Genetica aplicada a medicina Artigo de Revisão

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Artigo Publicado na Revista Peruana de Medicina
2003
A GENÉTICA
MOLECULAR NA
MEDICINA
CONTEMPORÂNEA
Ivana Beatrice Mânica da
Cruz*
INTRODUÇÃO
O século XX foi um período
revolucionário para a medicina. Isto
porque, em nenhum momento da
história humana acumulou-se tanta
informação
sobre
processos
relacionados à saúde envolvendo desde
aspectos moleculares até aspectos
psicossociais, associados principalmente
ao
desenvolvimento
das
doenças
multifatoriais,
como
é
caso
das
cardiovasculares.
Dentro
deste
contexto, vimos nascer tecnologias
cada vez mais avançadas relacionadas
tanto com ações preventivas quanto
terapêuticas. Tais tecnologias, não raro
foram alavancadas por conhecimento
produzido nas ciências básicas como a
física, química e biologia.
Em 1953 com a publicação do
modelo
estrutural
do
ácido
desoxirribonucléico (DNA) por Watson e
Crick, um novo panorama científico se
abriu tanto nas ciências naturais quanto
nas ciências da saúde. Após 48 anos,
Professora Adjunta, Coordenadora da Comissão
Científica do Instituto de Geriatria e Gerontologia,
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul. Av. Ipiranga 6690. CEP 90.610-000
Fax: 55+51+3361386
Fone: 51+3320 3000 Ramal 22322
Email: [email protected]
*
de intensos estudos e desenvolvimento
de processos cada vez mais rápidos e
eficientes para analisarmos os nossos
genes e processarmos as informações
geradas para um nível prático, a
biologia molecular começa a bater a
porta do medicina, no no seu dia à dia.
Como e por que as informações
geradas a partir de investigações
genético moleculares são cada vez mais
importantes para a medicina em geral?
Em que níveis de ação clínica as
informações que estão sendo obtidas
podem e poderão ser utilizadas? Quais
os desafios futuros associados a este
conhecimento e ao domínio deste
conhecimento?
Este artigo se propõe a tecer
comentários
gerais
sobre
estas
questões.
A GENÉTICA E AS DOENÇAS
Registros
históricos
muito
antigos
nos
mostram
que
a
identificação
de
doenças
e/ou
características
que
ocorriam
em
determinadas famílias era feita desde
os
primórdios
da
humanidade.
Entretanto, o entendimento das suas
manifestações bem como estratégias
para evitar o seu aparecimento só
foram ser determinados durante a
primeira parte do século XX em um
período posterior a contribuição de
Charles Darwin e Gregory Mendel.
Desta época até os dias de hoje mais
de 3000 doenças genéticas foram
identificadas, sendo que muitos autores
consideram o período que estamos
vivendo como o
da “revolução
genética”.†
Ainda que o número de doenças
genéticas seja grande, as maioria das
mesmas são aquelas identificadas a
partir de mal-formações e erros inatos
do metabolismo determinadas por
alterações cromossômicas como é o
†
Optiz JM. Tópicos de Genética Clínica. SBG,
Ribeirão Preto, 1983, 231p.
Artigo Publicado na Revista Peruana de Medicina
2003
caso das síndromes de Down, de Turner
e
Klinifelter
ou
por
padrões
mendelianos clássicos como a fibrose
cística, a hemofilia e a fenilcetonúria.
Entretanto, em meados da
década
de 1950,
um
fenômeno
demográfico que já havia começado a
ser
observado
nos
países
desenvolvidos, começou a se espalhar
por diversas regiões do mundo: “este
fenômeno denominado envelhecimento
populacional”
caracterizado
pela
diminuição na taxa de fecundidade e de
mortalidade infantil que de modo
direto, levava ao aumento no proporção
de idosos de uma população. A
conseqüência no aumento do número
de adultos e idosos no mundo, trouxe
consigo o aumento de uma outra classe
de doenças, que não às infectocontagiosas:
as
doenças
crônicodegenerativas
associadas
ao
envelhecimento, como são as doenças
cardiovasculares e as neoplasias.
