UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CENTRO DE EDUCAÇÃO SEMANA DE PEDAGOGIA 2013 “GESTÃO DA EDUCAÇÃO EM ALAGOAS: AMEAÇAS E DESAFIOS” O QUE NÃO ENSINAR NAS AULAS DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO: relato da experiência de observação de aulas Solange da Silva de Lima Graduanda do Curso Filosofia/UFAL e-mail: [email protected] Elizabete Amorim de Almeida Melo Profª. do Centro de Educação – CEDU/UFAL e-mail: [email protected] RESUMO: Este artigo é resultado da experiência de observação de aulas de Filosofia no ensino médio e tem como objetivos relatar a experiência em sala de aula, ressaltar a importância da Filosofia como disciplina para os alunos e, também, refletir sobre o desempenho do professor de Filosofia no que diz respeito aos seus métodos de trabalho em uma escola da rede pública estadual, situada no município de Rio Largo, estado de Alagoas. Essa atividade de campo foi proposta na disciplina Estágio Supervisionado em Filosofia 3 – Filosofia/UFAL, durante o primeiro semestre de 2012. As referências utilizadas como fundamento para a produção deste artigo foram extraídas de textos de autores como Cerletti (2009), Cortella (2009), Gallo (2008), Favaretto (2011), Lorieri (2002), Rodrigo (2009), entre outros. PALAVRAS-CHAVE: Estágio supervisionado. Ensino de filosofia. Relato de experiência. Conteúdos e metodologia. Formação de professores. 1 INTRODUÇÃO Durante o trabalho de campo de observação de aulas de Filosofia no ensino médio da rede pública estadual, para a disciplina Estágio Supervisionado em Filosofia 3, foi possível realizar dois objetivos: observar e analisar. Assim, o presente artigo foi construído, o qual inicialmente foi elaborado como relatório de atividades desenvolvidas na referida disciplina. Dessa forma, este material é resultado da observação de onze (11) aulas, coleta de dados e análise do trabalho desenvolvido por um professor de filosofia do ensino médio durante o primeiro semestre de 2012. Inicialmente, este trabalho de observação foi realizado nas três séries do ensino médio, ficando a critério do estagiário a escolha de duas turmas de séries diferentes para desenvolver suas atividades de observação e coleta de dados. UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CENTRO DE EDUCAÇÃO SEMANA DE PEDAGOGIA 2013 “GESTÃO DA EDUCAÇÃO EM ALAGOAS: AMEAÇAS E DESAFIOS” A realização dessa atividade teve como objetivo preparar o estagiário para colocar em prática os conhecimentos adquiridos durante as atividades realizadas em sala em aulas ministradas na disciplina Estágio Supervisionado 3. Porém, a partir da experiência vivenciada no trabalho de campo, a atividade adquiriu uma nova perspectiva, tendo como base determinados acontecimentos ocorridos durante o período de realização da atividade de observação em sala de aula, ou seja, ao invés de aprendermos o como fazer durante o processo de observação, ocorreu exatamente o contrário: aprendemos o que não fazer na sala de aula na disciplina filosofia. (Ou talvez fosse interessante colocar aqui exatamente o título do artigo: o que não fazer...). A fase inicial de desenvolvimento do trabalho de campo objeto desta pesquisa, foi realizada em etapas anteriores, em atividades realizadas nas disciplinas Estágio Supervisionado em Filosofia 1 e 2, entre elas a descrição física e funcional de um estabelecimento de ensino e uma aproximação com o trabalho docente através de uma entrevista com um professor. Nas aulas ministradas com este mesmo professor, nessa terceira etapa do trabalho de campo, realizamos a atividade de observação, em total de onze (11) aulas de filosofia nas séries finais do ensino médio. 