O QUE NÃO ENSINAR NAS AULAS DE FILOSOFIA NO ENSINO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
CENTRO DE EDUCAÇÃO
SEMANA DE PEDAGOGIA 2013
“GESTÃO DA EDUCAÇÃO EM ALAGOAS: AMEAÇAS E DESAFIOS”
O QUE NÃO ENSINAR NAS AULAS DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO: relato da
experiência de observação de aulas
Solange da Silva de Lima
Graduanda do Curso Filosofia/UFAL
e-mail: [email protected]
Elizabete Amorim de Almeida Melo
Profª. do Centro de Educação – CEDU/UFAL
e-mail: [email protected]
RESUMO:
Este artigo é resultado da experiência de observação de aulas de Filosofia no ensino médio e tem como objetivos
relatar a experiência em sala de aula, ressaltar a importância da Filosofia como disciplina para os alunos e,
também, refletir sobre o desempenho do professor de Filosofia no que diz respeito aos seus métodos de trabalho
em uma escola da rede pública estadual, situada no município de Rio Largo, estado de Alagoas. Essa atividade
de campo foi proposta na disciplina Estágio Supervisionado em Filosofia 3 – Filosofia/UFAL, durante o
primeiro semestre de 2012. As referências utilizadas como fundamento para a produção deste artigo foram
extraídas de textos de autores como Cerletti (2009), Cortella (2009), Gallo (2008), Favaretto (2011), Lorieri
(2002), Rodrigo (2009), entre outros.
PALAVRAS-CHAVE: Estágio supervisionado. Ensino de filosofia. Relato de experiência.
Conteúdos e metodologia. Formação de professores.
1 INTRODUÇÃO
Durante o trabalho de campo de observação de aulas de Filosofia no ensino médio da
rede pública estadual, para a disciplina Estágio Supervisionado em Filosofia 3, foi possível
realizar dois objetivos: observar e analisar. Assim, o presente artigo foi construído, o qual
inicialmente foi elaborado como relatório de atividades desenvolvidas na referida disciplina.
Dessa forma, este material é resultado da observação de onze (11) aulas, coleta de
dados e análise do trabalho desenvolvido por um professor de filosofia do ensino médio
durante o primeiro semestre de 2012.
Inicialmente, este trabalho de observação foi realizado nas três séries do ensino
médio, ficando a critério do estagiário a escolha de duas turmas de séries diferentes para
desenvolver suas atividades de observação e coleta de dados.
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A realização dessa atividade teve como objetivo preparar o estagiário para colocar
em prática os conhecimentos adquiridos durante as atividades realizadas em sala em aulas
ministradas na disciplina Estágio Supervisionado 3. Porém, a partir da experiência vivenciada
no trabalho de campo, a atividade adquiriu uma nova perspectiva, tendo como base
determinados acontecimentos ocorridos durante o período de realização da atividade de
observação em sala de aula, ou seja, ao invés de aprendermos o como fazer durante o
processo de observação, ocorreu exatamente o contrário: aprendemos o que não fazer na sala
de aula na disciplina filosofia. (Ou talvez fosse interessante colocar aqui exatamente o título
do artigo: o que não fazer...).
A fase inicial de desenvolvimento do trabalho de campo objeto desta pesquisa, foi
realizada em etapas anteriores, em atividades realizadas nas disciplinas Estágio
Supervisionado em Filosofia 1 e 2, entre elas a descrição física e funcional
de um
estabelecimento de ensino e uma aproximação com o trabalho docente através de uma
entrevista com um professor. Nas aulas ministradas com este mesmo professor, nessa terceira
etapa do trabalho de campo, realizamos a atividade de observação, em total de onze (11) aulas
de filosofia nas séries finais do ensino médio.