Neste momento a epidemiologia
que era fortemente baseada no controle
das doenças infecto-contagiosas e
também na identificação de doenças de
origem genética viu-se em frente a um
enorme desafio: entender os processos
etiologicos e os fatores ambientais que
propiciam a evolução destas doenças
na população. Tal desafio, levou a
detecção de diversos fatores de riscos
(modificáveis e não modificáveis) e a
evidências que apontavam para a
presença de uma forte interação entre
genética e fatores ambientais na sua
gênese.
A partir destas constatações, a
resposta para a pergunta: “Quanto de
uma
doença
é
geneticamente
influenciada e quanto é ambientalmente
influenciada?” passou a ser investigada
com grande intensidade. Responder tal
pergunta
poderia
significar
“o
desenvolvimento de estratégias de
prevenção, diagnóstico e intervenção
clínica”.
Esta condição levou ao
desenvolvimento de diversas áreas de
pesquisa onde a genética tinha uma
participação significativa.
Como o número de contribuições
da genética para a medicina acabou
sendo muito grande, comentaremos de
modo geral, aquelas que estão mais
próximas
da
clínica
médica
contemporânea‡.
Imunogenética e Imunologia: o
avanço nos estudos imunogenéticos
nestes últimos trinta anos têm sido
avassalador. De um modo geral,
podemos identificar três momentos
históricos da evolução das pesquisas
imunogenéticas associadas a clínica
médica:
1) Estudos
de
incompatibilidade
materno-fetal
possibilitaram
o
desenvolvimento das transfusões, e
do
conhecimento
sobre
os
processos fisiológicos associados a
rejeição de transplantes. Estas
investigações geraram subsídios
teóricos
que
possibilitou
o
aparecimento de drogas específicas
associadas ao controle da rejeição
de tecidos e órgãos.
2) Estudos e tecnologia para o manejo
de doenças assocaidas ao sistema
imunológico,
que
podem
ser
agrupadas em três grupos: autoimunes,
transmissíveis
e
não
transmissíveis.
Doenças
auto-imunes:
investigações
que
levaram
a
descoberta
da
origem
imunogenética como por exemplo a
artrite reumatóide e suscetibilidade
incomum
a
infecções.
O
conhecimento
produzido
tem
possibilitado o desenvolvimento de
estratégias de diagnóstico, ainda
que
sejam
necessários
mais
estudos na área.
Doenças
transmissíveis
associadas à imunogenética: a
partir da década de 1970 e início da
1980 o mundo voltou a sua atenção
‡
Hamerman D & Zeleznik J. Translating basic
aging research into geriatric health care. Exper.
Gerontol. 36? 193-203, 2001.
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para uma doença infecto-contagiosa
cuja prevalência aumentava dia a
dia de modo galopante: a síndrome
da
imunodeficiência
adquirida
(SIDA) causada pelo retrovírus HIV.
O mundo nunca mais foi o mesmo a
partir
da
descoberta
desta
patologia, uma vez que a SIDA
est[a
fortemente
associada
a
padrões culturais que incluem o
consumo de drogas. Um grande
esforço
foi
direcionado
para
entendermos o mecanismo da
doença e para desenvolvermos
drogas capazes de controla-la e até
mesmo vacinas capazes de evitar a
SIDA (esta última, infelizmente com
menos sucesso do que o esperado).
De qualquer modo, a tecnologia
genética tem sido fundamental para
a construção de informações e
terapêuticas associadas à SIDA.
Doenças
não-transmissíveis
associadas à imunogenética:
investigações apontaram para a
existência de um conjunto de
doenças que teria grande influência
imunogenética, como é o caso da
asma e das alergias. A partir de
estudos s realizados principalmente
na
década
de
1980
o
desenvolvimento
de
estratégias
clínicas para o controle destas
doenças
foi
intensificado.
