1 O funcionário público e o direito de greve Aline Dantas Moreira (Graduanda em Direito pela Universidade Salvador – UNIFACS) Em virtude das constantes dúvidas, tanto por parte de Administradores como de Administrados, acerca do procedimento com relação aos direitos e obrigações dos servidores durante o período de greve, e como agir no caso de servidores em estágio probatório, surgiu-nos a idéia de redigir um artigo para prestar os devidos esclarecimentos. O direito de greve foi estendido ao servidor público por força do inciso VII do art. 37 da Constituição Federal, que assim dispõe, litteris: Art. 37. .... (...) VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; O referido dispositivo constitucional incorporou a recomendação da Convenção nº 151 da OIT (art. 8º), que dispõe sobre a institucionalização de meios voltados à composição dos conflitos de natureza coletiva oriundos da relação de trabalho entre o Poder Público e seus servidores. Todavia, o preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei específica, exigida pelo próprio texto da Constituição. Assim, a mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta para justificar o seu imediato exercício, pois o exercício do direito público subjetivo de greve, outorgado aos servidores civis, só se revelará possível depois da edição da lei reclamada pela Carta Política, que vai definir os termos e os limites do exercício do 2 direito de greve aplicabilidade e no de serviço público, operatividade da constituindo norma requisito inscrita no de texto constitucional. Logo, não se pode falar em direito de greve do servidor público, sem a devida regulamentação legal. Conforme o estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal que, em controle concentrado, decidiu que o “servidor público civil não pode entabular negociação coletiva, celebrar convenção ou acordo coletivo ou ajuizar dissídio coletivo na Justiça do Trabalho” (STF-ADin n. 492-1-DF, Rei. Min. Carlos Veloso, DJU 12.3.93). E este é também o entendimento assente dos tribunais pátrios, acerca desta questão, conforme se destaca a seguir: PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – OMISSÃO – SUPRIMENTO – LEI Nº 5256/66, ART. 736 – NÃO REVOGAÇÃO PELA LEI Nº 7356/80 E NEM PELA LC 10098/94 – 1. A greve de servidor público continuará ilegal enquanto não for editada lei complementar determinada pela Constituição Federal, Art. 37, VII. 2. Cabe ao servidor justificar perante a administração a ausência anotada nos dias de greve, quer para efeito do desconto, quer para que não se compute os dias com o objetivo de retirar-lhes o direito às férias, na forma do Art. 736 da Lei Estadual 5256/66, este que não foi revogado pela Lei 7356/80 e nem pela LC 10098/94. 3. Não existência de ofensa às normas constitucionais consagradas nos Arts. 61, § 1º, II, "c", quanto à competência exclusiva do Presidente da República para leis que disponham sobre servidores públicos; Art. 39, § 2º sobre o direito às férias anuais; Art. 37, VII, sobre o direito à greve. 4. Abonar faltas de servidor público nos dias de greve significa reconhecer a legalidade da greve. 5. Embargos parcialmente acolhidos apenas para suprir omissão quanto ao trato de temas não analisados. (STJ – Ac. 199700558266 – EDROMS 8811 – RS – 5ª T. – Rel. Min. Edson Vidigal – DJU 20.03.2000 – p. 00081, grifos nossos) ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – SERVIDOR PÚBLICO – DIREITO DE GREVE – DESCONTOS DOS DIAS PARADOS – LEGALIDADE – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 1. O direito de greve previsto no artigo 37, VII, da CF, depende de regulamentação por lei complementar. 2. Na ausência da referida lei, é legal o desconto dos dias não trabalhados. 