SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA A formação da Sociologia é o resultado histórico de uma necessidade urgente de dar respostas racionais aos problemas sociais inaugurados pela estrutura social moderna, consolidada através da dupla revolução liberal-burguesa (Revolução Francesa e a Revolução Industrial). Principais impactos das Revoluções na sociedade européia: Crescimento das desigualdades e contrastes sociais implementados pela consolidação do capitalismo industrial, inaugurando a problemática e o tema da "questão social", que é apresentado nos aglomerados urbanos como Londres e Paris no século XIX. Formação de um modo-de-produção (capitalismo) que subsiste através de uma relação contrastiva entre as classes, marcada pela expropriação "legítima" da força de trabalho do proletariado, ocasionando crises de pré-rompimento na relação capital x trabalho. Rompimento com os modos de vida tradicionais e com as instituições morais pertencentes à tradição, eliminação gradual das relações cooperativas e comunitárias e inauguração de relações sociais dissociativas, intensificando a diferenciação dos indivíduos e provocando um processo de individualização. Racionalização estrutural das sociedades economicamente avançadas, na esfera econômica; inauguração de relações despojadas de valores afetivos e particularismos, na esfera política; burocratização do aparelho estatal, na esfera filosófica; laicização e secularização das instituições e condutas. O Positivismo de Auguste Comte O termo positivismo é extraído do sistema filosófico de Auguste Comte (17891857) pensador francês que acreditava na possibilidade de uma ciência que pudesse explicar e controlar os fenômenos sociais de forma positiva, isto é, de forma prática, a noção de ciência em Comte é um tanto instrumental, pois a mesma está voltada para a função da higienização e harmonização do social. Filosofia = sistema geral do conhecimento humano, positiva = o real frente ao quimérico, o útil frente a o inútil, a segurança frente à insegurança, o preciso frente ao vago, o relativo frente ao absoluto. O pensamento de Comte pode ser dividido em três etapas: Primeira etapa (1820-1824) -Obras: *Opúsculos de filosofia social: uma apreciação sumária sobre o passado moderno. *Prospectos científicos necessários para a reordenação do social. -Temas centrais: - a fragmentação das instituições morais. - a desordem social inaugurada pela modernidade. -Comentários: nesse período de formação intelectual, Comte demonstra a profunda influência das ciências naturais na sua formação estudantil, tanto é que os temas iniciais são tratados de forma naturalista e organicista, Comte em 1838 troca o título "física social" por sociologia, que á a ciência do coroamento evolutivo no mundo moderno, Já que Comte trabalha com conceitos tomados por empréstimo da física newtoniana e do evolucionismo darwinista, essa marca metodológica está presente na tríade conceitual positivista, sob a forma do organicismo, evolucioniosmo e darwinismo social. Segunda Etapa (1830-1842) -Obras: *Curso de filosofia positiva (sete volumes) -Temas centrais: -a afirmação da superioridade orgânica das sociedades européias. -a afirmação da progressividade da história das sociedades. -a apresentação da lei dos três estados: estado teológico ou fictício, estado metafísico ou abstrato e o estado científico ou positivo. -Comentários: nessa outra etapa do pensamento de Comte, podemos notar a evolução e o desdobramento dos conceitos colocados na primeira etapa, aqui Comte desenvolve sua visão evolucionista da história, ao confirmar que a história das sociedades segue uma lei imutável rumo ao fim da sua própria história, marcado pelo coroamento intelectual dos homens no estado positivo, aqui ocorre a apresentação do processo de evolução, atravessando o estado teológico-fictício, metafísico-abstrato e chegando ao topo, no estado positivo-científico. Terceira etapa (1851-1854) -Obras: *Curso de política positiva necessário para a instauração da religião da humanidade. -Temas centrais: -a necessidade de uma reforma moral e intelectual dos homens nas sociedades modernas. -a reforma institucional e a nova instituição das Providências (material, moral e intelectual). -a divisão da Sociologia em duas partes: estática e dinâmica sociais. -Comentários: a última etapa do pensamento de Comte é marcada por uma vontade quase espiritualizada de transformar os novos rumos da sociedade industrial que merece reparos institucionais, por isso a criação de um "consenso moral" e de um "acordo de espíritos" é necessário para a retomada saudável da evolução, mas é claro a evolução só se justifica pela presença de uma estática social, ou seja, uma ordem orgânica interna. Revolução Francesa, processo social e político ocorrido na França entre 1789 e 1799, cujas principais conseqüências foram a queda de Luís XVI, a abolição da monarquia e a proclamação da República, que poria fim ao Antigo Regime. As causas determinantes de tal processo estavam na incapacidade das classes dominantes (nobreza, clero e burguesia) de enfrentar os problemas do Estado, a indecisão da monarquia, o excesso de impostos que pesavam sobre os camponeses, o empobrecimento dos trabalhadores, a agitação intelectual estimulada pelo Século das Luzes e o exemplo da Guerra da Independência norteamericana. Os iluministas atacavam os fundamentos da sociedade feudal, os privilégios dos nobres e as restrições que estes impunham aos interesses econômicos e políticos da burguesia. Combinando o uso