Estado e Sociedade Civil Organizada

Propaganda
BCH - BPP - Estado e Sociedade Civil Organizada
AULA 3
ESTADO, SOCIEDADE CIVIL E PARTICIPAÇÃO
Referência bibliográfica:
ESTADO, SOCIEDADE CIVIL E PARTICIPAÇÃO - AVRITZER, L. SOCIEDADE CIVIL, INSTITUIÇÕES
PARTICIPATIVAS E REPRESENTAÇÃO: DA AUTORIZAÇÃO À LEGITIMIDADE DA AÇÃO. DADOS –
REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS, RIO DE JANEIRO, VOL. 50, N. 3, 2007.
DAGNINO, EVELINA. “¿SOCIEDADE CIVIL, PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA: DE QUE ESTAMOS
FALANDO?”EN DANIEL MATO (COORD.), POLÍTICAS DE CIUDADANÍA Y SOCIEDAD CIVIL EN
TIEMPOS DE GLOBALIZACIÓN. CARACAS: FACES, UNIVERSIDAD CENTRAL DE VENEZUELA, PP.
95-110, 2004.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA
Leonardo Avritzer
 A participação política no Brasil democrático tem sido marcada por dois
fenômenos importantes: a ampliação da presença da sociedade civil nas
políticas públicas e o crescimento das chamadas instituições
participativas.

Diversos atores pertencentes a esse campo político reivindicaram, desde o
final do período autoritário, uma maior presença em instituições
encarregadas da deliberação sobre políticas públicas nas áreas da saúde,
assistência social e políticas urbanas.

À medida que o envolvimento da sociedade civil nas políticas sociais
aumentou, um problema tornou-se inescapável: o surgimento de novas
formas de representação ligadas a ela.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA

As instituições participativas que emergiram no Brasil democrático
implicaram em um aumento da representação, seja pelo fato de que os
próprios atores sociais passaram a se denominar representantes da
sociedade civil, seja por que o Estado passou a lidar institucionalmente
com uma representação oficial da sociedade civil.

Dois aspectos diferenciariam a representação nas instituições
participativas da parlamentar: em primeiro lugar, não há o requisito
explícito da autorização, tal como elaborado por Hobbes e, posteriormente,
desenvolvido por Hanna Pitkin. Em segundo lugar, não há estrutura de
monopólio territorial na representação realizada por atores da sociedade
civil, assim como não há o suposto de uma igualdade matemática entre os
indivíduos que dão origem à representação.

Na maior parte das vezes, a representação da sociedade civil é um
processo de superposição de representações sem autorização e/ou
monopólio para o exercício da soberania.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA





Hanna Pitkin trabalha o pressuposto da autorização, a vinculação entre
representação e eleição, a ideia do monopólio e o argumento da
territorialidade.
Hobbes introduz o termo ação para designar todos os atos pelos quais os
autores têm responsabilidade, a qual pode ser tanto direta quanto
transferida por um ato explícito de autorização. Hobbes reduz o problema
da representação ao problema da autorização e gera uma vertente dentro
da teoria democrática que irá se preocupar com apenas uma questão:
teria o ator ou agente político a autorização para agir em nome dos
representados?
Em quais condições os indivíduos podem representar outros indivíduos
com legitimidade?
Hobbes estava interessado unicamente em estabelecer que o ato de
transferência da autoria é um ato legítimo e, enquanto tal, capaz de fundar
o poder soberano legítimo.
A política carece tanto do ator que age limitado pela autorização recebida
e ao qual nos habituamos a chamar de representante quanto do ator livre
que, ao invés de delegar a representação dos seus atos, decide
responsabilizar-se por eles.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA



O contrato social, nesse caso, constitui um ato meramente hipotético. Uma
teoria sobre o revezamento dos governantes no poder, teoria esta que tem
origem no republicanismo. O republicanismo europeu jamais trabalhou
com o conceito de eleição e sim com a ideia do sorteio enquanto fundante
do revezamento dos indivíduos no poder. Em vez da legitimidade do
revezamento dos indivíduos no poder, a teoria da representação passou a
se preocupar com que aquele que ocupasse o poder detivesse a
autorização de todos os indivíduos, transformando a representação em
uma forma de governo.
Na sua origem, a representação na política moderna envolve a ideia de
representação por afinidade, dimensão paulatinamente substituída pela
ideia de monopólio da representação no interior do território. Na medida
em que o conceito monopolista entrou em crise, diversos autores
lançaram outros tipos de entendimento.
O governo representativo não pode ser reduzido à representação eleitoral.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA



Gurza Lavalle, Houtzager e Castello vão defender uma concepção de
representação virtual baseada em Burke.
Relacionam os seus problemas atuais a uma dualidade constitutiva entre
a formação da vontade e sua institucionalização.
“[…] a autonomia do representante versus o mandato dos
representados, o componente institucional legal da representação
versus o seu componente substantivo ou de formação da vontade, o
peso da delegação ou elemento fiduciário versus o peso da
autorização ou elemento do consentimento […]” (Gurza Lavalle,
Houtzager e Castello, 2006:56, ênfases no original).
No debate sobre a forma de representação instituída pela sociedade civil,
Burke tenta estabelecer a legitimidade da representação não-eleitoral
realizada pelos reis europeus. Não existe qualquer dúvida de que, nessa
discussão, ele foi derrotado e que o modelo inglês de legitimação da
monarquia pelo Parlamento se generalizou para a Europa como um todo.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA
Nadia Urbinati vai propor uma forma não-eleitoral de representação
baseada na ideia de Condorcet de extensão temporal.
 A autora lança luz sobre as formas não-eleitorais, mas legítimas de
representação política. A questão que se coloca é: como justificar a
legitimidade dessas novas formas de representação?
 A eleição é uma entre as múltiplas dimensões da representação e da
relação entre Estado e sociedade civil.
“No momento em que as eleições se tornaram um requisito indispensável e
solene da legitimação política e da designação de magistrados, Estado e
sociedade civil não puderam mais ser separados, e o desenho das fronteiras
separando e conectando as suas esferas de ação tornou-se uma questão a
ser permanentemente negociada e reajustada”(idem, tradução do autor).
 O problema da representação contemporânea está ligado à evolução das
práticas políticas que tornam sua modalidade eleitoral uma maneira
relevante, mas incapaz de dar conta da totalidade das relações de
representação entre os atores sociais e o Estado.

ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA



Na formulação bastante conhecida do “Contrato Social”, Rousseau diz que
o indivíduo ou é livre para exercer a sua própria soberania ou ele a delega
a um outro e, ao fazê-lo, torna-se um escravo. Boa parte das teorias da
participação política estão baseadas no contraste proposto por Rousseau,
que, na verdade, tem como modelo não a representação pública e sim a
forma contratual e privada de alienação de direitos (Urbinati, 2003).
Ele não consegue evoluir de um modelo privado para um público e se
prende a uma forma elementar de não-delegação da soberania.
O elemento novo da crítica de Urbinati seria uma tentativa de integrar a
eleição no interior de um conceito mais amplo de julgamento político que
envolveria outras temporalidades e outras formas não-eleitorais de
representação e até mesmo a possibilidade da revogação da autorização
concedida. Mas ela não consegue pluralizar as fontes que geram o
julgamento político de modo a integrar as novas formas de participação ao
conceito que ela propõe.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA




A tentativa de John Dryzek de defender uma ideia de representação
discursiva.
Pensar a possibilidade de criação de uma câmara de discursos que exista
ao lado das formas de representação dos indivíduos. Seria necessário
identificar um conjunto de discursos diferentes e dar a eles vazão em uma
câmara onde estivessem em oposição uns contra os outros.
Equivocadamente ele supõe que a sociedade civil se limita à advocacia de
ideias quando, na verdade, se percebe cada vez mais um associativismo
ligado a interesses e valores e propostas específicas de políticas públicas.
Dryzek ignora que a maior parte das vezes nas quais a sociedade civil está
exercendo funções de representação, ela está apoiada em organismos
deliberativos com os quais divide prerrogativas com membros do Poder
Executivo e, portanto, a criação de uma câmara unicamente discursiva
não resolveria o problema da legitimidade da representação. A questão
seria justificar ou negar a representação específica que a sociedade civil
exerce em arenas deliberativas.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA
A DIMENSÃO NÃO-ELEITORAL DA REPRESENTAÇÃO: A REPRESENTAÇÃO POR
AFINIDADE
 No caso da soberania centrada no Estado moderno, tudo indica que a sua
crise é inexorável, sendo causada por um enfraquecimento paulatino do
Estado e pelo papel cada vez maior de instituições internacionais no
campo da economia e das trocas internacionais. Em todos esses casos, a
presença de atores com origem fora do Estado nacional é inevitável. Já, no
caso da representação, a questão é como reconstruí-la de modo a integrar
seu elemento eleitoral com as diversas formas de advocacia e
participação que têm origem extra-eleitoral.
 Organizações não governamentais que trabalham causas fora dos seus
estados nacionais defendem atores que não as indicaram para tal função,
como é o caso da Anistia Internacional ou do Greenpeace. Aí, a advocacia
de temas parece prescindir da escolha ou de qualquer outro tipo de
autorização.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA



Organizações de direitos das mulheres defendem a autonomia das
mulheres em países nos quais elas não têm direito e, se consultadas,
provavelmente diriam que não são a favor desses direitos.
Em todas essas circunstâncias, não é a autorização, e sim a afinidade ou
identificação de um conjunto de indivíduos com a situação vivida por
outros indivíduos que legitima a advocacia. O que as ONGs internacionais
estão representando é um discurso sobre os direitos das mulheres em
geral e não um conjunto específico de pessoas.
Organizações criadas por atores da sociedade civil e que lidam por muito
tempo com um problema na área de políticas sociais tendem a assumir a
função de representantes da sociedade civil em conselhos ou outros
organismos encarregados das políticas públicas. Uma forma coletiva e
não-institucionalizada de ação que gera a representação. Não possui as
características da igualdade matemática da soberania, tão cara à ideia de
representação eleitoral, e não possui o elemento monopolista territorial na
medida em que partilha a capacidade de decisão com outras instituições
presentes no território.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA

O importante em relação a essa forma de representação é que ela tem
sua origem em uma escolha entre atores da sociedade civil, decidida
frequentemente no interior de associações civis. Estas exercem o papel de
criar afinidades intermediárias, isso é, elas agregam solidariedades e
interesses parciais.

O que fornece a legitimidade da representação por afinidade? A
legitimidade do representante entre outros atores que atuam da mesma
maneira que ele. A pragmática da legitimação é diferente, na medida em
que a legitimação se dá pela relação com o tema. É ela que gera a
legitimidade e não o contrário, como na representação eleitoral.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA

O importante em relação a essa forma de representação é que ela tem
sua origem em uma escolha entre atores da sociedade civil, decidida
frequentemente no interior de associações civis. Estas exercem o papel de
criar afinidades intermediárias, isso é, elas agregam solidariedades e
interesses parciais.

O que fornece a legitimidade da representação por afinidade? A
legitimidade do representante entre outros atores que atuam da mesma
maneira que ele. A pragmática da legitimação é diferente, na medida em
que a legitimação se dá pela relação com o tema. É ela que gera a
legitimidade e não o contrário, como na representação eleitoral.

Quadro pág. 458 e 459.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA
DAGNINO, Evelina
 A implantação em âmbito global do projeto neoliberal trouxe profundas
conseqüências para as sociedades latino-americanas.
 Existência de uma confluência perversa entre um projeto político
democratizante, participativo, e o projeto neoliberal, que marcaria hoje, desde
nosso ponto de vista, o cenário da luta pelo aprofundamento da democracia
na sociedade brasileira.
 O marco formal desse processo é a Constituição de 1988, que consagrou o
princípio de participação da sociedade civil.
 Esse projeto emerge da luta contra o regime militar empreendida por setores
da sociedade civil, entre os quais os movimentos sociais desempenharam um
papel fundamental.
 Reestabelecimento da democracia formal, com eleições livres e a
reorganização partidária, abriu a possibilidade de que este projeto,
configurado no interior da sociedade e que orientou a prática de vários dos
seus setores, pudesse ser levado para o âmbito do poder do Estado, no nível
dos executivos municipais e estaduais e dos parlamentos e, mais
recentemente, no executivo federal, com a eleição de Lula como Presidente da
República.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA



Entre os espaços implementados durante esse período destacam-se os
Conselhos Gestores de Políticas Públicas, instituídos por lei, e os Orçamentos
Participativos, que, a partir da experiência pioneira de Porto Alegre, foram
implementados em cerca de cem cidades brasileiras, a maioria governadas
por partidos de esquerda, principalmente o Partido dos Trabalhadores (PT).
De outro lado, com a eleição de Collor em 1989 e como parte da estratégia do
Estado para a implementação do ajuste neoliberal, há a emergência de um
projeto de Estado mínimo que se isenta progressivamente de seu papel de
garantidor de direitos, através do encolhimento de suas responsabilidades
sociais e sua transferência para a sociedade civil.
Aí a perversidade e o dilema que ela coloca, instaurando uma tensão que
atravessa hoje a dinâmica do avanço democrático no Brasil. Por um lado, a
constituição dos espaços públicos representa o saldo positivo das décadas de
luta pela democratização, expresso especialmente —mas não só— pela
Constituição de 1988, que foi fundamental na implementação destes espaços
de participação da sociedade civil na gestão da sociedade. Por outro lado, o
processo de encolhimento do Estado e da progressiva transferência de suas
responsabilidades sociais para a sociedade civil, que tem caracterizado os
últimos anos, estaria conferindo uma dimensão perversa a essas jovens
experiências.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA





A noção de projetos políticos pode contribuir para superar essa visão
homogeneizadora tanto do Estado quanto da sociedade civil e o
reconhecimento da sua diversidade interna, como base para repensar as suas
relações.
Com a ruptura da momentânea “unidade” da sociedade civil que havia se
construído em torno do restabelecimento do Estado de Direito e das
instituições democráticas.
O avanço da estratégia neoliberal determinou uma profunda inflexão na
cultura política no Brasil e na América Latina.
Ao contrário de outros países do continente, esse projeto, gestado no interior
de uma sociedade civil bastante consolidada, encontra suporte significativo
em vários dos seus setores, tendo sido capaz, como vimos, de inspirar a
criação de novas instituições que abrigassem seus princípios, tais como os
Conselhos gestores, os Orçamentos Participativos, etc.
Grande parte da interlocução entre o projeto neoliberal, que ocupa
majoritariamente o aparato do Estado, com o projeto participativo se dá
justamente através daqueles setores da sociedade civil que se engajam nessa
aposta e passam a atuar nas novas instâncias de participação junto ao
Estado.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA



A redefinição da noção de sociedade civil e do que ela designa talvez tenha
constituído o deslocamento mais visível produzido no âmbito da hegemonia do
projeto neoliberal; por isso mesmo o mais estudado. O crescimento acelerado
e o novo papel desempenhado pelas Organizações Não-Governamentais; a
emergência do chamado Terceiro Setor e das Fundações Empresariais, com a
forte ênfase numa filantropia redefinida; e a marginalização (a que alguns
autores se referem como “criminalização” dos movimentos sociais,
evidenciam esse movimento de redefinição.
Além delas, papel fundamental têm os diferentes governos locais, em todos os
seus níveis (municipal, estadual e federal, no caso brasileiro), que,
dependendo de seus respectivos projetos, buscam parceiros confiáveis e
temem a politização da interlocução com os movimentos sociais e com as
organizações de trabalhadores, uma tendência alimentada pela mídia, com
frequencia por motivos semelhantes.
Com o crescente abandono de vínculos orgânicos com os movimentos sociais
que as caracterizava em períodos anteriores, a autonomização política das
ONG cria uma situação peculiar onde essas organizações são responsáveis
perante as agências internacionais que as financiam e o Estado que as
contrata como prestadoras de serviços, mas não perante a sociedade civil, da
qual se intitulam representantes, nem tampouco perante os setores sociais de
cujos interesses são portadoras, ou perante qualquer outra instância de
caráter propriamente público. Por mais bem intencionadas que sejam, sua
atuação traduz fundamentalmente os desejos de suas equipes diretivas.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA


A questão da representatividade assume facetas variadas e/ou é
entendida de formas diversas por parte de diferentes setores da
Sociedade civil. Por um lado, a capacidade de pressão do Movimento Sem
Terra (MST), por exemplo, se evidencia na realização de protestos e
manifestações de massa que, assim como o número de participantes no
Orçamento Participativo e sua capacidade de mobilização, atestam as
suas respectivas representatividades, entendidas num sentido clássico.
o Estado as vê como interlocutoras representativas na medida em que
detém um conhecimento específico que provém do seu vínculo (passado
ou presente) com determinados setores sociais: jovens, negros, mulheres,
portadores de VIH (Virus de Imunodeficiência Humana), movimentos
ambientais, etc. Portadoras dessa capacidade específica, muitas ONG
passam também a se ver como “representantes da sociedade civil”, num
entendimento particular da noção de representatividade. Consideram
ainda que sua representatividade vem do fato de que expressam
interesses difusos na sociedade, aos quais “dariam voz”.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA


Esse deslocamento da noção de representatividade não é obviamente
inocente nem em suas intenções nem em suas conseqüências políticas.
Seu exemplo mais extremo é a composição do Conselho da Comunidade
Solidária, criado pelo Governo Fernando Henrique Cardoso e centro das
políticas sociais durante seu mandato, onde a representação da sociedade
civil se dava através de convites a indivíduos com alta “visibilidade” na
sociedade, artistas de televisão, pessoas que escrevem com frequencia na
mídia impressa, etc.
Por um lado, a re-significação da participação acompanha a mesma
direção seguida pela reconfiguração da sociedade civil, com a emergência
da chamada “participação solidária” e a ênfase no trabalho voluntário e
na “responsabilidade social”, tanto de indivíduos como de empresas. O
princípio básico aqui parece ser a adoção de uma perspectiva privatista e
individualista, capaz de substituir e redefinir o significado coletivo da
participação social.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA


O papel das chamadas “organizações sociais”, a denominação utilizada na
Reforma Administrativa do Estado, implementada pelo então Ministro Luiz
Carlos Bresser Pereira a partir de 1995, para designar a forma de
participação da sociedade civil nas políticas públicas, instituída pela
Constituição de 1988, se reduz àquela função e é claramente excluído dos
poderes de decisão, reservados ao chamado “núcleo estratégico” do
Estado (Bresser Pereira, 1996).
A então chamada nova cidadania, ou cidadania ampliada começou a ser
formulada pelos movimentos sociais que, a partir do final dos anos
setenta e ao longo dos anos oitenta, se organizaram no Brasil em torno de
demandas de acesso aos equipamentos urbanos como moradia, água, luz,
transporte, educação, saúde, etc. e de questões como gênero, raça, etnia,
etc. Inspirada na sua origem pela luta pelos direitos humanos (e
contribuindo para a progressiva ampliação do seu significado) como parte
da resistência contra a ditadura, essa concepção buscava implementar
um projeto de construção democrática, de transformação social, que
impõe um laço constitutivo entre cultura e política.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA


A nova cidadania assume uma redefinição da idéia de direitos, cujo ponto
de partida é a concepção de um direito a ter direitos. Essa concepção não
se limita a provisões legais, ao acesso a direitos definidos previamente ou
à efetiva implementação de direitos formais abstratos. Ela inclui a
invenção/criação de novos direitos, que surgem de lutas específicas e de
suas práticas concretas. Nesse sentido, a própria determinação do
significado de “direito” e a afirmação de algum valor ou ideal como um
direito são, em si mesmas, objetos de luta política.
A nova cidadania transcende uma referência central no conceito liberal: a
reivindicação ao acesso, inclusão, participação e pertencimento a um
sistema político já dado. O que está em jogo, de fato, é o direito de
participar na própria definição desse sistema, para definir de que
queremos ser membros, isto é, a invenção de uma nova sociedade. O
reconhecimento dos direitos de cidadania, tal como é definido por aqueles
que são excluídos dela no Brasil de hoje, aponta para transformações
radicais em nossa sociedade e em sua estrutura de relações de poder.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA



Essas experiências expressam e contribuem para reforçar a existência de
cidadãos-sujeitos e de uma cultura de direitos que inclui o direito a ser coparticipante em governos locais. Ademais, esse tipo de experiência
contribui para a criação de espaços públicos onde os interesses comuns e
privados, as especificidades e as diferenças, podem ser expostas,
discutidas e negociadas.
Isso implica também a constituição de uma dimensão pública da
sociedade, em que os direitos possam consolidar-se como parâmetros
públicos para a interlocução, o debate e a negociação de conflitos,
tornando possível a reconfiguração de uma dimensão ética da vida social.
As redefinições neoliberais de cidadania repousam sobre um conjunto de
procedimentos. Reduzem o significado coletivo da redefinição de
cidadania anteriormente empreendida pelos movimentos sociais a um
entendimento estritamente individualista dessa noção. Se estabelece uma
sedutora conexão entre cidadania e mercado. Tornar-se cidadão passa a
significar a integração individual ao mercado, como consumidor e como
produtor.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA



A cidadania é identificada com e reduzida à solidariedade para com os
pobres, por sua vez, entendida no mais das vezes como mera caridade:
numa propaganda na televisão, num modelo exaustivamente repetido hoje
no Brasil, uma conhecida atriz brasileira, convidando o público a doar o
equivalente a cinco dólares americanos por mês para um programa de
assistência à criança, termina enfaticamente sua fala dizendo: “Isto é
cidadania!”.
A própria substituição do termo sociedade civil pela importação do termo
Terceiro Setor (o primeiro e o segundo seriam o Estado e o Mercado) para
substituir o de sociedade civil designa o intento de retirar a cidadania do
terreno da política, retomado novamente pelo seu detentor exclusivo: o
Estado.
Com o avanço do modelo neoliberal e a redução do papel do Estado, as
políticas sociais são cada vez mais formuladas estritamente como esforços
emergenciais dirigidos a determinados setores sociais, cuja sobrevivência
está ameaçada. Os alvos dessas políticas não são vistos como cidadãos,
com direitos a ter direitos, mas como seres humanos “carentes”, a serem
atendidos pela caridade, pública ou privada.
Download