José Willington Germano

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HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”
CLIENTELISMO, ASSISTENCIALISMO, NEOLIBERALISMO: A
SOLIDARIEDADE COMUNITÁRIA
Prof. Dr. José Willington Germano1
RESUMO
O presente texto procura analisar políticas sociais-educacionais recentes de corte
neoliberal, como o Programa Nacional de Solidariedade (PRONASOL) do México e o
Programa Comunidade Solidária do Brasil. Tais políticas são estruturadas a partir do conceito
de “necessidades básicas” ou “piso social” e se destinam aos “excluídos”. Desse modo, o
formato universalizante é substiuído pelos programas focalizados na pobreza, em geral de
caráter emergencial. Recriam um ideário de valorização da educação enquanto instrumento de
recuperação da pobreza e de exercício da cidadania. Criticam o clientelismo e o
neoliberalismo. No entanto, fomentam o clientelismo e o neoliberalismo ao implementar
políticas residuais e assistencialistas, configurando uma desqualificação da cidadania,
mediante a execução de políticas sociais sem direitos sociais.
TEXTO COMPLETO
1. INTRODUÇÃO
A partir de meados dos anos setenta, com a crise fiscal do Estado, as chamadas
políticas de bem-estar social começam a sofrer ataques frontais por parte da direita. Como
resultado disso, o neoliberalismo ganha espaço e implementa as suas políticas sociais, tanto
nos países centrais como na América Latina. O ideário neoliberal passa a ser adotado pelas
“estruturas mundiais de poder”, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Mundial, os quais o impõe como receituário a ser adotado pelos “países emergentes” em seus
respectivos ajustes estruturais. Nessa perspectiva, segundo essas agências, o que deve presidir
a definição das políticas sociais é o conceito de “necessidades básicas” ou seja, os serviços
sociais públicos deveriam suprir minimamente as carências de uma população despojada de
condições de sobrevivência. Para Fanfani (1991: 128), essas políticas “expressam uma
articulação entre o que os dominantes estão dispostos a conceder e o que os grupos sociais
subordinados estão em condições de exigir”.
Dessa forma, as políticas sociais de formato universalizante são postas em questão.
Assim, as políticas desenvolvidas pelo Estado devem ter como alvo principal os pobres, o
combate à pobreza. O mercado se encarregaria do restante. Com efeito, toma vulto as posturas
anti-universalizantes, privatistas e os programas sociais focalizados, seletivos e emergenciais,
abrindo espaço, dessa forma, às práticas neo-assistencialistas. Nesse contexto, em que os
governos proclamam o enfrentamento da pobreza, a educação volta a ser encarada como um
dos principais instrumentos de superação da miséria e do desemprego.
O presente texto pretende abordar alguns dos programas educacionais de combate à
pobreza, implementados pelo governo brasileiro em distintas conjunturas históricas. Trata-se
1
Professor do Departamento de Ciências Sociais - UFRN
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especificamente do Programa Nacional de Desenvolvimento de Ações Sócio-Educativas e
Culturais para as Populações Carentes Urbanas (e Rurais) - PRODASEC, posto em prática
durante o Regime Militar, como também do “Programa Comunidade Solidária” que constitui
uma das “colunas básicas” da política social do governo do social democrata Fernando
Henrique Cardoso (FHC). Todos esses programas, via de regra, fazem fortes apelos à
participação popular, à descentralização, a eqüidade social, ao estabelecimento de parcerias e
criticam o assistencialismo e o clientelismo.
Este trabalho se propõe a analisar, portanto, as soluções propostas e as respectivas
motivações que justificam a formulação dos mencionados programas socias e educacionais.
Em primeiro lugar, será feito uma breve referência às representações da pobreza, notadamente,
no Brasil. Depois, os programas oriundos do Regime Militar e os adotados pelo governo de
FHC serão caracterizados. Finalmente, o Programa “Comunidade Solidária” do Brasil e o
“Programa Nacional de Solidariedad” do México serão confrontados. No primeiro caso,
tratam-se de programas elaborados em conjunturas distintas no âmbito de um mesmo país. No
segundo, apesar da origem diversificada, uma vez que dizem respeito às políticas sociais
desenvolvidas no Brasil e no México, têm em comum o fato de terem sido geradas em um
cenário de ampla hegemonia neoliberal.
2. REPRESENTAÇÕES DA POBREZA
Na mentalidade coletiva moderna, escreve Bromislaw Geremek (1995: 15), “a pobreza
é percepcionada de forma exclusivamente negativa”. Na constituição do capitalismo, por
exemplo, Marx (1975) fala sobre a “lei dos pobres”, na “legislação sanguinária contra os
expropriados” pelo processo de acumulação primitiva e que não eram absorvidos pela
manufatura com a mesma rapidez com que eram tornados disponíveis para o mercado de
trabalho. Desde o início do capitalismo, portanto, o estigma da vagabundagem e da pobreza
enquanto situação degradante, notadamente do ponto de vista moral, faz parte do ideário
acerca dos pobres. Nesse sentido, a pobreza é freqüentemente considerada como sendo
composta por “grupos perigosos”, o que induz as doutrinas da caridade em dividi-los em
pobres “meritórios” e “indignos”. Cabe ainda recordar, escreve Fanfani (1991: 94), que “nas
primeiras fases do desenvolvimento do Estado-nação moderno o predomínio de uma
concepção exclusivamente moral da pobreza sustentou um conjunto de ações públicas
claramente orientadas a incidir sobre o plano das mentalidades e condutas dos pobres”.
A pobreza era vista, portanto, como um fenômeno que afetava certos indivíduos que
não desejavam ou não estavam em condições de integrar-se ao mercado de trabalho capitalista,
sendo, por isso, considerada como uma “doença vergonhosa”. Várias outras interpretações
existem como, por exemplo, dos economistas ingleses dos séculos XVIII e XIX (Smith,
Ricardo, Malthus, Marx) que consideravam a pobreza como um preço a pagar pela evolução
social ou, como assinala Marx, como um sintoma da ineficiência do capitalismo ou seja, como
algo inerente a esse modo de produção.
Em contextos mais recentes, Fanfani (1991: 95-97) identifica dois aportes que
embasam, por exemplo, os programas de luta contra a pobreza nos Estado Unidos: a
abordagem “culturalista” e a alternativa denominda de “situacionista”. Para o aporte
“culturalista”, a condição de pobre resulta do fato de eles compartilharem de um “conjunto de
atitudes e valores comuns que os distinguem do resto da população”. De acordo com essa
visão, o que define a pobreza é a existência de uma “cultura dos pobres” que se caracteriza
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pela passividade, fatalismo, irracionalismo, o desinteresse pelo trabalho, pelos valores
familiares, a inconstância e a orientação centrada no presente. Isso constitui a causa principal
da pobreza e não a falta de renda ou de bem-estar.