A
imunoterapia das doenças alérgicas
foi primeiramente denominada de
desensibilização
ou
hiposensibilização sendo baseada
na
introdução
parenteral
de
alergenos que seriam responsáveis
pelos sintomas clínicos. Este tipo de
investigação
que
foi
bastante
ampliada durante a década de
1980, e tem como objetivo a
amenização da resposta imune,
principalmente
através
da
diminuição
dos
níveis
da
imunogloblina IgE que é a principal
molécula
desencadeadora
dos
processos
alérgicos
corporais§.
Muitas drogas anti-alérgicas de
última geração foram desenvolvidas
a partir dos resultados obtidos
nestes trabalhos.
3) Estudos
de
ponta
na
área
imunológica envolvem hoje, a
utilização das chamadas célulastronco (stem cels). Estas, são
células indiferenciadas (na maioria
de
origem
embrionária)
são
denominadas
células
troncos.
Muitas destas células persistem no
nosso organismo durante a fase
adulta.
A
expansão
do
conhecimento sobre imunologia nas
décadas mais recentes tem afetado
a pesquisa e a prática da medicina,
principalmente medicina nuclear
sob várias formas. Investigações
em células tronco, visando o
desenvolvimento de tecnologia que
permita a diferenciação de células
do próprio organismo para reporem
células afetadas por doenças como
as leucemias têm sido fortemente
implementadas
durante
estes
últimos dez anos. Novas células
hematopoiéticas têm sido isoladas e
suas funções descobertas, incluindo
células tronco hematopoiéticas e
células dendríticas. Muitos fatores
humorais novos também possuem
efeitos potentes nas células. Estes
incluem citoquinas, fatores de
crescimento
e
proteínas
especializadas. Tais substâncias já
estão sendo utilizadas clinicamente.
Com a perspectiva de avançarmos
os estudos na área, compostos
marcados radioativamente estão
sendo
utilizados
a
fim
de
determinarem a farmacodinânima
destes fatores humorais e também
seguir os caminhos migratórios
feitos por células humanas e
animais
ao
longo
do
desenvolvimento.
Quando
§
Palma-Carlos AG, Palma-Carlos ML, Santos E,
Pereira MC. Allerg Immunol 18: 21-6, 1986.
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presentes em quantidades ou locais
não habituais substâncias humorais
também
podem
influenciar
a
rejeição de transplantes, a gênese
de
doenças
como
a
artrite
reumatóide, a asma e a doença
crônica pulmonar obstrutiva. O uso
de substâncias humorais na clínica
m[edica inclui a administração de
citoquinas como a interleucina 2 e
outros fatores de crescimento como
o fator estimulante de colônia de
granulócitos-macrófagos para alivar
a leucopenia causada por agentes
quimioterápicos em pacientes com
câncer**.
Genética dos erros inatos do
metabolismo bioquímico: estudos do
metabolismo bioquímico levaram a
identificação de doenças conhecidas
como “erros inatos do metabolismo”
como é o caso das hemoglobinopatias,
e muitas outras doenças metabólicas.
Uma vez que a maioria destas doenças
possui padrão de herança mendeliano,
o desenvolvimento de técnicas de
aconselhamento genético evoluiu muito
nestes últimos anos, bem como em
muitas doenças hereditárias evoluiu o
tratamento
precoce
de indivíduos
geneticamente afetados. Este é o caso
da fenilcetonúria cujos portadores são
identificados através do “teste do
pézinho”.
