CAP. 28 – A SOCIOLOGIA E A SOCIEDADE MIDIÁTICA A sociologia contemporânea dedicou-se entre outros temas, ao estudo da sociedade midiática. Por trás de seu conteúdo voltado ao entretenimento e do objetivo de informar o público, os pesquisadores procuraram apreender os interesses comerciais e as intenções políticas, nem sempre evidentes. A constituição da imprensa e dos demais meios de comunicação como uma nova forma de poder também interessou aos pesquisadores. Aqueles que de maneira mais extremada denunciaram a cumplicidade existente entre os meios de comunicação e o poder instituído foram chamados de apocalípticos pelo escritor e filósofo italiano Umberto Eco. Previsão - época de plena dominação das mentes e da subjetividade e à decadência da cultura culta e da democracia. Estaríamos condenados a viver do modo descrito no mito da caverna, de Platão. Mas, por outro lado, entre os integrados, como os chamou Eco, estão os autores que defendem os meios de comunicação e a indústria cultural, e enxergam a sociedade de massa como sendo aberta às classes subalternas que estiveram sempre excluídas da alta cultura e da arte erudita. Releitura de manifestações populares autênticas. A indústria cultural, desejosa de atingir um amplo público, teria buscado no patrimônio popular conteúdos capazes de interessar a todos. Theodor Adorno foi um dos mais contundentes críticos da sociedade midiatizada. Afirmava que a produção cultural nessa sociedade havia se tornado um processo industrial que produz bens simbólicos, de forma seriada e tecnológica, visando satisfazer a necessidade do público de entretenimento, ilusão e emoção. Por outro lado, satisfaz o desejo do enriquecimento dos grandes empresários e a necessidade de controle e poder da elite dominante. Adorno afirmava que a integração dos meios de comunicação não possibilita reflexão do público. Com a televisão, o processo de alienação do espectador se torna ainda mais eficiente, pois tudo que lhe é apresentado parece pertencer-lhe quando ele próprio já não se pertence. Nesse fluxo próximo de imagens, o discurso se torna mero acessório, cada vez mais redundante e dispensável. É dessa maneira que tornam-se modelos de comportamento e acabam criando realidades. Por outro lado, o discurso dos meios de comunicação dirigido à massa tende a criar um falso espírito de coletividade e de solidariedade, ajudado pelo desencanto da vida real do público. Walter Benjamin também alertava para as transformações que a indústria cultural havia trazido para a arte erudita, com o fim da “aura” da obra prima. Benjamin afirmava que o desenvolvimento da indústria de bens simbólicos penetra de tal maneira no imaginário e no inconsciente coletivo que suas imagens parecem muito mais reais do que o mundo que elas procuram representar. Como outros autores marxistas, os pesquisadores da Escola de Frankfurt estavam especialmente preocupados com os conceitos de alienação e ideologia e julgavam que os meios de comunicação de massa, por seu caráter nitidamente mercadológico, transmitiam conteúdos identificados com os valores capitalistas. Levavam à passividade e ao conformismo. Pouco levava em consideração a capacidade de crítica da população e de resistência da cultura popular. Em uma posição diferente, os ingleses, em 1960, buscando estudar a forma como os meios de comunicação agiam na cultura e suas relações com a cultura popular, desenvolveram-se os estudos culturais. Valorizam a cultura popular como uma produção que se opõe às manifestações da chamada alta cultura. Nesse sentido, o popular, além de fundamentalmente diferente da cultura burguesa, seria emancipatório. Os meios de comunicação de massa teriam papel importante na divulgação da cultura de origem popular. Para os pesquisadores ingleses, o caráter popular dos meios de comunicação seria dotado de um sentido de resistência e contestação que teria escapado aos estudiosos de Frankfurt. Os princípios dessa abordagem se espalharam pela Europa e pelos Estados Unidos, tendo grande repercussão também na América Latina, onde se destacaram Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini. São dois defensores da cultura popular e das suas relações com a cultura de massa, que chamam a atenção para o preconceito existente na divisão clássica entre alta e baixa cultura, como códigos universais de valor estético ou cognitivo. Preferem propor a existência de um espaço de oposição e luta entre cultura de elite e cultura popular, sendo papel da indústria cultural estabelecer a circularidade entre elas. Octávio Ianni, um dos principais sociólogos brasileiros, foi sensível às transformações da vida social no mundo globalizado, especialmente no que diz respeito ao exercício do poder. São grupos e classes emergentes e novas estruturas de poder que se opõem em escala mundial, com novos jogos de força e diferentes formas de sociabilidade. Entre essas novas forças estão as tecnologias eletrônicas por onde fluem as relações globalizadas, obedecendo