M MIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOO DDOO EESSTTAADDOO DDEE AALLAAGGOOAASS PROMOTORIA DE JUSTIÇA COLETIVA ESPECIALIZADA DE DEFESA DA SAÚDE, DO IDOSO E DO DEFICIENTE -P R O D S I D EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _____VARA CÍVEL DA CAPITAL - FAZENDA ESTADUAL O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, por sua Promotoria de Justiça Coletiva de Defesa da Saúde, do Idoso e do Deficiente – PRODSID, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, com fulcro nos arts. 127 e 129, I e II, da Constituição Federal, no art. 25, IV da Lei n° 8.625/93 e nos arts. 1º, IV, 5º, caput, 11 e 12, da Lei nº 7.347/85, vem propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de TUTELA ANTECIPADA, para cumprimento de obrigação de fazer, contra o ESTADO DE ALAGOAS, pessoa jurídica de direito público interno, representado pelo seu ProcuradorGeral, na forma do que estabelece o art. 12, inciso I, do Código de Processo Civil, devendo ser o mesmo citado na sede da Procuradoria Geral do Estado de Alagoas, situada na Av. Assis Chateaubriand, nº 2576, Centro, em Maceió, pelos seguintes fatos e fundamentos: I - OS FATOS Em 15/08/2006, a Sra. Maria Silvana dos Santos compareceu à PRODSID para informar que não estava conseguindo autorização da Secretaria Executiva Estadual de Saúde – SESAU para receber o medicamento Talidomida 100mg (doc. 01). O referido medicamento foi prescrito (doc. 02) por seu médico para o tratamento da patologia Prurigo Nodular (CID10 – L28.1), da qual a paciente já sofre há aproximadamente dois anos. Durante esse período foram utilizadas outras substâncias no tratamento, mas nenhuma com sucesso, como se comprova do laudo médico e das fotos acostadas (docs. 03 e 04). O indeferimento do pedido de liberação da Talidomida sustentou-se no argumento de que a patologia Prurigo Nodular não está contemplada no rol estabelecido pela Resolução – RDC nº 34/2000, da ANVISA, nem na Lei nº 10.651/2003, normas que regulam o uso da substância (docs. 05. 06 e 07). Diferentemente das recentes Ações Civis Públicas intentadas pelo MPE neste juízo, o caso em tela não é falta de medicamento, mas a negação do Estado em dispensar o remédio necessário para o tratamento do paciente. 1 M MIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOO DDOO EESSTTAADDOO DDEE AALLAAGGOOAASS PROMOTORIA DE JUSTIÇA COLETIVA ESPECIALIZADA DE DEFESA DA SAÚDE, DO IDOSO E DO DEFICIENTE -P R O D S I D Em razão desses fatos, vem o MPE ajuizar a presente ação para garantir que a Sra. Maria Silvana dos Santos tenha preservado seu direito à saúde, que só ocorrerá com o tratamento necessário para sua recuperação. II – DO CABIMENTO DESTA AÇÃO O uso da Talidomida é regulado, como já dito anteriormente, pela Resolução RDC nº 34/2000, da ANVISA, e pela Lei nº 10.651/2003 (que serão apreciadas mais adiante). No entanto, tais normas não estabeleceram com clareza os casos em que a substância pode ser receitada, existindo inúmeras dúvidas sobre as hipóteses em que é permitido o seu uso. Diante disso, a ANVISA realizou a Consulta Pública nº 63/2005, admitindo a necessidade de regulamentação técnica da Lei nº 10.651/2003. A proposta apresentada na Consulta ainda será debatida em Audiência Pública, culminando, provavelmente, em uma nova resolução para regulamentar o uso da talidomida. Infelizmente, até que o Regulamento Técnico seja aprovado, decorrerá um lapso de tempo incompatível com a necessidade urgente da Sra. Maria Silvana. A paciente tornou-se vítima da discricionariedade do Estado, que negou a liberação da talidomida independentemente de uma avaliação consistente das necessidades do uso da substância no tratamento. Por tudo isso, a Ação Civil Pública, que tem como um dos objetivos a proteção dos direitos individuais indisponíveis, mostra-se como o meio adequado para obrigar o Estado a fornecer o medicamento talidomida para Maria Silvana dos Santos. A Lei Orgânica do Ministério Público (Lei nº 8.625/93) dispõe sobre a matéria: Art. 1º O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. (...) Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público: (...) IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio 2 M MIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOO DDOO EESSTTAADDOO DDEE AALLAAGGOOAASS PROMOTORIA DE JUSTIÇA COLETIVA ESPECIALIZADA DE DEFESA DA SAÚDE, DO IDOSO E DO DEFICIENTE -P R O D S I D ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos; (Grifamos) É a Ação Civil Pública, portanto, a via processual indicada para a defesa do direito à saúde, que é direito individual indisponível, indissociável do direito à vida. III – DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL “Toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédios efetivos para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.” (Art. 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos). Nos termos do anexo I, da Lei-Estadual nº 6.564, de 5 de janeiro de 2005, a competência para processar e julgar “feitos em que interessado o estado de Alagoas, os entes de sua administração indireta e os delegatários dos serviços públicos que conceder ou permitir” é da Justiça Cível da Fazenda Estadual. O Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial, decidiu: Resumo Estruturado: OBRIGATORIEDADE, FAZENDA PUBLICA ESTADUAL, FORNECIMENTO, GRATUIDADE, MEDICAMENTO, DELEGADO DE POLICIA, HIPOTESE, DOENÇA GRAVE, ORIGEM, EXERCICIO DE FUNÇÃO, IRRELEVANCIA, CONDIÇÃO ECONOMICA, POSSIBILIDADE, COMPROMETIMENTO, SUBSISTENCIA, FAMILIA, NECESSIDADE, OBSERVANCIA, GARANTIA CONSTITUCIONAL, IGUALDADE, DIREITO A VIDA, DIREITO A SAUDE. (REsp 430526/SP; RECURSO ESPECIAL 2002/0044799-6, Relator: Ministro LUIZ FUX (1122), T1 - PRIMEIRA TURMA). IV - DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO A Constituição Federal, em seu art. 127, estatui que “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”. Mais adiante, em seu art. 129, inciso II, enumera como função institucional do Ministério Público “zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços 3 M MIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOO DDOO EESSTTAADDOO DDEE AALLAAGGOOAASS PROMOTORIA DE JUSTIÇA COLETIVA ESPECIALIZADA DE DEFESA DA SAÚDE, DO IDOSO E DO DEFICIENTE -P R O D S I D de relevância pública aos direitos assegurados pela Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia.”