Atualmente testes sofisticados
para
a
detecção
de
indivíduos
portadores, incluem diagnósticos préimplantação embrionária, que analisa o
material genético dos corpúsculos
polares produzidos pelo óvulo materno
fertilizado in vitro. Logo após a
introdução do espermatozóide, o óvulo
que ainda não fundiu os pró-núcleos
maternos
e
paternos
pode
ser
congelado até que o diagnóstico
molecular que detecta a doença seja
feito (entre 12-24 horas após a coleta
dos corpúsculos). Caso o óvulo não
**
McAfee JG & Mac Vittie TJ. Semin Nucl Med
31: 342-9, 2001.
apresente a variante genética afetada
(alelo), o processo de fecundação
continua e o óvulo é implantado no
útero materno. Esta técnica está bem
implementada e disseminada em países
que possuem alta incidência de doenças
genéticas, como é o caso do Chipre.
Este país mediterrânico apresenta um
número grande de pessoas portadoras
de
betatalassemias.
Crianças
homozigotas morrem entre 3-4 anos de
idade. Não há, ainda, tecnologia para a
cura das mesmas††.
Mecanismos de determinação de
diferenciação
sexual:
ainda
na
primeira metade do século XX, estudos
citogenéticos identificaram indivíduos
com doenças genéticas associadas a
determinação e diferenciação do sexo
como é o caso das síndromes de Turner
(X0) e Klinifelter (XXY). Desde então,
uma
grande
quantidade
de
conhecimento tem sido produzida nesta
área, incluindo a identificação de genes
associados a diferenciação sexual
masculina localizados no cromossomo Y
(gene Sry). Este tipo de conhecimento
possibilitou a identificação da causa da
doença genética em que o portador
possui o cromossomo Y mas tem
fenótipo feminino por apresentar um
receptor celular defectivo ao sry, o que
impede que a regulação genética
desencadeia a diferenciação masculina
seja acionada. Pesquisas recentes
também mostraram evidências da
existência de genes presentes no
cromossomo X que estariam associados
a espermatogênese em camundongos.
Tal descoberta não deixou de ser
surpreendente, porque também associa
de modo definitivo, a diferenciação
sexual masculina ao cromossomo X.
Investigações
fisiológicas
e
moleculares também tem produzido
††
Addar MH. New trends in prenatal screening
for chromosomal abnormalities. Saudi Med J
21:429-32, 2001.
Artigo Publicado na Revista Peruana de Medicina
2003
informações associadas com os padrões
de
homossexualidade
e
heterosexualidade humana, indicando
fortemente que as mesmas possuem
uma origem genética acentuada. O
conjunto
de
evidências
obtidas,
influenciou enormemente a modificação
da idéia que possuíamos sobre a
natureza da sexualidade humana,
transferindo grande parte da influência
para
padrões
genéticos
e
não
ambientais.
Doenças não transmissíveis de
origem complexa e a genética:
doenças
complexas
que
possuem
origem
multifatorial
estão
sendo
profundamente investigadas com o
objetivo de acumularmos, cada vez
mais, informações que nos auxiliem no
manejo clínico das mesmas. Entretanto,
não é nenhum pouco fácil trilhar os
caminhos metabólicos que podem
disparar ou não a gênese de uma
doença ou que podem desencadear as
manifestações clínicas das mesmas.
Entre as doenças mais intensamente
investigadas, estão às cardiovasculares.
Doenças cardiovasculares são
um agrupamento de patologias que
afetam o sistema cardiovascular, cuja
origem é multifatorial, envolvendo
interação entre herança genética e
ambiente. Esta definição apesar de
genérica e amplamente aceita, está
longe de ser clara e de apontar
caminhos que indiquem que fatores
genéticos realmente influenciam a
gênese das doenças cardiovasculares,
considerando-se aqui a relação das
mesmas com os fatores de riscos
modificáveis.