2 DESCRIÇÃO GERAL DO TRABALHO DE CAMPO Um dos objetivos do Estágio Supervisionado em Filosofia é tornar os trabalhos de campo etapas preparatórias para a reflexão do trabalho docente e, assim, refletir sobre a teoria e a prática do trabalho em sala de aula (PIMENTA e ANASTASIOU, 2011; PIMENTA e LIMA, 2004), ou seja, preparar aqueles que, um dia, talvez, ao terminar a licenciatura, irão exercer a função, neste caso, a de professor de filosofia, colocando em prática os conhecimentos adquiridos durante a graduação. Durante aproximadamente quatro meses, foi feito um trabalho de observação de aulas de Filosofia numa escola de ensino médio da rede pública estadual. Esse trabalho consistiu em acompanhar o ensino de filosofia em duas turmas de séries diferentes, analisando os conteúdos, o desempenho do professor, as metodologias aplicadas, observando se as mesmas tinham como finalidade o bom aprendizado dos alunos e a relação destes com a disciplina. UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CENTRO DE EDUCAÇÃO SEMANA DE PEDAGOGIA 2013 “GESTÃO DA EDUCAÇÃO EM ALAGOAS: AMEAÇAS E DESAFIOS” Onze aulas foram observadas em três turmas: 1º ano F, 2º ano D e 3º ano C, todas funcionando no turno vespertino e com uma média de quarenta alunos em cada turma, com idade entre quinze e dezessete anos. Esse trabalho foi realizado numa escola localizada na zona urbana da cidade de Rio Largo, um estabelecimento de ensino tradicional, situado num ambiente com amplas instalações, áreas arborizadas e salas de aula suficientes para acomodar seus 1725 alunos, nos três turnos em que funciona. Para uma das autoras deste artigo, outrora a referida escola foi local de aprendizado como aluna. No entanto, atualmente, ela ainda é local de aprendizado, porém, agora como aluna/estagiária do curso de Filosofia e como espectadora das ações de um profissional experiente, mas limitado à sua área, sem pretensões de ampliar seu olhar para além do seu livro de História ou de suas apostilas amareladas. 3 CONTEÚDOS E METODOLOGIAS Foram realizadas observações inicialmente em três turmas do ensino médio na disciplina filosofia: 3º ano C, 2º ano D e 1º ano F. Ao longo do trabalho de campo, no entanto, prosseguimos com as duas primeiras turmas. A expectativa da experiência em estar presente numa sala de aula era como algo único, uma grande oportunidade para adquirir conhecimentos em virtude da vasta experiência do professor. Assim, onze (11) aulas foram observadas e a cada nova etapa era visível, apesar da experiência do professor à frente de uma sala de aula, a transmissão de conteúdos sem o devido conhecimento necessário ou segurança. Apenas informações que, na maioria das vezes, eram transmitidas de maneira equivocada e de origem duvidosa. A cada nova aula uma descoberta de que, pelo menos, no caso desse professor, ele não estava disposto a ampliar sua visão e, assim, mudar seus conteúdos de forma a despertar algo de bom nos alunos e não o desprezo pela disciplina. O profissional observado utilizou sempre o mesmo assunto para todas as turmas, sem nenhuma distinção. Pode-se argumentar que é um artifício aceitável, até mesmo pelo tempo UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CENTRO DE EDUCAÇÃO SEMANA DE PEDAGOGIA 2013 “GESTÃO DA EDUCAÇÃO EM ALAGOAS: AMEAÇAS E DESAFIOS” escasso, pois a duração da aula é de cinquenta minutos e, na maioria das vezes, menos que isso, devido aos atrasos do professor em seu local de trabalho ou por outro motivo. Porém, durante o desenvolvimento das atividades, até mesmo esse tempo mínimo pareceu longo demais em certas situações, na qual o professor perdeu a oportunidade de conhecer seus alunos e assim despertá-los para o diálogo, explorando assuntos que parecem simples, mas que tomam direções diferentes na proporção em que várias pessoas expõem seus pontos de vista. Para ficar mais claro, cito um exemplo: no 1º ano F, durante a aula inicial de filosofia do bimestre, o professor descreveu a palavra “filosofia ou Sophia como verdade”. Porém, uma aluna contestou tal definição. Foi um diálogo interessante que foi estabelecido entre ambos, que nos leva a acreditar que nem sempre o professor se encontra preparado para lidar com as inquietações de seus alunos, embora ele reconheça que o aluno deve sempre tirar suas dúvidas. Para um melhor entendimento dessa