UMA ANÁLISE A RESPEITO DA INCLUSÃO DA ORIENTAÇÃO

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UMA ANÁLISE A RESPEITO DA INCLUSÃO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL
COMO DIREITO ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE
AN ANALYSIS ABOUT THE SEXUAL ORIENTATION INCLUSION AS A
FUNDAMENTAL RIGHT CONSTITUTIONALLY ASSURED
RESUMO: O presente artigo visa analisar a orientação sexual do ser humano sob o
aspecto de direto fundamental, corroborando com o propósito de diversos projetos de lei
até a PEC nº 00111/2011. Busca-se mostrar que a luta pelos direitos iguais teve início
antes mesmo da promulgação da Constituição da República de 1988, através de várias
formas de protestos de minorias, demonstrando de forma sucinta a evolução que o tema
sofreu do decorrer dos anos e a diferença na sua abordagem legal. Evidencia-se aqui
que, juridicamente, o homossexual passou a ser percebido após a crescente
reivindicação dos grupos LGBT. Também, analisa-se rapidamente o papel da letra da lei
como motivador de transformação social em longo prazo. A pesquisa tem caráter
exploratório e bibliográfico, sendo realizada através da sistematização de referencial
teórico-metodológico a partir da demonstração e análise da doutrina pátria e de recentes
projetos de lei acerca do que tange o assunto abordado. Visualiza-se que, apesar dos
esforços pontuais em se instituir uma legislação que venha a dar tratamento isonômico
ao heterossexual e ao homossexual, o legislador ainda é reticente no trato da orientação
sexual como direito fundamental.
PALAVRAS-CHAVE: ORIENTAÇÃO SEXUAL, DIREITO FUNDAMENTAL,
CONSTITUIÇÃO.
ABSTRACT: This article aims to analyse the sexual orientation of the human being
under the aspect of Fundamental rights, in order to support the importance of many
legislation projects, including the Brazilian Constitution Amendments Proposal No.
00111/2011.It is shown that the fight for equal rights began even before the 1998
Constitution promulgation through various forms of protests by minorities, succinctly
demonstrating the evolution that gays and lesbians suffered from over the years and the
difference in their legal approach. It is shown here that legally, the homosexual people
became noticed after the growing demand of LGBT groups. Also, there is a quick
discussion about the law itself and its existence importance as motivator for social
changes in a long term. The research is exploratory and literature based, being held
through the organization of theoretical and methodological work from the main
analytical categories: demonstration and analysis of Brazilian doctrine and judicial
decisions concerning homosexual couples regarding the subject matter. It’s possible to
visualize that, despite occasional efforts in instituting legislation that will give isonomic
treatment to heterosexual and homosexual, the legislator is still reticent in dealing with
sexual orientation as a fundamental right.
KEY-WORDS:
SEXUAL
CONSTITUTION.
ORIENTATION,
FUNDAMENTAL
RIGHTS,
INTRODUÇÃO
Hoje, ao mencionar a homossexualidade, fala-se em direitos humanos,
igualdade e respeito. Acredita-se que o Brasil é o país da diversidade, que o país do
carnaval recebe a todos de braços abertos independente da cor, crença, raça, sexo,
orientação sexual. A realidade, entretanto, parece bem diversa desse ideal.
Embora muito tenha se construído em prol das minorias, o discurso
extremamente oposto ao anterior é corriqueiro. Há quem acredite piamente que hoje se
vive uma ditadura gay, que os gays querem cercear o direito do heterossexual, chegando
ao cúmulo de existir projeto de lei criminalizando a então heterofobia1.
Os discursos, acalorados e variados, quando saem do âmbito acadêmico
passam a ser equivocados, uma vez que se dissemina a ideia de que uma possível
criminalização da homofobia, por exemplo, vá acabar com a liberdade de culto, ou que
a adoção por casal homoafetivo, que já vem se tornando uma prática menos burocrática,
venha destruir o intelecto de um ser em desenvolvimento.
A presente pesquisa, levando essas discussões em consideração, aborda o
efetivo direito à orientação sexual, no sentido de demonstrá-la como essência do ser
humano e, portanto, objeto de proteção constitucional. A discussão se faz pertinente
exatamente pela forma dúbia como a qual o assunto é recebido pelos legisladores e pela
sociedade.
A pesquisa demonstrará de forma sucinta a evolução do cidadão homossexual
no Brasil, passando pela promulgação da Constituição da República de 1988 e chegando
até os dias recentes, listando os principais acontecimentos no âmbito do Poder
Judiciário e do Poder Legislativo.
Por fim, aborda-se os princípios da liberdade e igualdade, e juntamente com a
doutrina dominante, passa-se a demonstrar que tais princípios só serão efetivos ao
homossexual com a plena proteção da orientação sexual, vindo ao encontro da Proposta
de Emenda à Constituição nº 111/20112.
O CIDADÃO HOMOSSEXUAL E A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE
1988
Desde a promulgação da Constituição da República de 1988, observamos um
Estado que vai, paulatinamente, entregando aos homossexuais sua parcela de cidadania,
como se agindo aos poucos, poupasse a sociedade conservadora do choque das
mudanças inevitáveis. Hoje, muito se ouve sobre homossexuais, homofobia, casamento
gay e, apesar das várias mudanças no âmbito social e familiar no que concerne aos
homossexuais, ainda não se pode afirmar que o Brasil se trata de um país livre por
excelência.