. Já em seu art. 197 diz que “São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, (...)”. Cotejando-se o texto do inciso II, do art. 129, com o do art. 127 da Constituição Federal, infere-se a inquestionável legitimação do Ministério Público na promoção de ação civil pública para obrigar o Poder Público a oferecer atendimento universal e igualitário à saúde, pois são ações e serviços erigidos por norma constitucional à condição de relevância pública. Merece ser transcrita aqui lição do festejado autor José dos Santos Carvalho Filho, retirada de sua obra “Ação Civil Pública – Comentários por Artigo”, sobre a legitimação do Ministério Público para proposição de ação civil pública (Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora. 1995, pág. 78) in verbis: “(...) O Ministério Público, segundo o contexto constitucional, tem, como uma de suas funções primordiais, a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, CF). Desse modo, quando ajuíza ação civil pública atua em nome próprio na defesa de interesse de terceiros. Age em nome próprio pela específica legitimação que a ordem jurídica lhe conferiu, mas os interesses cuja proteção persegue por meio da ação pertencem a terceiros, sejam estes determinados, determináveis ou indetermináveis, mas sempre terceiros. É a estes que cabe a titularidade dos interesses sob tutela.”. O Supremo Tribunal Federal, decidindo Recurso Extraordinário do Ministério Público do Estado de São Paulo, assim se pronunciou sobre a legitimação do Ministério Público em defesa do direito individual à saúde: “EMENTA: CONSTITUCIONAL. SAÚDE. MINISTÉRIO PÚBLICO: LEGITIMIDADE. TRATAMENTO MÉDICO. IO direito à saúde, conseqüência do direito à vida, constitui direito fundamental, direito individual indisponível (CF. art. 196). Legitimidade do Ministério Público para a propositura de ação em defesa desse direito (CF, art. 127). (RECURSO EXTRAORDINÁRIO 394.820-2 – PROCED. : SÃO PAULO – RELATOR: MIN. CARLOS VELOSO – RECTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO – RECDO: SUL AMÉRICA AETNA SEGUROS E PREVIDÊNCIA S/A. – DJ DE 27/05/2005 – P 00076)” V - DA LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO 4 M MIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOO DDOO EESSTTAADDOO DDEE AALLAAGGOOAASS PROMOTORIA DE JUSTIÇA COLETIVA ESPECIALIZADA DE DEFESA DA SAÚDE, DO IDOSO E DO DEFICIENTE -P R O D S I D A legitimidade do Estado para figurar no pólo passivo da presente ação é pacífica, não havendo discrepância na jurisprudência nem na doutrina: O Supremo Tribunal Federal, já há bom tempo, reconheceu a obrigação do Estado em fornecer, de forma gratuita, medicamentos para portadores de doenças graves. Vejamos a Ementa do Julgado: EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA - ADEQUAÇÃO - INCISO LXIX, DO ARTIGO 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Uma vez assentado no acórdão proferido o concurso da primeira condição da ação mandamental - direito líquido e certo - descabe concluir pela transgressão ao inciso LXIX do artigo 5º da Constituição Federal. SAÚDE - AQUISIÇÃO E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS DOENÇA RARA. Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar meios visando a alcançar a saúde, especialmente quando envolvida criança e adolescente. O Sistema Único de Saúde torna a responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. (RE nº 195.192-RS rel. Min. Marco Aurélio, j. 22.2.2000, DJ 31.3.00 e Informativo 179). (Grifamos). No mesmo sentido são as decisões dos Tribunais de Justiça dos estados: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. SÉTIMA CÂMARA CÍVEL. RELATORA: DESEMBARGADORA SUELY LOPES MAGALHÃES. APELAÇÃO CÍVEL nº 2003.001.27939, de 10/12/2003: Mandado de segurança – saúde pública. Fornecimento gratuito de medicamento a portador de insuficiência renal crônica – incidência dos arts. 196 e 198 da CF – segurança concedida. É dever comum das entidades federativas cuidar da saúde e da assistência pública, à luz do disposto nos arts. 196 e 198. Constituição Federal. O Estado desempenha papel relevante nessa tarefa, porquanto a Constituição, em seu artigo 23, II atribuiu-lhe competência comum para, juntamente com a União, o Distrito Federal e os Municípios, cuidar da saúde pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência. Sendo assim, não pode recusar o fornecimento dos remédios necessários à sobrevivência dos portadores de insuficiência renal crônica, economicamente hipossuficientes. Concessão da segurança. O art. 198 da constituição federal é claro quando menciona: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, (...)”. (original sem destaque). 