A CONTROVÉRSIA DO FILONITO Maria José Mesquita1, Márcia Boscato Gomes2, Jefferson Picanço1 1 Instituto Geociências, UNICAMP; 2 Instituto de Geociências, UFRGS. [email protected] Introdução Classificar rochas como filonitos tem importância seminal na definição de zonas de cisalhamento “hidratadas”, onde a pressão de fluidos supera a tensão cisalhante. Pela importância destes sítios em alojar veios de quartzo mineralizados é que os filonitos se tornam importantes guias prospectivos. Zonas de cisalhamento são reconhecidamente importantes em alojar depósitos minerais economicamente viáveis como ouro, prata, platina, chumbo, cobre, zinco, urânio, estanho e fluorita (Mckinstry, 1948). Os primeiros estudos já demostravam que (a) muitas dessas estruturas atuavam como condutos de fluidos mineralizantes, ou (b) eram responsáveis pela remobilização tectônica de depósitos minerais preexistentes. Entretanto somente nos últimos quarenta anos é que se teve uma compreensão melhor das relações genéticas entre o desenvolvimento concomitante do cisalhamento e da migração de fluidos (Sibson, 1975; Kerrich et al. 1987). Sibson et al. (1987) têm demonstrado que as relações entre migração de fluidos e atividade sísmica episódica são de vital importância no desenvolvimento de zonas de cisalhamento mineralizadas, processo cíclico chamado de seismic pumping (Sibson et al. 1975). O grande avanço no entendimento das relações genéticas entre deformação e mineralização deve-se, em parte, pela importância dos fluidos como controladores do comportamento reológico, facilitando o fraturamento de um lado e aumentando a ductibilidade da rocha de outro, pelas quebras químicas dos silicatos por água nos processos chamados de hydrolitic weakening (Fyfe et al. 1978; Rutter, 1972; Cox et al. 1987; Watson & Brenam 1987). A grande diferença entre milonitos e filonitos, os dois tipos de rochas de falha dúcteis, é a quantidade de fluido atuante durante a atividade das zonas de cisalhamento. Zonas de cisalhamento “secas” geram milonitos e ultramilonitos por mecanismos viscosos de deformação (no sentido de Schmid & Handy 1993), enquanto zonas de cisalhamento “hidratadas” geram filonitos por mecanismos de solução por pressão, metassomatismo, alteração hidrotermal, gerando quebra química de minerais como feldspatos. Controvérsia O maior problema posto é a dificuldade em definir rochas à base de micas como filonitos e não como xistos e filitos. Por outro lado, os filonitos são muito mal definidos, mesmo subestimados, nas classificações de rochas de falha mais comumente utilizadas como Sibson, (1977); Wise et al. (1984), o que gera interpretações errôneas. Contudo, a não identificação destas rochas micáceas como filonitos leva a erros de interpretação importantes nos mapas, pois deixa-se de identificar zonas de cisalhamento onde a alteração hidrotermal é um processo fundamental. Muitas faixas de extensão kilométrica e poucos metros de espessura de sequencias metamórficas paraderivadas têm sido reinterpretadas como zonas de filonitos (Mesquita et al. 2006; Mesquita & Fernandes 1991; Mesquita et al. no prelo). Dois contextos geotectônicos parecem importantes na geração de fluidos em zonas de cisalhamento e formação de expressivas faixas de filonitos: (a) zonas de cisalhamento, que delimitam corpos de granitóides de seqüências metamórficas paraderivadas, com os exemplos da Antiforme Setuva no Paraná (Petersohn et al. 2006; Mesquita et al. no prelo) e zonas de cisalhamento de baixo grau metamórfico do Quadrilátero Ferrífero (Hippert 1998; JordtEvangelista et al. 1993); (b) faixas de cisalhamento em granitos a duas micas como no Granito Arroio Francisquinho, região de Quitéria (Mesquita & Fernandes 1991). No primeiro caso os fluidos são gerados pelos metassedimentos, enquanto no segundo caso parece ter sido gerado pelos minerais hidratados como muscovita. Filonitos Os filonitos são rochas geradas em