a novas hierarquias e exercícios de poder. Para estudar essas diferenças e explicá-las, Ianni lança mão de uma figura secular no campo da ciência política – o príncipe. Maquiavel, quando concebe o “príncipe”, primeiro modelo da política moderna, apresentao como pessoa e líder, capaz de articular a inteligência com as condições históricas. Ianni se apoia na releitura que Gramsci fez da obra de Maquiavel, séculos depois de sua publicação. Apresentou esse líder de um ponto de vista coletivo e organizacional. Para Gramsci, na sociedade moderna, o príncipe só pode se materializar na forma de um partido político. Ianni se propõe então a redefinir o príncipe como líder coletivo capaz de agir de forma inteligente, planejada e de acordo com a complexidade do momento histórico que se apresenta. Ele introduz o príncipe eletrônico, que não é uma pessoa nem um partido político, mas uma entidade nebulosa e ativa, presente e invisível que atua por meio das estruturas de poder existentes em âmbito mundial, entre as quais as diversas mídias que ele chama de indústria da manipulação – se refere à indústria cultural e às novas tecnologias de comunicação que exercem poder sobre a opinião pública e o comportamento coletivo. (Barack Obama considerado por muitos como a personificação do príncipe eletrônico). Bourdieu concebeu a sociedade de forma pluridimensional, e essa é sua grande contribuição à sociologia. Com a noção de campo – instância da sociedade organizada para uma finalidade especial que pode ser política, econômica ou artística substituiu a visão monolítica da sociedade por outra mais complexa e diferenciada. Como um espaço social, o campo representa uma topografia que localiza as pessoas na estrutura social. Na estrutura da sociedade, as classes sociais se opõem. Os conflitos que marcam as relações sociais não se manifestam apenas no plano econômico e político. Desse modo, Bourdieu conseguiu analisar a vida social de um ponto de vista exterior aos agentes – as estruturas – e de um ponto de vista interno e subjetivo – os habitus, que significam a maneira como, por meio de diversas instituições sociais, como a família e a escola, a estrutura é internalizada e se expressa em ideias, valores e comportamentos. Bourdieu mencionou o capital simbólico formado pelo conjunto de conhecimentos, desenvolvimento intelectual e bens culturais a que um sujeito tem acesso a partir da posição que ocupa na sociedade. Esse capital define também as classes sociais como dominantes ou dominadas. Os meios de comunicação de massa estão comprometidos com a classe dominante e têm por função a reprodução da estrutura desigual de classes. Uma das mais contundentes críticas à sociedade midiatizada foi elaborada pelo sociólogo e filósofo francês Guy Debord que escreveu A sociedade do espetáculo. O autor tratou o mundo simbólico como uma instância na qual se manifestam diferenças e desigualdades sociais e oposições próprias das relações de produção. A sociedade do espetáculo resulta do desenvolvimento dos meios de comunicação, mais especificamente da multiplicação das imagens que passaram a midiatizar as relações entre as pessoas. O espetáculo das imagens impede que o espectador tenha consciência do que elas mostram, assim como a tecnologia e a divisão do trabalho impossibilitam que os produtores tenham ciência daquilo que produzem e de como produzem. Dessa forma, o espetáculo aliena como antes fazia a religião nas sociedades modernas. Assim, o espetáculo se transforma em novo ritual religioso que se situa no tempo livre do homem, tempo esse que não liberta, mas escraviza. O advento e a afirmação da sociedade midiatizada com a produção crescente de mensagens levaram os sociólogos ao estudo das novas relações sociais que se produziam no mundo. Sociólogos e filósofos procuraram entender que um novo mundo se constituía na passagem para o século XXI e que dele faziam parte tecnologias, mídias e imagens, não sendo possível entender a vida humana sem compreender como ela integra um universo simbólico expandido. O professor britânico Roger Silverstone, justificou seu interesse pelo estudo dos meios de comunicação de massa, desta forma: “Quero mostrar que é por ser tão fundamental para nossa vida cotidiana que devemos estudar a mídia. Estudá-la como dimensão social e cultural, mas também política e econômica, do mundo moderno. Estudar sua onipresença e complexidade. Estudá-la como algo que contribui para nossa variável capacidade de compreender o mundo, de produzir e partilhar seus significados”. Os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 mostraram que era preciso estudar profundamente como são e como funcionam, na sociedade contemporânea, os meios de comunicação. O que mais surpreendeu o mundo, no entanto, foi testemunhar esses fatos pelos meios de comunicação, em tempo real e em rede mundial. Os meios de comunicação foram usados como arma num ataque terrorista contra o país no qual eles mais se desenvolveram e se impuseram.