Para o aporte “situacionista” não existiria uma “cultura dos pobres”. Desse modo, suas
condutas, enquanto pobres, não estariam orientadas por uma série de valores internos. Elas
seriam resultado de um cálculo, de uma deliberação, portanto, de uma resposta “racional”, que
os sujeitos fariam entre as alternativas de ação que lhes são oferecidas pelo lugar que ocupam
na sociedade.
Esses enfoques eludem, evidentemente, uma explicação estrutural do fenômeno da
pobreza à qual é encarada como um fenômeno individual. Assim, para essas visões, não
existiria pobreza, porém exclusivamente pobres. Trata-se de uma condição que decorreria de
uma “essência”, expressa por “atitudes e valores” ou pelo emprego de “cálculo racional”. A
miséria, por conseguinte, não é identificada como conseqüência da estrutura da sociedade e
que envolve as relações de um grupo de indivíduos com outros grupos que se situam
desigualmente em determinados contextos societários.
Essa concepção individualista, moralista da pobreza, condição que era própria de
pessoas que não estavam aptas para integrar-se ao mercado de trabalho, constitui um eco de
uma “velha ideologia”, diz Fanfani, que surgiu nos primeiros tempos do capitalismo e orientou
programas de ação dirigidos aos pobres cujos traços essenciais perduram até hoje em muitos
países capitalistas.
Tais programas se caracterizam portanto pela adoção do clientelismo e do
assistencialismo enquanto traços predominantes de uma ação social que “combina caridade
privada com beneficiência pública e que tende a definir a relação entre o que dá (...) e o que
recebe como uma relação de tutela”. (Fanfani, 1991: 97). As políticas para os pobres se
apresentam, quase sempre como um favor, um auxílio de quem outorga e não um direito de
quem recebe. Além disso, tem se revestido de intervenções pontuais, emergenciais, aleatórias,
desarticuladas. Por outro lado, convém frisar que, nesse sentido, o que tem pontificado nessas
políticas sociais é um certo enfrentamento dos efeitos e não das causas da pobreza
Enquanto isso, a pobreza tem sido vista pelos críticos da sociedade, como um conjunto
de “massas exploradas”, “escórias da sociedade da abundância”, expressão de desigualdade
social, como fato inerente ao capitalismo, como indivíduo excluído do processo de produção,
como condição humilhante portadora de estigma, existindo ainda aqueles, como Fanon, que
acreditam no caráter revolucionário dos “condenados da terra”.
Contudo, apesar da “sociedade da abundância” e dos prognósticos otimistas dos
defensores do “establishment” e dos programas que propunham eliminar definitivamente a
pobreza, o fato é que ela persiste e vem se ampliando mesmo em países altamente
industrializados.
Por sua vez, as representações sobre a pobreza no Brasil, notadamente no espaço
urbano, ao mesmo tempo que apresenta pontos de convergência com relação às imagens que,
em geral, tem sido produzidas pelas visões dominantes no capitalismo, têm, igualmente, as
marcas específicas da evolução histórica do país.
Assim, conforme Lícia Valladares (1995), a terminologia da pobreza experimenta uma
trajetória que vai da condição de vadio, na virada do século, para o de excluído, nos anos 90.
Desse modo, de acordo com a referida autora , o pobre era identificado, por uma
ampla e variada literatura no limiar do séc.XIX para o séc. XX, como vadio, como alguém
que se recusava a vender a sua força de trabalho no mercado capitalista. Tratava-se, portanto,
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de um fato de responsabilidade individual, de forte conotação moral, associada à idéia de
ociosidade, vagabundagem, etc., que acabava por atribuir aos pobres a condição de “classes
perigosas”, cuja inserção no tecido urbano se localizava no cortiço. Nesse contexto, havia uma
clara divisão entre vadios (pobres) e trabalhadores. O país estava vivendo, então, uma
transição de uma sociedade escravista para uma ordem capitalista e, em decorrência, de
constituição do mercado de trabalho industrial e urbano.
Outro período estudado por Valladares (1995) diz respeito aos anos 50 e 60. Este
constitui um momento em que o processo de urbanização havia se generalizado sob a égide de
um desenvolvimento capitalista que ampliou o mercado de trabalho e, ao mesmo tempo,
marginalizou amplos segmentos da população. Este mercado era visto, portanto, como dual.
Desta forma, a definição moral de pobreza enquanto recusa ao mercado de trabalho, como
responsabilidade individual, e dos pobres como vadios e ociosos é substituída por uma
conceituação econômica.
Nessa perspectiva, a pobreza resultaria de determinantes externos ao indivíduo.
Tratava-se, por conseguinte, de uma deficiência do mercado que tendia a incorporar mal os
trabalhadores pobres, formando uma massa de marginalizados, uma “população marginal” ou
subempregada, cujo “locus” espacial nas cidades era a favela. Nesse contexto, o favelado era
sinônimo de pobre.
A partir do anos 60, sob a influência de organismos internacionais que orientam a
alocação de recursos governamentais na área social, um outro vocabulário é introduzido para
caracterizar os pobres, qual seja a de “população de baixa renda”. Nesse caso, a pobreza é
identificada, com a insuficiência de renda e como sinônimo de “carência”, a qual é definida
como “situação em que o atendimento das necessidades biológicas e sociais dos indivíduos ou
das suas famílias está abaixo de um patamar mínimo” (Valladares, 1995: 5). Os programas
sociais notadamente em educação, saúde e habitação deveriam ser definidos, levando em conta
a identificação de uma linha de pobreza. Com isso, é introduzido um princípio classificatório
no qual os grupos são colocados acima ou abaixo da linha de pobreza, onde os pobres
aparecem como merecedores de assistência pública e de programas oficiais de atendimento.
O terceiro momento da periodização de Valladares diz respeito às décadas de 70 e 80 e
finalmente aos anos 90 em que, segundo escreve, “viram o apogeu e a crise do modelo de
desenvolvimento adotado, a expansão progressiva da chamada economia informal em paralelo
a um processo acelerado de concentração de renda e de desigualdades sociais” (1995: 2).