Resumidamente, a homossexualidade possui registros tão antigos quanto a
própria humanidade;
1
Projeto de Lei 7382/2010. Penaliza a discriminação contra heterossexuais e determina que as medidas e
políticas públicas antidiscriminatórias atentem para essa possibilidade. Disponível em <
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=478462>. Acesso em
14/03/2013.
2
Proposta de Emenda à Constituição nº 111/2011. Altera o art. 3º da Constituição Federal para incluir
entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, sem
preconceitos relativos a identidade de gênero ou orientação sexual. Disponível em<>. Acesso em
O amor entre dois homens era punido com a morte, a não ser que você fosse
o rei Davi. Os livros Samuel I e Samuel II contam a história da amizade entre
ele e Jonatã, filho do rei Saul, antecessor de Davi e candidato natural ao trono
de Israel. Davi acaba escolhido para a sucessão, mas isso não abala o
relacionamento dos dois. Está escrito: “A alma de Jonatã se ligou com a alma
de Davi. E Jonatã o amou, como sua própria alma’’ (Samuel I). “Esse relato
incomoda os intérpretes tradicionais da Bíblia, que tentam explicar a relação
como uma forte amizade, e o beijo como um costume comum entre os
homens”, diz o historiador Finlandês Martii Nissinen, da Universidade de
Helsinki e autor de Homoeroticism in the Biblical World (Homoerostismo no
Mundo Bíblico). “Mas é difícil negar a referencia à homossexualidade nesse
caso, mesmo que alei judaica proíba expressamente.” Em mais de uma
ocasião, os relacionamentos entre homens são chamados de “abominação” e
“pecado contra Javé”. Para alguns especialistas, o Antigo Testamento
também sugere um relacionamento homossexual entre dias mulheres, Noemi
e sua nora Rute. Está no livro de Rute um trecho em que ela diz a Noemi:
“Aonde quer que tu fores irei eu, e onde quer que pousares, ali pousarei eu.
Onde quer que morreres morrerei eu, e ali serei sepultada” (VERSIGNASSI;
CORDEIRO, 2012, p. 51).
No Brasil, relatos contam que as práticas homossexuais eram das mais variadas
de acordo com cada tribo indígena observada (TREVISAN, 2007, pg. 65). A
homossexualidade sempre existiu e foi encarada de forma velada no país, e assim
permaneceu durante décadas.
Foi só com o advento da Independência do Brasil e a instituição de um novo
Código Penal que a então chamada “prática homossexual” (ou sodomia) deixou-se de
ser criminalizada, ficando, no entanto, os homossexuais, oprimidos à sombra da
cidadania até o século XX. Isso é explicado, abrangendo-se uma realidade além do
território brasileiro, através de Spencer (apud COSTA, 2007, p. 98 e 99, grifo do autor)
A opressão, segundo eles, começa com os papéis que os gêneros
desempenham no seio da família tradicional: o macho dominante, a mulher
escrava e os filhos, forçados a moldar seu comportamento pelos dos pais. O
homossexualismo é excluído e aparece como inferior, ou como perversão
doentia. Os próprios gays tendem a cair nos mesmos padrões: um parceiro
assume o papel do marido, e o outro da esposa. Até a década de 60, os
homens gays não tinham outra escolha a não ser seguir a estrutura social
heterossexual; a única maneira de optar por algo diferente era abandonar a
ideia de ter um companheiro e correr atrás de ligações sexuais breves e
clandestinas com estranhos. Todos os homens gays tinham profunda
consciência de que a sociedade os via como homens fracassados, que eram
isoladas e passíveis de ser tratados a qualquer momento pela psiquiatria como
doentes e desviantes – ou então punidos em julgamentos públicos ou
condenados à prisão. Também eram constantemente boicotados e criticados
por colegas, e não raro atacados fisicamente por gangues de jovens bêbados.
Os homens gays desenvolveram técnicas para se defender; a primeira delas
era o anonimato. Assim surgiram vários códigos e linguagens complexos. Em
segundo lugar, em direto contraste, vários deles cultivavam um
comportamento afetado e extrovertido, ou se tornavam dragqueens, que
convidavam ao riso e criavam um nicho social em meio à sociedade. Por
último, alguns concordavam tacitamente com a visão que a sociedade
tinha deles, o que os levava à auto rejeição, à vergonha e à culpa.
Veloso, apud Chaves (2011, p. 52) fala que
desde as décadas de 60 e 70 do século passado, algumas mudanças podem
ser observadas. As posturas predominantemente negativas passaram a ser
contestadas. Começou-se a considerar que a rotulação segregaria de que são
alvo os homossexuais demonstra um comportamento agressivo.
Foi em 1988, com a promulgação da chamada Constituição Cidadã, que se deu
início aos debates acerca das garantias dos direitos humanos ao cidadão. Foi um grande
salto evolutivo, uma vez que a Constituição de 1988 veio tratar de assuntos jamais
citados, regulando questões, também, que o próprio Código Civil de 1916 não mais
regulava com destreza.
Chaves (2011, p. 67) cita que a Lei Fundamental da Alemanha foi a que
primeiro consagrou a dignidade da pessoa humana como direito fundamental. Deve-se
lembrar de que a dignidade da pessoa humana não é criação constitucional, mas um
dado preexistente,
para entender o significado de dignidade da pessoa humana, a doutrina
portuguesa assevera que se trata do reconhecimento do indivíduo como
limite e fundamento do domínio político da República, em virtude de
decorrências históricas de tentativa de extermínio do ser humano (CHAVES,
2011, p 67)
Ou seja, é o resultado lógico entre os fatores que ensejam a evolução, seja ela
social, cultural ou mesmo espiritual.