aula, descrevemos a seguir o diálogo entre a aluna e o professor sobre o conteúdo explorado no dia sobre o conceito de filosofia: - Ôh professor, a palavra filosofia significa a verdade é? No que o professor responde: É. A aluna retruca: Tá. Tchau! Filosofia é sabedoria. O professor (já contrariado) diz: Mas tá certo a palavra. A aluna ainda contesta: Mas eu aprendi assim! Esta foi a única aluna que ousou interferir e, no entanto, ficou sem resposta ou a confirmação da resposta que ela queria. Ainda nesse primeiro dia de observação, percebemos que o conteúdo transmitido foi o mesmo nas três séries do ensino médio. Dessa forma, relatamos mais um exemplo: o professor definiu a palavra sabedoria como “a arte de bem viver e como sentido das coisas”. Seguindo esse raciocínio, ele usou o seguinte exemplo: “Cada cérebro tem sua ideia diferente. Por exemplo, fulano é doido, mas, cada um tem sua ideia” (é importante frisar que essas foram as palavras que o professor observado usou literalmente). No entanto, outra coisa que nos chamou a atenção foi que nenhum aluno questionou esse exemplo. Em outras palavras, essa situação veio contribuir com a teoria de que quem estuda filosofia não é muito certo da cabeça e que filosofia tem a ver com loucura. No decorrer das onze aulas observadas, ficou visível a falta de conteúdos estritamente filosóficos, pois os assuntos dados em sala eram provenientes do livro História UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CENTRO DE EDUCAÇÃO SEMANA DE PEDAGOGIA 2013 “GESTÃO DA EDUCAÇÃO EM ALAGOAS: AMEAÇAS E DESAFIOS” Geral e do Brasil, dos autores Claudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo. Outro recurso didático utilizado era uma velha apostila, da qual o professor retirava algumas anotações que escrevia no quadro. Cerletti (2009, p. 9), com muita propriedade, afirma que: “[...] ensinar implica assumir um compromisso e uma responsabilidade muito grandes. Um bom docente será alguém que se situa à altura dessa responsabilidade [...]”. Mas, o que parece para muitos profissionais é que não se dão conta da responsabilidade que possuem, como nesse caso em questão, no qual o professor utiliza o mesmo conteúdo – que não é especificamente da área da filosofia – em todas as séries do ensino médio, demonstrando a necessidade urgente de se refletir acerca do modo como está a situação do ensino de filosofia nas salas de aulas da rede pública estadual de Alagoas, onde o professor de filosofia não tem formação específica para trabalhar a disciplina, como no caso dessa escola. À medida que o trabalho de observação foi evoluindo, era evidente a confusão em relação aos conteúdos que se esperam na disciplina filosofia e que não aconteciam na sala de aula do professor observado. Todavia, para os alunos, tudo estava fazendo parte dos conteúdos, pois ninguém tinha o livro didático para contestar, por exemplo, o que é que a Teodicéia tem a ver com a filosofia. E o que vem a ser Teodicéia? Segundo o professor observado, “Teodicéia é a interpretação, na História, da vida de Cristo”. Ora, em que o professor se baseou para afirmar isso, não podemos esclarecer, pois não foi explicitado por ele. Durante essa aula, muitos assuntos vieram à tona, até Buda foi invocado, embora de forma descontextualizada e sem sentido. Embora possamos dizer, de forma ampla, que Buda tivesse uma “filosofia de vida”, o que queremos ressaltar é que não podemos confundir filosofia com religião ou com autoajuda. Em nossas observações, ficou claro o uso indevido de conteúdos de História, de textos de autoajuda e de religião nas aulas de filosofia. As aulas pouco ou nada tinham de filosofia. Segundo Cortella (2009, p. 33), a “[...] filosofia é autoajuda mesmo, no sentido de que não há produção da reflexão humana que não tenha como finalidade central fazer com que elevemos, cresçamos, superemos a nossa condição atual”. Mas, no contexto das aulas observadas, percebemos que os conteúdos eram trabalhados de forma