da razão e da observação os iluministas analisaram as instituições da época demonstrando que elas eram injustas e deveriam ser iluminadas. A Revolução Industrial foi a expressão do poder da burguesia em ascensão e demonstrou a eficácia do novo saber inaugurado no séc. XVII, levando a concepção de cientificismo, no qual a ciência é considerada o único conhecimento possível e o método utilizado pelas ciências sociais o único válido. Representou também o triunfo da indústria capitalista. Até o séc. XVII Senhor de feudal x servos Valores: família (linhagem) Oposição ao trabalho Riqueza: terras Influência do dogmatismo: fé e revelação Séc. XVII, XVIII e XIX Burguesia x proletariado Valores: prestígio resultante do esforço e da capacidade de trabalho individual Riqueza: moeda, metais preciosos. Poder exclusivo da razão (capacidade de discernir, distinguir e comparar) A nova ordem social nascente, totalmente distinta do passado medieval e antigo, exige novas formas interpretativas, portanto a Sociologia surge de uma combinação histórica e temporal entre os problemas e pontos críticos da modernidade, através da formação de um corpo teórico e metodológico estruturado numa forma de conhecer a realidade de modo racional e experimental, herança das ciências físicas e naturais. A lei dos três estados O espírito humano, em seu esforço para explicar o universo, passa sucessivamente por três estados: a) O estado teológico ou "fictício" explica os fatos por meio de vontades transcendentais ou agentes sobre naturais (a tempestade, por exemplo, será explicada por um capricho do deus dos ventos, Eolo). Este estado evolui do fetichismo ao politeísmo e ao monoteísmo. b) O estado metafísico onde os fenômenos são explicados por meio de forças ou entidades ocultas e abstratas. A tempestade, por exemplo, será explicada pela "virtude dinâmica" do ar. O homem projeta espontaneamente sua própria psicologia sobre a natureza. A explicação dita teológica ou metafísica é uma explicação ingenuamente psicológica. A explicação metafísica tem para Comte uma importância, sobretudo histórica, como crítica e negação da explicação teológica precedente. Desse modo, os revolucionários de 1789 são "metafísicos" quando evocam os "direitos" do homem - reivindicação crítica contra os deveres teológicos anteriores, mas sem conteúdo real. c) O estado positivo é aquele em que o espírito renuncia a procurar os fins últimos e a responder aos últimos "por quês", no qual se explicam os fenômenos, subordinando-os às leis experimentalmente demonstradas. A noção de causa (transposição abusiva de nossa experiência interior do querer para a natureza) é por ele substituída pela noção de lei. Contentar-nos-emos em descrever como os fatos se passam, em descobrir as leis (exprimíveis em linguagem matemática) segundo as quais os fenômenos se encadeiam uns nos outros. Tal concepção do saber desemboca diretamente na técnica: o conhecimento das leis positivas da natureza nos permite, com efeito, quando um fenômeno é dado, prever o fenômeno que se seguirá e, eventualmente agindo sobre o primeiro, transformar o segundo. ("Ciência donde previsão, previsão donde ação"). Acrescentemos que para Augusto Comte a lei dos três estados não é somente verdadeira para a história da nossa espécie, ela o é também para o desenvolvimento de cada indivíduo. A criança dá explicações teológicas, o adolescente é metafísico, ao passo que o adulto chega a uma concepção "positivista" das coisas. Evolução das ciências As ciências, no decurso da história, não se tornaram "positivas" na mesma data, mas numa certa ordem de sucessão que corresponde à célebre classificação: matemáticas, astronomia, física, química, biologia, sociologia. Das matemáticas à sociologia a ordem é a do mais simples ao mais complexo, do mais abstrato ao mais concreto e de uma proximidade crescente em relação ao homem.Esta ordem corresponde à ordem histórica da aparição das ciências positivas Sociologia estática e sociologia dinâmica Comte distingue a sociologia estática (estudo da ordem social) da sociologia dinâmica (estuda a evolução da sociedade). A primeira estuda as condições gerais de toda a vida social, considerada em si mesma, em qualquer tempo e lugar. Três instituições sempre são necessárias para fazer com que o altruísmo predomine sobre o egoísmo (condição de vida social). A propriedade (que permite ao homem produzir mais do que para as suas necessidades egoístas imediatas, isto é, fazer provisões, acumular um capital que será útil a todos), a família (educadora insubstituível para o sentimento de solidariedade e respeito às tradições), a linguagem (que permite a comunicação entre os indivíduos e, sob a forma de escrita, a constituição de um capital intelectual, exatamente como a propriedade cria um capital material). A sociologia dinâmica estuda as condições da evolução da sociedade: do estado teológico ao estado positivo na ordem intelectual, do estado militar ao industrial na ordem prática - do estado de egoísmo ao de altruísmo na ordem afetiva. A ciência que prepara a união de todos os espíritos concluirá a obra de unidade (que a Igreja católica havia parcialmente realizado na Idade Média) e tornará o altruísmo universal, "planetário". A sociedade positiva terá, exatamente como a sociedade cristã da Idade Média, seu poder temporal (os industriais e os banqueiros) e seu poder espiritual (os sábios, principalmente os sociólogos, que terão, à sua testa, o papa positivista, o Grão-Sacerdote da Humanidade, isto é, o próprio Augusto Comte).