Assim, a partir dos anos 70, o discurso econômico sobre a pobreza ganha novas
configurações. Agora todos os tipos de inserção no mercado de trabalho passam a ser
considerados como uma forma de trabalho. Daí as várias denominações -“trabalhador do setor
informal”, “trabalhador por conta própria”, “trabalhador assalariado”, até mesmo
“trabalhadores pobres”, uma vez que o trabalhador e o pobre já não se encontram mais tão
distantes e opostos, conforme a ideologia dominante atribuía no princípio do século. Ora, se
muitos trabalhadores regularmente empregados acabaram se tornando e se identificando como
pobres, isto decorreu da degradação salarial ocorrida no período, em uma conjuntura em que
“a família pobre, trabalhadora, viu-se cada vez mais obrigada a apelar para as chamadas
estratégias de sobrevivência”, que envolviam uma sobrecarga de trabalho mediante uma
extensão da jornada de trabalho e, além disso, a mobilização de mulheres, de crianças em
idade escolar e de aposentados (Valladares, 1995: 6).
Nos anos 80 observa-se uma outra mudança no tocante ao entendimento do que seria o
papel social e político dos pobres urbanos: a “periferização”. Este fato vai se refletir
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diretamente nas políticas e programas sociais, inclusive na área de educação, em um contexto
de crise do Regime Militar e de ascensão de movimentos sociais das “periferias urbanas” que
demandavam ao Estado, saúde, saneamento, habitação, creches, legalização de terrenos, entre
outros. Constitui-se, assim, em uma nova territorialidade da pobreza, a “periferia”. Nesse
contexto, o pobre passa a ser sinônimo, portanto, de “morador de periferia”. Uma outra
novidade vem à tona nesse período: os “moradores da periferia” passam a figurar na cena
urbana como novos atores sociais que se incorporam às lutas pela redemocratização do país e
pela conquista da cidadania e dos direitos sociais. Falava-se, então, na “força da periferia”.
Na década de 90 muda-se, outra vez, o discurso sobre a pobreza, a qual passa a ser
qualificada de “exclusão social”. A “exclusão” é, por conseguinte, a condição social da
pobreza. Não se trata mais de uma preocupação com a organização dos movimentos sociais
em busca de direitos, mas do estabelecimento de instituições externas a esses movimentos, as
denominadas Organizações Não-Governamentais (ONGs), que passam a interceder em favor
dos “excluídos” nessa nova forma de se referir aos pobres. Nessa perspectiva, os “excluídos”
aparecem como não-atores, que dependem da interveniência das ONGs para existirem. Por sua
vez, a partir dos “excluídos”, as ONGs têm acesso às agências de fomento a projetos sociais,
sejam elas internacionais ou governamentais.
Quem são, afinal, os “excluídos”? São todos aqueles sem direitos sociais. Todos os
“sem”: os “sem voz”, “sem representação própria”, “sem teto”, “sem terra”, “sem trabalho”,
“sem saúde”, “sem educação”, etc., assim como “meninos de rua”, “carentes”, “indigentes”,
enfim, indivíduos cuja territorialidade é a rua.
O conceito de exclusão, por sua vez, tal qual o de marginalidade, tem sido objeto de
críticas, notadamente porque ele implica na adoção de uma visão dualista. Conforme esses
críticos, a oposição excluídos/incluídos seria produzida pelo mesmo processo econômico.
Contudo, ele traz contribuições importantes do ponto de vista da ética e da política. Assim,
para Oliveira (1997: 60), no que toca à causalidade do fenômeno, a perspectiva antidualista é a
mais apropriada, “sob pena de cairmos no dualismo ingênuo e insuportável típico da literatura
moralista do século XIX, mais ainda existente ao nível do senso comum - de achar que os
miseráveis são responsáveis pela própria miséria”. No entanto, no que toca aos seus efeitos,
“analisar o problema dos excluídos sob o viés econômico nada nos diz sobre a necessidade que não é econômica, mais ética e política - de sua inclusão (grifos no original). O autor
chama a atenção “sobre o perigo que toma corpo a vista de todos nós”, como as constantes
“chacinas e execuções a que o Brasil assiste nos últimos anos” que constituem “indícios de
que começa a tomar forma na sociedade brasileira um processo de extermínio de seus
“excedentes”, já não assimiláveis pelos processos tradicionais de trabalho e socialização”.
Para ele, “essas mortes exemplificam um processo de exclusão, na mais insuperável
radicalidade do termo”.
Postura semelhante parece assumir Valladares (1995: 11-12) ao criticar as análises
dualistas no que se refere a exclusão/inclusão do processo econômico.Conforme afirma,
trata-se de uma reedição da noção de marginalidade em que “retiramos dos pobres seu papel
de ator político”, da mesma forma que nos idos da teoria da marginalidade “os moradores da
favela eram retratados pelas pesquisas como simples receptadores passivos”. Desse modo, os
pobres continuam a ser vistos, agora na condição de excluídos, como tutelados.
A referida autora esclarece, contudo, que “a discussão sobre a exclusão” faz surgir
“algo de novo no que tange à reflexão sobre a cidadania”. Assim, “a noção de exclusão ajuda,
sem dúvida, a caracterizar a situação de não-cidadania em que se encontram milhares de
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brasileiros desde a República e o Estado Novo”. Estaríamos, portanto, “diante de uma nova
exclusão social que teria além do fundamento sócio-econômico uma segunda fase, a da
representação que se faz sobre o excluído nas camadas sociais mais favorecidas”. Tais
imagens sinalizam claramente na seguinte direção: “Em última instância, a sociedade, que não
apresenta mecanismos de assimilação, estaria agudizando seus mecanismos de expulsão. A
partir de uma imaginária relação de causa e efeito entre pobreza e violência, pobre e bandido
juntam-se numa única imagem para produzir o novo excluído, novo porque passível de
eliminação física pelo perigo social que representa”.
Com isto confirma-se, a nosso ver, a percepção negativa e estigmatizante da pobreza,
bem como uma espécie de retorno das visões culturalistas-moralistas e dos pobres enquanto
“classe perigosa”.
3. EDUCAÇÃO E POBREZA
3.1. “Periferização”e “Exclusão”
Nesta parte do artigo pretende-se empreender o esboço de uma análise comparativa, do
ponto de vista da sua formulação conceitual, entre dois programas sociais/educacionais de
enfrentamento da pobreza, implementados em momentos distintos, no Brasil, a partir dos anos
80. Trata-se do “Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas e Culturais para as
Populações Carentes Urbanas (e Rurais)”-PRODASEC- e do “Programa Comunidade
Solidária”. Observa-se que o PRODASEC está embasado numa concepção de pobreza que
tem como base a “periferização”, a “carência”, o “morador de periferia” enquanto sinônimo de
pobre e enquanto ator social que reivindicava o acesso a bens, serviços e direitos sociais. Por
outro lado, o “Programa Comunidade Solidária” está calcado numa visão de pobreza e do
pobre enquanto “excluído”. Ambos estão apoiados na idéia de suprir “necessidades básicas” e
admitem a importância da educação sobretudo a primária, como o melhor caminho para
aumentar os recursos dos pobres. Em que os dois programas se assemelham? Em que são
diferentes? Até que ponto valores essenciais da cultura política brasileira transcedem as
conjunturas pontuais e influenciam as políticas sociais? São algumas das questões que se
colocam ao estudar os mencionados programas.