deslocada, estranha, UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CENTRO DE EDUCAÇÃO SEMANA DE PEDAGOGIA 2013 “GESTÃO DA EDUCAÇÃO EM ALAGOAS: AMEAÇAS E DESAFIOS” alheia ao que diz respeito à filosofia como disciplina, ao explorar vagamente um conteúdo com o teor mais psicológico e mais cultural, pelo modo como foi colocado em sala pelo professor. A filosofia não deve ser tratada como uma literatura de impacto. Ela é reflexão, conhecimento, questionamento. Deve-se respeitar a sua especificidade enquanto uma área do conhecimento que tem conteúdos específicos e, portanto, também se exige uma metodologia adequada (RODRIGO, 2009; GALLO, 2008; LORIERI, 2002). Na maioria das aulas observadas, o conteúdo de filosofia era apresentado de forma vaga. Nesse contexto, a filosofia sem identidade se confunde com a cultura, com a religião asiática e termina com o confucionismo, doutrina que ensina, segundo o que foi demonstrado na sala de aula pelo professor observado, “o desprezo pela riqueza e pela harmonia”. É importante ressaltar que, a cada aula, o professor chega com um assunto que foge mais e mais da filosofia. De maneira geral, nem parece aula de filosofia, mas, de qualquer outra coisa que não saberíamos definir. São assuntos que, aparentemente, têm relação com certos aspectos da filosofia. No entanto, são colocados de uma maneira que foge totalmente a qualquer conteúdo de base filosófica, com exemplos estranhos que provocam risos entre os alunos. Assim, tem-se um professor que tem seu próprio material para dar aula, sem nenhum acompanhamento da coordenação pedagógica da escola para acompanhá-lo e orientá-lo, resultando em um processo de ensino-aprendizagem no qual o professor escreve no quadro, os alunos copiam nos cadernos e não se aprende nada de filosofia efetivamente. Cabe ao professor desenvolver seus conteúdos de modo que torne suas aulas mais dinâmicas. Mesmo enfrentando alguns contratempos, como, por exemplo,: o pouco tempo de aula semanal e a falta do livro didático, o professor não deve deixar “[...] de dirigir as atividades e reforçar os conhecimentos, para que não se caia na eventual ‘achologia’ que produz uma superficialidade indesejável e desnecessária” (CORTELLA, 2009, p. 61), como é o caso retratado nesse trabalho de campo. UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CENTRO DE EDUCAÇÃO SEMANA DE PEDAGOGIA 2013 “GESTÃO DA EDUCAÇÃO EM ALAGOAS: AMEAÇAS E DESAFIOS” 4 O PROFESSOR: “Peça decorativa” ou como não ser um professor de Filosofia O objetivo inicial deste trabalho de campo, desde o início, foi tentar captar a realidade concreta da prática docente de um professor de filosofia nas salas de aula do ensino médio. No entanto, temos que confessar que não esperávamos uma experiência tão cruel. Esperávamos encontrar e mostrar um professor criativo, que envolvesse seus alunos em discussões, incentivando-os a questionar. Esperávamos encontrar um profissional – de carne e osso – que tivesse dificuldades, limites e desafios, mas que também demonstrasse respeito e compromisso pelo que faz. Entretanto, a realidade encontrada nas salas de aula de uma escola do ensino médio da rede pública estadual foi a de um professor tão desgastado quanto seus métodos. Ele demonstrou incapacidade e falta de vontade para ampliar seu conhecimento e mudar a sua prática docente. A partir do referencial teórico estudado nas aulas da universidade (FAVARETTO, 2011; RODRIGO, 2009; GALLO, 2008; MARTINS, 2008), sabemos que não é adequado que aquele que vai ensinar a disciplina filosofia não tenha contato com a obra filosófica e com diferentes tipos de textos filosóficos. Diante da realidade encontrada, indagamos: será que há outros profissionais como o que observamos no ensino médio? O que esperar da filosofia como disciplina no ensino médio na rede pública? Ao professor é imprescindível conhecer seus alunos, suas dificuldades, seus anseios. Conhecê-los para envolvê-los em seus métodos de ensino. Segundo Cerletti (2009, p. 36): O desafio de todo docente – e muito em especial