de um contrato escrito de caráter parassocial serve de importante instrumento para a uniformização dos interesses entre os participantes da empresa familiar, evitando assim desgastes e brigas futuras entre os parentes que poderão refletir na organização do negócio empresarial e sua durabilidade no tempo. Nesse contexto, Menezes (2008) afirma que o acordo de sócios, assim compreendido em sentido amplo, apresenta-se numa posição de destaque na medida em que oferece subsídios eficazes para a superação de muitos problemas recorrentes familiares. A prática demonstra que, quando bem elaborados, esses acordos favorecem a composição de interesses, conferem mais estabilidade e transparência à administração, permitem implementar políticas de longo prazo, previnem litígios, entre outras vantagens. Revisitando a história desses tipos de acordos societários, Barbi Filho (1993) relata que o acordo de acionistas surgiu em decorrência da expansão da economia e das grandes empresas, como um dos mais interessantes instrumentos utilizados para dar força vinculativa aos interesses comuns de determinados grupos de acionistas dentro de uma companhia. Por meio desse sistema, os contratantes poderiam se unir em torno de um objetivo comum e ter o comportamento dos seus signatários regulado de modo a compor o interesse dos grupos junto à sociedade de que participam. Segundo aquele jurista, na segunda metade do século XX, o direito europeu representado pelos países da França, Itália e Alemanha passou a aceitar a validade dos acordos de acionistas, excepcionando somente aqueles contratos que contrariavam os interesses sociais e aqueles por meio dos quais se pretendia obter vantagem mediante a negociação do direito de voto.170 Mas foi nos países filiados ao sistema da common law que os acordos de acionistas tiveram mais campo para desenvolvimento, notadamente nos Estados 170 Nesses países, os acordos de compra e venda das ações eram bem aceitos, mas as combinações prévias relativas aos direitos de voto dos sócios sofriam certa resistência para sua declaração de validade. Naquela época, entendia-se que a comunhão prévia de votos feria o “direito individual de voto” do acionista e retirava das assembleias gerais o “poder de instância deliberativa”. 97 Unidos, local onde duas espécies de acordos de acionistas ganharam notoriedade e especial relevância no mundo acionário: os chamados voting trust171 e pooling agreement172. No Brasil, antes de ser positivado pela Lei nº 6.404/76, a doutrina se dividia em duas correntes sobre a validade dos acordos societários feitos pelos sócios. Existia no país uma vertente que reconhecia o acordo acionário como um negócio jurídico fundado no direito das obrigações, e válido de acordo com o raciocínio lógico-jurídico aplicável no direito privado, no qual aquilo que não é proibido de forma expressa pela legislação é permitido; e uma outra em que se repudiava a validade desse contrato por entender que supostamente retirava da assembleia geral o poder de discussão e debate por todos os sócios sobre os assuntos de interesse da companhia, fato que os transformava em negócio válido somente entre os seus signatários e inoponível face à sociedade. Durante a vigência do Decreto-lei nº 2.627/40, e mesmo posteriormente pelos demais diplomas legais que o alteraram, não existia qualquer menção no ordenamento jurídico pátrio sobre o instituto do “acordo de acionistas”. Naquele período, a lei vigente no país era omissa a respeito da validade do negócio jurídico celebrado, seu conteúdo e aplicabilidade, resultanto em entendimentos conflitantes sobre o tema. Ao relatar sobre essa fase histórica, Carvalhosa (2011) afirma que, em virtude da ausência de previsão legal sobre o tema, a doutrina se debatia principalmente no que diz respeito à convenção de votos, questionando a validade de tais acordos diante da ausência de reconhecimento jurídico expresso no Decreto-Lei nº 2.627, de 1940. Enquanto alguns entendiam como válida a avença diante da ausência de proibição legal, outros, ao contrário, acreditavam que as convenções de voto representariam a derrogação de princípio de ordem pública, representado pela prerrogativa do acionista de deliberar livremente em assembleia. Dentre aqueles que defendiam esses pactos, Valverde (1953) afirmava que não era possível, de antemão, condenar toda e qualquer convenção destinada a regularizar o exercício do direito de voto, já que a finalidade da convenção pode ser perfeitamente honesta e tendente à defesa da própria sociedade. Na sua visão, o acordo de acionista somente seria abusivo se 171 Nessa espécie de acordo societário, os direitos de voto relativos às ações são transferidos para determinada pessoa denominada trustee, que exerce tais poderes políticos perante a empresa na direção previamente ajustada entre os sócios. Em caso de desfazimento desse acordo, os direitos de voto deixam de ser exercidos pelo trustee e retornam para os proprietários das ações. 