2 DESCRIÇÃO GERAL DO TRABALHO DE CAMPO
Um dos objetivos do Estágio Supervisionado em Filosofia é tornar os trabalhos de
campo etapas preparatórias para a reflexão do trabalho docente e, assim, refletir sobre a teoria
e a prática do trabalho em sala de aula (PIMENTA e ANASTASIOU, 2011; PIMENTA e
LIMA, 2004), ou seja, preparar aqueles que, um dia, talvez, ao terminar a licenciatura, irão
exercer a função, neste caso, a de professor de filosofia, colocando em prática os
conhecimentos adquiridos durante a graduação.
Durante aproximadamente quatro meses, foi feito um trabalho de observação de
aulas de Filosofia numa escola de ensino médio da rede pública estadual. Esse trabalho
consistiu em acompanhar o ensino de filosofia em duas turmas de séries diferentes, analisando
os conteúdos, o desempenho do professor, as metodologias aplicadas, observando se as
mesmas tinham como finalidade o bom aprendizado dos alunos e a relação destes com a
disciplina.
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Onze aulas foram observadas em três turmas: 1º ano F, 2º ano D e 3º ano C, todas
funcionando no turno vespertino e com uma média de quarenta alunos em cada turma, com
idade entre quinze e dezessete anos.
Esse trabalho foi realizado numa escola localizada na zona urbana da cidade de Rio
Largo, um estabelecimento de ensino tradicional, situado num ambiente com amplas
instalações, áreas arborizadas e salas de aula suficientes para acomodar seus 1725 alunos, nos
três turnos em que funciona.
Para uma das autoras deste artigo, outrora a referida escola foi local de aprendizado
como aluna. No entanto, atualmente, ela ainda é local de aprendizado, porém, agora como
aluna/estagiária do curso de Filosofia e como espectadora das ações de um profissional
experiente, mas limitado à sua área, sem pretensões de ampliar seu olhar para além do seu
livro de História ou de suas apostilas amareladas.
3 CONTEÚDOS E METODOLOGIAS
Foram realizadas observações inicialmente em três turmas do ensino médio na
disciplina filosofia: 3º ano C, 2º ano D e 1º ano F. Ao longo do trabalho de campo, no entanto,
prosseguimos com as duas primeiras turmas.
A expectativa da experiência em estar presente numa sala de aula era como algo
único, uma grande oportunidade para adquirir conhecimentos em virtude da vasta experiência
do professor.
Assim, onze (11) aulas foram observadas e a cada nova etapa era visível, apesar da
experiência do professor à frente de uma sala de aula, a transmissão de conteúdos sem o
devido conhecimento necessário ou segurança. Apenas informações que, na maioria das
vezes, eram transmitidas de maneira equivocada e de origem duvidosa.
A cada nova aula uma descoberta de que, pelo menos, no caso desse professor, ele
não estava disposto a ampliar sua visão e, assim, mudar seus conteúdos de forma a despertar
algo de bom nos alunos e não o desprezo pela disciplina.
O profissional observado utilizou sempre o mesmo assunto para todas as turmas, sem
nenhuma distinção. Pode-se argumentar que é um artifício aceitável, até mesmo pelo tempo
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escasso, pois a duração da aula é de cinquenta minutos e, na maioria das vezes, menos que
isso, devido aos atrasos do professor em seu local de trabalho ou por outro motivo.
Porém, durante o desenvolvimento das atividades, até mesmo esse tempo mínimo
pareceu longo demais em certas situações, na qual o professor perdeu a oportunidade de
conhecer seus alunos e assim despertá-los para o diálogo, explorando assuntos que parecem
simples, mas que tomam direções diferentes na proporção em que várias pessoas expõem seus
pontos de vista. Para ficar mais claro, cito um exemplo: no 1º ano F, durante a aula inicial de
filosofia do bimestre, o professor descreveu a palavra “filosofia ou Sophia como verdade”.