3. Recurso ordinário improvido. (STJ – RO-MS 5865 – MG – 6ª T. – Rel. Min. Anselmo Santiago – DJU 07.12.1998 – p. 112, grifos nossos) CONSTITUCIONAL – COMPETÊNCIA – SERVIDOR PÚBLICO – DIREITO DE GREVE – CF/88, ART 37, VII – EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR REGULAMENTADORA – 1. Para dirimir os litígios entre município e os respectivos servidores competente é a justiça comum estadual. Precedente do STJ. 2. A greve de servidor público continuará ilegal enquanto não for editada lei complementar 3 determinada pela Constituição Federal, art. 37, VII. 3. Recurso conhecido e negado. (STJ – RO-MS 2503 – PB – 5ª T. – Rel. Min. Edson Vidigal – DJU 08.02.1999 – p. 280, grifos nossos) CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO EXERCÍCIO SOB RESSALVAS – CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 9º, PARÁGRAFO 1º, E ART. 37, VII – I. Mesmo não disciplinadas as ressalvas ao direito de greve do servidor público, o seu exercício encontra limite nos demais direitos e garantias constitucionais. II. O direito de greve não é um sobredireito, não podendo o seu exercício obstar o livre exercício das atividades econômicas. III. Remessa oficial a que se nega provimento. (TRF 1ª R. – REO 01269775 – BA – 4ª T. – Relª Juíza Vera Carla Cruz – DJU 19.11.1998 – p. 154, grifos nossos) No mesmo sentido: STF (DJU, Seção I, ed. de 01.08.1990, p. 7056/7057, Rel. Ministro Carlos Velloso) e STJ (RMS 669-PR, 1ª Turma, julgado em 06.05.1991, Rel. Ministro Geraldo Sobral) Saliente-se que as disposições da Lei nº 7783/89, conhecida como a “Lei de Greve” não são aplicáveis aos servidores públicos estatutários, pois, a despeito do entendimento de alguns juristas pátrios, destina-se a penas àqueles servidores submetidos ao regime da CLT. Aliás, o próprio diploma legal confirma, em seu art. 16, as disposições constitucionais acerca dos servidores públicos, senão vejamos: Art. 16. Para os fins previstos no artigo 37, inciso VII, da Constituição, lei complementar definirá os termos e os limites em que o direito de greve poderá ser exercido. ( lei nº 7783/89). A jurisprudência pátria vem acompanhando este entendimento assim decidindo: DIREITO DE GREVE – SERVIDOR PÚBLICO – JUSTA CAUSA – SERVIÇOS ESSENCIAIS – Diante da inexistência de lei complementar a disciplinar o direito de greve para os servidores públicos, a Lei nº 7.783/89 é inaplicável por expressa previsão. Demitido o servidor por justa causa em razão de paralisação de serviços essenciais à coletividade, apurada a falta em competente inquérito com direito à ampla defesa, não há falar em desconsideração da despedida motivada. (TRT 15ª R. – Proc. 14839/98 – 4ª T. – Rel. Juiz Laurival Ribeiro da Silva Filho – DOESP 27.04.1999 – p. 85, grifos nossos) DIREITO DE GREVE – SERVIDOR PÚBLICO – NÃO FOI EDITADA LEI COMPLEMENTAR DISCIPLINANDO O DIREITO DE GREVE PARA OS SERVIDORES PÚBLICOS – A lei sete mil setecentos e oitenta e três de oitenta e nove é inaplicável aos servidores públicos por expressa previsão. Indevido o pagamento dos dias não 4 trabalhados. Revista conhecida e provida. (TST – RR 140905/1994 – 3ª T. – Rel. Min. Antônio Fabio Ribeiro – DJU 13.06.1997 – p. 27126, grifos nossos) Depreende-se, portanto, que, enquanto não for editada lei específica disciplinando o direito de greve dos servidores públicos civis, o movimento paredista destes configura-se ilegítimo, ou seja, ilegal, podendo a administração pública adotar as medidas disciplinares pertinentes a exemplo do desconto dos dias parados e demais outras sanções previstas no Regime Jurídico Único, até mesmo a exoneração em caso de cometimento de falta grave em razão do movimento grevista, segundo o entendimento dos Tribunais superiores do país: DIREITO DE GREVE – SERVIDOR PÚBLICO – REGULAMENTAÇÃO – LEI COMPLEMENTAR – DESCONTOS DOS DIAS NÃO TRABALHADOS – A jurisprudência pretoriana vem se firmando no sentido de não ser auto-aplicável o direito inscrito no art. 37, VII, da Constituição Federal, dependendo, para seu amplo exercício, regulamentação disciplinada em lei complementar. Legitimidade do ato que promove o desconto dos dias não trabalhados. (STJ – RMS 4.538 – SC – 6ª T. – Rel. Min. William Patterson – DJU 27.11.1995, grifos nossos) FUNCIONÁRIO PÚBLICO – DIREITO DE GREVE – FALTAS AO SERVIÇO – Legitimidade do desconto mandado proceder, tanto porque o direito de greve pende da regulamentação complementar prevista no art. 37, VII, da CF, como porque, em ultima hipótese, legalizarem-se tais faltas, cumpria ao servidor justificá-las à Administração. (STJ – RMS 2.681 – SC – 5ª T. – Rel. Min. José Dantas – DJU 02.08.1993, grifos nossos) GREVE – DE SERVIDOR PÚBLICO CIVIL – CARACTERIZAÇÃO DE FALTA GRAVE – Como o dispositivo constitucional que assegura o direito de greve aos servidores públicos civis tem eficácia limitada, o citado direito não pode ser exercitado. Os dias de paralisação correspondem a faltas injustificadas, e o não atendimento da convocação para retorno aos serviços constitui ato de indisciplina, circunstâncias suficientes para autorizar a rescisão motivada. Nesse contexto, a participação do servidor na greve, constitui falta grave, e a dispensa não depende da instauração de inquérito administrativo, podendo ser apurada em procedimento sumário, mesmo tratando-se de servidor estável. (TRT 15ª R. – Proc. 3172/97 – 2ª T. – Rel. Juiz Mariane Khayat – DOESP 27.07.1998 – p. 56, grifos nossos) DIREITO DE GREVE – SERVIDOR PÚBLICO – NÃO FOI EDITADA LEI COMPLEMENTAR DISCIPLINANDO O DIREITO DE GREVE PARA OS SERVIDORES PÚBLICOS – A lei sete mil setecentos e oitenta e três de oitenta e nove é inaplicável aos servidores públicos por expressa previsão. Indevido o pagamento dos dias não trabalhados. Revista conhecida e provida. (TST – RR 140905/1994 5 – 3ª T. – Rel. Min. Antônio Fabio Ribeiro – DJU 13.06.1997 – p. 27126, grifos nossos) Tal entendimento dos tribunais pátrios decorrem do fato da já referida Lei 7783/89, em seu art. 7°, dispor que a greve implica em suspensão das relações jurídicas individuais de trabalho, nos seguintes termos: "Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho" (grifos nossos). No que se refere aos servidores em estágio probatório, a sua participação em movimento grevista acarreta avaliação negativa de sua conduta no serviço público, podendo ensejar a sua exoneração antes do término do estágio, instaurado o competente processo administrativo disciplinar. Em conclusão, temos que ao servidor público somente será possível e legal a deflagração de greve após editada lei específica, seja na esfera Federal, Estadual ou Municipal, posto que a Lei nº 7783/89 (Lei de Greve) não se aplica aos servidores públicos estatutários, conforme disposição expressa. Desta forma, servidores públicos que participarem de movimento grevista estão sujeitos a aplicação de sanções disciplinares, apuradas em devido processo administrativo, por falta injustificada ao trabalho, podendo ser descontados os dias não trabalhados. 6 Bibliografia BONAVIDES, Paulo. Curso de direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. FLEMING, Gil Messias. Servidores públicos x direito de greve. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 37, dez. 1999. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=382>. Acesso em: 02 nov. 2002 . LEITE, Carlos Henrique Bezerra. A greve do servidor público civil e os direitos humanos. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2612>. Acesso em: 02 nov. 2002. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999.