de quem ensina filosofia – é conseguir que em suas aulas, para além da transmissão de informação, procura-se uma mudança subjetiva. Fundamentalmente de seus alunos, mas também de si mesmo. Porém, foi triste ver e presenciar um profissional com quase trinta anos de profissão se tornar uma figura decorativa na sala de aula, que não consegue chamar a atenção de seus alunos, que reúne e confunde Cosmologia e Psicologia, por exemplo, afirmando que “estas, como uma subdivisão da Filosofia Especulativa, que vem a ser uma das divisões da Filosofia UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CENTRO DE EDUCAÇÃO SEMANA DE PEDAGOGIA 2013 “GESTÃO DA EDUCAÇÃO EM ALAGOAS: AMEAÇAS E DESAFIOS” juntamente com a Lógica e a Filosofia Prática” ou quando afirma que “a natureza de Deus (Teodicéia) é um tratado de Metafísica”. Apesar de a filosofia possibilitar um leque de conhecimento amplo e vasto, com mais de dois mil anos de história, ou seja, apesar de tantos conhecimentos possíveis de serem trabalhados numa aula de filosofia, o professor observado só consegue ser notado pelos alunos a partir da alteração da voz ou quando “entra no clima dos alunos”, por intermédio de brincadeiras com o uso de palavras sarcásticas e piadinhas de duplo sentido, como por exemplo, em uma situação em que um aluno afirmou que estava com a mão doendo, o professor perguntou com um olhar malicioso: “O que você andou fazendo? Andou tomando banho sem água?” E o resultado: risos de todos na sala. A filosofia deveria ser uma disciplina em que os alunos tivessem prazer em assistir as aulas e na qual deveria ser dada a devida atenção. No entanto, no cenário no qual a encontramos, onde o nível de desempenho do professor compromete a sobrevivência da própria filosofia no contexto escolar, ela jamais será considerada uma disciplina importante, como as disciplinas de Português ou Matemática, por exemplo. Através da observação das aulas, detectamos a precarização da profissão docente, pelas condições materiais de ensino, da falta de recursos didáticos e de profissional desqualificado para exercer a função. Os métodos de ensino utilizados são ultrapassados. O professor, por um lado, demonstra cansaço e limitação; por outro, demonstra falta de responsabilidade e interesse para conduzir os alunos a um ensino de filosofia de qualidade. Nietzsche, filósofo do século XIX, criticava um ensino de filosofia de caráter enciclopédico, no qual o aluno apenas decorava o assunto para passar nos exames, esquecendo-os depois. Nos dias atuais, indagamos: de Nietzsche até os nossos dias, o que realmente mudou? Pelo que observamos, a preocupação do docente em questão é: escrever no quadro e pouco ou quase nada dizer ou debater sobre os conteúdos aplicados, repassados aos alunos, que são como peças copiadoras, receptoras de uma informação que, porém, não foi transformada em conhecimento e, consequentemente, não recebendo também dos alunos a importância que é devida à disciplina. Segundo Gallo (2008, p. 169), “[...] como não temos um currículo definido para Filosofia, a abertura é muito grande [...]”. Assim, infelizmente, isso vai deixando espaço para UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CENTRO DE EDUCAÇÃO SEMANA DE PEDAGOGIA 2013 “GESTÃO DA EDUCAÇÃO EM ALAGOAS: AMEAÇAS E DESAFIOS” conteúdos não filosóficos, uma filosofia que não abre espaço para perguntas e respostas, como presenciamos em algumas salas de aula da escola pública que se constituiu em nosso campo de estágio. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Não foi objetivo deste trabalho depreciar o modo como um profissional docente conduz suas atividades na sala de aula. No entanto, ao observar salas de aula reais e o modo de agir de um determinado professor, chegamos à conclusão de que devemos tentar não cometer os mesmos erros que foram praticados pelo professor observado a cada aula. Ser professor é um desafio, pois não se trata apenas de transmitir conhecimentos, mas, especificamente no caso da filosofia como disciplina, compartilhar séculos de sabedoria e de conhecimentos acumulados historicamente, porém, de maneira que ela possa ser compreendida, questionada e debatida. Foram onze aulas observadas e a cada uma delas aprendíamos um pouco mais sobre como não ser um professor de filosofia ou, pelo menos, como não entrar numa sala de aula e trabalhar a disciplina filosofia sem ter qualquer material de apoio como um trecho de texto filosófico, um texto retirado de um livro didático de filosofia e, até mesmo, um recurso não filosófico, como a letra de uma música ou poema que se encaixe nos conteúdos filosóficos que irão ser trabalhados. Isso seria o modo correto de ser trabalhado o ensino de filosofia, como afirma Cerletti (2009, p. 39): “Os professores de filosofia ocupam o difícil lugar de transmissão, da provocação e do convite. Transmitem saberes, mas provocando pensamento e convidando a pensar”. Nesse sentido, a filosofia é considerada como lugar do questionamento, da busca e da inquietude. Durante o período de realização deste trabalho, pudemos observar vários momentos que nos levaram a perceber e concluir que é possível um professor “entrar no clima dos alunos”, mas de maneira produtiva, com habilidades para desenvolver no aluno seu potencial frente ao que está sendo ensinado e não optar por um caminho pouco filosófico para o trabalho com os conteúdos. Esse também foi um período bastante proveitoso no sentido de constatar, até certo ponto, a origem de problemas que, na maioria das vezes, poderia ser solucionado através de UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CENTRO DE EDUCAÇÃO SEMANA DE PEDAGOGIA 2013 “GESTÃO DA EDUCAÇÃO EM ALAGOAS: AMEAÇAS E DESAFIOS” um trabalho sério com os assuntos de filosofia, proporcionando discussões propriamente da área filosófica, com a utilização de recursos filosóficos e não filosóficos de forma adequada. Detectamos que a escola dispõe de vasto material de filosofia em sua biblioteca e, mesmo com a ausência do apoio pedagógico, bem como da falta do livro didático que não chegou para todos os alunos, ainda assim seria possível trabalhar a filosofia como se deveria, com conteúdos estritamente relacionados à filosofia. É importante frisar que este trabalho de campo proporcionou uma nova visão acerca do ensino de filosofia no ensino médio na rede pública, mais especificamente na escola objeto de nossa pesquisa de campo. Se, por um lado, pudemos constatar algo desanimador quanto ao trabalho desenvolvido pelo docente da disciplina filosofia, por outro lado também observamos alunos com potencial de receptividade, mesmo torcendo o nariz para a disciplina em questão, ao demonstraram que necessitavam de algo mais, além de conteúdos soltos e sem sentido. Foi realmente uma grande experiência, na qual tivemos a oportunidade de conhecer de perto a realidade da escola pública, repito, especificamente no estabelecimento de ensino mencionado, em que todas as vezes que houve necessidade de realizarmos qualquer trabalho, as pessoas responsáveis sempre foram muito receptivas, inclusive o professor observado. Ao iniciar a etapa de Estágio Supervisionado 3, tínhamos uma visão de como seria esse trabalho, talvez pela emoção de compartilhar uma sala de aula com um profissional, mesmo como observadora. Porém, ao longo da atividade, com o desenvolvimento das aulas e ao término delas, já tínhamos outra concepção a respeito da profissão docente, talvez como consequência da aparente falta de intimidade do professor com a disciplina, apesar de tantos anos de experiência, de sua passividade, como também da ausência de recursos filosóficos, que resultaram de maneira desastrosa na escolha dos conteúdos não filosóficos. Destaco outro aspecto que considero importante: a apatia proveniente da coordenação pedagógica em relação ao processo de ensino-aprendizagem. Nesse contexto, o professor de filosofia observado encontra-se solitário, sem ajuda e sem estímulo. Mas, apesar de todas as dificuldades observadas, não podemos