Porém, uma aluna contestou tal definição. Foi um diálogo interessante que foi estabelecido
entre ambos, que nos leva a acreditar que nem sempre o professor se encontra preparado para
lidar com as inquietações de seus alunos, embora ele reconheça que o aluno deve sempre tirar
suas dúvidas. Para um melhor entendimento dessa aula, descrevemos a seguir o diálogo entre
a aluna e o professor sobre o conteúdo explorado no dia sobre o conceito de filosofia:
- Ôh professor, a palavra filosofia significa a verdade é?
No que o professor responde: É.
A aluna retruca: Tá. Tchau! Filosofia é sabedoria.
O professor (já contrariado) diz: Mas tá certo a palavra.
A aluna ainda contesta: Mas eu aprendi assim!
Esta foi a única aluna que ousou interferir e, no entanto, ficou sem resposta ou a
confirmação da resposta que ela queria.
Ainda nesse primeiro dia de observação, percebemos que o conteúdo transmitido foi o
mesmo nas três séries do ensino médio. Dessa forma, relatamos mais um exemplo: o
professor definiu a palavra sabedoria como “a arte de bem viver e como sentido das coisas”.
Seguindo esse raciocínio, ele usou o seguinte exemplo: “Cada cérebro tem sua ideia diferente.
Por exemplo, fulano é doido, mas, cada um tem sua ideia” (é importante frisar que essas
foram as palavras que o professor observado usou literalmente).
No entanto, outra coisa que nos chamou a atenção foi que nenhum aluno questionou
esse exemplo. Em outras palavras, essa situação veio contribuir com a teoria de que quem
estuda filosofia não é muito certo da cabeça e que filosofia tem a ver com loucura.
No decorrer das onze aulas observadas, ficou visível a falta de conteúdos
estritamente filosóficos, pois os assuntos dados em sala eram provenientes do livro História
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Geral e do Brasil, dos autores Claudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo. Outro recurso didático
utilizado era uma velha apostila, da qual o professor retirava algumas anotações que escrevia
no quadro.
Cerletti (2009, p. 9), com muita propriedade, afirma que: “[...] ensinar implica
assumir um compromisso e uma responsabilidade muito grandes. Um bom docente será
alguém que se situa à altura dessa responsabilidade [...]”.
Mas, o que parece para muitos profissionais é que não se dão conta da
responsabilidade que possuem, como nesse caso em questão, no qual o professor utiliza o
mesmo conteúdo – que não é especificamente da área da filosofia – em todas as séries do
ensino médio, demonstrando a necessidade urgente de se refletir acerca do modo como está a
situação do ensino de filosofia nas salas de aulas da rede pública estadual de Alagoas, onde o
professor de filosofia não tem formação específica para trabalhar a disciplina, como no caso
dessa escola.
À medida que o trabalho de observação foi evoluindo, era evidente a confusão em
relação aos conteúdos que se esperam na disciplina filosofia e que não aconteciam na sala de
aula do professor observado. Todavia, para os alunos, tudo estava fazendo parte dos
conteúdos, pois ninguém tinha o livro didático para contestar, por exemplo, o que é que a
Teodicéia tem a ver com a filosofia. E o que vem a ser Teodicéia?
Segundo o professor observado, “Teodicéia é a interpretação, na História, da vida de
Cristo”. Ora, em que o professor se baseou para afirmar isso, não podemos esclarecer, pois
não foi explicitado por ele. Durante essa aula, muitos assuntos vieram à tona, até Buda foi
invocado, embora de forma descontextualizada e sem sentido.
Embora possamos dizer, de forma ampla, que Buda tivesse uma “filosofia de vida”, o
que queremos ressaltar é que não podemos confundir filosofia com religião ou com autoajuda.
Em nossas observações, ficou claro o uso indevido de conteúdos de História, de
textos de autoajuda e de religião nas aulas de filosofia. As aulas pouco ou nada tinham de
filosofia.