zonas de cisalhamento dúcteis a rúpteis-dúcteis predominantemente por mecanismos de solução por pressão, metassomatismo e hidrotermalismo. Estão incluídos na classificação de Sibson (1977) como milonitos hidratados (ricos em mica). O conteúdo de água dos filonitos, de 2% em peso, é duas vezes maior que o das rochas encaixantes, demonstrando a hidratação considerável das zonas de cisalhamento nesses locais e o papel dessas como condutos para circulação de fluidos (Sibson op. cit.). Robert (1990) estudando depósitos de ouro mesotermais no Abitibi Belt aponta que, quando a deformação é acompanhada por efeitos metassomáticos, filonitos podem ser produzidos em zonas de cisalhamento. Os filonitos são rochas foliadas ou xistosas, e é provável que ocorram em locais preferenciais da zona de cisalhamento onde a pressão de fluidos é igual ou maior que a pressão litostática. Nessas condições, onde o fluido governa a reologia da rocha, é possível ocorrer segregações hidrotermais, induzidas por solução por pressão, gerando os filonitos e rochas ricas em sílica, como quartzo milonitos e veios de quartzo. Transformações químicas na formação dos filonitos A circulação de fluidos em zonas de cisalhamento altera as taxas dos processos químicos e mecânicos, o que influencia os mecanismos de deformação dominantes e reologia da rocha (Hippert 1998) A característica hidrotermal das transformações mineralógicas na formação dos filonitos está na formação de paragêneses cada vez mais simples, culminando com quartzo e micas. A solubilidade da sílica pode ser evidenciada pela formação de quartzo globular, bandamento hidrotermal e formação de veios de quartzo heterogeneamente deformados. O consumo total dos reagentes, feldspatos, em detrimento dos produtos, micas, pode indicar que estas reações ocorreram em desequilíbrio, não tamponadas. Os fluidos levam a um aumento do strain softening da rocha. No caso tanto da Zonas de Cisalhamento Moeda-Bomfim, Quandrilátero Ferrífero (Hippert 1998) como no caso da Antiforme Setuva, Paraná (Mesquita et al. no prelo), dois processos principais parecem ter contribuído para o aumento de strain softening (White et al. 1980): o softening de reação (“amolecimento” por mudanças químicas), que ocorre com os feldspatos; e o enfraquecimento hidráulico (hydrolytic weakening) principalmente em quartzo (Kirby& McCormick 1979). Na zona de cisalhamento Moeda-Bonfim, Hippert (1998) descreve que a formação dos filonitos se dá pela alteração do plagioclásio, em mica branca, epidoto e quartzo, simultaneamente à formação da pertita em chama nos porfiroclastos de feldspato alcalino nos estágios iniciais de milonitização. O controle mais provável na formação da pertita em chama é a demanda de K para formar mica branca durante a destruição do plagioclásio, uma vez que a biotita continua estável durante todos os estágios deformacionais. Este processo envolve trocas catiônicas entre os álcalis, pois o Na, liberado do plagioclásio, substitui o K para formar albita, na forma de pertita em chama, no feldspato alcalino, enquanto o K do feldspato alcalino é usado para formar mica branca na matriz (Bryant 1966, O´Hara 1988). Feições como estas são igualmente observadas nos filonitos da Antiforme Setuva (Mesquita et al. no prelo) e abrem campos de estudos importantes nestas zonas de cisalhamento com grande potencial de ocorrências minerais. Referências Bibliográficas Bryant, B. 1966. Formation of phyllonites in the Granfather mountain area, northeast North Carolina. U.S. Geological Survey Research 550: 144-150. Cox, S.F.; Etheridge, M.A. & Wall, V.J. 1987. The role of fluids in syntectonic mass transport, and the localization of metamorphic vein-type ore deposits. Ore Geology Reviews, Amsterdam, v. 2, p. 65-86. Fyfe, W.S.; Price, N.J. & Thompson, A.B. 1978. Fluids in the earth’s crust. Elsevier, Amsterdam, 383 p. 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