5 M MIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOO DDOO EESSTTAADDOO DDEE AALLAAGGOOAASS PROMOTORIA DE JUSTIÇA COLETIVA ESPECIALIZADA DE DEFESA DA SAÚDE, DO IDOSO E DO DEFICIENTE -P R O D S I D Continuamos com a Jurisprudência: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL: “(...) A prestação de assistência à saúde é direito de todos e dever do Estado, assim entendido em sentido amplo, co-obrigando União, Estados e Municípios, todos partes manifestamente legítimas a figurar no pólo passivo de ação civil pública. Conjugando-se a já sedimentada idéia de dever discricionário e função jurisdicional com a principiologia vertida na Constituição Federal, (...).” (APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO Nº 70009046574, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, RELATOR: LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, JULGADO EM 22/12/2004) - [#1579]. (Grifo nosso). TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE GOIÁS TJGO-027439) DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. RECUSA DO SECRETÁRIO DE SAÚDE. A OFERECER TRATAMENTO E MEDICAMENTO À PACIENTE CARENTE. INADMISSIBILIDADE. DIREITO A SAÚDE. DEVER E NÃO FACULDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Constitui dever e não faculdade da Administração Pública, através da respectiva Secretaria em disponibilizar a população tratamentos de saúde, fornecendo os meios necessários para a cura ou melhora do paciente. Remessa apreciada e improvida sentença confirmada. (Duplo Grau de Jurisdição nº 10396-5/195 (200402307474), 1ª Câmara Cível do TJGO, Goiânia, Rel. Des. Vítor Barboza Lenza. j. 07.06.2005, unânime, DJ 14.07.2005). TJGO-022638) MANDADO DE SEGURANÇA. PESSOA PORTADORA DE DOENÇA CRÔNICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INOCORRÊNCIA. I - O direito a vida sobrepõe-se a mera discussão a cerca de competência administrativa para o fornecimento dos medicamentos. II - Carência de ação por ausência de prova pré-constituída e inadequação da via eleita - não deve prevalecer o argumento do impetrado de que não existe prova pré-constituída e da inadequação da via eleita, visto que nos autos o impetrante demonstra a omissão da autoridade coatora em não fornecer o medicamento necessário a sobrevivência da substituída, pois em havendo ato que fere direito líquido e certo do cidadão e não existindo outra via tão eficaz para garantir os seus direitos, como no presente caso, o remédio cabível é o mandado de segurança. III - Pessoa portadora de doença. Necessidade de medicação. Dever do Estado. Direito a saúde. É dever do Estado, através da Secretaria de Saúde, disponibilizar medicamento a pessoa portadora de doença grave, pois é um direito garantido constitucionalmente, uma vez que o Poder Público deve primar pela consecução de políticas governamentais 6 M MIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOO DDOO EESSTTAADDOO DDEE AALLAAGGOOAASS PROMOTORIA DE JUSTIÇA COLETIVA ESPECIALIZADA DE DEFESA DA SAÚDE, DO IDOSO E DO DEFICIENTE -P R O D S I D úteis à manutenção da saúde integral da pessoa humana. A omissão deste viola direito líquido e certo do sujeito pretensor. Segurança concedida. (Mandado de Segurança nº 11397-9/101 (200301449877), 4ª Câmara Cível do TJGO, Goiânia, Rel. Des. Almeida Branco. j. 15.04.2004, unânime, DJ 25.05.2004). (Grifamos). A doutrina não discrepa. Colacionamos, por oportuno, o ensinamento da Promotora de Justiça Andréia Rodrigues Amim, do Estado de São Paulo, em sua recente obra, com outros autores, intitulada Curso de Direito da Criança e do Adolescente – Aspectos Teóricos e Práticos (Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2006, pág. 345): “Os doentes crônicos necessitam regularidade nos tratamentos a que são submetidos, bem como a medicação indicada, sem interrupções. Portanto, os Estados e Municípios devem ter programa de saúde que os contemple, de forma específica ou não, mas que assegure que o tratamento não sofrerá solução de continuidade. Infelizmente, a concorrência dos três entes da federação na prestação do serviço de saúde, muitas vezes, tem acarretado a ausência de prestação do serviço através de uma transferência corriqueira de responsabilidade. O Judiciário, atento a essa prática, a tem repelido com freqüência, assegurando que a prestação do serviço público essencial de saúde caberá ao ente contra quem for ajuizada a ação.” (Sem destaques no original). A Política Nacional de Medicamentos, aprovada pela Portaria n° 3.916, de 30 de outubro de 1998, do Ministério da Saúde, também preconiza: “Integram o elenco dos medicamentos essenciais aqueles produtos considerados básicos e indispensáveis para atender a maioria dos problemas de saúde da população. Esses produtos devem estar continuamente disponíveis aos segmentos da sociedade que deles necessitem, (...)” “O modelo de assistência farmacêutica será reorientado de modo a que não se restrinja à aquisição e à distribuição de medicamentos. As ações incluídas nesse campo da assistência terão por objetivo implementar, no âmbito das três esferas do SUS, todas as atividades relacionadas à promoção do acesso da população aos medicamentos essenciais.” “A assistência farmacêutica no SUS, por outro lado, englobará as atividades de seleção, programação, aquisição, armazenamento e distribuição, controle da qualidade e utilização - nesta compreendida a prescrição e a dispensação - o que deverá favorecer a permanente disponibilidade dos produtos segundo as necessidades da população,” 7 M MIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOO DDOO EESSTTAADDOO DDEE AALLAAGGOOAASS PROMOTORIA DE JUSTIÇA COLETIVA ESPECIALIZADA DE DEFESA DA SAÚDE, DO IDOSO E DO DEFICIENTE -P R O D S I D “No tocante a essa transferência, atenção especial deverá ser dada aos medicamentos destinados ao atendimento de esquemas terapêuticos continuados, aos que ratificam decisões e compromissos internacionais e àqueles voltados à assistência a pacientes de alto risco.” “Conforme disciplinado na Lei n.