Segundo Cortella (2009, p. 33), a “[...] filosofia é autoajuda mesmo, no sentido de
que não há produção da reflexão humana que não tenha como finalidade central fazer com
que elevemos, cresçamos, superemos a nossa condição atual”. Mas, no contexto das aulas
observadas, percebemos que os conteúdos eram trabalhados de forma deslocada, estranha,
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alheia ao que diz respeito à filosofia como disciplina, ao explorar vagamente um conteúdo
com o teor mais psicológico e mais cultural, pelo modo como foi colocado em sala pelo
professor.
A filosofia não deve ser tratada como uma literatura de impacto. Ela é reflexão,
conhecimento, questionamento. Deve-se respeitar a sua especificidade enquanto uma área do
conhecimento que tem conteúdos específicos e, portanto, também se exige uma metodologia
adequada (RODRIGO, 2009; GALLO, 2008; LORIERI, 2002).
Na maioria das aulas observadas, o conteúdo de filosofia era apresentado de forma
vaga. Nesse contexto, a filosofia sem identidade se confunde com a cultura, com a religião
asiática e termina com o confucionismo, doutrina que ensina, segundo o que foi demonstrado
na sala de aula pelo professor observado, “o desprezo pela riqueza e pela harmonia”.
É importante ressaltar que, a cada aula, o professor chega com um assunto que foge
mais e mais da filosofia. De maneira geral, nem parece aula de filosofia, mas, de qualquer
outra coisa que não saberíamos definir. São assuntos que, aparentemente, têm relação com
certos aspectos da filosofia. No entanto, são colocados de uma maneira que foge totalmente a
qualquer conteúdo de base filosófica, com exemplos estranhos que provocam risos entre os
alunos.
Assim, tem-se um professor que tem seu próprio material para dar aula, sem nenhum
acompanhamento da coordenação pedagógica da escola para acompanhá-lo e orientá-lo,
resultando em um processo de ensino-aprendizagem no qual o professor escreve no quadro, os
alunos copiam nos cadernos e não se aprende nada de filosofia efetivamente.
Cabe ao professor desenvolver seus conteúdos de modo que torne suas aulas mais
dinâmicas. Mesmo enfrentando alguns contratempos, como, por exemplo,: o pouco tempo de
aula semanal e a falta do livro didático, o professor não deve deixar “[...] de dirigir as
atividades e reforçar os conhecimentos, para que não se caia na eventual ‘achologia’ que
produz uma superficialidade indesejável e desnecessária” (CORTELLA, 2009, p. 61), como é
o caso retratado nesse trabalho de campo.
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4 O PROFESSOR: “Peça decorativa” ou como não ser um professor de Filosofia
O objetivo inicial deste trabalho de campo, desde o início, foi tentar captar a
realidade concreta da prática docente de um professor de filosofia nas salas de aula do ensino
médio. No entanto, temos que confessar que não esperávamos uma experiência tão cruel.
Esperávamos encontrar e mostrar um professor criativo, que envolvesse seus alunos em
discussões, incentivando-os a questionar. Esperávamos encontrar um profissional – de carne e
osso – que tivesse dificuldades, limites e desafios, mas que também demonstrasse respeito e
compromisso pelo que faz.
Entretanto, a realidade encontrada nas salas de aula de uma escola do ensino médio
da rede pública estadual foi a de um professor tão desgastado quanto seus métodos. Ele
demonstrou incapacidade e falta de vontade para ampliar seu conhecimento e mudar a sua
prática docente.
A partir do referencial teórico estudado nas aulas da universidade (FAVARETTO,
2011; RODRIGO, 2009; GALLO, 2008; MARTINS, 2008), sabemos que não é adequado que
aquele que vai ensinar a disciplina filosofia não tenha contato com a obra filosófica e com
diferentes tipos de textos filosóficos.
Diante da realidade encontrada, indagamos: será que há outros profissionais como o
que observamos no ensino médio? O que esperar da filosofia como disciplina no ensino
médio na rede pública?
