Formação Contratual e Revisão pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) • Introdução. • O Código de Defesa do Consumidor (CDC) Lei nº 8078/90, ao contrário do Código Civil em vigor, não prevê, com riqueza de detalhes, regras quanto à formação do contrato de consumo. Isso faz com que seja possível, eventualmente, buscar socorro nas regras comuns de Direito Privado quando houver dúvida quanto à constituição da obrigação de natureza consumerista, particularmente tendo em vista a festejada teoria do diálogo das fontes, normalmente invocada (diálogo de complementaridade). • • Porém, o Código Consumerista prevê regras de grande importância quanto à oferta, tratadas entre os arts. 30 a 38 da Lei nº 8078/90, sem prejuízo de outros regramentos também aplicáveis à fase pré-negocial, ou seja, às tratativas iniciais para a formação do pacto. • De início, o art. 30 da Lei Consumerista traz em seu conteúdo o princípio da boa fé objetiva, ao vincular o produto, o serviço e o contrato ao meio de proposta e à publicidade demonstrando que a conduta proba também deve estar presente na fase pré-contratual do contrato de consumo. • Para fazer cumprir os exatos termos da publicidade, o art. 35 da Lei nº 8078/90 menciona, entre suas possibilidades, o cumprimento forçado da obrigação nos termos da oferta, assim dispondo: “Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: I- exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II- aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; III- rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos”. • Entre as medidas de maior efetividade, para o cumprimento forçado da obrigação, está a fixação de multa (astreintes), geralmente diária. • O dever de informar na fase pré- negocial consumerista pode ser percebido pelo art. 33 do CDC, eis que, no caso de contratação por telefone ou reembolso postal, devem constar o nome e o endereço do fabricante na embalagem, na publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial. Tais exigências tem por objetivo possibilitar ao consumidor o exercício de seus direitos em relação à eventual vício ou fato do produto. • O art. 31 da Lei nº 8078/90, quanto à oferta e à apresentação do produto, prevê a necessidade de informações precisas sobre a essência, quantidade e qualidade do produto e do serviço, o que vem sendo observado pela melhor jurisprudência com a imposição de sanções específicas nos casos em que se percebe a má fé na fase de oferta do produto e do serviço, bem como pela sua coibição via tutela coletiva. • No CDC, o tratamento dado à formação do contrato e à correspondente boa fé objetiva ainda pode ser visualizado pela proibição de publicidade simulada, abusiva e enganosa, conforme os arts. 36 e 37 da Lei 8078/90, respectivamente. Isso em reforço ao art. 6º, IV do mesmo diploma, que prevê ser direito básico do consumidor a proteção contra tais formas de publicidade, bem como contra métodos comerciais coercitivos ou desleais. • • Pelo art. 36 do CDC, a publicidade deve ser veiculada de forma que o consumidor, de imediato, a identifique como tal. Não é possível juridicamente uma publicidade mascarada ou simulada, o que pode gerar eventual dever de indenizar caso haja prejuízos ao consumidor, hipótese em que a responsabilidade é objetiva, pelo próprio sistema do Código do Consumidor. • O art. 37, § 1º da lei protetiva do consumidor, proíbe a chamada publicidade enganosa, seja ela por ação ou omissão, definindo-a de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir a erro o consumidor. • • É importante salientar que a regra é que o ônus da prova quanto à veracidade da publicidade cabe a quem a patrocina também (art. 38 da Lei nº 8078/90), diante do fato de que há uma boa fé presumida a favor do consumidor. • • O conceito de publicidade abusiva pode ser encontrado no art. 37, § 2º do CDC, in litteris: “É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência do julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança”. • Se ocorrem tais forma de publicidade, surgirá o dever de indenizar a todos os envolvidos com meio de oferta. Trata-se de aplicação direta do art. 34 do CDC, que prevê a solidariedade dos prestadores e fornecedores em relação aos seus prepostos. Podem responder, em tais casos, a empresa que contratou o serviço de publicidade para a venda de um produto ou serviço, a agência de publicidade, o profissional responsável quanto à mesma e até o veículo de informação. É a chamada teoria da aparência que vem sendo aplicada, onde há responsabilidade solidária de todos os envolvidos e beneficiados pela publicidade, na medida de suas responsabilidades. • • Com exceção do profissional liberal, todos os envolvidos com a oferta ou publicidade terão responsabilidade objetiva, independentemente de culpa. Porém, a responsabilização