deixar de frisar a importância do acolhimento recebido, a atenção e o respeito a nós dispensados pelo professor observado, durante aproximadamente quatro meses, divididos em onze aulas observadas no ensino médio. Aqui quero fazer uma distinção importante: o que está em questão aqui foi a observação do profissional enquanto docente na disciplina filosofia e não a pessoa, o homem UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CENTRO DE EDUCAÇÃO SEMANA DE PEDAGOGIA 2013 “GESTÃO DA EDUCAÇÃO EM ALAGOAS: AMEAÇAS E DESAFIOS” que, entre um dia de aula e outro, também ganha a vida como comerciante, ou seja, é uma pessoa comum, como qualquer um. Para concluir, indagamos: ficamos com uma visão pessimista? Talvez, principalmente devido a tantos problemas encontrados no processo de ensino-aprendizagem, tanto em relação ao professor – com seus horários não cumpridos, seus métodos e conteúdos não filosóficos –, quanto à ausência de apoio pedagógico na escola para a disciplina filosofia, a falta de recursos didáticos e a inexistência de conteúdos filosóficos nas aulas de filosofia. Mas, por outro lado, temos a certeza de que não faríamos desse modo como docente. Na sala de aula, somos todos aprendizes, ávidos por desafios e questionamentos. Não interessa apenas escrever, encher o quadro de palavras que não fazem o menor sentido para o aluno. Em suma, afirmamos que ensinar filosofia no ensino médio é um desafio, mas não é algo impossível. Com conteúdos adequados e metodologia envolvente é possível conquistar um espaço bem significativo para a reflexão filosófica nas salas de aula do ensino médio. No momento atual, há um marasmo em relação ao ensino de filosofia no ensino médio. Porém, também há a possibilidade de enfrentar esses desafios e tentar superá-los, através de profissionais bem formados, persistentes e, principalmente, que saibam valorizar o outro, reconhecer seus valores e respeitar seus limites, oferecendo-lhes a oportunidade para ir além da simples reprodução de saberes. Profissionais que, além de filósofos, sejam comprometidos pedagogicamente e politicamente com o trabalho e o ensino de filosofia (CERLETTI, 2009), comprometidos, também, com as classes menos favorecidas, como é o caso dos alunos das escolas da rede pública do nosso Estado. REFERÊNCIAS: CERLETTI, Alejandro. O ensino de filosofia como problema filosófico. Tradução: Ingrid Muller Xavier). Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. CORTELLA, Mário Sérgio. Filosofia e Ensino Médio: certos porquês, alguns senões, uma proposta. Petrópolis: Vozes, 2009. UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CENTRO DE EDUCAÇÃO SEMANA DE PEDAGOGIA 2013 “GESTÃO DA EDUCAÇÃO EM ALAGOAS: AMEAÇAS E DESAFIOS” FAVARETTO, Celso Fernando. O papel estratégico da Filosofia na educação básica. In: Revista Dialogia. São Paulo: Universidade Nove de Julho (UNINOVE), 2011. GALLO, Silvio. Para além da explicação: o professor e o aprendizado ativo da Filosofia. In: KUIAVA, Evaldo Antonio; SANGALLI, Idalgo José; CARBONARA, Vanderlei (Orgs.). Filosofia, formação docente e cidadania. Ijuí: Ed. Unijuí, 2008. (Coleção filosofia e ensino). LORIERI, Marcos Antonio. Filosofia: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002. (Coleção Docência em Formação). MARTINS, José Antônio. O texto filosófico: uma necessidade. In: KUIAVA, Evaldo Antônio; SANGALLI, Idalgo José; CARBONARA, Vanderlei. Filosofia, formação docente e cidadania. Ijuí: Ed. Unijuí, 2008. p. 271 -289. (Coleção Filosofia e Ensino). PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Docência no ensino superior. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2011. (Coleção Docência em Formação). PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro. Estágio e Docência. São Paulo: Cortez, 2004. (Coleção Docência em Formação. Série Saberes Pedagógicos). RODRIGO, Lidia Maria. Filosofia em sala de aula: teoria e prática para o ensino de filosofia. Campinas: Autores Associados, 2009. (Coleção Formação de Professores).