De acordo com Dias (2010, p.57) os princípios constitucionais – considerados
leis das leis – deixaram de servir apenas de orientação ao sistema jurídico
infraconstitucional, desprovidos de força normativa. A promulgação da Constituição da
República de 1988, para Pereira (2004, p. 24), tornou o direito positivo insuficiente,
uma vez que se viu consagrada como fundamento do Estado Democrático de Direito a
dignidade da pessoa humana. Instituiu-se, nesse ponto, a necessidade de interpretar a
legislação à luz da Constituição Federal, objetivando a viabilização do alcance da
dignidade humana em toda relação jurídica.
Nesse enlace, importante percebermos que nem todas as possibilidades estão
previstas pela Constituição. Ao se falar em princípios, valores éticos e evolução social,
fala-se também na interpretação e no uso pragmático que se faz da Lei Maior. Sarmento
(2000, pg. 44), diz que se o direito não contivesse princípios, mas apenas regras
jurídicas, seria possível a substituição dos juízes por máquinas.
Alguns doutrinadores optaram por dividir os direitos fundamentais em
gerações, de forma a agrupar determinadas matérias, apresentando de forma mais
didática os estudos acerca dos direitos do cidadão. O primeiro dos direito que se tem em
mente quando tratado do assunto é o Direito à Liberdade. A Constituição Cidadã, como
é até hoje tratada a Constituição da República de 1988, preza pela liberdade,
expressando a constituição de uma sociedade livre, justa e solidária, como objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil (BRASIL).
No pensamento de Sartre, reproduzido por Gusmão (2006, p. 127), o homem é,
por essência, liberdade. Há, no entanto, que se atentar para o detalhe da sexualidade. A
sexualidade, segundo Rios (2007, apud CHAVES, 2011, p. 73), É um direito de
primeira geração, da mesma forma que a igualdade e a liberdade, pois engloba o direito
à liberdade sexual, aliado ao tratamento isonômico, independente da orientação sexual.
A ORIENTAÇÃO SEXUAL E OS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E
LIBERDADE
O Princípio da Igualdade é, de longe, pelo menos no que concerne ao cidadão
homossexual, o mais contraditório no que diz respeito à sua efetiva aplicação. Como
descrito em artigo publicado pela Associação Nacional dos Analistas do Poder
Judiciário3, o princípio da igualdade atua em duas vertentes: perante a lei e na lei. Atuar
perante a lei é compreender o dever de aplicar o direito no caso concreto, já a igualdade
na lei pressupõe que as normas jurídicas não devem conhecer distinções, exceto as
constitucionalmente autorizadas4.
Garcia (2005) citada por Chaves (2011, pg. 74) diz que só existe liberdade se
existir, em concomitância e igual proporção, isonomia. Nesse sentido, Albuquerque
(1993, p.11), explica que igualdade não se traduz apenas na utilização igual da lei, mas
também na criação de lei uníssona para todos, lembrando aqui de Barbosa (1999, p.26),
quando coloca: “Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria
desigualdade flagrante, e não igualdade real”. Esse pensamento se completa com o
discurso de Kant5
No reino dos fins tudo tem um PREÇO ou uma DIGNIDADE.
Uma coisa que tem um preço pode ser substituída por qualquer
outra coisa equivalente; pelo contrário, o que está acima de todo
preço e, por conseguinte, o que não admite equivalente, é o que
tem uma dignidade.
Portanto, tem-se uma situação onde se faz extremamente necessário defender a
individualidade do ser humano. O ser humano deve ter sua individualidade respeitada,
pautando-se do princípio da dignidade humana. Dessa forma, salienta-se que a
individualidade humana é feita a partir de sua personalidade, elemento de cunho
subjetivo que compõe, entre outros fatores, a sexualidade de cada um, como afirma
Chaves (2011, p. 70).
Dessa análise, pode-se perceber que, apesar de garantir igualdade e liberdade a
todos os cidadãos, a Constituição da República de 1988 omite, em todas as
oportunidades, a liberdade de orientação sexual. Num pensamento mais humano,
seguindo pelos novos entendimentos e recentes estudos sobre os conceitos da
sexualidade, é de se entender que a liberdade e a igualdade em ser homossexual está
implícita nas garantias dadas pela Constituição Cidadã, visto que um cidadão,
independente de sua conduta sexual, é sujeito de direito, não podendo ser sua
sexualidade objeto de cerceamento de sua capacidade civil, como colocam Macedo e
Alexandre (2003, p.2).
No mundo fático, entretanto, a sociedade ainda sofre resistência ao ser
apresentada a decisões tidas como revolucionárias ou, pelo menos, não convencionais.
Diversos são os motivos e, um deles, indubitavelmente é a religião, sua influência na
sociedade é inegável.
MOTT (2005) coloca que “em nosso país, vergonhosamente, a homofobia tem
inspiração e se legitima no próprio discurso oficial de personalidades de grande
destaque institucional na elite brasileira”. Cita, então, frase dita pelo pastor Túlio
Ferreira, da Assembléia de Deus de São Paulo; “O homossexualismo é uma
anormalidade, uma profanação do nome de Deus, pois a homossexualidade é uma
maldição divina e por isto todos os homossexuais serão conduzidos pelo diabo à
3
Anajus - Associação Nacional dos Analistas do Poder Judiciário e do Ministério Público da União.