172 Nesse tipo de acordo de acionistas, os votos relativos às ações são exercidos em bloco. Os proprietários das ações se reúnem antecipadamente para alcançar um direcionamento comum dos votos e exercerem em conjunto o controle compartilhado da sociedade. Ainda que haja divergências minoritárias dentro desse bloco nas reuniões prévias, no momento da votação futura perante a companhia todos os votos serão exercidos num mesmo sentido para exercício de controle comum sobre a sociedade durante o tempo de duração desse ajuste. 98 estipulasse de forma definitiva que esse ou aquele acionista se comprometeria a votar de determinada maneira. No mesmo sentido, Ferreira (1961) defendia que não se podia arguir como ilícita qualquer convenção de voto, realizada acidentalmente ou estabelecida previamente, entre os sócios sem demonstração de ofensa aos interesses da companhia. No seu entendimento, a proibição da realização de convenções prévias para voto conjunto nas assembleias gerais era contra o desenvolvimento mercantil, notadamente diante da ausência de vedação legal. Com a sua tipificação inicial, a Lei nº 6.404/76 pôs fim às discussões sobre a validade do acordo de sócios. A redação do art. 118 desse diploma dirimiu qualquer dúvida a respeito da sua licitude e recepção por essa lei, que passou a viger a partir de então.173 Posteriormente, a Lei nº 10.303/01 modificou boa parte da redação do art. 118 da Lei nº 6.404/76 e aumentou ainda mais a regulamentação do instituto. Com o interesse de sanar eventuais dúvidas sobre o conteúdo e aplicabilidade dos acordos, essa nova lei conferiu diferente redação ao art. 118 por meio do acréscimo de vários novos parágrafos destinados a aumentar o rol de matérias típicas desse pacto, garantir maior eficiência na sua aplicabilidade, e ainda gerar estabilidade nas relações entre as partes impondo condições à sua revogabilidade. 174 173 A redação original do art. 118 no momento da promulgação da Lei nº 6.404/76 era a seguinte: “Art. 118. Os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, ou exercício do direito de voto, deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede. §1º As obrigações ou ônus decorrentes desses acordos somente serão oponíveis a terceiros, depois de averbados nos livros de registro e nos certificados das ações, se emitidos. § 2º Esses acordos não poderão ser invocados para eximir o acionista de responsabilidade no exercício do direito de voto (art. 115) ou do poder de controle (arts. 116 e 117)”. 174 Confira a nova redação do art. 118 dada pela Lei nº 10.303/01, na íntegra: “Art. 118. Os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquirilas adquirilas, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede. §1º As obrigações ou ônus decorrentes desses acordos somente serão oponíveis a terceiros, depois de averbados nos livros de registro e nos certificados das ações, se emitidos. §2° Esses acordos não poderão ser invocados para eximir o acionista de responsabilidade no exercício do direito de voto (artigo 115) ou do poder de controle (artigos 116 e 117). §3º Nas condições previstas no acordo, os acionistas podem promover a execução específica das obrigações assumidas. §4º As ações averbadas nos termos deste artigo não poderão ser negociadas em bolsa ou no mercado de balcão. §5º No relatório anual, os órgãos da administração da companhia aberta informarão à assembléiageral as disposições sobre política de reinvestimento de lucros e distribuição de dividendos, constantes de acordos de acionistas arquivados na companhia. §6º O acordo de acionistas cujo prazo for fixado em função de termo ou condição resolutiva somente pode ser denunciado segundo suas estipulações. §7º O mandato outorgado nos termos de acordo de acionistas para proferir, em assembléia-geral ou especial, voto contra ou a favor de determinada deliberação, poderá prever prazo superior ao constante do §1º do art. 126 desta Lei. §8º O presidente da assembléia ou do órgão colegiado de deliberação da companhia não computará o voto proferido com infração de acordo de acionistas devidamente arquivado. §9º O não comparecimento à assembléia ou às reuniões dos órgãos de administração da companhia, bem como as abstenções de voto de qualquer parte de acordo de acionistas ou de membros do conselho de administração eleitos nos termos de acordo de acionistas, assegura à parte prejudicada o direito de votar com as ações pertencentes ao acionista ausente ou omisso e, no caso de membro do conselho de administração, pelo conselheiro eleito com os votos da parte prejudicada. §10º Os acionistas vinculados a acordo de acionistas deverão indicar, no ato de arquivamento, representante para comunicar-se com a companhia, para prestar ou 99 Atualmente, o acordo de sócios pode ser encarado como um negócio jurídico175 celebrado entre parte dos sócios (ou todos) de uma mesma sociedade,176 de vigência determinada ou indeterminada,177 visando regulamentar direitos e obrigações sobre o exercício de “direitos políticos” (exercício de direito de voto e exercício do poder de controle), “direitos patrimoniais” (compra e venda de cotas ou ações, e direito de preferência para adquiri-las), ou, ainda, quaisquer outras matérias de interesse dos sócios.178 Trata-se de um contrato179 plurilateral,180 estipulado de forma inequívoca entre os sócios, com validade interna corporis181 e vínculo parassocial,182 destinado a definir quaiquer assuntos que sejam receber informações, quando solicitadas. §11º. A companhia poderá solicitar aos membros do acordo esclarecimento sobre suas cláusulas. 