Desse modo, o primeiro Programa foi elaborado e implementado pelo Ministério da
Educação no período 1980-85, no fim, portanto, do Regime Militar, em um momento de crise
econômica, de crise política e de legitimidade do referido Regime. Nesse contexto, o Governo
Militar muda o discurso, adota uma metodologia “participacionista” no tocante ao processo de
elaboração de políticas sociais e faz fortes apelos no sentido de redistribuir a renda, ou seja, de
incluir os excluídos, até então, no processo de decisão política e de acesso à riqueza produzida
no país, através da eliminação da pobreza. Esta é tônica que predomina no II e no III Planos
Nacionais de Desenvolvimento (1974-85) ao mesmo tempo em que, nos governos de Geisel e
de Figueiredo, foram tomadas várias medidas que visavam atender às necessidades das
populações “socialmente vulneráveis” e “carentes”. Entre tais medidas, vale a pena lembrar a
criação, a partir de 1974, do Ministério da Previdência e Assistência Social, do Conselho de
Desenvolvimento Social, do Fundo de Assistência Social e de inúmeros programas sociais
destinados aos “carentes”.
Nessa perspectiva o III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto (1980-85)
explicita claramente que “a educação (...) compromete-se a colaborar na redução das
desigualdades sociais, voltando-se preferencialmente para a população de baixa renda”.
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Desse modo, a educação deveria “ser parceira do esforço de redistribuição dos benefícios do
crescimento econômico, bem como fomentadora da participação política...”, dos setores
marginalizados. Com o afã, portanto, de promover “justiça social”, o mencionado Plano
definiu cinco linhas prioritárias de ação, cujas principais foram as seguintes: “a educação no
meio rural buscando atingir um dos focos mais acentuados de pobreza no País” e a
“educação nas periferias urbanas, definidas estas como as áreas de concentração da
população urbana mais carente”. (1980). Assim, os “moradores da periferia” entram em
cena”.
Este é o cenário em que o PRODASEC/PRONASEC é criado em 1980, objetivando: a)
“Promover a atuação integrada dos órgãos de Educação e Cultura, vinculados ao
Ministério da Educação e Cultura, Estados, Municípios e Setor Privado, para o
desenvolvimento de ações que beneficiem diretamente as Populações Carentes Urbanas e
Rurais”; b) “integrar a ação dos órgõas, do Setor Educação e Cultura com os programas no
campo social - em particular nas áreas de desenvolvimento de comunidade, de
desenvolvimento urbano, habitação, formação profissional, saúde e assistência social - que se
destinam a atender às necessidades básicas dos grupos pobres urbanos e rurais”.
Nessa perspectiva, o aludido programa estabeleceu as seguintes linhas de ação: 1)
linha educacional, com destaque para o ensino 1º grau e a pré-escola; 2) linha sócio-cultural,
com ênfase no “desenvolvimento comunitário”; 3) linha econômica, privilegiando ações
atinentes “a relação educação/emprego-renda tanto a partir da unidade educacional como da
unidade produtiva”.
Do exposto, depreende-se que o PRODASEC/PRONASEC assumia a seguinte
configuração: 1) Os pobres como prioridade das políticas educacionais e sociais; 2) Integração
inter-institucional para o desenvolvimento das ações; 3) Descentralização; 4) Privatização (não
lucrativa); 5) Participação comunitária; 6) Áreas prioritárias de combate à pobreza:
emprego/renda, habitação, formação profissional, saúde, assistência social (com forte
conotação filantrópica). Confirma-se, assim, o que Offe (1984: 45-6) identifica como as
tendências contemporâneas de “poupar recursos fiscais (e custos políticos de conflito),
destacando-se tarefas públicas a sistemas financeiros parafiscais, de um lado, e a formas de
organização (auto-geridas) particulares ou semi-públicas do processo decisório, por outro
lado.” Nessa perspectiva, “os encargos financeiros e decisórios devem ser afastados dos
níveis centrais do Estado para o círculo dos imediatamente atingidos e participantes”, com
todas as conseqüências daí resultantes.
No contexto brasileiro da época (crise do Regime Militar), o Programa em apreço
decorreu de: 1) uma política educacional da escassez, das sobras do sistema, resultando numa
“educação para os pobres”, ainda mais precária do que a existente na rede de ensino oficial; 2)
uma estratégia de barateamento do ensino destinada aos “carentes”; 3) uma transferência de
responsabilidade do Estado para instituições comunitárias, populares, filantrópicas,
configurando, assim, o sentido da descentralização; 4) uma tentativa do Estado assumir a
função de organizador e controlador da insatisfação popular com o Regime Político; 5) uma
tentativa de colocar, sob novas bases, a relação entre educação e trabalho, privilegiando as
atividades informais, as fabriquetas, os pequenos negócios, o artesanato, visando compensar o
desemprego provocado pelo ciclo recessivo que acabou por reter a “força de trabalho
excedente no ideal de profissionalização sem significado na prática” (Melo, 1990: 11).
Finalmente, cabe assinalar que o PRODASEC/PRONASEC chegou ao fim, por descaso
administrativo, por insuficiência e mal uso dos recursos, pela inconsistência das ações que se
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restringiam a enfrentar os efeitos e não as causas da pobreza, pelo seu caráter estigmatizante,
“uma educação para o pobre”. Tal como surgiu, o PRODASEC encerrou as suas atividades
por uma decisão de cúpula, sem a propalada “participação comunitária”. Enquanto funcionou,
contudo, se prestou a legítimar ações clientelistas e assistencialistas de representantes do
Regime instalados em governos estaduais e prefeituras municipais.
Com a queda do Regime Militar em 1985, o Governo Sarney adota como slogam
“Tudo pelo social” e institui programas assistenciais destinados aos pobres, portanto,
dependentes de benevolência pública de caráter claramente clientelísticos e filantrópicos,
como, por exemplo, o “Programa do Leite”. Durante o Governo Collor, tem início uma
ofensiva neoliberal, propriamente dita, na qual uma das expressões-chaves é a que afirma que
“gastar é ruim”. Collor efetua fortes cortes nos gastos sociais bem como a desativação de
programas sociais, bem ao gosto das teses neoliberais. Conforme Milton Friedman, “a ação do
Estado no campo social deve ater-se a programas assistenciais - auxíllio à pobreza - quando
necessário de modo a complementar a filantropia privada e das comunidades” (Draibe, 1993:
90). Foi isto que Collor fez, notadamente através da LBA, mediante o desenvolvimento de
ações focalizadoras, escandalosamente clientelísticas e filantrópicas.