Disponível em
<http://www.anajus.org/home/index.php?option=com_content&view=article&id=2893%3Aprincipioconstitucional-da-igualdade&catid=8%3Anovidades&Itemid=1>. Acesso em 04/03/2013.
4
5
Disponível em <http://72.232.192.226/direitos/anthist/marcos/hdh_kant_metafisica_costumes.pdf>.
Acesso em 20/04/2012
perdição eterna". (grifei)
O autor ainda lembra que
ser negro, índio ou mulher jamais foi crime. Mesmo ser judeu ou protestante,
nos reinos católicos, era tolerado dentro de certos limites e desde que não
houvesse apostasia. O mesmo não pode ser dito quanto ser homossexual.
Culturalmente, a homossexualidade foi tida como o mais torpe, sujo e
desonesto pecado (MOTT, 2006).
Os princípios da igualdade e liberdade sustentam a presente pesquisa, uma vez
que a legislação nacional ainda é omissa no que tange não só à inclusão, mas à plena
participação do homossexual como cidadão, ainda que o recente julgamento da Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 132 tenha buscado romper com o preconceito
encalacrado socialmente, tentando rearranjar a presente dissonância jurisprudencial
contida em território nacional no que tange algumas situações derivadas à união estável
homossexual.
Seguindo com explanação e discussão a respeito da efetivação dos preceitos
constitucionais de liberdade e igualdade, salienta-se o discurso de Costa (2007, p. 42),
onde os direitos fundamentais existem não para serem somente positivados, mas
também para serem efetivados. Tanto é assim que o §5º do artigo 5º da Constituição
prescreve a aplicabilidade imediata dos direitos e garantias fundamentais, isto é,
tutelados pelo Estado e não-dependentes da atividade do legislador ordinário para criar
normas para que possam ser reclamados.
Segundo Marshall (1967, 62), no fim do século XIX e início do século XX
houve um crescente interesse pela igualdade como um princípio de justiça social e uma
consciência do fato de que o reconhecimento formal de uma capacidade igual no que
diz respeito a direitos não era suficiente. O autor concebeu cidadania como sendo o
“modo de viver que brotasse de dentro de cada indivíduo e não como algo imposto a ele
de fora”.
Essa tem sido a direção tomada pelos homossexuais no Brasil, reivindicando
direitos que, de fato, existem. Essa busca pela cidadania, a luta pelos direitos e pela
igualdade, como classificada por Bobbio, foi chamada de “liberdade por meio do
Estado”, refletido do amadurecimento social e sua forma de exigir direitos sociais, mais
do que somente desejá-los.
Vale citar que, conforme Santos (apud TAVARES, 2008), o Estado existe em
função de todas as pessoas e não estas em função do Estado, sendo que uma de suas
funções é propiciar as condições para que as pessoas se tornem dignas (BASTOS, apud
TAVARES, 2008).
É necessário reafirmar que apesar da Constituição garantir igualdade e
liberdade a todos os cidadãos, é de extrema importância que a orientação sexual seja
elencada como fator de proteção, da mesma forma que a cor, o sexo, a raça e o credo da
pessoa. Essa necessidade surge da obrigação do Estado em retirar o estigma do cidadão
homossexual, uma vez que a Carta Cidadã possibilita extrair de seu conjunto a
concepção do direito à orientação sexual como parte integrante dos direitos humanos –
constituídos que estão pelas liberdades fundamentais, dentre elas, a de viver livre do
medo e da indignidade (BELLI, apud Rodrigues, 2012).
Dias (2006. p. 72-73) defende que a orientação sexual impressa na esfera
privada de alguém não admite restrições a quaisquer direitos. Ainda, diz que o conteúdo
abarcado pelo valor da pessoa humana diz respeito a possibilidade de cada pessoa
exercer livremente sua personalidade. Dessa forma não há como conceber que o
homossexual só seja considerado um cidadão de plenos direitos enquanto mantém sua
sexualidade oculta.
WILD6 elucida que
A discriminação não é obviamente operativa se gays e lésbicas mantiverem
na clandestinidade a própria orientação sexual. É no momento em que se
assumem publicamente que começa a guerra contra eles. Essa discriminação
atua em todos os setores: no local de trabalho, onde, além de correrem o risco
de demissão, são molestados pelos outros trabalhadores (as); na sociedade,
que os impede de ter qualquer posto de comando; na família, em que a
declaração de homossexualidade chega a gerar crises e chantagens de várias
naturezas.
A autora ainda cita que a discriminação impede que o homossexual tenha
coragem de reconhecer nele mesmo a própria essência de sua orientação sexual, o que é
um despropósito visto que se vive em um Estado livre, onde todo cidadão deve ser
agasalhado pelas mesmas garantias constitucionais.
Outro ponto que justifica a importância em se proteger constitucionalmente a
orientação sexual é o fator tempo despendido para que uma transformação no âmbito
legal possa atingir o âmbito social. Nenhuma modificação comportamental ocorre num
ímpeto, vive-se rodeado de influências culturais, ideias e outros vícios que dificultam
uma pronta aceitação das minorias.