mediante culpa- responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais, constitui na realidade, uma exceção no sistema consumerista, estando prevista no art. 14, § 4º do CDC, aplicando-se aos casos de oferta ou publicidade. • Não se pode olvidar, nesse sentido, sobre a exposição aos meios de oferta e informação, sendo quase impossível a situação e que o consumidor tenha conhecimento preciso sobre todos os produtos e serviços colocados no mercado. A publicidade e os demais meios de oferecimento do produto ou serviço estão relacionados à vulnerabilidade do consumidor, eis que o deixam à mercê das vantagens sedutoras expostas pelos veículos de comunicação e informação, principalmente pelos meios de marketing. • • O art. 48 do CDC regula especificamente a relação précontratual no negócio de consumo. De acordo com esse dispositivo, todas as declarações de vontades decorrentes de escritos particulares, recibos e pré-contratos decorrentes da relação de consumo vinculam o fornecedor ou prestador, ensejando, inclusive, a execução específica, prevista no art. 84 do CDC. • Um exemplo clássico é o caso em que foi elaborado orçamento prévio com a previsão de determinado valor para prestação ou fornecimento. Diante da confiança depositada, não poderá o prestador de serviços ou fornecedor de produtos alterar tal preço, por estar presente a sua responsabilidade pré contratual diante do compromisso firmado. Caso se negue o profissional a cumprir a obrigação assumida, caberá ação de execução de obrigação de fazer, com fixação de preceito cominatório (multa ou astreintes), nos termos do art. 84 do CDC. • Para vendas realizadas fora do estabelecimento comercial, prevê o art. 49 do CDC uma prazo de arrependimento de sete dias, contados da assinatura do contrato ou do ato do recebimento do produto ou serviço, o que ocorrer por último, diante da interpretação pró consumidor (art. 47 do CDC). Se o consumidor manifestar seu arrependimento, os valores pagos durante esse dito prazo de reflexão serão devolvidos de imediato, com atualização monetária. Aplica-se esse dispositivo à vendas realizadas por telefone, catálogos, fax, vídeo conferência, mala direta, reembolso postal, prospectos, lista de preços a domicílio, via internet, etc. (observado o disposto nos arts. 2º e 3º do CDC quanto às relações de consumo). • De toda sorte, o consumidor não pode abusar desse direito seu, não incidindo o art. 49 do CDC em casos de excesso. Para ilustrar, não haverá direito de arrependimento se o consumidor contrata um serviço de TV a cabo pela internet e se arrepende de forma sucessiva, para nunca pagar o serviço. • O art. 52 do CDC em sintonia com o dever de informação, um dos baloartes da boa fé objetiva, no caso de outorga de crédito ou financiamento a favor do consumidor, deverá o fornecedor informar o consumidor prévia e adequadamente sobre: – – – – – Preço do produto ou serviço em moeda nacional corrente; Montante de juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; Acréscimos legalmente previstos; Número e periodicidade de prestações; Soma do total a pagar com e sem financiamento. • Sem dúvida alguma, o CDC vislumbra a fase prénegocial com muito mais propriedade que o Código Civil. • Por todo exposto, percebe-se por um lado, que o CDC tem tratamento mais completo quanto às fases de negociações preliminares do contrato, entretanto, não trata das demais fases, quais sejam: policitação e contrato definitivo. Razão pela qual deverá o aplicador do direito, se socorrer das regras gerais aplicadas aos contratos dadas no Código Civil. • Ao contrário, nosso CC não trata especificamente das previsões das tratativas preliminares, fato este que leva ao diálogo das fontes. • Revisão Judicial dos Contratos. • A revisão judicial dos contratos é tema de suma importância na atual realidade dos negócios jurídicos. Isso porque, muitas vezes, as questões levadas à discussão no âmbito do Poder Judiciário envolvem justamente a possibilidade de se rever determinado contrato. • A revisão judicial dos contratos deve ser estudada tendo como parâmetro tanto o Código Civil como o Código de Defesa do Consumidor. Vale lembrar que a grande maioria dos contratos é formada por contratos de consumo, regidos pela Lei nº 8078/90. • Revisão Contratual prevista pelo Código Civil. • O Código de 1916 não regulamentou expressamente a revisão contratual. A introdução da teoria da imprevisão no Direito Positivo brasileiro ocorreu com o advento do Código de Defesa do Consumidor, que, no seu art. 6º, V, elevou o equilíbrio do contrato como princípio da relação de consumo, enfatizando ser direito do consumidor, como parte vulnerável do contrato na condição de hipossuficiente, a postulação de modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. • O Código Civil 2002 consolidou o