Até alguns anos atrás, o “fator
genético” presente nestas doenças era
praticamente avaliado somente através
da história familiar, diagnosticada pela
ocorrência desta patologia em um dos
pais ou irmãos de um indivíduo, em
idade precoce (homem ate 55 anos,
mulher até 60 anos). As evidências
para a importância epidemiológica
desta informação vieram principalmente
a partir de estudos de gêmeos
univitelinos separados durante a II
Guerra Mundial, e que apesar de serem
criados e/ou viverem em lugares e com
famílias com estilo de vida diferentes,
apresentavam
uma
correlação
significativamente alta de morbidades
cardiovasculares entre si e em relação a
sua “família genética” indicando a
influência da herança nestas doenças.
Entretanto esta informação, a
despeito da sua utilização na medida de
risco de um indivíduo, guarda um
conjunto de possibilidades quase que
infinito: dentro dos 30 mil genes
funcionais que o Projeto Genoma
Humano estima que existam, onde
estaria ou estariam os genes que levam
ao aumento na suscetibilidade às
doenças
cardiovasculares?
Considerando a genética do século XX
onde genes maiores, ou seja aqueles
que causam efeitos dramáticos e
visíveis em uma pessoa, como é o caso
do gene da hemofilia, esta pergunta
não poderia ser respondida. Isto
porque,
no
desenvolvimento
de
doenças multifatoriais podem existir
muitos genes com polimorfismos *cujo
efeito, a princípio, não é tão dramático,
mas que ao longo do desenvolvimento
e da vida do indivíduo leva a um
comprometimento crônico do sistema
cardiovascular. Dizemos que tais genes
possuem um efeito em cascata e que
tal efeito pode ser modulado por uma
ação ambiental que ou pode diminuir
ou aumentar o risco à doença‡‡.
*
Denominamos polimorfismos genéticos a
alteração de um ou mais par de bases nitrogenadas
na sequência de um gene, que modifica ou o RNA
ou a proteína produzida a partir deste gene, que
podem afetar a função corporal do mesmo. Por
exemplo, o sistema ABO, possui três
polimorfismos (alelos): A, B, O.
‡‡
Gazzaruso C, Garzaniti A, Geroldi D, Finardi
G. Genetics and cardiovascular risk: a role for
apolipoprotein(a)
1999;44:347-54
polymorphism
Cardiologia
Artigo Publicado na Revista Peruana de Medicina
2003
A grande e extensa maioria dos
genes
associados
a
doenças
cardiovasculares de modo direto ou a
fatores de risco como é o caso das
dislipidemias, da hipertensão e da
diabetes do tipo II encontram-se nesta
condição: são genes que interagem
com o ambiente Tais genes geralmente
atuam
em
rotas
metabólicas
importantes
na
manutenção
da
homeostasia cardiovascular, entretanto
polimofismos nos mesmos podem levar
ao aumento no risco do paciente e ao
estabelecimento da doença.
Se esta evidência é por uma
lado positiva, visto que podemos
identificar tais polimorfismos genéticos
e tentar modular os efeitos ambientais
a fim de atenuar o risco de um dado
indivíduo,
por
outro
lado,
as
investigações de genes marcadores ou
genes
candidatos
à
doenças
cardiovasculares,
torna-se
mais
complexa.
Isto
porque,
necessariamente
um
polimorfismo
associado às doenças cardiovasculares
pode apresentar diferenças na sua
associação
com
doenças
cardiovasculares
em
populações
diferentes (principalmente considerando
aspectos étnicos e culturais). Isto
porque, sendo estes genes sensíveis ao
ambiente, uma dada variável ambiental
de uma dada população pode anular a
suscetibilidade potencial do gene às
doenças, ou ao contrário, aguça-la.
Outra questão relacionada com tais
polimorfismos, é que a freqüência dos
mesmos pode variar de população à
população, e portanto, as “subpopulações
genéticas
com
risco
potencial também variam”. Podemos
utilizar o gene da apolipoproteína E,
lipoproteína
que
participa
do
metabolismo
do
colesterol,
como
exemplo. Três polimorfismos mais
comuns são encontrados no gene: E2,
E3 e E4. O alelo mais comum na
maioria das populações é o E3.
