ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO IÇ A TRIB U L DE JU ST NA TRIBUNAL DE JUSTIÇA RS CEZD Nº 70049790009 2012/CÍVEL INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 9º DA LEI MUNICIPAL Nº 8.133/98, DE PORTO ALEGRE, QUE CRIOU A EPTC, EMPRESA PÚBLICA DE TRANSPORTE E CIRCULAÇÃO. EMPRESA PÚBLICA COM PERSONALIDADE DE DIREITO PRIVADO SOB A FORMA DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE DE DELEGAÇÃO DA FISCALIZAÇÃO E APLICAÇÃO DE SANÇÕES. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL. EMPRESA FORMADA EXCLUSIVAMENTE COM CAPITAL PÚBLICO, TENDO COMO ACIONISTAS O MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE E O DMLU, AUTARQUIA MUNICIPAL, O QUE REFORÇA A SUA NATUREZA PÚBLICA. MATÉRIA JÁ APRECIADA PELO ÓRGÃO ESPECIAL EM CASO ANÁLOGO, O QUE DISPENSA A SUSCITAÇÃO DE NOVO INCIDENTE. Por força do artigo 8º da Lei 8133/98, a municipalidade de Porto Alegre foi autorizada a constituir e organizar uma empresa pública, a EPTC, com as atribuições de ser o órgão executivo e rodoviário do município, para o exercício das atividades descritas no artigo 24 da Constituição Federal, nos termos do que permite o Código de Trânsito Brasileiro, o que foi feito, por força da norma citada, dispondo, em seu artigo 9º, que a personalidade da EPTC será de direito privado, o que não é vedado, bastando, apenas, que a empresa seja criada por lei, em atenção ao comando contido no artigo 5º, II, da Constituição Federal, o que foi observado no presente caso. A EPTC, empresa de economia mista que tem participação acionária do município de Porto Alegre e do DMLU, autarquia municipal, com capital societário exclusivamente público, circunstância que reforça, ainda mais, a natureza pública da EPTC, repito, constante no artigo 8º da Lei 8133/98, embora sob a forma de economia mista, para o exercício de atividade estatal. Precedente do Órgão Especial julgando, de forma unânime, improcedente ADIn proposta contra a EBTC de Bagé, o que demonstra a improcedência de novo incidente. INCIDENTE JULGADO IMPROCEDENTE. UNÂNIME. ARGUIÇÃO INCONSTITUCIONALIDADE DE ÓRGÃO ESPECIAL 1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO IÇ A TRIB U L DE JU ST NA TRIBUNAL DE JUSTIÇA RS CEZD Nº 70049790009 2012/CÍVEL Nº 70049790009 COMARCA DE PORTO ALEGRE COLENDA 22A CAMARA CIVEL PROPONENTE GILSON FINKLER INTERESSADO EMPRESA PUBLICA DE TRANSPORTE E CIRCULACAO S A EPTC INTERESSADO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em julgar improcedente o Incidente de Inconstitucionalidade. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DESEMBARGADORES MARCELO BANDEIRA PEREIRA (PRESIDENTE), DANÚBIO EDON FRANCO, ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, ARNO WERLANG, MARCO ANTÔNIO RIBEIRO DE OLIVEIRA, NEWTON BRASIL DE LEÃO, SYLVIO BAPTISTA NETO, FRANCISCO JOSÉ MOESCH, LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, OTÁVIO AUGUSTO DE FREITAS BARCELLOS, VOLTAIRE DE LIMA MORAES, GUINTHER SPODE, ALEXANDRE MUSSOI MOREIRA, ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO, CARLOS CINI MARCHIONATTI, NEREU JOSÉ GIACOMOLLI, UMBERTO GUASPARI SUDBRACK, PAULO ROBERTO LESSA FRANZ, GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN, TASSO CAUBI 2 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO IÇ A TRIB U L DE JU ST NA TRIBUNAL DE JUSTIÇA RS CEZD Nº 70049790009 2012/CÍVEL SOARES DELABARY, JORGE LUIZ LOPES DO CANTO E EDUARDO UHLEIN. Porto Alegre, 13 de agosto de 2012. DES. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO, Relator. RELATÓRIO DES. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO (RELATOR) Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado, por maioria, pela 22ª Câmara Cível deste Tribunal, tendo por objeto o artigo 9º da Lei 8.133/1998, de Porto Alegre por entender que os atos de fiscalização e aplicação de sanções no trânsito não podem ser delegados aos empregados de sociedade de economia municipal O Ministério Público manifesta-se pela improcedência do incidente de inconstitucionalidade pela inexistência de vedação constitucional para a delegação, trazendo à colação precedente do Órgão Especial do Tribunal de Justiça. É o relatório. VOTOS DES. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO (RELATOR) Eminentes colegas. Ao ser analisada a apelação cível interposta, diante do pedido formulado de declaração de inconstitucionalidade do artigo 9º da Lei Municipal 8.133/98, proferi o seguinte voto contrário à suscitação do incidente de inconstitucionalidade, salientando que a matéria já havia sido apreciada pelo Órgão Especial 3 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO IÇ A TRIB U L DE JU ST NA TRIBUNAL DE JUSTIÇA RS CEZD Nº 70049790009 2012/CÍVEL anteriormente, em acórdão da relatoria do eminente Des. Vasco Della Giustina, onde, por unanimidade, foi julgada improcedente a ADIn nº 70006499776, onde, com a seguinte fundamentação, ora reproduzida, decidi: “Inicialmente, deve se observado que, por força do artigo 8º da Lei 8133/98, a municipalidade de Porto Alegre foi autorizada a constituir e organizar uma empresa pública, a EPTC, com as atribuições de ser o órgão executivo e rodoviário do município, para o exercício das atividades descritas no artigo 24 da Constituição Federal, nos termos do que permite o Código de Trânsito Brasileiro, o que foi feito, por força da norma citada, dispondo, em seu artigo 9º, que a personalidade da EPTC será de direito privado, o que não é vedado, bastando, apenas, que a empresa seja criada por lei, em atenção ao comando contido no artigo 5º, II, da Constituição Federal, o que foi observado no presente caso. Não obstante a existência de divergência doutrinária acerca da possibilidade de delegação de atividade estatal para empresa privada, no caso, economia mista, deve ser considerado que esta tem participação acionária do município de Porto Alegre e do DMLU, autarquia municipal, com capital societário exclusivamente público, circunstância que reforça, ainda mais, a natureza pública da EPTC, repito, constante no artigo 8º da Lei 8133/98, embora sob a forma de economia mista, para o exercício de atividade estatal. A questão já foi apreciada no Órgão Especial, no julgamento da Adin nº 70006499776, em 27/12/2004, tendo como Relator o Des. Vasco Della Giustina, onde, por unanimidade, ao analisar a delegação de poderes 4 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO IÇ A TRIB U L DE JU ST NA TRIBUNAL DE JUSTIÇA RS CEZD Nº 70049790009 2012/CÍVEL para a da EBTC de Bagé, com personalidade jurídica de direito privado similar a EPTC, foi afastada a inconstitucionalidade, com a seguinte ementa: ADIN. LEI Nº 3.761/2001, DO MUNICÍPIO DE BAGÉ, QUE DISPÕE SOBRE A CRIAÇÃO DA "EMPRESA BAGEENSE DE TRANSPORTE E CIRCULAÇÃO" EBTC - E AUTORIZA O EXECUTIVO MUNICIPAL A CONSTITUÍ-LA E ORGANIZÁ-LA, PREVENDO A OBRIGAÇÃO DE AS EMPRESAS CONCESSIONÁRIAS DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO RECOLHEREM, EM FAVOR DAQUELA, ATÉ 3% DO TOTAL DA SUA RECEITA TARIFÁRIA, BEM COMO RECURSOS PARA A OPERAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DO SISTEMA MUNICIPAL. LEGITIMIDADE ATIVA DA PROPONENTE. DELEGAÇÃO DO EXERCÍCIO DA FISCALIZAÇÃO E IMPOSIÇÃO DE SANÇÕES POR EMPRESAS PÚBLICAS MUNICIPAIS. LEGALIDADE. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA QUE NÃO VEDA A DELEGAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA A ENTIDADES DE ADMINISTRAÇÃO INDIRETA, COM NATUREZA JURÍDICA PRIVADA, DESDE QUE REGULADA POR LEI. MODALIDADE CONTEMPORÂNEA DA ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO. EXIBE-SE, TODAVIA, INCONSTITUCIONAL O ART. 31 DA CITADA LEI, QUE OBRIGA AS CONCESSIONÁRIAS DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO DO MUNICÍPIO A RECOLHEREM, MENSALMENTE, EM FAVOR DAQUELA EMPRESA, A IMPORTÂNCIA DE ATÉ 3% DO TOTAL DA SUA RECEITA TARIFÁRIA. DETERMINAÇÃO DESSA ORDEM FERE O ART. 145, II, COMBINADO COM SEU § 2º (QUE EXIGEM SEJAM OS SERVIÇOS RELATIVOS ÀS TAXAS DIVISÍVEIS, PARA COBRANÇA QUANTIFICADA DE SEUS USUÁRIOS, NÃO PODENDO ESTAS, VIA DE CONSEQÜÊNCIA, TER BASE DE CÁLCULO PRÓPRIA DE IMPOSTOS, NO CASO, DO ISS,) BEM COMO O ART. 150, II, (QUE, POR FORÇA DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA, VEDA SEJA DISPENSADO TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DESIGUAL ENTRE TODOS OS FISCALIZADOS), AMBOS DA CF/88 E APLICÁVEIS AOS MUNICÍPIOS POR FORÇA DOS ART. 8º, E 140 DA CARTA ESTADUAL. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE 5 U TRIB IÇ A PODER JUDICIÁRIO L DE JU ST ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL NA TRIBUNAL DE JUSTIÇA RS CEZD Nº 70049790009 2012/CÍVEL PROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 7006499776, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vasco Della Giustina, Julgado em 27/12/2004) Reproduzo parcialmente a fundamentação do ilustre Relator, em face da pertinência ao tema: “A temática concernente aos artigos 11 (finalidade da empresa pública cuja criação foi autorizada) e 9° (possibilidade de prestação de serviços de outra natureza) tem a ver, em última análise, com a mesma tese da inicial: a indelegabilidade dos misteres exclusivos da Administração Direta, da atividade pública primária. “Entende-se que a presente ação não prospera, neste passo. “A doutrina tradicional, isso é inegável, sempre entendeu que o poder de polícia, por constituir atividade típica de Estado, não poderia ser exercido por particulares. “Nesse sentido, Diogo de Figueiredo Moreira Neto preleciona: ‘Em regra, cabe ao próprio Estado, em seus desdobramentos políticos e administrativos, executar as atividades de Administração Pública. Tão volumosa e diversíficada é, porém, esta tarefa demandada de um Estado contemporâneo, que passou a ser comum a transferência a entidades privadas dos encargos de execução, mediante instrumentos jurídicos de delegação. ‘A doutrina considera que certas atividades são, todavia, indelegáveis: as denominadas atividades jurídicas do Estado, que lhe são próprias e impostas 6 U TRIB IÇ A PODER JUDICIÁRIO L DE JU ST ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL NA TRIBUNAL DE JUSTIÇA RS CEZD Nº 70049790009 2012/CÍVEL como condição necessária de sua existência. As demais delegáveis são as chamadas atividades sociais ou impróprias que são cometidas ao Estado na medida em que ao legislador pareçam úteis à sociedade, embora não sejam fundamentais a sua preservação. No campo do poder de polícia, só há atividades próprias (em ‘Curso de Direito Administrativo’, Forense, 1996, p. 86). “Com a Lei nº 9.503/97, que criou o novo Código Brasileiro de Trânsito, o assunto voltou à tona, em vista da delegação, em alguns municípios, do exercício da fiscalização e da imposição de sanções a pessoas jurídicas de direito privado. Em Porto Alegre, criou-se a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), com atribuição de fiscalização do trânsito no âmbito local. “O debate empolgou a doutrina, que se debruçou sobre a matéria não poucas vezes. Diógenes Gasparini, por exemplo, sustenta que "o exercício do poder de polícia de trânsito pelos Municípios terá de ser feito por seus órgãos ou por suas entidades, na forma de fundações ou autarquias, todos pessoas jurídicas de direito público, submetidas aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, dentre outros (em ‘Novo Código de Trânsito: Os municípios e o policiamento’, publicado em Revista de Direito Administrativo n.o 212, p. 184). Em seguida, conclui incisivamente: ‘Claro está que permitir à administração indireta, às sociedades anônimas, às pessoas jurídicas de díreito privado, enfim, aos particulares, ainda que parcialmente, utilizarem-se do