175 Como todo negócio jurídico válido, deve observar os parâmetros listados no art. 104 do CC/02, que são: (i) agente capaz; (ii) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e (iii) forma prescrita ou não defesa em lei. 176 Em que pese a fundamentação legal do acordo societário seja extraída do art. 118 da Lei nº 6.404/76, que regulamenta especificamente os “acordos de acionistas” nas sociedades anôminas, deve-se entender que é cabível o firmamento de acordos societários também nos demais tipos societários, vez que no Direito Privado funciona a lógica liberal da atuação empresarial, com fulcro nos princípios da autonomia privada, legalidade e da livre iniciativa, positivados no art. 1º, inciso IV, art. 5º, inciso II, e art. 170, caput, da Constituição da República de 1988. Ademais, no caso específico das sociedades limitadas, os sócios poderão prever no próprio contrato social que o funcionamento dessa organização empresarial seja regido de forma supletiva pelas normas pertinentes às sociedades anônimas, consoante faculdade cominada no art. 1.153, parágrafo único, do CC/02. 177 A lei não define qual deva ser o prazo de vigência do acordo societário, nem mínimo ou máximo. Dessa maneira, o prazo de validade desse contrato poderá ser livremente acordado entre as partes, conforme a conveniência dos assuntos e interesse no tempo de vinculação obrigacional. 178 Nesse ponto, cumpre esclarecer que o caput do art. 118 da Lei nº 6.404/76 não afirma que o acordo de acionista poderá versar “somente” sobre matérias relativas à “compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, ou exercício do direito de voto”. Como não existe essa restrição expressa na lei, o rol dos assuntos descritos nesse artigo deve ser entendido como meramente exemplificativo (numerus apertus), e não exaustivo (numerus clausus). 179 Importante ressaltar que a Lei nº 6.404/76 não precreve um formato definido para firmamento desse negócio jurídico, nem obriga que ele seja feito por escrito. Em tese, é necessário apenas que haja manifestação de vontade das partes de forma inequívoca e perfeitamente demonstrável, embora seja recomendável que o acordo societário se revista de formato escrito devidamente assinado pelas partes, para que seja possível não somente a sua comprovação inequívoca, como também o seu registro perante a sede da companhia para melhor eficácia, nos termos do art. 118, § 1º, da LSA. 180 A respeito dessa característica, Wald (1998) consigna que a plurilateralidade de que se reveste o acordo de acionistas significa não simplesmente a pluralidade de subscritores do acordo, ou seja, número superior a dois, mas a existência de um conjunto de partes, num contrato de colaboração e até de parceria, com interesses globais idênticos e direitos e obrigações que incumbem a todos os contratantes, que poderão ser substituídos por outros, ou aos quais outras pessoas poderão ser acrescidas, integrando-se no contrato, que, por esse motivo, é considerado aberto. 181 A respeito da validade desse acordo societário, e observados os requisitos do art. 104 do CC/02, é importante que se diga que basta a sua assinatura entre as partes para ser considerado válido. Uma vez firmado sem vícios de consentimento, esse contrato terá eficácia perante os signatários dessa avença (efeito inter pars), desde que inexista condição suspensiva sobre o que foi convencionado. Porém, para que além de válido seja oponível e eficaz perante a companhia, seus administradores, demais acionistas e terceiros (com efeitos erga omnes); é imprescindível que o acordo societário seja arquivado na sede da companhia, e suas eventuais obrigações e ônus dele decorrentes sejam devidamente averbados nos livros de registro e nos certificados das ações. Tudo, com fulcro no art. 118, § 1º, da LSA. 182 Para Barbi Filho (1993), o acordo de acionistas não tem, em relação ao contrato social, a acessoriedade a que se refere a doutrina contratualista tradicional. Na realidade, enquanto pacto parassocial, o acordo depende da 100 do interesse das partes imprimir regulamentação negociada que traga com isso maior segurança e estabilidade nas relações entre elas. Na definição conceitual de Eizirik (2005), o acordo de acionistas é um pacto celebrado entre acionistas de uma sociedade para compor seus interesses individuais e estabelecer normas