º 8.080/90, cabe à direção estadual do SUS, em caráter suplementar, formular, executar, acompanhar e avaliar a política de insumos e equipamentos para a saúde.” “Nesse sentido, constituem responsabilidades da esfera estadual: ................................... d. coordenar e executar a assistência farmacêutica no seu âmbito; .................................... g. assegurar a adequada dispensação dos medicamentos, promovendo o treinamento dos recursos humanos e a aplicação das normas pertinentes;”. (Os destaques são nossos). VI – DO DIREITO Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si, e a sua família, saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e o direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. (Art. 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos). A Carta Constitucional da República dispõe: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, de organização do Sistema Único de Saúde, estabelece: Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. À luz desses dispositivos, outro entendimento não é possível que não seja o de que o Estado deve oferecer aos cidadãos os meios para garantir a manutenção ou recuperação de sua saúde, seja através de medicamentos, exames, cirurgias ou outros 8 M MIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOO DDOO EESSTTAADDOO DDEE AALLAAGGOOAASS PROMOTORIA DE JUSTIÇA COLETIVA ESPECIALIZADA DE DEFESA DA SAÚDE, DO IDOSO E DO DEFICIENTE -P R O D S I D tratamentos. O uso da talidomida é cercado de inúmeros cuidados, pois sua utilização por gestantes revelou alto índice de nascimento de crianças com problemas de formação. Em razão disso, a liberação do medicamento é restrita. A Resolução RDC nº 34/2000, da ANVISA, regulamenta a dispensação da talidomida apenas para o tratamento da patologia mieloma múltiplo, não sendo tal patologia alvo de discussão nesta ação. O que importa, efetivamente, é constatar que a Lei nº 10.651/2003 não estipulou rol taxativo das doenças que autorizam o uso da talidomida. Vejamos: Art. 1o O uso do medicamento talidomida, sob o nome genérico ou qualquer marca de fantasia, está sujeito a normas especiais de controle e fiscalização a serem emitidas pela autoridade sanitária federal competente, nas quais se incluam, obrigatoriamente: I – prescrição em formulário especial e numerado; II – retenção do receituário pela farmácia e remessa de uma via para o órgão de vigilância sanitária correspondente; III – embalagem e rótulo que exibam ostensivamente a proibição de seu uso por mulheres grávidas ou sob risco de engravidar, acompanhada de texto, em linguagem popular, que explicite a grande probabilidade de ocorrência de efeitos teratogênicos associados a esse uso; IV – bula que contenha as informações completas sobre a droga, inclusive o relato dos efeitos teratogênicos comprovados, acompanhada do termo de responsabilidade a ser obrigatoriamente assinado pelo médico e pelo paciente, no ato da entrega do medicamento. Art. 2o A talidomida não será fornecida ou vendida em farmácias comerciais e sua distribuição no País será feita exclusivamente pelos programas expressamente qualificados pela autoridade federal competente, vedado seu fornecimento em cartelas ou amostras desacompanhadas de embalagem, rótulo ou bula. Art. 3o Os programas expressamente qualificados pela autoridade federal competente devem oferecer: I – orientação completa a todos os usuários da talidomida sobre os efeitos teratogênicos prováveis do uso da droga por gestante; II – todos os métodos contraceptivos às mulheres, em idade fértil, em tratamento de hanseníase ou de qualquer outra doença com o emprego 9 M MIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOO DDOO EESSTTAADDOO DDEE AALLAAGGOOAASS PROMOTORIA DE JUSTIÇA COLETIVA ESPECIALIZADA DE DEFESA DA SAÚDE, DO IDOSO E DO DEFICIENTE -P R O D S I D da talidomida. Art. 4o Cabe ao Poder Público: I – promover campanhas permanentes de educação sobre as conseqüências do uso da talidomida por gestantes e de informação sobre a concessão de pensão especial aos portadores da respectiva síndrome, conforme legislação específica em vigor; II – incentivar o desenvolvimento científico de droga mais segura para substituir a talidomida no tratamento das doenças nas quais ela vem sendo utilizada. Art. 5o Esta Lei entra em vigor 90 (noventa) dias após sua publicação. (grifamos). Vemos, então, que o legislador não restringiu o uso da talidomida a determinadas patologias, mas o condicionou a certas exigências, como a adoção de métodos contraceptivos pelas mulheres que utilizarem a droga. Endossando nossa tese, segue abaixo parte do texto da Proposta de Regulamento Técnico apresentada na Consulta Pública nº 63/2005, da ANVISA: A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, no uso da atribuição que lhe confere o art. 11, inciso IV, do Regulamento da ANVISA aprovado pelo Decreto n° 3.029, de 16 de abril de 1999, c/c o art. 111, inciso I, alínea "b", § 1°, do Regimento Interno aprovado pela Portaria n° 593, de 25 de agosto de 2000, republicada no DOU de 22 de dezembro de 2000, em reunião realizada em de agosto de 200x, (...) considerando a Lei nº 10.651, de 16 de abril de 2003, que dispõe sobre o controle do uso da substância talidomida, 2 – ftalimidoglutarimida; DCB 06480.01-2; CAS nº 50-35-1. considerando a possibilidade de efeitos teratogênicos sobre o concepto decorrente do uso inadequado da talidomida em mulheres grávidas; considerando os recentes avanços científicos relacionados ao conhecimento sobre