poder de polícia de trânsito, que é poder de império do Estado, cuja sanção é unilateral, externa e interventiva, para aplicar e arrecadar multas que reverterão em lucros ou dividendos a esses mesmos particulares, não pode ser legal e jamais será considerado 7 U TRIB IÇ A PODER JUDICIÁRIO L DE JU ST ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL NA TRIBUNAL DE JUSTIÇA RS CEZD Nº 70049790009 2012/CÍVEL honesto, moral e ético. Pelo contrário, tratar-se-á de autêntica aberração contra a qual a Sociedade precisa ficar alerta, tendo em vista que interessados nesse abuso não faltam.’ (op. cit., p. 185). “Na mesma linha, Luciano Martins Mattos de Souza preleciona que será permitida ‘a delegação a entidades componentes da administração indireta, desde que tenham personalidade jurídica de direito público e criadas para tal fim’ (em ‘Da impossibilidade de delegação das atividades de trânsito a particulares’, publicado em Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 98, p. 193). “No entanto, apesar desses respeitáveis posicionamentos, não parece que a Constituição Federal tenha, em algum momento, vedado a delegação do exercício do poder de polícia. A exigência é que tal atividade seja regulada por lei, até mesmo por força do disposto no art. 5°, II, da Constituição Federal, mas, uma vez existente ato normativo com origem parlamentar, nada impede que a entidades da administração indireta seja atribuída competência para tal atividade. “O entendimento diverso parece levar a conseqüências extremadas o mero reconhecimento da existência de atividades típicas de Estado, sem que se preste atenção a modalidades contemporâneas de atuação do Poder Público, em que até mesmo a cooperação com a sociedade civil organizada e a iniciativa privada vem sendo desenvolvida. Se assim é, com mais razão se haverá de acolher a possibilidade de entidades privadas, mas criadas pelo Estado, atuarem em atividades primárias deste. “José dos Santos Carvalho Filho, por exemplo, não vislumbra nenhum problema na delegação do exercício de poder de polícia a entidades da administração indireta com natureza jurídica privada, desde que seja feita ‘por lei formal’ (em ‘Manual de Direito Administrativo’, Lumen Juris, 1999, p. 52). 8 U TRIB IÇ A PODER JUDICIÁRIO L DE JU ST ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL NA TRIBUNAL DE JUSTIÇA RS CEZD Nº 70049790009 2012/CÍVEL “No mesmo sentido, parecer foi emitido por Eugênio Noronha Lopes (publicado em revista de Direito da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro 39/281). “José Afonso da Silva, analisando a situação da Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo S/A (EMPLASA), entidade paraestatal que exercia poder de polícia ambiental, conclui que ‘nada impede que, mediante lei especial, se outorgue à Empresa competência nessa matéria diretamente ou por decreto devida e especificamente autorizado naquela lei’ (parecer publicado em Revista de Direito Administrativo 132/241). Cuida o autor da evolução que o conceito de poder de polícia vem tendo, principalmente com o incremento da ação intervencionista estatal. Aponta também inúmeras entidades paraestatais que, no Brasil, já vinham exercendo tal atividade, por delegação, sem qualquer questionamento (EMBRATUR, BNH, ECT...). “Também Hely Lopes Meirelles tratou da questão da delegação de poder de polícia ambiental, no caso, à Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental, sociedade por ações criada pelo Estado de São Paulo. Conclui o renomado autor que, sendo a delegação vertida em lei, nada impede o exercício de poder de polícia por entidade paraestatal (em ‘Estudos e Pareceres de Direito Público’, v. VI, Malheiros, 1982, p. 261/277). “Celso Antônio Bandeira de Mello chega, inclusive, a sustentar a possibilidade de que ‘certos atos materiais que precedem atos jurídicos de polícia’ sejam praticados por particulares em decorrência de simples contratos de prestação, como ocorre na fiscalização de normas de trânsito mediante equipamentos fotossensensores pertencentes a empresas privadas não estatais (em ‘Curso de Direito Administrativo’, Malheiros, 2002, p. 714). “Vê-se, assim, que a questão é tormentosa. Contudo, é de reconhecer-se a primazia do Poder Legislativo na concretização da Constituição. 