Entretanto, a freqüência destes alelos
varia de população em população. Por
exemplo, enquanto que apenas 11% da
população italiana apresenta este alelo,
29% da população da Nigéria possui
este polimorfismo. Tomando o gene da
enzima conversora da angiotensina
(ECA) como outro exemplo, podemos
observar que, além da diferença nas
freqüências, a associação com a
doenças cardiovasculares pode variar
conforme a população.3-5
Deste modo, a publicação de
associação entre um determinado
polimorfismo à uma doença, como por
exemplo
um
dado
polimorfismo
genético e infarto agudo do miocárdio,
na
população
americana,
necessariamente seja observada na
população
latino-americana.
Esta
premissa encerra consigo uma das
primeiras dificuldades no uso de
marcadores genéticos: a necessidade
de obtermos evidências científicas na
nossa população sobre a associação
entre polimorfismo e doença. Este nível
de dificuldade poderia ser o suficiente
para que pesquisadores no mundo todo
abandonassem a busca por genes
marcadores associados a doenças
cardiovasculares. Entretanto, se esta
dificuldade existe, por outro lado, a
identificação de tais genes abrem a
possibilidade de entrarmos em um
outro momento da ação preventiva e
terapêutica, que conhecida em países
desenvolvidos como o Japão e os
Estados Unidos como “ medicina sob
medida”. A medicina “sob medida” além
de ser baseada em evidências, tenta
personalizar o risco do paciente,
incluindo genéticas que potencialmente
sirvam, não só como instrumento
preventivo, mas também na abordagem
terapêutica. Acreditamos que esta
abordagem, apesar de parecer tão
distanciada do cotidiano atual da clínica
e cirurgia cardiovascular, chegará muito
mais depressa do que possamos
imaginar. Deste modo, podemos inferir
com uma margem de erro não muito
grande, que entre cinco a dez anos, a
genética passará a ser um instrumento
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2003
cada vez
medicina.
mais
poderoso
para
a
Farmacogenética: o desenvolvimento
da tecnologia do DNA recombinante
associado
a
descoberta
variantes
genéticas que modulam diversas rotas
metabólicas do organismo levou a
emergência de um novo campo de
pesquisa e de tecnologia na área
farmacológica e clínica. Esta baseia-se
na
identificação
de
padrões
farmacológicos diferenciados segundo a
genética
do
indivíduo.
A
farmacogenética nasceu a partir de
estudos que mostravam uma relação
entre determinados perfis genéticos e
respostas à drogas, com o é o caso de
mortes
associadas
à
anestesia,
hipetermia maligna, efeitos colaterais,
etc.
Atualmente a farmacogenética
está
avançando
cada
vez
mais,
principalmente
em
associação
a
enzimas participantes do metabolismo
de desintoxicação celular como é o caso
das citocromos p450. Investigações
recentes
já
estão
desenvolvendo
protocolos que visem a determinação
de dosagens medicamentosas baseadas
na genética do indivíduo. Podemos
destacar o tratamento do tabagismo.
Estudos genético moleculares têm
identificados polimorfismos genéticos
que fazem com que haja uma
desintoxicação
mais
rápida
do
organismo.
No
caso
de
drogas
baseadas
na
nicotina,
tais
polimorfismos interferem na aderência
do paciente ao tratamento e por
conseqüência no sucesso do mesmo.
Protocolos que buscam avaliar a dose
efetiva destas drogas, dependente do
genótipo do paciente, já estão sendo
desenvolvidos.
Estão
sendo
investigados
genes
principalmente
associados as rotas neurológicas da
dopamina
e
serotonina
e
da
desintoxicação orgânica envolvendo
p450 citocromos oxidases.
Terapia gênica: Muitas das proteínas
e
fatores
humorais
que
estão
associados a doenças são moléculas
que pela sua estrutura e/ou tamanho
não podem ser farmacologicamente
manipulados. Esta limitação impediu
até
pouco
tempo
atrás
o
desenvolvimento
de
tratamentos
baseados
nestas
substâncias.