sobre a sociedade da qual participam, de forma a harmonizar os seus interesses societários e implementar o próprio interesse social. Já na perspectiva de Carvalhosa (2011), o acordo de acionistas é definido como um contrato submetido às normas comuns de validade de todo negócio jurídico privado, concluído entre acionistas de uma mesma companhia, tendo por objeto a regulação do exercício dos direitos referentes às suas ações, tanto no que se refere ao voto como à negociabilidade das mesmas. Por último, Guerreiro (1981) descreve que os acordos de acionistas são como ajustes parassociais, alheios aos atos constitutivos da sociedade e sem sua interveniência, em que os acordantes convencionam, de maneira livre, as cláusulas concernentes à compra e venda de suas ações, à preferência para adquiri-las ou ao exercício do direito de voto. Assim sendo, quanto ao conteúdo se percebe que os acordos societários podem regulamentar três grandes grupos de matérias de interesse dos acionistas ou cotistas. São eles: a) “direitos políticos”, ligados ao exercício do direito de voto e exercício do poder de controle, também chamados de “acordos de voto”. Esses contratos que disciplinam os “direitos políticos” dentro das sociedades empresárias podem ser subdivididos em três espécies de “acordos de voto” chamados de: (i) “acordos de comando”, cujo objetivo principal da celebração pelos signatários é garantir a maioria dos votos nas deliberações nas assembleias gerais, permitindo a obteção e exercício do poder de controle183 de modo compartilhado entre os participantes do contrato; (ii) “acordos de defesa”, formados pelos acionistas minoritários,184 que, em ação conjunta e coordenada, votam matérias num determinado sentido objetivando o seu veto diante da exigência legal ou estatutária de aprovação por quórum de deliberação de maioria qualificada; (iii) “acordos de entendimento existência da companhia, podendo ou não, conforme a sua causa, ter a função de implementar determinadas cláusulas do contrato social. 183 Como visto anteriormente, o conceito de “acionista controlador” está tipificado no art. 116, caput, da LSA, que entende por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: (i) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e (ii) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. 184 Para Barbi Filho (1993), os acionistas minoritários são todos aqueles sócios que não se encaixam na classificação de acionista controlador. Por exclusão, todos aqueles que não são parte integrante do bloco de controle podem ser considerados como minoritários, não importando a quantidade das suas ações ou espécies. 101 mútuo”, em que os acionistas controladores e minoritários definem previamente um sentido único de voto sobre determinadas matérias que consideram importante para o desenvolvimento da companhia. Em prol de interesses comuns, os sócios conciliam seus interesses antecipadamente a respeito de algum assunto, a fim de evitar eventuais conflitos ou riscos discordâncias durante a realização futura das assembleias. b) “direitos patrimoniais”, relacionados à compra e venda de cotas ou ações, ou ao direito de preferência 185 para adquiri-las. Os acordos parassociais que versam sobre esses temas são chamados de “acordos de bloqueio”, porquanto os sócios intencionamente estipulam restrições à livre circulação das cotas ou ações, a fim de manter o equilíbrio e proporção acionária entre elas. Os objetivos principais são evitar que as participações societárias venham a sofrer bruscas modificações em relação à situação atual, bem como para impedir que terceiros ingressem na sociedade sem algum tipo de controle ou condição. Em tais hipóteses, os “acordos de bloqueio” são subdivididos em três tipos distintos: (i) “acordos de opção de compra e venda”, em que uma parte concede à outra uma opção de compra186 ou uma opção de venda187 das suas cotas ou ações de acordo e nas condições comerciais previamente estabelecidas no pacto; (ii) “acordos de preferência”, nos quais os signatários concedem entre si o direito de preferência na aquisição das suas cotas ou ações, obrigando-se a oferecer a sua participação societária pretendida à venda primeiro para os demais participantes do pacto antes de oferecê-la para terceiro, seja ele acionista ou não da companhia; (iii) “acordos de prévio consentimento”, meio pelo qual as partes estipulam que a alienação de parte ou toda a participação societária de quaisquer delas para terceiros dependerá da prévia aprovação dessa operação societária pela outra. Nesses casos, é preciso que já estejam claras no pacto quais são as hipóteses contratuais consideradas como justificativas plausíveis pelas partes para a aceitação ou recusa do ingresso do terceiro na companhia. É de suma importância que os critérios de aceitação ou recusa válidos para quaisquer das partes estejam previamente estabelecidos no acordo, de forma criteriosa e 185 O art. 513 do CC/02 descreve que a preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto. 186 Na ocorrência da opção de compra, uma parte concede à outra a possibilidade de comprar parte ou toda a sua participação acionária dentro das condições negociadas, ficando a critério dessa última (favorecida pela opção) adquirir ou não as cotas ou ações, já que passa a ser um dever a venda pela concedente. Nos acordos societários, a cláusula que consagra esse tipo de opção normalmente é chamada de tag along (ou direito de acompanhar). 