a talidomida e o crescente espectro de utilização desta, contemplado em publicações científicas que corroboram suas novas indicações; considerando a necessidade de implementar ações que venham contribuir para a melhoria da qualidade da assistência à saúde; 10 M MIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOO DDOO EESSTTAADDOO DDEE AALLAAGGOOAASS PROMOTORIA DE JUSTIÇA COLETIVA ESPECIALIZADA DE DEFESA DA SAÚDE, DO IDOSO E DO DEFICIENTE -P R O D S I D (...) (Grifamos) Como visto, a própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, órgão responsável pelo controle dos medicamentos, admite que, apesar dos riscos ocasionados pelo uso da talidomida, é imperiosa a sua dispensação para uso de determinados pacientes, em razão das recentes descobertas científicas que atestam sua utilidade em diversas áreas. Sobre a Proposta de Regulamento Técnico acima transcrita, a Câmara Técnica de Medicamentos – CATEME, órgão da ANVISA, assim se pronunciou (doc. 08): Um ponto controverso apontado no início da discussão foi o da interpretação do Art. 2° da Lei n° 10.651, no qual se lê que “a talidomida não será fornecida ou vendida em farmácias comerciais e sua distribuição no País será feita exclusivamente pelos programas expressamente qualificados pela autoridade federal competente...”. Prevaleceu a interpretação de que a distribuição da talidomida pode ocorrer para qualquer indicação terapêutica, desde que seja feita dentro de um programa do Ministério da Saúde, e não a de que a distribuição só poderia ser feita para as indicações que fossem contempladas por programas do Ministério específicos para cada doença. Reforça a primeira interpretação o texto do item II do Art. 3°, que menciona “... tratamento de hanseníase ou de qualquer outra doença com o emprego da talidomida”. (...) O ponto considerado de fato polêmico na proposta foi que esta permite a prescrição e dispensação da talidomida para indicações não aprovadas em bula. Embora não tenha havido consenso, a maioria dos membros da CATEME considerou aceitável que isso possa acontecer, desde que o médico prescritor justifique o uso e a eventual continuidade do mesmo a cada prescrição, e que esse uso off label seja acompanhado de perto pela Anvisa. (http://www.anvisa.gov.br/medicamentos/cateme/informe_tecnico_060206. htm Acessado em 25/08/2006). (Grifamos) Como se infere do texto transcrito, a CATEME concorda que a Lei nº 10.651/2003 não restringe o uso da talidomida para o tratamento de determinadas doenças. Depois, defende a possibilidade da dispensação do medicamento mesmo para indicações que não constam em bula, desde que haja justificativa do médico prescritor, que é o caso da Sra. Maria Silvana dos Santos, como apontam a receita médica e o laudo médico que acompanham esta petição (docs. 02 e 03). 11 M MIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOO DDOO EESSTTAADDOO DDEE AALLAAGGOOAASS PROMOTORIA DE JUSTIÇA COLETIVA ESPECIALIZADA DE DEFESA DA SAÚDE, DO IDOSO E DO DEFICIENTE -P R O D S I D Portanto, se a ANVISA e a CATEME, órgãos que ocupam o topo da hierarquia do controle de medicamentos, admitem a necessidade de que a talidomida seja colocada à disposição para o tratamento de toda patologia que necessite dos seus efeitos, não pode a Secretaria Estadual de Saúde frustrar o tratamento da paciente. A Sra. Maria Silvana sofre da doença Prurigo Nodular, já tendo feito uso de vários tipos de medicamentos, que não se mostraram aptos a solucionar seu problema, por isso a prescrição da talidomida pelo médico (doc. 03). Em pesquisa realizada no site da Biblioteca Virtual em Saúde (www.scielosp.org), constata-se que os efeitos benéficos da talidomida nos portadores de Prurigo Nodular já são comprovados há algum tempo: Quanto às indicações clínicas, em que pese a polêmica envolvendo os riscos do uso da talidomida, já existe algum consenso na literatura internacional em torno do tratamento de determinadas situações, como: reação hansênica do tipo II (ENL), prurigo nodular, prurigo actínico, doença enxerto-contrahospedeiro (GVHD), lúpus eritematoso discóide, aftose recidivante, lesões mucosas da síndrome de Behcet, úlcera idiopática da Aids (origem não infecciosa) e síndrome de caquexia associada à Aids (Vogelsang et al., 1992; Proença, 1995; Reyes-Terán et al., 1996; Tseng et al., 1996; Calderón et al., 1997). (OLIVEIRA, Maria Auxiliadora ; BERMUDEZ, Jorge Antônio Zepeda and SOUZA, Arthur Custódio Moreira de. Thalidomide in Brazil: monitoring with shared responsibility?. Cad. Saúde Pública. [online]. 1999, vol. 15, no. 1 [cited 2006-08-25], pp. 99-112. Available from: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102311X1999000100011&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0102-311X..) • Prurigo nodular - O primeiro a observar o efeito da talidomida nessa dermatose foi o brasileiro Osmar Mattos,10 que tratou com êxito uma paciente dela portadora. Sheskin,11 em 1975, verificou, também, que o prurigo nodular tratado com a talidomida obtivera bons resultados. Grosshans et al.12 verificaram que, em duas semanas, a talidomida na dose de 100-300mg/dia resolveu o problema; sugerem, entretanto, a continuação do tratamento durante seis meses. O autor teve a oportunidade de tratar um caso com bons resultados usando 200mg/dia. A melhora parece decorrer da ação direta da droga sobre a proliferação de tecido nervoso nessa entidade.13 (AZULAY, Rubem David. Thalidomide: indications in Dermatology. An. Bras. Dermatol., Rio de Janeiro, v. 79, n. 5, 2004. Available from: 12 M MIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOO DDOO EESSTTAADDOO DDEE AALLAAGGOOAASS PROMOTORIA DE