Entretanto, a tecnologia molecular
obtida nestes últimos anos fez com que
emergisse um novo procedimento
capaz de romper com esta limitação: a
terapia genética.
Mas o que seria a terapia
gênica? É uma terapia baseada na
transferência de material genético para
dentro das células de indivíduos
afetados por uma determinada doença,
que
contenha
informações
que
permitam corrigir a proteína ou fator
humoral alterado, que são necessários
para manter o funcionamente corporal
normal do paciente. Esta técnica
introduz de modo seletivo segmentos
de DNA recombinante nos tecidos de
modo que, proteínas biológicamente
ativas podem ser sintetizadas dentro
das células.
A transferência terapêutica de
genes não é um conceito novo§§, já que
muitos cientistas especulavam sobre
esta idéia muito antes do primeiro
protocolo
de
terapia
gênica
ser
realizado em 1989. Basicamente a
terapia gênica tem como objetivo ser
utilizada para tratar doenças humanas
decorrentes de defeitos hereditários
monogênicos.
Como
já
dissemos
anteriormente, as doenças hereditárias
englobam
uma
ampla
gama
de
distúrbios
nos
quais
um
gene
defeituoso leva à incapacidade de
sintetizar determinada proteína ou leva
a síntese anormal desta proteína. Esta
condição pode variar a partir de
distúrbios leves como é o caso do
daltonismo até doenças potencialmente
§§
Wolff JA & Lederberg J. An early history of
gene transfer and therapy. Hum Gen Ther. 5?469480, 1994.
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2003
fatais como é o caso da hemofilia e da
fibrose cística.
Apesar do grande potencial de
uso da terapia gênica, existem muitos
desafios a serem vencidos para que o
seu uso seja popularizado incluindo
aspectos relacionados:
1) com a
própria tecnologia, como por exemplo o
desenvolvimento de vetores cada vez
mais eficientes sejam estes vírus ou
gotículas de gorduras (lipossomos)
capazes de carrear o DNA recombinante
para dentro da célula afetada; 2)
aspectos éticos que incluem, por
exemplo, a discussão de que tipo de
pessoa terá aceso a esta tecnologia,
uma vez que é um procedimento
dispendioso.
Adicionalmente,
a
discussão ética sobre o uso da terapia
gênica inclui a sua utilização para
propósitos meramente cosméticos, e/ou
para a seleção pré-embrionária de
características “desejadas pelos pais ou
por uma determinada sociedade” etc.
Ainda que estejam os nos
primeiros estágios do desenvolvimento
tecnológico de terapias gênicas, é
importante lembrarmos que a mesma
oferece uma perspectiva importante no
desenvolvimento
de
estratégias
preventivas e terapêuticas de distúrbios
genéticos que não podem ser corrigidos
de outra maneira, e que muitas vezes,
causam o sofrimento e a morte dos
seus portadores como é o caso das
distrofias
musculares,
hemoglobinopatias, etc. Atualmente,
entretanto, a aplicação clínica da
terapia gênica é limitada mais pela
baixa
disponibilidade
de
uma
metodologia adequada de transferência
gênica do que pela identificação de
alvos adequados para a alteração
genética. Entretanto, espera-se que nos
próximos dez anos já tenhamos
atingido um estágio que permita a
popularização do método e seu uso na
prática clínica.
Biomarcadores genéticos e seu uso
na genética da longevidade e
geriatria:
a
emergência
de
biomarcadores genéticos pode auxiliar
na identificação de padrões genéticos
que aumentam a nossa suscetibilidade
à
doenças
associadas
ao
envelhecimento, e que manifestam-se
no idoso. Um grande número de
variações genéticas (polimorfismos)
identificados
têm
sido
também
associados à longevidade ou a morte
precoce dos indivíduos. A Tabela 1 lista
alguns exemplos dos genes mais
citados na literatura
que estão
associados com a longevidade.