Embora os Governos Thatcher e Reagan sejam considerados como protótipos da
intervenção neoliberal, a partir dos anos 80 (não devemos nos esquecer do Chile sob a ditadura
de Pinochet implementando em princípios da década de 70, dez anos antes portanto, o
primeiro ciclo neoliberal da história contemporânea), no caso do Brasil é emblemático,
também, para a análise do Programa “Comunidade Solidária”, lembrar o exemplo do
“Programa Nacional de Solidariedad”, (PRONASOL) lançado pelo Governo mexicano, em
1988, para “compensar” os efeitos sociais negativos decorrentes dos ajustes na economia e que
se constituiu com o propósito de combater a pobreza extrema, mediante a construção de um
“piso social”. O “Pacto da Solidariedad”, como também é chamado, acabou por ter sido
fortemente utilizado pelo governo de forma clientelista, eleitoreira e assistencialista.
Em primeiro lugar, iremos explicitar os fundamentos do “Comunidade Solidária”,
tendo em vista uma possível comparação com os objetivos do PRODASEC. A seguir, será
utilizado o mesmo procedimento com relação ao programa do México.
Enquanto o PRODASEC surgiu em um contexto de Crise do Regime Militar e de
ascensão de movimentos sociais, entre os quais os oriundos da “periferia”, o “Programa
Comunidade Solidária” foi criado nos primeiros dias do Governo de Fernando Henrique
Cardoso (decreto-lei 1.366 de 12/01/95 e decreto ato s/nº de 17/02/95), em clima de muita
euforia, não somente pela vitória eleitoral do presidente, como também pelo êxito ao “Plano
Real”. Com a hegemonia do ideário neoliberal, o corte nos gastos públicos aparece com
destaque e com isso o desmonte de serviços sociais universalizantes e os seus conseqüentes
deslocamentos para os programas focalizados, tendo como base o conceito de “necessidades
básicas”, algo equivalente ao “piso social”.
Vinculado diretamente à Presidência da República, através da Casa Civil, é composto
por um Conselho Consultivo e por uma Secretaria Executiva. O Conselho constitui um arranjo
institucional que envolve 10 ministros de Estado e 21 membros da sociedade civil. De acordo
com Wilmar Faria, assessor especial do Presidente da República, o mencionado Programa
representa “uma das colunas básicas” da política social do governo de FHC.
Afinal, quais são os fundamentos do “Comunidade Solidária” e que permitem uma
comparação com o “Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas e Culturais para as
Populações Carentes”? Vejamos: 1) Os pobres como prioridade das políticas sociais e
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HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”
educacionais. Observa-se o que escreve Ruth Cardoso, Presidente do Conselho do citado
Programa: “... O Estado brasileiro precisa se capacitar para cumprir melhor e mais
eficientemente seu papel tradicional na área de educação e saúde básica para todos ...”.
Porém, em virtude da gravidade da situação social brasileira “(...) há urgência em manter e
expandir os programas de assistência social e de combate, a curto prazo, às situações agudas
de pobreza e de fome”. 2) Integração inter-institucional para o desenvolvimento das ações.
O Programa assume proporções bem maiores do que o PRODASEC/PRONASEC, à medida
que envolve dez Ministérios e várias instituições da sociedade civil. 3) Descentralização. A
propósito, afirma Ruth Cardoso que o governo no tocante aos programas de assistência social
“vem procurando aumentar sua eficiência e eficácia, intensificando a descentralização das
ações para o nível municipal e eliminado as estruturas tradicionais centralizadas onde havia
dispersão, ineficiência e clientelismo”. 4) Privatização (não lucrativa) e Participação
Comunitária. Comenta a Profª Ruth que, a oportunidade que se apresenta no momento
“reside numa nova disposição das comunidades e suas organizações, dos sindicatos, das
universidades, das igrejas e das empresas para colaborar nessa tarefa, assumindo
responsabilidade que nos afligem”. 6) Áreas prioritárias de combate à pobreza: Redução da
mortalidade infantil; acesso e melhoria da qualidade do ensino; proporcionar alimentação à
população carente; “desenvolvimento de propostas alternativas e inovadoras nos campos da
criação de oportunidades de trabalho, capacitação profissional para jovens e promoção da
saúde das crianças”. (Cardoso, 1995).
Conforme pode-se observar, todos esses ítens estão incluídos também na agenda do
PRODASEC, conferindo similitude entre ambos. Existem ainda outros aspectos que podem
ser comparados. Por exemplo: o PRODASEC/PRONASEC assimilou o vocabulário crítico da
sociedade civil e a demanda por participação num contexto de crise do Regime Militar.
Enquanto isto, o “Programa Comunidade Solidária” assimilou o discurso da “Ação da
Cidadania contra a Fome e pela Vida”, também originária da sociedade civil, e do Consea.
Ambos, pretendem, a partir do Estado, induzir a participação e o “fortalecimento da sociedade
civil”, que chega a constituir um dos programas da “Comunidade Solidária”. Da mesma forma
está presente, nos dois casos, o ideário das agências internacionais, como o Banco Mundial.
Enfim, apesar de serem políticas produzidas em conjunturas diferentes, elas se
carcterizam por apresentar princípios comuns que se coadunam com o recorte neoliberal no
tocante à gestão pública na área das políticas sociais, expresso nos seguintes pontos: 1) a
focalização da assistência em contraposição à universalização do sistema de proteção social
(os pobres como prioridade); 2) a descentralização, notadamente através da municipalização
das ações e serviços; 3) a privatização, a parceria com a sociedade civil (a transferência de
responsabilidade do Estado para instituições filantrópicas, religiosas e comunitárias, como
privatização não lucrativa).
É evidente que existem também diferenças, a primeira das quais diz respeito a maior
magnitude do “Comunidade Solidária”, a sua localização institucional no coração do Estado, a
sua condição de “coluna básica” da política social, a sua intensa exposição à mídia e o apoio
que recebem de mega-empresários, como Bill Gates. Por sua vez, embora o PRODASEC
tenha atingido também a pobreza rural através do PRONASEC, a prioridade recaiu nas
“periferias”.