187 Já nos casos da opção de venda, uma parte confere à outra o direito de vender a sua participação acionária para terceiros, obrigando-se a vender parte ou todas as suas cotas ou ações (obrigação de venda) caso a parte beneficiada com a opção assim deseje efetivar essa alienação. Nos acordos societários, a cláusula que consagra esse tipo de opção normalmente é chamada de drag along (ou direito de arrastar). 102 objetiva. A decisão do sócio que antecipadamente deve autorizar a realização da operação não pode ser imotivada, sem base contratual, com margens para figuração de um poder discricionário com tendências a impedir o próprio direito do sócio de alienação e circulação das suas ações, 188 garantido pela disposição do art. 36 da LSA.189 c) “direitos diversos”, que abrangem quaisquer outras matérias de interesse dos sócios. Nessas hipóteses, os pactos ganham o nome de “acordos múltiplos” porque neles existe a abordagem de diversas matérias de interesse pessoal e societário dos sócios. Tais contratos normalmente possuem múltiplos objetos e diversificados assuntos, que, devido à necessidade dos sócios vivida em cada situação empresarial específica, são reunidos num só documento para conciliar os interesses comuns. Dentre os inúmeros assuntos possíveis de serem contratados nessa modalidade de acordo societário, pode-se citar como exemplos as eventuais cláusulas sobre: (i) confidencialidade e sigilo das informações da companhia, em que se impede a divulgação de informações de interesse da companhia a terceiros; (ii) não concorrência, na qual se impede total ou parcialmente a exploração concorrente do mesmo objeto social da companhia pelos sócios; (iii) sucessão empresarial e sucessão causa mortis, destinada a disciplinar a forma que ocorrerá a sucessão, caso o sócio se afaste da sociedade, ou em caso de falecimento de sócio; (iv) exclusividade, visando impedir os signatários de se dedicarem a atividades empresariais estranhas às da sociedade; (v) tempo de dedicação, para se definir parâmetros objetivos de tempo de dedicação às atividades da companhia; (vi) arbitragem, como meio alternativo de resolução de conflitos a ser adotado pelas partes em caso de divergências sobre entendimento ou execução dos direitos e obrigações definidos no acordo. Antes de firmá-los, os sócios devem ter em mente que: (i) os contratos parassociais não podem ser firmados para viabilizar práticas ilegais, nem mesmo eximir responsabilidades dos seus signatários no exercício do direito de voto ou do poder de controle, conforme impõe o art. 118, § 2º, da LSA;190 (ii) os votos dos sócios somente poderão ser proferidos quando não existir interesse conflitante com a companhia, devendo ainda sempre serem exercidos com vistas a satisfazer as pretensões da empresa, independentemente do interesse pessoal do 188 A conduta do sócio não pode ser abusiva, de tal modo que um direito de alienação que era até então “condicionado” deixe de ser um direito, passando a não ser mais um direito, já que em todas as hipóteses de venda ele será negado pela parte contrária, estando ou não previstas no pacto parassocial as razões dessa vedação. 189 Esse artigo é claro ao dispor que o estatuto da companhia fechada pode impor limitações à circulação das ações nominativas, contanto que regule minuciosamente tais limitações e não impeça a negociação, nem sujeite o acionista ao arbítrio dos órgãos de administração da companhia ou da maioria dos acionistas. 103 sócio, nos termos do art. 115 da LSA;191 (iii) os sócios e administradores devem sempre visar à realização do objeto social e cumprimento da função social da empresa,192 conforme descrito no art. 116, parágrafo único,193 e no art. 154 da LSA. 194 Conforme ensina Botrel (2012), a eficácia das disposições do acordo perante a sociedade está condicionada a dois requisitos: (i) somente são oponíveis à companhia as matérias exaustivamente elencadas no caput do art. 118 da LSA; (ii) o acordo deve ser arquivado na sede da sociedade. A LSA não estabelece um procedimento ou uma forma para o arquivamento do acordo societário, de modo que os signatários poderão notificar (judicial ou extrajudicialmente) a companhia, na pessoa de seus diretores, sobre a existência e termos do acordo de acionistas, ou poderão entregar, mediante recibo, o acordo para os representantes da sociedade. É comum, ainda, inserir a companhia como intervenienteanuente no próprio acordo de acionistas, de maneira a restar