Ao professor é imprescindível conhecer seus alunos, suas dificuldades, seus anseios.
Conhecê-los para envolvê-los em seus métodos de ensino. Segundo Cerletti (2009, p. 36):
O desafio de todo docente – e muito em especial de quem ensina filosofia – é
conseguir que em suas aulas, para além da transmissão de informação,
procura-se uma mudança subjetiva. Fundamentalmente de seus alunos, mas
também de si mesmo.
Porém, foi triste ver e presenciar um profissional com quase trinta anos de profissão
se tornar uma figura decorativa na sala de aula, que não consegue chamar a atenção de seus
alunos, que reúne e confunde Cosmologia e Psicologia, por exemplo, afirmando que “estas,
como uma subdivisão da Filosofia Especulativa, que vem a ser uma das divisões da Filosofia
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juntamente com a Lógica e a Filosofia Prática” ou quando afirma que “a natureza de Deus
(Teodicéia) é um tratado de Metafísica”.
Apesar de a filosofia possibilitar um leque de conhecimento amplo e vasto, com mais
de dois mil anos de história, ou seja, apesar de tantos conhecimentos possíveis de serem
trabalhados numa aula de filosofia, o professor observado só consegue ser notado pelos
alunos a partir da alteração da voz ou quando “entra no clima dos alunos”, por intermédio de
brincadeiras com o uso de palavras sarcásticas e piadinhas de duplo sentido, como por
exemplo, em uma situação em que um aluno afirmou que estava com a mão doendo, o
professor perguntou com um olhar malicioso: “O que você andou fazendo? Andou tomando
banho sem água?” E o resultado: risos de todos na sala.
A filosofia deveria ser uma disciplina em que os alunos tivessem prazer em assistir
as aulas e na qual deveria ser dada a devida atenção. No entanto, no cenário no qual a
encontramos, onde o nível de desempenho do professor compromete a sobrevivência da
própria filosofia no contexto escolar, ela jamais será considerada uma disciplina importante,
como as disciplinas de Português ou Matemática, por exemplo.
Através da observação das aulas, detectamos a precarização da profissão docente,
pelas condições materiais de ensino, da falta de recursos didáticos e de profissional
desqualificado para exercer a função. Os métodos de ensino utilizados são ultrapassados. O
professor, por um lado, demonstra cansaço e limitação; por outro, demonstra falta de
responsabilidade e interesse para conduzir os alunos a um ensino de filosofia de qualidade.
Nietzsche, filósofo do século XIX, criticava um ensino de filosofia de caráter
enciclopédico, no qual o aluno apenas decorava o assunto para passar nos exames,
esquecendo-os depois. Nos dias atuais, indagamos: de Nietzsche até os nossos dias, o que
realmente mudou?
Pelo que observamos, a preocupação do docente em questão é: escrever no quadro e
pouco ou quase nada dizer ou debater sobre os conteúdos aplicados, repassados aos alunos,
que são como peças copiadoras, receptoras de uma informação que, porém, não foi
transformada em conhecimento e, consequentemente, não recebendo também dos alunos a
importância que é devida à disciplina.
Segundo Gallo (2008, p. 169), “[...] como não temos um currículo definido para
Filosofia, a abertura é muito grande [...]”. Assim, infelizmente, isso vai deixando espaço para
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conteúdos não filosóficos, uma filosofia que não abre espaço para perguntas e respostas, como
presenciamos em algumas salas de aula da escola pública que se constituiu em nosso campo
de estágio.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não foi objetivo deste trabalho depreciar o modo como um profissional docente
conduz suas atividades na sala de aula. No entanto, ao observar salas de aula reais e o modo
de agir de um determinado professor, chegamos à conclusão de que devemos tentar não
cometer os mesmos erros que foram praticados pelo professor observado a cada aula.