9 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO IÇ A TRIB U L DE JU ST NA TRIBUNAL DE JUSTIÇA RS CEZD Nº 70049790009 2012/CÍVEL “Com efeito, a Constituição, vazada, na maioria das vezes, através de princípios, é caracteristicamente aberta, já que não apresenta sentidos ‘congelados’ que impeçam a atuação conformadora do Poder Legislativo. “Desde que preservados, no plano material, o conteúdo essencial dos direitos fundamentais e o significado mínimo de base dos enunciados normativos, há que ser respeitada a deliberação parlamentar. “Nesse sentido, a precisa lição de Hans Peter Schneider: ‘Sólo cuando una disposición de los poderes públicos infringe la Constitución 'a primera vista', 'de modo recognoscible para todo hombre', 'abiertamente', 'inequivocamente', 'sin duda', es declarada anticonstitucional. En todos los demás casos, los órganos controlados pueden apelar a la presunción de 'corrección funcional' a su favor.’ (em ‘Democracia y Constitución’, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1991, p. 204) “Não parece que a Lei Fundamental brasileira contenha dispositivo que ampare a pretensão da proponente, o representante, mesmo que indiretamente. Havendo lei tratando da delegação, e sendo o surgimento da EBTC autorizado, pela via legislativa, pelo próprio Município, que é quem cria a empresa em última análise, não se vislumbra risco aos princípios da moralidade e da impessoalidade, nem afetação de atividades típicas de Estado.“ Havendo decisão do Órgão Especial a respeito do tema similar, entendo desnecessária nova análise sobre o tema porque inexistente qualquer fato relevante a autorizar a modificação do entendimento havido no julgamento da Adin em questão, perfeitamente aplicável ao presente caso. 10 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO IÇ A TRIB U L DE JU ST NA TRIBUNAL DE JUSTIÇA RS CEZD Nº 70049790009 2012/CÍVEL Não obstante a posição do Egrégio STJ, referido no voto que encaminha a suscitação do incidente, a matéria é constitucional e é cediço que o controle da constitucionalidade não é feito pelo STJ e sim pelo STF, observado o caso. A relação jurídica dos empregados da EPTC, por sua vez, em nada altera a questão, podendo os mesmos exercer suas funções normalmente, em situação similar a de funcionários estatutários que não adquiriram a estabilidade constitucional, que igualmente podem exercer o atividade fiscalizatória, como, por exemplo, na área fiscal ou ambiental, aplicando as respectivas sanções, sem que a falta de estabilidade importe em qualquer nulidade, não sendo o ponto , no meu sentir, relevante da questão. Por final, importante referir que a matéria já foi analisada judicialmente em relação à EPTC, em sede de ação popular, julgada improcedente, sentença confirmada pela 4ª Câmara Cível, Relator Des. Araken de Assis: ADMINISTRATIVO. TRÂNSITO. PODER DE POLÍCIA. DELEGAÇÃO À EMPRESA PÚBLICA. POSSIBILI DADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE. AUSÊNCIA DE OFENSA. 1. Não padece de nulidade a sentença que, apreciando os fundamentos de fato e de direito alegados pelas partes, julga a lide sem desbordar dos seus limites. Preliminar rejeitada. 