direito à alteração do contrato em situações específicas, dedicando uma seção composta de três artigos, à resolução dos contratos por onerosidade excessiva. Dispõe o primeiro deles: • Art.478, CC: Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. • Além de exigir que o acontecimento seja extraordinário, imprevisível e excessivamente oneroso para uma das partes, o dispositivo em apreço insere mais um requisito: o da extrema vantagem para a outra parte - o que limita ainda mais o âmbito da abrangência da cláusula. Críticas têm sido feitas a essa redação, bem como ao fato de este não priorizar a conservação do contrato pela sua revisão. A teoria da imprevisão deveria representar a priori, pressuposto necessário da revisão contratual, e não de resolução do contrato, ficando esta última como exceção. • Art. 317, CC: Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier uma desproporção manifesta entre o valor da prestação da dívida e do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quando possível, o valor real da obrigação. • Essa norma tem significado distinto do que prevê o art. 478, pois este é voltado para a resolução do contrato, em virtude de onerosidade excessiva da prestação de uma das partes, provocada por acontecimentos imprevisíveis e extraordinários, enquanto aquela não atinge o fato jurídico fonte da obrigação, inclusive o negócio jurídico, mas apenas a prestação, como o fato de sua revisão ou correção. • Art. 479, CC: A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato. • Presentes os pressupostos exigidos no art. 478 do CC, a parte lesada pode pleitear a resolução do contrato. Permite, todavia, o art. 479 supratranscrito que a parte contrária possa, considerando que lhe é mais vantajoso manter o contrato, restabelecendo o seu equilíbrio econômico, oferecer-se para modificar equitativamente as suas condições. Malgrado o dispositivo citado se refira a réu, nada impede que a parte interessada em evitar a resolução do contrato se antecipe, ingressando em juízo antes do ajuizamento da ação resolutória, para restabelecer o equilíbrio contratual. • Complementa o art. 480 CC a regra do art. 479, CC. In litteris: • Art. 480, CC: Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva. • O contrato que estabelece obrigações só para uma das partes mostra-se, em geral, leonino. Nesse caso, admite o dispositivo em epígrafe que a parte prejudicada possa pleitear a redução do montante devido, ou, ainda, a alteração do modo como deve ser efetuado o pagamento. • Revisão Contratual prevista pelo Código de Defesa do Consumidor. • Como é notório, a Lei 8078/90 constitui norma de ordem pública e de interesse social pelo que consta do seu art. 1º, sendo também norma principiológica pela previsão expressa de proteção aos consumidores constante no Texto maior, particularmente do seu art. 5º, XXXII e art. 170, III da CF. • Na esfera contratual, o CDC inseriu no sistema a regra de que mesmo uma simples onerosidade excessiva ao consumidor poderá ensejar a chamada revisão contratual por fato superveniente, prevendo também o afastamento de uma cláusula abusiva, onerosa, ambígua ou confusa (arts. 51 e 46) e a interpretação do contrato sempre em benefício do consumidor. (art. 47). • Assim, conclui-se que a expressão função social do contrato está intimamente ligada ao ponto de equilíbrio que o negócio celebrado deve atingir e a teoria da equivalência material. Dessa forma, pelo entendimento consumerista, um contrato que acarreta onerosidade excessiva para uma das partes tida como vulnerável, não está cumprindo seu papel sociológico, portanto, necessitando de revisão judicial. • No tocante à revisão judicial do contrato de consumo por fato superveniente, esta regra consta no art. 6º, V do CDC, in verbis: • Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: • V- a modificação de cláusulas contratuais que estabelecem prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. • No CDC não há exigência de um fato imprevisível, bastando um motivo superveniente, ou seja, um fato novo, a motivar o desequilíbrio do contrato para fazer valer sua revisão ou modificação de cláusulas. Há a revisão pela simples onerosidade excessiva também, por gerar por regra, desequilíbrio contratual. Portanto, regramento mais simples, mas muito mais eficiente que o proposto pelo nosso Código Civil pátrio. TABELA COMPARATIVA Revisão contratual pelo CC Revisão contratual pelo CDC Teoria da Imprevisão ou da onerosidade excessiva. Teoria da equidade contratual ou de base objetiva do negócio Revisão por simples onerosidade excessiva Revisão por imprevisibilidade + somada à onerosidade excessiva Exige-se fato imprevisível ou extraordinário Não há exigência de fato imprevisível, bastando motivo superveniente, ou seja, fato novo a motivar o desequilíbrio contratual.