JUSTIÇA COLETIVA ESPECIALIZADA DE DEFESA DA SAÚDE, DO IDOSO E DO DEFICIENTE -P R O D S I D <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S036505962004000500011&lng=en&nrm=iso>. Access on: 25 Aug 2006. doi: 10.1590/S0365-05962004000500011. ) Sobre a matéria, seguem decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que se manifestou favoravelmente ao fornecimento da talidomida: EMENTA: AGRAVO INTERNO CONTRA DECISÃO DO RELATOR QUE NEGOU CURSO A APELAÇÃO POR MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. QUESTÕES EM RELAÇÃO ÀS QUAIS A CÂMARA TEM ORIENTAÇÃO SENDIMENTADA. PRINCÍPIO DA JURISDIÇÃO EQUIVALENTE. ORIENTAÇÃO TAMBÉM DO STJ. PORTARIA DA ANVISA E RESOLUÇÃO DA DIRETORIA NÃO PODEM FRUSTRAR O DIREITO À SAÚDE. ADEMAIS, CABE INTERPRETÁ-LAS NÃO COMO PROIBIDORAS DA OBTENÇÃO DO MEDICAMENTO (TALIDOMIDA), E SIM COMO DE AQUISIÇÃO POSSÍVEL JUNTO AO MINISTÉRIO DA SAÚDE. POR FIM, A CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO DO RELATOR PELO COLEGIADO, PREJUDICA A ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DO JULGAMENTO MONOCRÁTICO. DESPROVIMENTO. (Agravo Nº 70013318670, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 07/12/2005) EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL. SAÚDE PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. MIELOPLASIA. NECESSIDADE DO MEDICAMENTO TALIDOMIDA. AÇÃO ORDINÁRIA C/C ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. DEFERIMENTO NA ORIGEM. NÃO CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL. AUSÊNCIA DE REQUISITO EXTRÍNSECO DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL (FALTA DE ASSINATURA NA PETIÇÃO DO RECURSO). INICIAL APÓCRIFA. ÔNUS DO AGRAVANTE. INDEFERIMENTO LIMINAR DA INICIAL E EXTINÇÃO DO PROCESSO. (Agravo de Instrumento Nº 70011583382, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Wellington Pacheco Barros, Julgado em 02/05/2005) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SAÚDE PÚBLICA. DOENÇA PRURIGO NODULAR (HYDE). MEDICAMENTO EXCEPCIONAL (TALIDOMIDA). OBRIGAÇÃO DO ESTADO. MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO DE LIMINAR. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. GARANTIA CONSTITUCIONAL NA FORMA DO ART. 196 DA CF-1988. PRECEDENTE DO STF. NÃO-PROVIMENTO. SENTENÇA QUE SE CONFIRMA. É consabido que a Saúde Pública é obrigação do Estado 13 M MIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOO DDOO EESSTTAADDOO DDEE AALLAAGGOOAASS PROMOTORIA DE JUSTIÇA COLETIVA ESPECIALIZADA DE DEFESA DA SAÚDE, DO IDOSO E DO DEFICIENTE -P R O D S I D em abstrato, desimportando qual a esfera de poder que, efetivamente, a cumpre, pois a sociedade que contribui e tudo paga, indistintamente, ao ente público que lhe exige tributos cada vez mais crescentes, em todas e quaisquer esferas de poder estatal, sem que a cada qual seja especificada a destinação desses recursos. Nesse contexto, o direito à vida e o direito à saúde são direitos subjetivos inalienáveis, constitucionalmente consagrados, cujo primado supera restrições legais. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70005609599, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Wellington Pacheco Barros, Julgado em 26/12/2002) No acórdão da primeira ementa citada, onde figura como agravante o Estado do Rio Grande do Sul, assim se pronunciaram os desembargadores: “Na realidade, a alegação do recorrente está mais centrada no que chama de impossibilidade de aquisição de tal remédio porque a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, consoante Portaria 354/97, e Resolução n.º 34/00, da Diretoria, proíbe a aquisição. Noutras palavras, o fornecimento é exclusivo do pelo Ministério da Saúde. À evidência, se equivoca. Primeiro, a Portaria da ANVISA e a Resolução da Diretoria não prejudicam, e nem poderiam prejudicar, o direito de quem precisa do medicamento. Certamente, haverá alguma razão relevante para manter a venda de tal medicamento sob absoluto controle, ou para não colocando à venda nas farmácias, por exemplo. Então, o que há, na realidade, é má-vontade do agravante, pois nada impede que obtenha o medicamento junto ao Ministério da Saúde. O agravante está interpretando venda controlada como venda proibida.” Portanto, resta claro o direito da Sra. Maria Silvana de receber o medicamento Talidomida 100mg, amparado que está por tudo que foi acima exposto (entendimento da ANVISA e da CATEME, literatura científica especializada e Jurisprudência). VII – DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA INAUDITA ALTERA PARS A concessão antecipara da tutela está prevista no art. 273 do Código de Processo Civil, verbis: Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: 14 M MIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOO DDOO EESSTTAADDOO DDEE AALLAAGGOOAASS PROMOTORIA DE JUSTIÇA COLETIVA ESPECIALIZADA DE DEFESA DA SAÚDE, DO IDOSO E DO DEFICIENTE -P R O D S I D I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ...................... A prova da verossimilhança da alegação é soberba nos autos. A omissão do Estado está inequivocamente demonstrada e são evidentes os efeitos danosos e irreversíveis que sofrerá a paciente durante o tempo de espera do provimento final. Poderá sofrer seqüelas irreparáveis com o agravamento da doença. “O tempo do processo angustia os litigantes” (MARINONI). O art. 461, § 3º do CPC, também é no mesmo sentido, verbis: “Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. (...).”