2. Em que pesem as divergências doutrinárias a respeito, a Constituição Federal não veda a delegação do poder de polícia a entidades integrantes da Administração Indireta, desde que regulada por lei. Dessa forma, não é inconstitucional o art. 10 da Lei 8.133/98, do Município de Porto Alegre, que conferiu o poder de polícia em matéria de trânsito à Empresa Pública de Transporte e Circulação EPTC. Ausência de ofensa ao princípio da 11 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO IÇ A TRIB U L DE JU ST NA TRIBUNAL DE JUSTIÇA RS CEZD Nº 70049790009 2012/CÍVEL moralidade, decorrente do fato de que o êxito e o progresso da atividade econômica da empresa privada depende da existência e do aumento das infrações, em virtude do óbvio fato de que a ausência de infrações de trânsito, cumprindo os motoristas a lei, conduziria à liquidação da empresa. Em lugar de pregar a extinção da empresa encarregada do poder de polícia de trânsito, parece melhor insistir que todos, sem exceção, precisam cumprir as normas de trânsito, submetendo-se ao império da lei. Na ação popular o autor somente responde pelos ônus da sucumbência se comprovada má-fé (art. 5º, LXXII, CF/88). 3. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70017122581, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Araken de Assis, Julgado em 22/11/2006) Desta forma, tratando-se de atividade delegada com amparo em norma, consoante visto, exercida por empresa de economia mista com capital exclusivamente público, observada sua composição acionária, não há qualquer nulidade no artigo 9º da Lei 8133/98 do município de Porto Alegre, razão pela qual voto no sentido de não suscitar o incidente de inconstitucionalidade em questão. “ Em face disto, não há como se acolher o presente incidente, pelos motivos expostos, razão pela qual, inexistente qualquer inconstitucionalidade no artigo 9º da norma municipal referida, julgo improcedente o presente incidente e, após o respectivo trânsito em julgado, devem os autos retornar à Câmara de origem para a continuidade do julgamento de mérito porque decidida a questão constitucional suscitada, à qual o órgão fracionário não dispunha de competência para dirimir. É como voto. DES. GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a). 12 U TRIB IÇ A PODER JUDICIÁRIO L DE JU ST ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL NA TRIBUNAL DE JUSTIÇA RS CEZD Nº 70049790009 2012/CÍVEL DES. UMBERTO GUASPARI SUDBRACK – De acordo com o Relator. DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO – De acordo com o ínclito Relator, pois compartilho do mesmo entendimento quanto à matéria em análise. DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA – Estou acompanhando o Eminente Relator, permitindo-me transcrever parte do voto que proferi na AC nº 70047233663: “Por certo, o tema relativo à legitimação da EPTC, quanto à aplicação de multas de trânsito, afigura-se perdifícil, suscitando inquietações doutrinárias e, modo especial, jurisprudenciais. Desde logo, como muito bem posto na contestação, há de se estabelecer nítida distinção entre a EPTC e a BHTRANS, entidade a que se refere o julgamento do RE nº 817.534-MG, MAURO CAMPBELL MARQUES. É que a empresa mineira tem permissão, pela lei que a instituiu (Lei Municipal nº 5.953/91), de participarem de seu capital entidades de direito privado da administração indireta (art. 4º, § 1º, II) e, com isso, inerente atração ao lucro, o que foi realçado no julgamento do Superior Tribunal de Justiça (veja-se o item 6 da ementa). Enquanto isso, a EPTC não pode possuir, por disposição legal, qualquer participação de particulares na constituição de seu capital social, integrado apenas pelo Município de Porto Alegre e pelo Departamento Municipal de Limpeza Urbana. 