De forma a exemplificar, cita-se uma pesquisa realizada pelo IBGE entre os
anos de 2003 e 2012, demonstrando que, apesar dos movimentos feministas ocorridos
nas décadas de 60 e 70 e, obviamente, da Constituição da República de 1988 extirpar
qualquer desigualdade entre sexos, a realidade é que ainda se caminha em busca de um
cenário tido como algo próximo ao ideal, já que
A pesquisa apontou disparidades entre os rendimentos de homens e mulheres
e, também, entre brancos e pretos ou pardos. Em 2012, em média, as
mulheres ganhavam em torno de 72,7% do rendimento recebido pelos
homens. A menor proporção foi a registrada em 2003, 70,8%. O rendimento
dos trabalhadores de cor preta ou parda, entre 2003 e 2012, teve um
acréscimo de 46,0%, enquanto o rendimento dos trabalhadores de cor branca
cresceu 26,0%. Mas a pesquisa registrou, 18 também, que os trabalhadores
de cor preta ou parda ganhavam, em média, em 2012, pouco mais da metade
(56,1%) do rendimento recebido pelos trabalhadores de cor branca. Em 2011,
esta razão era 54,2%. Destaca-se que, em 2003, não chegava à metade
(48,4%).
No tocante aos homossexuais, faz-se necessário refletir o quão recente é a
discussão dos direitos do cidadão homossexual elevados à condição de direitos
fundamentais. Foi somente em meados de 1999 que o Conselho Federal de Psicologia
editou a Resolução 1/99, que estabelece norma de atuação para os psicólogos em
relação à questão da Orientação Sexual. (CHAVES, 2011, p. 66)
Também há que se mencionar o fato dos crimes contra homossexuais terem
aumentado nos últimos anos, provavelmente devido à crescente manifestação da
população LGBT. Segundo um levantamento realizado pelo GGB7, 338 homossexuais
6
Disponível em <http://meuartigo.brasilescola.com/sociologia/marcadores-sociais-diferenca.htm>.
Acesso em 04/03/2013.
GGB – Grupo Gay da Bahia. Fundado em 1980. Maiores informações disponíveis em
<http://www.ggb.org.br/ggb.html>.
7
foram assassinados no Brasil em 2012, 27% a mais que os homicídios registrados em
20118, crimes sem dúvida cometidos pelo especifico motivo das vítimas serem
homossexuais.
O chamado crime motivado por homofobia se evidencia pelos casos que
chocaram a sociedade e tiveram grande destaque nacional, como quando pai e filho, por
exemplo, foram atacados e um deles teve a orelha decepada por terem sido
“confundidos com homossexuais”9, como se essa “condição pessoal” pudesse ser usada
para convalidar um crime contra outro ser humano. Outro exemplo é o recente caso do
estudante Yoshihissa Shimizu Jr, esfaqueado na barriga enquanto ouvia de seu vizinho,
autor do crime, que “pessoas como você tem que morrer”10.
TENTATIVAS DE SE LEGISLAR À RESPEITO DO TEMA
A existência, o convívio e a socialização de pessoas heterossexuais com
pessoas homossexuais é uma realidade inegável, sendo assim, não é possível que venha
ser ignorada pelo Estado. Recentemente, muitas discussões e processos judiciais vêm
requerendo uma postura do Estado, para que atenda aos anseios dos homossexuais e, a
título de exemplo, cita-se importante decisão do Supremo Tribunal Federal que,
ao julgar a ADPF 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do
Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele
excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua,
pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar,
entendida esta como sinônimo perfeito de família. (BRASIL II).
Essa marcante decisão confirma o que a doutrina vem, há alguns anos,
tentando delinear com uma grande carga interpretativa. Apesar de, para alguns
estudiosos, ser uma afronta aos ditames da lei, deve-se lembrar de que, muito embora
não haja expresso legal, a Constituição é clara ao estabelecer princípios que vão além
da especulação e previsão legislativa.
Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume,
explicitamente, sua coparticipação nesse processo constitucional de defesa e
proteção dos socialmente vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitir-se
desse mister, sob pena de aceitação tácita de um Estado que somente é
"democrático" formalmente, sem que tal predicativo resista a uma mínima
investigação acerca da universalização dos direitos civis. (BRASIL II).
Esse posicionamento pode ser tomado perfeitamente como fundamentação à
necessidade de se expandir à orientação sexual o rol existente no artigo 3º da
Constituição da República de 1988, firmando cabalmente a igualdade entre pessoas de
orientação sexual distinta da maioria. Essa tentativa foi feita quando da criação da já
citada PEC 111/2012, de autoria da Senadora Marta Suplicy.
A referida PEC traz como justificativa, a despeito dos argumentos da
8
Disponível em <http://www.tribunadabahia.com.br/2013/01/12/crime-contra-homossexual-sobe-27>.
Acesso em 04/03/2013.
9
Disponível em <http://oglobo.globo.com/pais/pai-filho-sao-confundidos-com-casal-gay-agredidos-porgrupo-em-sao-joao-da-boa-vista-sp-2714592>. Acesso em 04/03/2012.