cumprida a formalidade legal. No contexto das organizações familiares, o acordo societário poderá versar sobre todos temas acima, ou sobre apenas um ou alguns deles, ficando a critério do interesse dos sócios em cada caso particular do negócio empresarial de caráter familiar. Em regra, nas organizações familiares esses pactos a respeito dos “direitos políticos” são celebrados entre os sócios da: (i) empresa familiar operacional, com objetivo de otimizar a gestão e facilitar a condução das atividades empresariais; ou (ii) empresa holding controladora, visando à institucionalização do poder de controle sobre a empresa operacional. Quando estabelecidos dentro da empresa familiar operacional, os “acordos de voto” possibilitam a regulamentação contratual dos interesses dos sócios para uma maior segurança 190 Confira a redação expressa desse acordo, in verbis: Art. 118. [...] § 2° Esses acordos não poderão ser invocados para eximir o acionista de responsabilidade no exercício do direito de voto (artigo 115) ou do poder de controle (artigos 116 e 117). 191 Nesse viés, tal dispositivo legal exemplifica algumas hipóteses em que o voto do acionista será considerado abusivo e por isso contrário aos interesses da companhia: (i) voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas; (ii) voto proferido com intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas. 192 Na lição de Lamy Filho e Pedreira (2009), o acionista controlador tem o dever legal de fazer com que a companhia, além de realizar seu objeto (que é explorar atividade de produção e venda de bens e serviços com o fim de obter resultados e distribuí-los aos acionistas), cumpra sua função social (art. 116, parágrafo único). A companhia, como toda sociedade empresária e todo empresário individual, exerce a função de criar, expandir e dirigir empresa e prover o capital de risco de que necessite, e a empresa é instituição fundamental na organização econômica e social das economias de mercado. A função precípua da empresa é produzir bens econômicos, mas devido às suas características, desempenha funções tanto na produção quando na circulação econômica e na repartição de renda, e de agente da poupança e do investimento. 193 Reza essa disposição da LSA que o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender. 194 Já no que se refere ao administrador, a LSA da mesma forma impõe que no exercício do seu cargo o mesmo deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e os interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa. 104 na tomada de decisões de gestão e cumprimento dos objetivos estratégicos de atuação empresarial traçados para a organização. A empresa familiar poderá alcançar o seu crescimento e lucratividade com maior rapidez, sem resistências ou oposições dos sócios que não compõem a família controladora, na medida em que os seus interesses foram conciliados antecipadamente pelo acordo societário. Por outro lado, quando acordados dentro da empresa holding controladora, os pactos parassociais políticos servirão para a família empresária estruturar a institucionalização do seu poder de controle sobre a empresa operacional. A existência do contrato parassocial na holding servirá para que os familiares previamente discutam e deliberem qualquer assunto de interesse do grupo, buscando um sentido único para todos os votos das ações/cotas da controladora dentro da empresa familiar controlada. Com a regulação contratual prévia da comunhão dos interesses dos sócios para exercício do poder de mando, os votos relacionados às ações ou cotas da holding dentro do quadro societário da empresa familiar ganharão sentido único. Tal fato irá ao final proporcionar a união entre os signatários do acordo e institucionalizará força jurídica para a holding controlar as deliberações e fazer prevalecer seus interesses negociais. Na prática, em quaisquer dos casos acima (empresa familiar operacional ou empresa holding controladora) os sócios signatários do acordo parassocial podem se reunir em encontros realizados anteriormente a cada deliberação da assembleia geral da empresa familiar operacional, com objetivo de discutirem o direcionamento dos votos das suas ações. Durante esse debate preliminar, os acordantes geralmente procuram um alinhamento dos seus interesses por meio da aprovação da maior parte dos sócios, a fim de dar um sentido conjunto e único para todas as ações vinculadas ao acordo. No que se refere aos “direitos patrimoniais”, relacionados à compra e venda de cotas ou ações, ou ao direito de preferência para adquiri-las, os “acordos de bloqueio” nas empresas familiares servem como importante instrumento para a manutenção das ações ou cotas em poder da família empresária. Por meio desses contratos, é possível restringir a circulação, ou pelo menos impor condições, para que a participação acionária de qualquer parente em qualquer quantidade seja alienada para terceiros, resultando assim em perda de poder