. Também é permissivo da Lei nº 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública), verbis: Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo. (os grifos são nossos). Entendemos, salvo melhor juízo, não haver a necessidade de justificação prévia e, fundamentando tal entendimento, recorremos aos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência. Dizem: CARVALHO FILHO comentando o art. 12, da Lei nº 7.347/85, leciona: “Não há dúvida que o mecanismo da justificação prévia foi contemplado pelo legislador para fim de permitir melhor avaliação pelo juiz dos elementos justificadores da concessão da medida liminar.” “Se o autor trouxer elementos suficientes para o juiz, este, sem ouvir o réu, determinará a expedição do mandado liminar”. (grifamos). (José dos Santos Carvalho Filho, ob. Cit., pág. 274). REIS FRIEDE, citando MARIONI, ensina: “A problemática da tutela antecipatória requer seja posto em evidência o seu eixo central: o ‘tempo’. Se o tempo é a dimensão fundamental na vida humana, no processo ele desempenha idêntico papel, pois processo também é vida. O tempo do processo angustia os litigantes; todos conhecem os males que a pendência da lide pode produzir. (...) O tempo, como se pode sentir, é um dos grandes adversários do ideal de 15 M MIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOO DDOO EESSTTAADDOO DDEE AALLAAGGOOAASS PROMOTORIA DE JUSTIÇA COLETIVA ESPECIALIZADA DE DEFESA DA SAÚDE, DO IDOSO E DO DEFICIENTE -P R O D S I D efetividade do processo.” E prossegue o autor: “O princípio da inafastabilidade não garante apenas uma resposta jurisdicional, mas a tutela que seja capaz de realizar, efetivamente, o direito afirmado pelo autor, pois o processo, por constituir a contrapartida que o Estado oferece ao cidadão diante da proibição da autotutela, deve chegar a resultados equivalentes aos que seriam obtidos se espontaneamente observados os preceitos legais. Dessa forma, o direito à adequada tutela jurisdicional garantido pelo princípio da inafastabilidade é o direito à tutela adequada à realidade de direito material e à realidade social.” (FRIEDE, Reis. Tutela antecipada, tutela específica e Tutela Cautelar. 2ª ed., Belo Horizonte: Del Rey. 1996. p. 44.). (destacamos). Vejamos a jurisprudência pátria: EMENTA: LIMINAR CONCEDIDA EM ACAO CIVIL PUBLICA. POSSIBILIDADE. CONCEITO DE LIMINAR. FORNECIMENTO DE HORMONIO DE CRESCIMENTO HUMANO. DEVER DO ESTADO. ADMITE-SE A LIMINAR EM ACAO CIVIL PUBLICA, NAO HAVENDO QUALQUER VEDACAO DA LEI N-8437/92, QUE EXCEPCIONA, SENDO A ANTECIPACAO PREVISTA DA LEI Nº 7347/85, QUE REGULA A ACAO POPULAR E NO ART-273 DO CPC, SUFICENTE A VEROSSIMILHANCA E A URGENCIA, OBTIDO O CONVENCIMENTO JUDICIAL EM CONGNICAO SUMARIA. EM PRINCIPIO E DEVER DO ESTADO FORNECER MEDICAMENTO A CRIANCAS E ADOLESCENTE POBRES, NOS TERMOS DOS ART-227 DA CF E ART-7 E ART-11 DO ECA. AGRAVO IMPROVIDO POR MAIORIA. (Agravo de Instrumento Nº 595037557, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Heerdt, Julgado em 14/06/1995) (Sem destaque no original). EMENTA: ACAO CIVIL PUBLICA. ECA. ADOLESCENTE PORTADORA DE CIFOESCOLIOSE SEVERA COM GRANDE DESVIO ANGULAR E PROGRESSIVO. IMPLANTE ESPECIAL. DEVER DO ESTADO. LEI Nº 9908/93. PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE HUMANA, DIREITO A VIDA E A SAUDE E PROTECAO DA CRIANCA E ADOLESCENTE. LEGITIMIDADE DO MINISTERIO PUBLICO. CONCESSAO DE LIMINAR CONTRA O PODER PUBLICO. CABIMENTO. MULTA. O MINISTERIO PUBLICO E PARTE LEGITIMA PARA AJUIZAR ACAO PUBLICA EM PROTECAO AOS INTERESSES DA CRIANCA E DO ADOLESCENTE (LEI Nº 16 M MIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOO DDOO EESSTTAADDOO DDEE AALLAAGGOOAASS PROMOTORIA DE JUSTIÇA COLETIVA ESPECIALIZADA DE DEFESA DA SAÚDE, DO IDOSO E DO DEFICIENTE -P R O D S I D 8.069/90, ART. 201, V E LEI Nº 7.347/85, ART. 5º). A VEDACAO CONSTANTE NA LEI Nº 8437/92, QUE INIBE A CONCESSAO DE LIMINARES CONTRA O PODER PUBLICO, DEVE SER TEMPERADA QUANDO OS VALORES DA PRESERVACAO DA VIDA E DA INTEGRIDADE FISICA SE ENCONTREM EM TESTILHA, POIS TAIS PRINCIPIOS PREVALECEM SOBRE OS INTERESSES PATRIMONIAIS DO ESTADO QUE A LEGISLACAO BUSCA PROTEGER. (...). (Apelação e Reexame Necessário Nº 70002508679, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 30/05/2001). (Grifamos). Todos os argumentos e provas colacionadas apontam para a necessidade urgente da medida liminar, pois a doença Prurigo Nodular já se espalhou por quase todo o corpo da paciente, como atestam as fotos (doc. 04), e a tendência é piorar, pois não há outro medicamento que possa substituir a talidomida, uma vez que “foram feitos vários tratamentos sem resultado satisfatório”, como relata o laudo médico apresentado (doc. 03). É bom destacar que a paciente já não consegue mais trabalhar, não só em razão dos problemas de sua saúde, que a cada dia se agrava, mas também pelo constrangimento que passa decorrente do perigo de seus colegas contraírem a doença. VIII - DO PEDIDO O pedido é no sentido de que a paciente receba a talidomida e fique protegida de qualquer interrupção no fornecimento, além de receber outros medicamentos necessários ao tratamento. Nesse sentido, trazemos à colação o entendimento do Prof. André da Silva Ordacgy, Defensor Público da União e professor dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá – RJ: “Dentro da esfera judicial, cumpre ainda analisar o pedido e suas especificações quando da propositura da ação. É de curial sabença que, em tratamentos médicos continuados, o uso da medicação pode sofrer diversas modificações, através da substituição ou acréscimo de outros remédios, até porque a medicina evolui rapidamente, notadamente no campo da fabricação de novos medicamentos, sempre mais eficazes que os anteriores, inclusive os genéricos, que são muito utilizados em prol dos hipossuficientes. Há ainda que se considerar a compatibilidade