13 U TRIB IÇ A PODER JUDICIÁRIO L DE JU ST ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL NA TRIBUNAL DE JUSTIÇA RS CEZD Nº 70049790009 2012/CÍVEL Aliás, não por outra razão tem sido reconhecida a sua imunidade tributária, seja quanto a tributos estaduais, como federais, como se vê da AC nº 70036781946, PEDRO LUIZ RODRIGUES BOSSLE, de cujo voto retiro a seguinte parte: “Conforme se vê da Lei Municipal nº 8.133/98 (fls. 47/59) e da Assembléia Geral de Constituição (fls. 60/71), a EPTC é uma empresa pública que tem por acionistas exclusivamente o Município de Porto Alegre e o Departamento Municipal de Limpeza Urbana, que é uma autarquia municipal, tendo por objetivo a “operação, controle e fiscalização do Sistema de Transporte Público e de Circulação – STPC, em especial a fiscalização do trânsito e a gestão da Câmara de Compensação Tarifária – CCT do serviço de transporte coletivo”. Exsurge dos documentos juntados às fls. 221/236 (da ação de repetição de indébito) que a União tem reconhecido a imunidade recíproca em relação à requerente, em face do desempenho de serviço público em situação de monopólio econômico. Diante disso, considerando que o serviço prestado pela EPTC é eminentemente de interesse público, executando atividades puramente administrativas, possível a aplicação da imunidade tributária recíproca, o que implica a não incidência do IPVA sobre os veículos de propriedade da empresa pública.” Por isso, a compreensão de ser a sua personalidade jurídica de direito privado destinada, especificamente, a relações jurídicas distintas daquela derivada do exercício do poder de polícia do trânsito, que é a sua razão essencial de existir (art. 10, Lei Municipal nº 8.133/98), submissa esta ao regramento do direito público, permite aceitar-se a legitimação da atuação fiscalizatória e sancionatória da EPTC. Com o que, ao exercerem tal atividade, seus agentes estão dotados da presunção de legitimidade peculiar aos agentes públicos no exercício de função pública. 14 U TRIB IÇ A PODER JUDICIÁRIO L DE JU ST ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL NA TRIBUNAL DE JUSTIÇA RS CEZD Nº 70049790009 2012/CÍVEL Aliás, o mesmo apelante já teve apreciada situação absolutamente idêntica, na AC nº 70045719382, DENISE DE OLIVEIRA CEZAR, cujos fundamentos permito-me transcrever: “A questão já foi submetida à Segunda Câmara Cível, que desproveu o agravo n. 70038333126 (fls. 101-189): Esta Corte possui entendimento no sentido de que a EPTC, muito embora tenha personalidade jurídica de direito privado, possui competência para fiscalizar, autuar e aplicar medidas administrativas em razão do cometimento de infrações de trânsito, investida que está no exercício de poder de polícia administrativa. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL Nº 70030060859, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ARNO WERLANG, JULGADO EM 25/11/2009 APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. MULTA DE TRÂNSITO. EPTC. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. OCORRÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. NÃO CABIMENTO. 1. Os Municípios estruturados para a execução das normas de trânsito, ainda que o façam através de empresas privadas, exercem competência delegada pela União de executar a fiscalização do trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis por infração de circulação, estacionamento e para as previstas no Código Nacional de Trânsito. E o fazendo, atuam investido no exercício regular do poder de polícia, eminentemente de caráter público, regulado por normas jurídicas de direito público, e não do Direito Civil, inclusive no que concerne à prescrição. 2. Transcorridos mais de cinco anos entre a ciência do ato administrativo e o ajuizamento da demanda, queda prescrita a pretensão da parte autora, consistente na desconstituição do procedimento que levou à aplicação da penalidade. 3. Confirmada a sentença, não há falar em majoração da verba honorária. APELAÇÃO DESPROVIDA. APELAÇÃO CÍVEL Nº 70026249235, VIGÉSIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO, JULGADO EM 24/09/2008 APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. 1 - Pedido de restituição sem, entretanto, fazer pedido expresso de anulação do procedimento administrativo na petição inicial. 