10
Disponível em <http://blogentrenos.wordpress.com/2013/03/13/jovem-sobrevive-a-sete-facadas-eacusa-agressor-de-homofobia>. Acesso em 13/03/2013.
desnecessidade da proposta, a reiteração de episódios de homofobia e de violência de
gênero no Brasil,
Com ela, acreditamos que mesmo os que não querem ver serão obrigados a
admitir o óbvio: o ordenamento jurídico nacional repudia toda forma de
discriminação baseada em gênero. Para cobrir o escopo de significado
inerente ao conceito de gênero, sugerimos acrescer ao termo “sexo” (face
mais conhecida do conceito) as expressões “identidade de gênero” e
“orientação sexual”. A adoção do conjunto dessas fórmulas parece-nos capaz
de abrigar [...] todo tipo de endogenia anatômico-fisiológica e de
exteriorizações da sexualidade, a saber: a heterossexualidade, a
homossexualidade, a bissexualidade, a transexualidade e a intersexualidade.
Anteriormente, alguns outros projetos foram criados no intuito de efetivar a proteção
dos homossexuais do Brasil, como por exemplo, o Projeto de Lei 1151/199511. Também
de autoria da então deputada Marta Suplicy, o projeto foi introduzido de forma singela,
quase tímida. Se olhado através do que é reivindicado hoje, quase vinte anos após sua
criação, ele se apresenta inócuo, isso porque o projeto nada diz a respeito do âmbito
afetivo-constitucional das relações homossexuais, mas busca equilibrar a garantia de
poucos direitos ao cidadão homossexual, de forma a não ferir os princípios da maior
parte das bancadas legisladoras, estipulando um mero negócio entre as partes.
Medeiros (2006) analisou a insuficiência do referido projeto, levantando alguns
pontos importantes acerca do assunto, indagando “se o aludido projeto de lei é
suficiente para consagrar a realização de um tratamento constitucionalmente igualitário
aos casais homossexuais”, demonstrando a insuficiência do referido Projeto de Lei, na
medida em que “veda aos casais homossexuais direitos pertinentes aos relacionamentos
heterossexuais, [...], conforme foi possível constatar, acaba por gerar os próprios riscos
para a efetivação da igualdade”.
Menciona-se também relação entre a Lei Maria da Penha e a orientação sexual
como direito fundamentalmente garantido. Essa Lei foi criada, visando efetivar direito
já previsto na Constituição da República de 1988, mais precisamente o § 8º do
amplamente citado artigo 226; “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de
cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de
suas relações”. (BRASIL IV).
A Lei Maria de Penha, inicialmente, foi concebida para coibir os casos de
violência doméstica contra a mulher. Traz, logo em seu artigo primeiro, aquilo que visa
efetivar, citando a criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica
contra a mulher. Entretanto, o expresso texto legal não impediu o judiciário de
interpretar a Lei de forma a estender o manto jurisdicional às famílias homossexuais
compostas por homens– já que não faria sentindo debater sobre as relações
homossexuais femininas nesse caso, uma vez que a própria Lei prevê, em seu artigo 2º
que toda mulher, “independentemente de [...] orientação sexual, [...] goza dos direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e
facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental [...]”. (BRASIL
V, grifei).
Assim, pode-se afirmar que o legislador buscou dar guarida à mulher como ser
11
Projeto de Lei 1151/2995. Disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo e dá outras
providências. Dsponível em <
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=16329>. Acesso em
15/03/2013
humano, protegendo-lhe em toda e qualquer situação de violência, não estando adstrita
ao relacionamento conjugal, mas, também, protegendo dos abusos que possa vir a sofrer
de outros familiares de seu convívio pela mais diversa sorte de motivos. Novamente,
observa-se o cuidado ao se colocar no parágrafo único do artigo 5º que: “As relações
pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”. (BRASIL XII,
grifei).
Interessante observar que a abertura possibilitada pela lei levou a sociedade a
clamar por maior justiça, o que se percebe através dos dados fornecidos pela OMS12,
uma vez que após a aprovação da lei, as denúncias registradas entre janeiro a junho de
2008 teve um número 107,9% maior que no mesmo período no ano anterior.
No âmbito familiar, deve-se expor a existência do projeto do Estatuto das
Famílias. O debate acerca da família, por si só, é mais intenso do que se tem notícia,
estando a par de sua discussão, talvez, tão somente os estudantes dedicados ao tema,
tamanha as informações, teorias e, principalmente, discussões em sede legislativa.
Outro exemplo do embate que envolve a legislação sobre família no foco homoafetivo é
o Estatuto das Novas Famílias13, Projeto de Lei de nº 2285/2007, de autoria do
Deputado Sérgio Barradas Carneiro.
Primeiramente deve-se perceber que o Estatuto visa reformar todo o Livro IV do
Código Civil, visto que não houve, de 1916 para 2003, grandes mudanças acerca desse
assunto na atual legislação. Essa pretensa reforma tem como objetivo valorar a família
nos moldes dos ditames constitucionais, consolidando a afetividade e efetivando a
igualdade pregada pela Constituição da República de 1988. Assim, a ideia é criar um
Código independente, criando lei autônoma de direito material e processual.
Perceba-se aqui que, atualmente, o referido projeto de lei, após algumas alterações
que serão abordadas, foi apensado a diversos outros projetos14, de forma a aglutinar e
esgotar a matéria de Direito de Família, passando a agregar também os alimentos, o
divórcio, a paternidade de filhos havidos fora do casamento, os registros públicos, a
união estável e demais assuntos além de alguns e procedimentos processuais no âmbito
do Direito de Família.