Enquanto isso, o “Comunidade Solidária concede prioridade na sua agenda aos
“excluídos” dos pequenos municípios e dos assentamentos rurais. Nos anos 70 e 80 eram as
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Anais do IV Seminário Nacional
“periferias” que estavam se mobilizando. Nos anos 90, os conflitos se aguçaram no campo e o
“Movimento dos Sem Terra ” (MST) aparece como ator importante na arena política.
3.2. Políticas Residuais, Neo-Assistencialismo e Clientelismo
Nesta seção pretendemos esboçar uma breve configuração de dois dos programas que
levam o nome de “solidariedade”: O “Programa Nacional de Solidariedad”do México
(PRONASOL) e o “Programa Comunidade Solidária” do Brasil. A nosso ver, trata-se de
programas neo-assistenciais e clientelísticos porque reeditam a velha relação de tutela e
encaram as políticas sociais como favor, concedido pelo Estado, por alguma instituição
beneficente ou por algum governante de plantão e não como direito de cidadania. São políticas
residuais, no sentido assinalado por Titmuss, uma vez que, independentemente do montante
dos gastos, pelo seu conteúdo, procuram limitar a sua prática a grupos sociais considerados
pobres e marginais. Serão examinados os seguintes itens: desenho e arranjo institucional,
filosofia ou objetivos, metodologia de ação, grupos atingidos e repercussões.
O “Programa de Solidariedad” se localiza no centro do Estado mexicano, vinculado
diretamente ao Presidente da República. Compõe-se de uma “Comissão Nacional de
Solidariedad”, criada em 08 de dezembro de 1988 por Carlos Salinas de Gortari, presidida
pelo próprio chefe do executivo. Possui, também, um “Conselho Consultivo” num arranjo
institucional em que estão representados diversos grupos e setores com o fim de promover
uma maior participação da sociedade no enfrentamento da pobreza.
O nome “Solidaridad” configura a construção de um novo esquema de política social
sustentado “en el respeto y la recuperación del amplio y variado mosaico de tradiciones,
patrones culturales y formas de organización que existem en nuestros pueblos, barrios y
comunidades” (1994: 9), visando fortalecer os vínculos entre sociedade e Estado, assinala uma
publicação do Conselho Consultivo do PRONASOL. No que pese o corte neoliberal, critica o
neoliberalismo. Conforme consta da referida publicação, trata-se de “conciliar el gasto social
con lás políticas de ajustes, que en el neoliberalismo se concibem como terminantemente
antagónicos” (p.12).
Fundamentado no “liberalismo social”, o “Programa de Solidariedad” se sustenta em
quatro princípios básicos:
1) “Respeto a la Voluntad, a las iniciativas y a las formas de organización de los
indivíduos y las comunidades.
2) Participación Plena, efectiva y organizada de las comunidades en todas las acciones
del programa.
3) Corresponsabilidad entre la sociedad organizada en movimento con el Estado para
afrontar las tareas de la política social.
4) Honestidad y Transparência en el manejo de los recursos”. (p.58).
Partindo de uma crítica a “apropriación clientelar” dos recursos, a metodologia de ação
tem como base os “Comités de Solidariedad”. Dessa forma, “el método de solidariedad”
constitui “uma nueva manera de hecer obra pública y social a partir del estabelecimento de
compromissos entre los integrantes de las comunidades, asi como entre estas y las instancias
de gobierno”(p.63), mediante um intenso processo de participação que incluí desde a consulta
pública, a definição e hierarquização das obras e da sua execução.
Quem são os grupos atingidos? De acordo com o Conselho Consultivo, desde o início
o “Solidariedad” não se propôs a outra coisa senão atender às demandas urgentes de setores da
população em condições de pobreza extrema: comunidades indígenas, camponeses pobres,
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HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”
habitantes das zonas marginais, mulheres e jovens em situação precária (p.59). Nessa
perspectiva, torna-se evidente que o entendimento das necessidades dessas populações se
pauta pelo princípio do “piso social”, ou seja, do mínimo social.
Na área da educação são os seguintes os programas e ações específicos desenvolvidos:
“Infraestrutura educativa;
Programa Escuela Digna;
Programa Niños en Solidariedad;
Solidariedad em Maestros Jubilados;
Programa de Apoyo al Serviço Social.”
Repercussões: Apesar de apregoar os êxitos do Programa, o “rigoroso saneamento de
la economia de cara a los cambios mundiales, sin abandonar la política social”, posto em
prática pelo governo mexicano, foi completamente destroçado pelo movimento internacional
dos capitais voláteis em fins de 1994.
Assim, conforme Fuser (1995: 79-80), após seis anos de execução do Programa, os
mexicanos, em seu conjunto, vivem pior do que viviam no final do governo anterior. Ao
terminar a gestão Salinas, “todos os dados sociais indicavam menos instrução, menos saúde,
menos dinheiro, menos emprego, maior criminalidade, piores condições de higiene, moradia e
transporte”.
No entanto, os dados oficiais divulgados por Salinas no final de mandato, em 1994, são
impressionantes. O estabelecimento de parcerias possibilitou reduzir o custo da construção de
estradas a 70% e das escolas a 60% do que se gasta habitualmente. Salinas contabilizou ainda
a existência de 250 mil comitês de solidariedade, a realização de meio milhão de obras e dos
26 bilhões de dólares arrecadados nas privatizações, 10 bilhões foram gastos pelo governo
mexicano no Programa o qual atingiu 98% dos municípios do país.
Vários observadores, contudo, fazem outra leitura do Programa e da sua
implementação. Em primeiro lugar por ser um processo de participação induzida, a partir do
Estado. Para receber verbas do Programa “Escola Digna”, por exemplo, as Associações de
Pais e Mestres teriam que se transformar em Comitês de Solidariedade. Como há mais de cem
mil escolas públicas no México, assinala Fuser, e em “todas se formaram esses comitês, não é
difícil calcular que 40% dos festejados 250 mil comitês de solidariedade não passem de
Associações de Pais e Mestres com o nome trocado”. (1995: 80).
Outro ponto a destacar diz respeito ao uso populista, clientelista e eleitoreiro do
PRONASOL. Nessa perspectiva, o público, segundo pesquisas, identificava o “Programa de
Solidariedad” com o próprio Presidente Salinas, o qual destinava dois dias da sua agenda
semanal para comparecer aos “atos de solidariedade” e se deixar filmar e fotografar em meio
ao povo.