Sem dúvida, a área da geriatria
em que biomarcadores estão sendo
mais fortemente investigados é a das
demências como o Mal de Alzheimer.
Além das doenças, existem
muitas pesquisas voltadas para a
identificação de genes associados a
longevidade excepcional. Evidências
substanciais suportam a hipótese da
existência de agregação familiar para a
longevidade excepcional. A existência
de famílias raras demonstrando um
grande número de pessoas com grande
longevidade apontam para um padrão
genético da mesma. Um estudo
genômico recente feito por Puca e
colaboradores*** em 308 indivíduos
apontou para uma região específica do
cromossomo
4
que
estaria,
potencialmente,
associada
a
longevidade
excepcional.
Segundo
estes
autores,
os
resultados
encontrados sugerem a existência de
um gene ou de alguns genes que
poderiam
exercer
uma
grande
influência na longevidade humana,
como ocorre em muitos animais
investigados (ratos, moscas e vermes e
leveduras)
em
que
já
foram
identificados “genes da longevidade”. O
mais importante neste achado é a
possibilidade de descobrirmos as rotas
metabólicas que estariam associadas
aos processos de envelhecimento do
Puca AA, Daly MJ, Brewster S et al. A
genome-wide scan for linkage to human
exceptional longevity identifies a locus on
chromosome 4. PNAS 98: 10505-8, 2001.
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Artigo Publicado na Revista Peruana de Medicina
2003
organismo. Entretanto, muito caminho
árduo e difícil precisa ser trilhado.
Artigo Publicado na Revista Peruana de Medicina
2003
Tabela 1. Exemplo de genes que possuem polimorfismos associados a longevidade ou a
mortalidade precoce. Fonte: Hamermam e Zeleznik2.
Gene
APOB
REN
SOD1
SOD2
THO
mtDNA
HLA-DR
ACE
(ECA)
APOE
PAI-I
Denominação
Funções
Apolipoproteína B
Renina
Superóxido dismutase
Superóxido dismutase dependente de
Manganês
Tirosina hidroxilase
Locus mitocondrial
Antígeno do leucócito humano
Enzima conversora da Angiotensina
Metabolismo lipídico
Tônus vascular
Ação anti-oxidante
Ação anti-oxidante na mitocôndria
Apolipoproteína E
Inibidor do ativador do plasminogênio
Metabolismo lipídico
Coagulação
Médicos
e
geriatras
tem
conseguido identificar uma série de
práticas saudáveis que parecem reduzir
a expressão de doenças e promover o
“envelhecimento
bem
sucedido”.
Entretanto,
para
isto
é
preciso
consideramos o que chamamos de
“interação gene-ambiente”, lembrando
que ainda que não possamos modificar
nossos genes, podemos modificar nosso
ambiente.
CONCLUSÃO
Uma
revisão
bibliográfica
superficial destes últimos trinta anos
mostra que número de
investigações e procedimentos que
associam a genética a prática médica e
clinica é fantástico! Cada vez mais
mergulhamos
no
nosso
sistema
corporal e conseguimos percorrer as
rotas
fisiológicas
que
levam
a
manutenção da homeostasia e função
corporal. Cada vez mais, buscamos (e
conseguimos)
corrigir
(alterações
hereditárias ou não) que afetam a
condição clínica do indivíduo. Apesar
disto, apesar da grande contribuição
que a genética tem feito para a
medicina, é importante lembramos que
Catecolaminas
Fosforilação oxidativa
Sistema imune
Tônus vascular
outros fatores potencialmente afetam a
“saúde global humana”, e estes incluem
questões sócio economico culturais,
psicológicas, ambientais e espirituais, e
é somente neste contexto que a
genética como instrumento de saúde
deve ser vista e utilizada.
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