15 U TRIB IÇ A PODER JUDICIÁRIO L DE JU ST ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL NA TRIBUNAL DE JUSTIÇA RS CEZD Nº 70049790009 2012/CÍVEL 2 - O ônus da prova de que não cometeu a infração (uso do cinto de segurança), no caso, é do apelante, porquanto o AIT série n. 812898, ainda que sem a assinatura do infrator, faz prova, por si só, do cometimento da infração descrita no art. 167 do CTB. 3 - A assinatura do auto de infração é recomendada pelo CTB, mas não é imprescindível. A autuação em flagrante apenas documenta a presença no local ou vale como notificação do cometimento da infração e não para fins de defesa. 4 - A EPTC, quando aplica multa pela prática de infrações de trânsito, desenvolve típica atividade pública, consistente no exercício do poder de polícia administrativa, submetendo-se ao regime jurídico-administrativo. 5 - Os empregados da EPTC, independentemente de serem estatutários ou celetistas, são servidores públicos e seus atos gozam de presunção de legitimidade, como todos os atos administrativos. RECURSO DESPROVIDO. APELAÇÃO CÍVEL Nº 70021798293, VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA, JULGADO EM 28/10/2007 APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO. AÇÃO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. NULIDADE. SANÇÃO. PRESCRIÇÃO. EMPRESA PÚBLICA. 1. A polícia administrativa do trânsito é atividade pública típica submetida ao regime jurídico administrativo. As sanções aplicadas pela prática de infrações ao trânsito são disciplinadas pelas normas de direito público. 2. A EPTC - Empresa Pública de Transporte e Circulação - é sociedade anônima criada pelo Município de Porto Alegre que tem por objeto o exercício do poder de polícia do trânsito confiado aos Municípios pelo Código Nacional de Trânsito. Conquanto tenha personalidade de direito privado, a polícia administrativa do trânsito executada pela EPTC submete-se às normas de direito público, não se aplicando as normas do Código Civil. 3. O prazo da prescrição da ação para desconstituição de multa administrativa aplicada por infração ao trânsito e repetição do valor pago é de cinco anos. Precedentes do STJ. Decorridos mais de cinco anos a contar do encerramento do processo administrativo que impôs a penalidade, é de ser reconhecida prescrição. Cabia ao autor comprovar causa interruptiva ou suspensiva da prescrição. Negado seguimento ao recurso por ato do Relator. Art. 557 do Código de Processo Civil. Quanto à hierarquia funcional e aos poderes do autuador da infração é expressa também a legislação ao atribuir a competência para a autuação ao agente da autoridade, que poderá ser policial militar ou servidor civil, estes estatutários ou celetistas, ao dispor no art. 280, § 4º, que: 16 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO IÇ A TRIB U L DE JU ST NA TRIBUNAL DE JUSTIÇA RS CEZD Nº 70049790009 2012/CÍVEL O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência. Ao agente de trânsito, é dada a competência para fiscalizar e lavrar o auto de infração de trânsito. A ele, portanto, não compete a aplicação da penalidade decorrente da infração, mas somente a notificação da autuação de infração de trânsito nas hipóteses de flagrante. Cabe exclusivamente à autoridade de trânsito julgar o auto de infração lavrado pelo agente, para, posteriormente, aplicar a penalidade correspondente. Consequentemente, submetida a empresa às normas de direito público, uma vez que investida no exercício de polícia administrativa de trânsito, seus atos gozam de presunção de legitimidade.” TODOS OS DEMAIS DESEMBARGADORES VOTARAM DE ACORDO COM O RELATOR. DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA - Presidente - Arguição de Inconstitucionalidade nº 70049790009, Comarca de Porto Alegre: "À UNANIMIDADE, JULGARAM IMPROCEDENTE O INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE." 17