“O PRONASOL não está voltado para atender aos estados pobres, mas àqueles em que
o PRI perde as eleições”, afirma Efigênia Martinez, senadora oposicionista (Apud. Fuser,
1995: 81). Este é o caso de Chalco, favela situada nos arredores da Cidade do México, e do
estado Michoacán em que Salinas perdeu as eleições presidenciais de 1988. Contudo, com os
recursos despejados maciçamente pelo PRONASOL, o PRI venceu as eleições legislativas de
1991. Para Fuser (1995: 81), “o estelionato embutido no programa assistencial mexicano não
estava no desvio de dinheiro e, sim, na sua utilização descarada como máquina de ganhar
eleições. Enfim, o objetivo central de erradicação da miséria foi um estrondoso fracasso.
Assim, “com tudo que o Estado mexicano arrecadou através das privatizações, os gastos com
educação, em 1991, eram 21% menores do que um 1980”. O projeto “Escola Digna”, embora
480
Anais do IV Seminário Nacional
tenha construído milhares de salas de aula, a maioria das obras se restringem a pintura de
paredes e a “maioria dos professores continua a ganhar menos de três salários mínimos”. Por
sua vez, o “alardeado projeto de criação de empregos (...), resultou em apenas 84 mil
empregos diretos, uma cifra irrisória comparada à demanda anual de um milhão de novos
postos de trabalho” (Fuser, 1995: 84). Conforme Armando Bartra, o ministro da fazenda
“produz pobres” e o coordenador do PRODASOL “os redime”. A frase revela o sentido de
qualquer projeto assitencial no neoliberalismo: “Tudo o que o Estado dá com uma das mãos a do social - , é imediatamente tomada com a outra a da economia”. (Fuser, 1995: 84).
Para Denise Dresser, que desmonta boa parte dos mitos que se constituíram em torno
do PRONASOL, o referido programa serviu para tudo, menos para combater a pobreza,
porquanto os recursos utilizados não eram “acompanhados de políticas macro-econômicas
capazes de gerar empregos e elevar o nível de renda das populações atingidas”. Na avaliação
da autora, o êxito dos programas de combate à pobreza não está determinado pela quantidadde
de recursos que se distribuem e sim por sua capacidade de atacar as raízes da pobreza. Se
dividíssemos o gasto do PRONASOL entre os 17 milhões de mexicanos que vivem na pobreza
extrema, cada um teria recebido uma quantia diária de 15 centavos dólar.”
“O PRONASOL tem por base e serve para reforçar alguns dos defeitos do sistema
político do país. É manejado diretamente dos bolsos do presidente, seus beneficiários são
selecionados com critérios políticos personalistas e partidários e, fundamentalmente, é imune a
qualquer mecanismo democrático de controle ou de responsabilidade”.
“Grupos executivos sob a direta supervisão presidencial coordenam e centralizam o
trabalho (e os fundos) das instituições de bem-estar existentes para que se adequem aos
propósitos do PRONASOL. Esta rede institucional paralela permite a Salinas o uso de vastos
recursos e a execução de programas significativos sem nenhum escrutínio do Congresso e sem
as pressões da política partidária”.
“Seus recursos são usados num estilo clientelista para distribuir recompensas e castigos
aos grupos locais de poder, num sistema político no qual todos os caminhos financeiros
conduzem à residência oficial de Los Pinos”.
“Julgados por seus efeitos econômicos, o PRONASOL aparece como um programa de
limitado impacto redistributivo, desenhado para entregar compensações seletivas a populações
que não podem ser incorporadas à economia formal. O programa, indubitavelmente, alivia
algo do dano provocado pela depressão econômica, mas não atende às causas estruturais da
pobreza”.
O “Programa de Solidariedad” é inspirador do seu similar brasileiro até no nome:
“Programa Comunidade Solidária”. As autoridades do governo, no entanto, omitem
integralmente esse fato. Preferem dizer que ele é “inspirado na experiência do Movimento da
Cidadania e do CONSEA”, como assinala o assesssor, do Presidente da República, Wilmar
Faria (1995: 17). Para o mencionado assessor, o “Comunidade Solidária” tem o “objetivo de
cordenar vários programas do governo para que possam ter um impacto mais significativo em
situações de aguda pobreza e miséria”.
Tal como Salinas de Gortari, FHC criou o “Comunidade Solidária” nos primeiros dias
do seu governo em janeiro de 1995. Tal como o PRONASOL, o Programa brasileiro
encontra-se localizado institucionalmente, como já foi dito, no “coração do Estado”, pois está
vinculado diretamente ao Presidente. Do mesmo modo, possui um Conselho Consultivo do
qual fazem parte Ministros de Estado e membros da sociedade civil, cuja presidência é
exercida pela esposa do Chefe do Executivo, Profª Ruth Cardoso. Existe, ao lado do Conselho,
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HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”
uma Secretaria Executiva criada para coordenar e articular as ações do Governo Federal na
área do Programa.
A importância atribuída pelo governo de FHC ao “Comunidade Solidária” pode ainda
ser constastada pela sua inclusão entre as “colunas básicas” da política social, conforme foi
registrada anteriormente. Segundo Faria (1995), essas “colunas básicas” são as seguintes: a)
“políticas na área de geração de trabalho e geração de renda”; b) políticas que visem a
“aumentar a igualdade de oportunidades e proteger a população dos riscos inerentes à vida
moderna”; c) reestruturação da área de assistência social; d) enfrentamento das situações
agudas de pobreza, no curto prazo, através do “Programa Comunidade Solidária”.
Qual é a “filosofia”, qual é o objetivo, de que forma o Programa é concebido? “O
Comunidade Solidária”, afirma um dos seus textos oficiais, “é um novo modo de enfrentar a
pobreza e exclusão social no Brasil buscando a participação de todos. O seu objetivo é
mobilizar os esforços disponíveis no governo e na sociedade para melhorar a qualidade de
vida dos segmentos mais pobres da população”(1996: 3). Trata-se, portanto, de combater a
pobreza e a exclusão mediante um processo participativo e o estabelecimento de parcerias
entre o Governo Federal, Estados e Municípios, bem como entre as iniciativas governamentais
e as geradas pela socidade civil.
O “Comunidade” é definido também, de acordo com um dos seus porta-vozes, Thereza
Lobo (1995: 95-96), como expressando mais do que um programa ou plano de ação, se
configurando, assim, como um “desenho de estratégia de combate a pobreza do país”. Busca
introduzir formas distintas de gerenciamento das ações governamentais de enfrentamento da
pobreza e busca superar a “centralização, a fragmentação e o clientelismo destas
intervenções”. Integração social - descentralização - parceria com a comunidade, constituem
elos importantes, bem como a espacialização dos gastos para as áreas do país com maior
concentração de pobreza.