No que se refere ao exercício de cidadania homossexual, deve-se comparar aqui o
projeto original desenvolvido pelo IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família)
e o que foi definido, três anos depois, pela Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania. Ao apreciar o Estatuto hoje, após a equiparação das uniões homoafetivas à
entidade familiar - dada pelo STF- é incoerente conceber um Estatuto que se diz ser
“das famílias” e que, ao mesmo tempo, extirpa as relações homossexuais de seu
regulamento.
O projeto original, em seus primeiros artigos, propunha regular os direitos e
deveres no âmbito familiar, instituindo a interpretação e aplicação do estatuto conforme
princípios fundamentais, convivência familiar e melhor interesse da criança e do
12
Disponível em: <http://revistatpm.uol.com.br/revista/82/paginas-vermelhas/maria-da-penha.html>.
Acesso em 29/05/2012.
13
Projeto de Lei 2.285/2007: o “Estatuto das Famílias”. Disponível em: <http://www.arpenbrasil.org.br>.
Acesso em 31/05/2012.
14
Em decisão proferida pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania em 15 de dezembro de
2010, são os seguintes projetos de lei que se encontram entabulados como apensos ao referido Estatuto;
SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 674 , DE 2007 - (APENSOS OS PROJETOS DE LEI NºS
1.149 E 2.285, DE 2007; 3.065, 3.112, 3.780 E 4.508, DE 2008). Disponível em:
<http://s.conjur.com.br/dl/projeto-cria-estatuto-familias.pdf>. Acesso em: 31/05/2012. Frisa-se que todo e
qualquer projeto de lei está disponível para consulta em <w.w.w.camara.gov.br>.
adolescente, além da afetividade. O artigo sétimo atribuía ao Estado e à sociedade
promover o respeito à diversidade de orientação sexual.
No entanto, o texto aprovado, deixa de tratar da matéria básica para o bom
andamento do que se entende por diversificação e variedade às famílias, pouco
lembrando o projeto original. Apresentou-se, portanto, um texto retaliado, oriundo de
algo que poderia ter sido mais proveitoso quanto à possibilidade de se impor um pouco
de respeito por parte da sociedade. O projeto deixou de abranger as uniões de pessoas
do mesmo sexo, limitando, inclusive, o reconhecimento de entidade familiar apenas às
uniões estáveis entre homem e mulher, segundo o que se observa do inciso primeiro do
seu artigo 3º 15.
Todas essas tentativas em se legislar sobre o tema tem uma origem em comum; a
necessidade de transformação social. A própria Organização das Nações Unidas
apresentou recentemente uma postura claramente anti-preconceito. A cartilha elaborada
e divulgada em 2012 sob o título “NACIDOS LIBRES E IGUALES”, demonstra a
essência de seu conteúdo.
Em suma, o livro elaborado apresenta cinco pontos principais para serem
seguidos pelos Estados e pelos militantes; Proteger as pessoas contra a violência
homofóbica; prevenir a tortura; descriminalizar a homossexualidade; proibir a
discriminação e, por fim, respeitar a liberdade de associação, expressão e reunião
pacífica para a comunidade LGBT. Nota-se a importância dada à defesa do
homossexual como cidadão pleno, sendo que;
todos tienen el derecho de estar libres de discriminación, incluso la basada en
la orientación sexual y la identidad de género. este derecho está protegido por
el artículo 2 de la declaración universal de derechos humanos, así como por
las disposiciones sobre no discriminación de los tratados internacionales
básicos de derechos humanos. además, el artículo 7 de la declaración
universal establece que todas las personas son iguales ante la ley y tienen, sin
distinción, derecho a igual protección de la ley.
Por fim, cita-se a Constituição da República Portuguesa como um dos exemplos
de mudanças nos paradigmas sócias quanto à dignidade da pessoa humana e a
orientação sexual, que em 2004 teve seu artigo 13 alterado, cumprindo a reivindicação
política mais antiga do Movimento Lésbico, Gay, Bissexual e Transgênero português,
numa iniciativa da Associação ILGA Portugal, que remonta ao ano de 1997 (MORAIS,
2004).
15
Projeto de Lei nº 2285/2007. O texto reformulado assim se apresenta; Art. 1.º Este Estatuto regula os
direitos e deveres no âmbito das entidades familiares. Art. 2.º O direito à família é direito fundamental de
todos. Art. 3.º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida como entidade familiar: I - a união estável
entre o homem e a mulher; e II - a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Art.
4º Os componentes da entidade familiar devem ser respeitados em sua integral dignidade pela família,
pela sociedade e pelo Estado. Art. 5º Constituem princípios fundamentais para a interpretação e aplicação
deste Estatuto a dignidade da pessoa humana, a solidariedade familiar, a igualdade de sexos, de filhos e
das entidades familiares, a convivência familiar, o melhor interesse da criança e do adolescente e a
afetividade. Art. 6.º São indisponíveis os direitos das crianças, dos adolescentes e dos incapazes, bem
como os direitos referentes ao estado e capacidade das pessoas. Art. 7.º A lei do país em que tiver
domicílio a entidade familiar determina as regras dos direitos das famílias. 5 Parágrafo único. Não se
aplica a lei estrangeira se esta contrariar os princípios fundamentais do direito brasileiro das famílias. Art.
8.º Os direitos e garantias expressos nesta lei não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios
adotados na Constituição, nos tratados e convenções internacionais.
Morais16 acredita que a República passará a ser menos discriminatória, citando as
palavras da Professora Doutora Teresa Pizarro Beleza; "...mais democrática, menos
exclusiva e por isso mesmo mais genuína. Mais legítima”17.