Ser professor é um desafio, pois não se trata apenas de transmitir conhecimentos,
mas, especificamente no caso da filosofia como disciplina, compartilhar séculos de sabedoria
e de conhecimentos acumulados historicamente, porém, de maneira que ela possa ser
compreendida, questionada e debatida.
Foram onze aulas observadas e a cada uma delas aprendíamos um pouco mais sobre
como não ser um professor de filosofia ou, pelo menos, como não entrar numa sala de aula e
trabalhar a disciplina filosofia sem ter qualquer material de apoio como um trecho de texto
filosófico, um texto retirado de um livro didático de filosofia e, até mesmo, um recurso não
filosófico, como a letra de uma música ou poema que se encaixe nos conteúdos filosóficos
que irão ser trabalhados. Isso seria o modo correto de ser trabalhado o ensino de filosofia,
como afirma Cerletti (2009, p. 39): “Os professores de filosofia ocupam o difícil lugar de
transmissão, da provocação e do convite. Transmitem saberes, mas provocando pensamento e
convidando a pensar”. Nesse sentido, a filosofia é considerada como lugar do questionamento,
da busca e da inquietude.
Durante o período de realização deste trabalho, pudemos observar vários momentos
que nos levaram a perceber e concluir que é possível um professor “entrar no clima dos
alunos”, mas de maneira produtiva, com habilidades para desenvolver no aluno seu potencial
frente ao que está sendo ensinado e não optar por um caminho pouco filosófico para o
trabalho com os conteúdos.
Esse também foi um período bastante proveitoso no sentido de constatar, até certo
ponto, a origem de problemas que, na maioria das vezes, poderia ser solucionado através de
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um trabalho sério com os assuntos de filosofia, proporcionando discussões propriamente da
área filosófica, com a utilização de recursos filosóficos e não filosóficos de forma adequada.
Detectamos que a escola dispõe de vasto material de filosofia em sua biblioteca e,
mesmo com a ausência do apoio pedagógico, bem como da falta do livro didático que não
chegou para todos os alunos, ainda assim seria possível trabalhar a filosofia como se deveria,
com conteúdos estritamente relacionados à filosofia.
É importante frisar que este trabalho de campo proporcionou uma nova visão acerca
do ensino de filosofia no ensino médio na rede pública, mais especificamente na escola objeto
de nossa pesquisa de campo. Se, por um lado, pudemos constatar algo desanimador quanto ao
trabalho desenvolvido pelo docente da disciplina filosofia, por outro lado também observamos
alunos com potencial de receptividade, mesmo torcendo o nariz para a disciplina em questão,
ao demonstraram que necessitavam de algo mais, além de conteúdos soltos e sem sentido.
Foi realmente uma grande experiência, na qual tivemos a oportunidade de conhecer
de perto a realidade da escola pública, repito, especificamente no estabelecimento de ensino
mencionado, em que todas as vezes que houve necessidade de realizarmos qualquer trabalho,
as pessoas responsáveis sempre foram muito receptivas, inclusive o professor observado.
Ao iniciar a etapa de Estágio Supervisionado 3, tínhamos uma visão de como seria
esse trabalho, talvez pela emoção de compartilhar uma sala de aula com um profissional,
mesmo como observadora. Porém, ao longo da atividade, com o desenvolvimento das aulas e
ao término delas, já tínhamos outra concepção a respeito da profissão docente, talvez como
consequência da aparente falta de intimidade do professor com a disciplina, apesar de tantos
anos de experiência, de sua passividade, como também da ausência de recursos filosóficos,
que resultaram de maneira desastrosa na escolha dos conteúdos não filosóficos.
Destaco outro aspecto que considero importante: a apatia proveniente da
coordenação pedagógica em relação ao processo de ensino-aprendizagem. Nesse contexto, o
professor de filosofia observado encontra-se solitário, sem ajuda e sem estímulo.