político ou patrimonial para a família. Por último, diga-se sobre as matérias de “direitos diversos”, que podem ser pactuadas pelos sócios nos acordos societários celebrados no âmbito das empresas familiares. A estipulação desses tipos de “acordos múltiplos” podem servir de efetivo mecanismo destinado à prevenção de futuros litígios entre os sócios, na medida em que conciliam e compõem 105 amigavelmente os interesses dos membros da família a respeito de diversos assuntos, criando de forma prévia um sentido único para essas deliberações. Portanto, a celebração de um “Acordo de Acionistas” ou “Acordo de Cotistas” entre os sócios da família empresária constitui uma medida de Governança Jurídica a ser adotada nas empresas familiares, favorecendo, e muito, a prevenção de desgastes, desentendimentos e desavenças futuras entre os parentes sócios (ou não), que podem afetar sobremaneira a organização empresarial e sua sustentabilidade. 106 6 CONCLUSÃO As empresas familiares constituem uma parcela significativa dos grandes grupos empresariais nacionais e estrangeiros, o que lhes garante um lugar de destaque na economia mundial. Em geral, de 65% a 80% de todas as empresas do mundo são familiares, sendo certo que no Brasil esse percentual aumenta para 85% a 90% do universo total de empreendimentos. As organizações familiares são formadas por uma estrutura interna composta de três feixes de relações jurídicas distintas e sobrepostas que envolvem família, propriedade e gestão. Nelas, há uma sobreposição de direitos e obrigações entre os “sócios e parentes por vínculo natural ou civil”, a “titularidade das cotas ou ações com direito de voto” e o “exercício do poder de controle da empresa pela família”, que interagem de forma simultânea no dia a dia da exploração da atividade econômica organizada, refletindo por completo no desenvolvimento e sobrevivência dessas organizações empresariais ao longo do tempo. Do ponto de vista jurídico, quando um grupo de pessoas ligadas por algum vínculo de parentesco deixa de ser apenas uma “família” para se tornar uma “família empresária”, seus membros, que até então se relacionavam somente na condição de “parentes”, passam ser tratados como “sócios” no ambiente empresarial. É o fenômeno da “transmudação das relações jurídicas”, influindo diretamente nos direitos e obrigações dos familiares/sócios. As normas, princípios e valores do Direito que irão reger esse novo tipo de relacionamento jurídico mudam de natureza, passando do Direito de Família para a lógica racional e impessoal do Direito Empresarial. Assim sendo, as relações jurídicas aparentemente autônomas de “parentesco por vínculo natural ou civil” (família), de “titularidade de cotas ou ações com direito de voto” (propriedade) e de “exercício do poder de controle da empresa pela família” (gestão) interagem de forma simultânea e interdependente nas empresas familiares. As mesmas pessoas exercem diferentes papéis ao mesmo tempo, gerando em regra bastante confusão em seu relacionamento diário dentro das organizações familiares e dificultando a tomada de decisões sobre a administração dos negócios empresariais. Isso é observado especialmente quando os “sócios” se relacionam de forma condescendente e pouco profissional dentro da empresa, dispensando tratamento entre si como se estivessem na condição de “parentes”, regendo-se pelo afeto e solidariedade, sentimentos inerentes aos valores do Direito de Família. Também se verifica quando os 107 “parentes” se relacionam de forma competitiva e impessoal dentro do seio familiar, dispensando tratamento condizente com o ambiente empresarial, em que se prezam os valores hierarquia, subordinação, profissionalismo e resultados. Por tudo isso, a sobreposição dos direitos e obrigações entre família, propriedade e gestão, aliada à “transmudação das relações jurídicas” em regra causam dificuldades ou impedem a administração eficaz e segura das empresas familiares. Geralmente, as empresas familiares enfrentam problemas no desenvolvimento de uma gestão estratégica e planejada para a conservação do patrimônio nas mãos da família e sobrevivência do negócio empresarial ao longo do tempo. Nesse contexto, verificou-se que o planejamento e elaboração de estruturas legais de Governança Jurídica se apresentam como uma solução segura e eficaz para as empresas familiares. Se implementadas de forma contínua, as medidas de Governança Jurídica possibilitam a essas empresas prevenir, amenizar ou dirimir os conflitos de interesses entre os sócios. As práticas de Governança Jurídica não se confundem com aquelas relacionadas à Governança Corporativa nem àquelas próprias da Governança Familiar. A Governança Corporativa abrange as medidas voluntárias de gestão adotadas pelos órgãos de administração para o estabelecimento de uma relação mais transparente (informativa), equânime, prestadora de contas e responsável (sustentável) entre os investidores (shareholders) e os demais interessados, que