Para esclarecer, tal emenda elenca a orientação sexual como um dos fatores
pelos quais não se poderá “ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de
qualquer direito ou isento de qualquer dever”18. Percebe-se que esse artigo equivale ao
artigo 3º, inciso IV da Constituição da República Brasileira19. Indaga-se, entretanto, se
tal iniciativa trouxe, de fato, alguma diferença.
Morais20explica que desde 2001 houve uma evolução positiva a nível legal em
Portugal, observado o acesso à União de Fato ou mesmo a alteração do citado Princípio
da Igualdade. Nota-se com essa discussão que a mudança legal acaba fomentando a
mudança social, uma vez que graças à instituição de parâmetros legais, a sociedade
LGBT passa a ser representada de forma menos estereotipada (MORAIS, 2005).
Quanto aos estereótipos, Mott21 lembra que, apesar de terem sido
descriminalizados há quase dois séculos, o gay continua sendo tratado como criminoso:
nas delegacias, nas batidas policiais, os homossexuais, mesmo quando vítimas, são
tratados como réus. Assim, declarar o homossexual como cidadão constitucionalmente
protegido é assegurar o conteúdo dúplice da dignidade humana, nas palavras de
Maihoffer (apud TAVARES, p. 542), onde “a dignidade humana consiste não apenas na
garantia negativa de que a pessoa não será alvo de ofensas ou humilhações, mas
também agrega a afirmação positiva do pleno desenvolvimento da personalidade de
cada individuo”.
Sobre esse ultimo, o desenvolvimento de cada um baseado em sua
personalidade é algo que futuramente deve ser plenamente alcançado, talvez quando a
homossexualidade passar a ser encarada de forma natural, não somente no mundo das
leis, mas dentro da sociedade. Assim, homossexuais criados para serem heterossexuais,
recriminados em casa ou na escola, discriminados no ambiente profissional ou
acadêmico, passarão a crescer sabendo que sua orientação faz parte de seu eu
indisponível e constitucionalmente protegido, como um total cidadão de direito.
Esse raciocínio do autor remete diretamente a doutrinadores brasileiros que
buscam explicar o que é a dignidade da pessoa humana. Analisando as fundamentações,
nota-se que a sexualidade faz parte da essência da persona de cada cidadão.
Para COMPARATO (apud Tavares, 2008, p. 540),
Professor Doutor Manuel Cabral Morais, Presidente da Direção da Associação ILGA Portugal –
“Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero”, fundada em 1995. Maiores informações
disponíveis em < http://ilga-portugal.pt/ilga/index.php>.
17
Disponível em <http://www.rea.pt/forum/index.php?topic=1691.0>. Acesso em 05/03/2013.
18
Conforme artigo 13º da Constituição da República Portuguesa; Princípio da igualdade. 1. Todos os
cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado,
beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de
ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas,
instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
19
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
20
Em entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa para o website “A Página”, disponível em
<http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=148&doc=11048&mid=2>. Acesso em 05/03/2013.
21
Disponível em < http://www.pagu.unicamp.br/sites/www.pagu.unicamp.br/files/colenc.01.a09.pdf>.
Acesso em 15/03/2013.
16
a dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente
das coisas, um ser considerado e tratado como um fim em si e nunca como
um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também do
fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de
autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita.
Se considerar que a dignidade da pessoa é permitir que ela viva em condição
de autonomia, não há como evitar proteger sua orientação sexual de forma expressa na
Constituição. Tal menção constitucional transformaria um rol de direitos meramente
exemplificativo, de forma a forçar uma transformação social. A autonomia oriunda da
dignidade da pessoa só é possível se um sujeito puder orientar seu próprio querer no
sentido de tomar suas próprias decisões, sem determinações externas, como coloca
Bobbio (apud TAVRES, p. 541).
CONCLUSÃO
O dispositivo constitucional, tão efêmero para alguns, tão simbólico para
outros, serve, entre outras coisas, como um parâmetro da evolução social. Elencar a
orientação sexual como uma característica personalíssima da pessoa humana, pela qual
ela não pode sofrer represálias ou ser vítima de chacota pelas maiorias, é definir um
parâmetro social de igualdade. É demonstrar, de forma cabal, tanto à sociedade, quanto
aos futuros estudantes de Direito, aos advogados, juízes, pastores, mães, pais, cidadãos,
que a sexualidade passa a ser matéria de direito, não podendo membro algum da
sociedade atropelar um preceito fundamental para fomentar discórdia, ódio,
desigualdade no âmbito social.
Essa vinculação consagraria o direito real da igualdade independente da
orientação sexual da pessoa, passando a ser inaceitável o preconceito pela orientação de
cada cidadão. Não se trata de segregar a sociedade ainda mais, caracterizando a
orientação sexual como ponto de comparação entre cidadãos de mais ou menos direitos,
mas sim tratar exatamente todos os cidadãos de forma justa, dando a proteção que cada
um merece, protegendo constitucionalmente cada qual na intensidade necessária. O
objetivo é tornar a minoria um grupo protegido em sua sexualidade, no intuito de,
talvez, transformar leis que hoje se apresentam incapazes de serem eficazes, ampliando
sua norma para casos, por exemplo, de crimes por homofobia, tal qual acontece nos
crimes contra a mulher, contra menores, contra negros, contra índios, contra a minoria
social.
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