Mas, apesar de todas as dificuldades observadas, não podemos deixar de frisar a
importância do acolhimento recebido, a atenção e o respeito a nós dispensados pelo professor
observado, durante aproximadamente quatro meses, divididos em onze aulas observadas no
ensino médio. Aqui quero fazer uma distinção importante: o que está em questão aqui foi a
observação do profissional enquanto docente na disciplina filosofia e não a pessoa, o homem
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que, entre um dia de aula e outro, também ganha a vida como comerciante, ou seja, é uma
pessoa comum, como qualquer um.
Para concluir, indagamos: ficamos com uma visão pessimista?
Talvez, principalmente devido a tantos problemas encontrados no processo de
ensino-aprendizagem, tanto em relação ao professor – com seus horários não cumpridos, seus
métodos e conteúdos não filosóficos –, quanto à ausência de apoio pedagógico na escola para
a disciplina filosofia, a falta de recursos didáticos e a inexistência de conteúdos filosóficos nas
aulas de filosofia.
Mas, por outro lado, temos a certeza de que não faríamos desse modo como docente.
Na sala de aula, somos todos aprendizes, ávidos por desafios e questionamentos. Não
interessa apenas escrever, encher o quadro de palavras que não fazem o menor sentido para o
aluno.
Em suma, afirmamos que ensinar filosofia no ensino médio é um desafio, mas não é
algo impossível. Com conteúdos adequados e metodologia envolvente é possível conquistar
um espaço bem significativo para a reflexão filosófica nas salas de aula do ensino médio.
No momento atual, há um marasmo em relação ao ensino de filosofia no ensino
médio. Porém, também há a possibilidade de enfrentar esses desafios e tentar superá-los,
através de profissionais bem formados, persistentes e, principalmente, que saibam valorizar o
outro, reconhecer seus valores e respeitar seus limites, oferecendo-lhes a oportunidade para ir
além da simples reprodução de saberes. Profissionais que, além de filósofos, sejam
comprometidos pedagogicamente e politicamente com o trabalho e o ensino de filosofia
(CERLETTI, 2009), comprometidos, também, com as classes menos favorecidas, como é o
caso dos alunos das escolas da rede pública do nosso Estado.
REFERÊNCIAS:
CERLETTI, Alejandro. O ensino de filosofia como problema filosófico. Tradução: Ingrid
Muller Xavier). Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.
CORTELLA, Mário Sérgio. Filosofia e Ensino Médio: certos porquês, alguns senões, uma
proposta. Petrópolis: Vozes, 2009.
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FAVARETTO, Celso Fernando. O papel estratégico da Filosofia na educação básica. In:
Revista Dialogia. São Paulo: Universidade Nove de Julho (UNINOVE), 2011.
GALLO, Silvio. Para além da explicação: o professor e o aprendizado ativo da Filosofia. In:
KUIAVA, Evaldo Antonio; SANGALLI, Idalgo José; CARBONARA, Vanderlei (Orgs.).
Filosofia, formação docente e cidadania. Ijuí: Ed. Unijuí, 2008. (Coleção filosofia e ensino).
LORIERI, Marcos Antonio. Filosofia: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002.
(Coleção Docência em Formação).
MARTINS, José Antônio. O texto filosófico: uma necessidade. In: KUIAVA, Evaldo
Antônio; SANGALLI, Idalgo José; CARBONARA, Vanderlei. Filosofia, formação docente
e cidadania. Ijuí: Ed. Unijuí, 2008. p. 271 -289. (Coleção Filosofia e Ensino).
PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Docência no ensino
superior. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2011. (Coleção Docência em Formação).
PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro. Estágio e Docência. São Paulo: Cortez,
2004. (Coleção Docência em Formação. Série Saberes Pedagógicos).
RODRIGO, Lidia Maria. Filosofia em sala de aula: teoria e prática para o ensino de
filosofia. Campinas: Autores Associados, 2009. (Coleção Formação de Professores).
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