do paciente com o medicamento utilizado, o que pode demandar a substituição do remédio anteriormente utilizado. Também é muito comum o organismo da pessoa enferma adquirir resistência ao medicamento, sendo necessário a sua substituição. Portanto, o jurisdicionado somente precisa especificar na peça 17 M MIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOO DDOO EESSTTAADDOO DDEE AALLAAGGOOAASS PROMOTORIA DE JUSTIÇA COLETIVA ESPECIALIZADA DE DEFESA DA SAÚDE, DO IDOSO E DO DEFICIENTE -P R O D S I D exordial a sua enfermidade e os medicamentos dos quais se utiliza no momento da propositura da ação, não constituindo pedido genérico o uso da expressão "... bem como de todos os remédios necessários ao tratamento de sua enfermidade", desde que, como já frisado, em combinação com a especificação dos medicamentos que já necessita. O pedido formulado dessa maneira encontra respaldo nos Princípios da Economia Processual, da Efetividade do Processo e do Acesso à Justiça. Entendimento contrário ao exposto acima implicaria na obrigação de ter que se propor uma nova ação judicial a cada vez que houvesse modificação ou acréscimo nos medicamentos postulados para o tratamento contínuo da doença. Em última análise, poder-se-ia chegar ao número de dezenas de ações para atender a uma mesma enfermidade do jurisdicionado, ferindo de morte o Princípio da Economia Processual. Sobre o assunto, já se manifestou recentemente o E. Superior Tribunal de Justiça, entendendo que o pedido de fornecimento de todo os medicamentos necessários a um determinado tratamento de saúde não constitui pedido genérico ou incerto (RESP 714165-RJ, 2ª Turma, julg. em 01/03/2005, DJ 11/04/2005, p. 287).”. (Sitio www.mj.gov.br/defensoria). (acesso em 28/06/06). A garantia do fornecimento de todos os medicamentos necessários para o tratamento da Sra. Maria Silvana dos Santos também encontra guarida nos princípios da economia processual, da efetividade do processo e do acesso à justiça. Entendimento diferente resultaria no assoberbamento do Juízo competente com várias ações para o mesmo fim, quando, em apenas uma ação, a prestação jurisdicional poderá satisfazer a todas as necessidades da paciente. Assim, o Ministério Público, por seu Órgão abaixo firmado, requer: I – Considerando a relevância dos fundamentos da presente demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, com danos irreparáveis à paciente, a concessão da tutela antecipada, inaudita altera pars, a fim de determinar que o Estado de Alagoas seja compelido a fornecer, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, e manter o fornecimento ininterrupto, o medicamento Talidomida 100mg e outros medicamentos necessários para Maria Silvana dos Santos, que já possui processo, sob o nº 2000/13283/2006 (doc. 09), solicitando a liberação da talidomida no Programa de Assistência Farmacêutica da Secretaria Executiva de Saúde do Estado, por ser de sua responsabilidade a dispensação através da FARMEX, enquanto tais medicamentos forem indispensáveis para o tratamento da sua enfermidade, tudo de conformidade com as prescrições médicas, nos termos da terminologia adotada no Título 7 da Política Nacional de Medicamentos (Ato de definir o medicamento a ser consumido pelo paciente, com a respectiva dosagem e duração do tratamento), aprovada pela Portaria nº 3.916/98, do Ministério da Saúde. 18 M MIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOO DDOO EESSTTAADDOO DDEE AALLAAGGOOAASS PROMOTORIA DE JUSTIÇA COLETIVA ESPECIALIZADA DE DEFESA DA SAÚDE, DO IDOSO E DO DEFICIENTE -P R O D S I D II – Que sejam colocados à disposição da paciente todos os métodos contraceptivos necessários para evitar uma possível gravidez durante o tratamento. III – Que seja determinado à Secretaria Estadual de Saúde o fornecimento, através do Serviço de Farmácia de Medicamentos Excepcionais (FARMEX), de certidão de falta de medicamento à paciente, caso não seja atendida ao procurar o referido Serviço para receber o seu medicamento; IV - a cominação de multa diária, nos termos do art. 11, da Lei nº 7.347/85, no valor de R$5.000,00 (Cinco mil reais), por cada medicamento prescrito, em caso de descumprimento da decisão antecipatória da tutela; V – a cominação de multa nos termos do art. 11, da Lei nº 7.347/85, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), por cada certidão que deixar de ser expedida para entrega à paciente pela falta do medicamento. VI – a citação do réu, na pessoa do Procurador-Geral do Estado de Alagoas, para responder aos termos da presente ação, no prazo legal, sob pena de confissão e revelia; VII – que sejam julgadas procedentes as pretensões ora deduzidas, confirmando-se, em definitivo, todos os pedidos requeridos em sede de tutela antecipada, condenando-se o Estado de Alagoas nas obrigações ali descritas, determinando-se que a antecipação da tutela, de início deferida, continue produzindo seus efeitos até o trânsito em julgado da sentença de procedência, com estabelecimento de multa diária no valor de R$ 5.000,00 (Cinco mil reais), por cada medicamento prescrito, em caso de descumprimento da decisão judicial definitiva e de R$ 2.000,00 (dois mil reais) por cada certidão que deixar de ser expedida pela falta de medicamento. Para provar o alegado, o Ministério Público protesta pela produção de todos os meios de provas admitidas em direito, especialmente pela juntada de novos documentos, produção de prova testemunhal e pericial. Dá-se a causa o valor de R$ 10.000,00 (Dez mil reais). Maceió, 31 de agosto de 2006. UBIRAJARA RAMOS DOS SANTOS 2º Promotor de Justiça de Defesa da Saúde, do Idoso e do Deficiente, em Exercício. 19