Da mesma forma que o PRONASOL, o homônimo brasileiro também critica o
neoliberalismo e o clientelismo, quando, na realidade, pratica políticas neoliberais e
clientelistas. Nas palavras de Wilmar Faria (1995: 14-16), existem dois modelos de proteção
social que o Governo de FHC não aceita: a) a desmontagem do sistema de proteção social tipo
Welfare State, numa direção neoliberal; b) o sistema de proteção social, “corporativo,
clientelista e ineficiente”. Nessa perspectiva, propõe pensar fórmulas de uma política de
assistência que não seja estigmatizante e que corrija o seu caráter fortemente clientelista.
Finalmente, vale a pena lembrar, que “essas políticas devem ser de caráter universal e
básico”, isto é, que sejam oferecidas “condições mínimas”, à maneira do “piso social”, dadas
pela “reestruturação das políticas de educação, de saúde e de previdência”, entre outras.
Como metodologia de ação, o Programa diz adotar os seguintes critérios técnicos: a)
“Indicadores de Indigência - Mapa da Fome/IPEA”; b) “Índice de Condições de Sobrevivência
- UNICEF/IBGE”. Com base nesses índices são indentificadas as áreas em que se concentram
as populações mais pobres, o Programa, então, seleciona as ações mais importantes, orienta a
aplicação de recursos, coordena e acompanha o desenvolvimento dos programas, estabelece
articulação entre estados e municípios com vistas à promoção de ações integradas.
A territorialidade básica do “Comunidade Solidária” é o município e não mais as
“periferias”, pois “é no plano local que as possibilidades de formação de parcerias são mais
amplas e que as ações públicas podem ser melhor controladas pela comunidade” (1996: 5).
No tocante ao público-alvo, o Programa pretende atingir os “segmentos mais pobres da
população”. Tendo em vista que a pobreza e a indigência no Brasil atingem respectivamente
482
Anais do IV Seminário Nacional
27% e 12% de brasileiros (cf. COHN, 1995), a clientela potencial totalizaria 39 milhões de
pobres e 16.6 milhões de indigentes.
Programas desenvolvidos na área de educação: merenda escolar, apoio ao ensino
fundamental, incluindo transporte e material escolar e saúde do estudante. Envolve ainda os
projetos “Universidade Solidária” e “Alfabetização Solidária”.
Repercussões: O governo alardeia os grandes êxitos do Programa. O próprio Presidente
em recente discurso disse entusiasmado acerca dos recursos: “Em 1995, nós tínhamos 980
milhões; em 96, 1.40 bilhões; e, em 97, 2.78 bilhões. É. 2 bilhões e 780 milhões de reais”.
Quanto aos municípios: “partimos, em 95, de 302 municípios. Em 96, atingimos 1.111.
Esperamos atingir em 97, 1.366”. (1997). E assim por diante.
Muitos outros dados, contudo, constestam as informações do governo. Assim, um
documento elaborado pelo PT, com base em relatório efetuado pelo TCU, conclui que, “ao
analisar o conjunto de projetos do Comunidade Solidária, constata-se que o mesmo apresentou
queda, de 94 para 95, na ordem de 13,2%. De 95 para 96, a queda de recursos foi de 25,6%”.
(1997). No item referente ao “apoio à educação infantil e ao ensino fundamental” ocorreu uma
queda real de 19,98% em relação a 1994.
Ora, se o governo gastou 1.4 bilhão com o “Comunidade Solidária”, torrou R$ 3.5
bilhões no Banco Econômico, 5,8 bilhões no Banco Nacional através do PROER, enquanto
isso reteve em1995 56% das verbas destinadas à infância. (FSP. 5/12/96).
Em 1996, ano de eleições, o Programa foi usado de forma clientelista e eleitoreira, sem
que os “critérios técnicos” tenham sido levados em conta. Vários matérias de jornais
denunciam as práticas do “Comunidade Solidária”. Observe-se: “O Programa Comunidade
Solidária se transformou no principal cabo eleitoral de projetos da região Nordeste” onde
atua como “a principal moeda eleitoral do coronelismo político”(FSP, 5/4/96), notadamente
através da distribuição de cestas básicas. Em Tocantins, a cidade de Paraíso que tem os
melhores índices tanto do Mapa da Fome, quanto no da UNICEF foi incluída no Programa
pelo fato de o Prefeito ser amigo do Governador Siqueira Campos, do PPB. Em compensação,
a cidade de Pindora, a campeã de indigência no Estado, foi excluída. (FSP, 04/03/96). Em
Santa Catarina, o mesmo ocorreu com a exclusão de Anita Garibaldi que tem os piores
indicadores sociais do Estado e a inclusão do rico município de São José, tradiconal reduto
eleitoral do PFL e da família Bornhausem. (FSP. 04/03/96).
Isto reafirma a face perversa da cultura política brasileira que reedita constantemente o
clientelismo, o assistencialismo, as políticas sociais estigmatizantes para os “carentes”, de
caráter nitidamente residual. Não se trata, pois, de políticas desenvolvidas sob a égide dos
direitos, mas que decorrem de uma relação de tutela. Ao mesmo tempo, como o PRONASOL,
não se trata de um Programa voltado para a “superação”, mas somente para o “alívio da
pobreza”. A situação social brasileira é grave na área do emprego, da concentração da renda,
da habitação, da educação, da saúde, da concentração fundiária.
Enfim, ao se apresentar como novidade, o “Programa Comunidade Solidária” está
calçado, realmente, numa forma de fazer política social que, para além do recorte neoliberal,
está enraizada em cultura política autoritária presente na história do país. O fracasso de tais
políticas é notório. Além do mais, programas como os que estão sendo objeto de análise
decorrem de uma luta distributiva em meio a uma crise fiscal do Estado brasileiro. Nessa
perspectiva, eles revelam a existência de uma segmentação da política social, à medida em
que, ao lado de uma política para os pobres (em geral uma pobre política), existe uma outra
para os ricos e privilegiados (subsidiada freqüentemente com recursos públicos), tendo como
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HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”
resultado a exclusão e a estigmatização das populações pobres, o desmonte do sistema de
proteção social, a privatização como redução de carga de trabalho do Governo, a negação da
cidadania.
Trata-se, por conseguinte, de programas que reeditam de forma moderna e
conservadora a antiga assistência aos pobres. Assistência que, como assinala Bruno Théret,
“dependente de uma benevolência pública, (...) não é por isso um direito sobre o Estado ao
mesmo título que aqueles que compõem a cidadania social e que são sustentados pelas
instituições de seguridade social” (In: Draibe, 1993). Com isto reedita-se, uma vez mais, uma
“educação para os pobres”, uma “pobre educação”, uma educação sem cidadania, uma política
social sem direitos sociais.
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