de alguma maneira se relacionam com a organização empresarial (stakeholders). A finalidade dessas práticas é aumentar a percepção externa de “valor” da empresa, melhorar sua reputação e agregar confiança ao relacionamento da empresa com o mercado, atraindo assim maior volume de investidores e capital para um financiamento mais acessível e barato. Por outro lado, a Governança Familiar compreende as medidas formais de qualquer natureza tomadas no âmbito da família pelos parentes envolvidos com a empresa familiar. Trata-se de práticas de comportamento e relacionamento acordadas entre os membros da família para estruturar e dar suporte às suas relações pessoais, na tentativa de evitar que eventuais desentendimentos ou conflitos existentes entre os parentes reflitam na empresa familiar, atrapalhando de alguma forma o andamento dos negócios. Já a Governança Jurídica dentro das empresas familiares se refere ao conjunto de atos jurídicos extrajudiciais para melhor direção, administração, controle e regulação de suas atividades no exercício do “poder de controle” pela família empresária. Ela significa uma coletividade de ações, providências, comportamentos e medidas jurídicas preventivas 108 inseridas na condução do controle societário do empreendimento pela família empresária. Sua finalidade é conferir segurança e eficácia interna às relações jurídicas que envolvem os sócios nas empresas familiares, por meio da prevenção, diminuição ou resolução dos conflitos que naturalmente surgirão, advindos da sobreposição de papéis e exercício dos direitos e obrigações que envolvem as relações de família, propriedade e gestão. Dentro de sua liberdade de iniciativa privada e atuação empresarial, a organização familiar poderá criar, adequar e implementar medidas de governança jurídica com fulcro nos princípios da “autonomia privada” e da “livre iniciativa”, que regem o Direito Privado, devendo respeito somente aos limites do que é proibido por norma jurídica existente, válida e eficaz, conforme o princípio da “normatividade” (ou “juridicidade”). Para tanto, é imprescindível que a família empresária conte com o trabalho de um operador do Direito, a fim de definir quais medidas práticas necessárias ou importantes devem ser implementadas na organização empresarial. Esse profissional deve utilizar o método da “análise estratégica de objetivos” para nortear a aplicação prática do seu conhecimento jurídico em prol do fomento das atividades econômicas nas empresas familiares. Verifica-se que a implantação e desenvolvimento da Governança Jurídica nas empresas familiares é um trabalho sem fim; se não o fosse, se tornaria obsoleto e ineficaz. A família empresária deve se cercar de uma assessoria jurídica constante na esfera empresarial (e se possível também no âmbito familiar) para a preservação e validação periódica da estratégia e dos objetivos traçados, a fim de não comprometer com o passar do tempo os resultados almejados. Dentre as várias possibilidades existentes, ao longo do trabalho foram conceituadas de forma exemplificativa as seguintes práticas de Governança Jurídica: (i) análise da adequação e conformação da “tipicidade societária”; (ii) criação de holding familiar de participações; (iii) instituição de Conselho de Administração como órgão obrigatório de gestão; (iv) firmamento de um “acordo de acionistas” ou “acordo de cotistas” entre os membros da família empresária; (v) obrigatoriedade da existência de Conselho Fiscal; e (iv) inserção obrigatória da figura do conselheiro independente. As três primeiras medidas jurídicas expostas acima possuem caráter estruturante e indispensável para a formatação de uma “governança jurídica” que previna, diminua ou resolva de forma eficaz os conflitos oriundos da sobreposição dos direitos e obrigações entre família, propriedade e gestão, agravados pela “transmudação das relações jurídicas” entre os envolvidos. Nas empresas familiares, a elaboração da Governança Jurídica deve iniciar por essas medidas jurídicas sem prejuízo de outras que possam ser propostas no caso concreto pelo 109 profissional do Direito, e adotadas conjuntamente, ou de forma sucessiva, na eterna busca de uma gestão mais segura e eficaz para a conservação do patrimônio nas mãos da família e sobrevivência do negócio empresarial ao longo do tempo e gerações. Portanto, as famílias empresárias devem desenvolver suas próprias medidas de governanças, políticas estratégicas e mecanismos de proteção da atividade empresarial para continuarem perseguindo seus principais sonhos familiares: preservação do patrimônio e garantia de um futuro seguro para as futuras gerações. 110 REFERÊNCIAS ÁLVARES, Walter T. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Sugestões Literárias, 1982. ANTONELLI, Luiz Marcelo. Sucessão e sobrevivência nas empresas familiares. Disponível em: <http://www.ichs.ufop.br/conifes/anais/OGT/ogt1204.htm#_ftn1>. 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