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FEUDALISMO
Analisando as sociedades da Europa Ocidental, especialmente entre os séculos X e XIII, os historiadores
observaram algumas características comuns entre eles. Para identificá-las e explicá-las, elaboraram conceitos
como o de FEUDALISMO. Esse termo, entretanto, tem gerado muitos debates e recebido diferentes definições.
Neste texto, adotamos como referência o conceito elaborado pelo historiador francês Jacques Le Goff,
especialista em História Medieval. Segundo ele, Feudalismo é um sistema de organização econômica, social
e política, no qual uma camada de guerreiros especializados – os senhores –, subordinados uns aos
outros por hierarquia de vínculos de dependência, domina uma massa de camponeses – servos – que
trabalha na terra e lhes fornece com que viver.
CARACTERÍSTICAS GERAIS
Organização política, social e econômica
O processo de formação do Feudalismo, por abranger uma área muito extensa, não foi idêntico em todos
os lugares da Europa Ocidental. No entanto, é possível identificar algumas características comuns ocorridas em
várias regiões, que correspondem, atualmente, a França, Alemanha, Inglaterra e parte da Itália.
- enfraquecimento do poder real (ou central) e fortalecimento dos poderes dos senhores locais ou
regionais (senhores feudais), que resultou na descentralização do poder;
- existência de vínculos pessoais de obediência e proteção entre os mais poderosos – relação de
suserania e vassalagem – e os mais fracos – relação de servidão;
- declínio das atividades comerciais urbanas e fortalecimento do poder rural;
- uso generalizado do trabalho servil no campo.
1. PODER POLÍTICO
Durante o Feudalismo, com o enfraquecimento dos governos centralizados na Europa Ocidental, o
poder político era controlado predominantemente pelos senhores feudais. Estes eram detentores de extensões
de terras – os feudos – e governavam seus domínios exercendo autoridade administrativa (eram os
governantes absolutos de suas terras), econômica (estabeleciam e cobravam tributos sobre a produção servil),
judicial (criavam as leis, fiscalizavam seu cumprimento, comandavam os tribunais e estabeleciam sentenças e
punições) e militar (possuíam um exército particular de guerreiros, que lhes eram leais e fiéis).
 Suserania e vassalagem
Os vários núcleos de poder político – principados, ducados, condados, marcas, reinos – estavam ligados
por laços estabelecidos entre membros da nobreza a partir da concessão de feudos (normalmente, uma
propriedade de terra, mas podia ser também um direito de pedágio sobre ponte ou estrada, rendimentos de um
moinho ou de outra instalação, etc).
De modo geral, intitulava-se senhor ou suserano, o nobre que concedia feudos a outro nobre,
denominado vassalo. Este, em troca, devia lealdade, fidelidade e prestação de serviços (principalmente militar)
ao senhor.
- suserano: senhor feudal que doava feudo a um vassalo, como recompensa por serviços prestados;
- vassalo: “servidor” fiel, que recebia um feudo como recompensa pelos serviços prestados e por sua
lealdade e fidelidade.
A transmissão do feudo era realizada em uma cerimônia solene, constituída de dois atos principais: a
homenagem (juramento de fidelidade do vassalo) e a investidura (ato de transmissão do feudo ao vassalo).
A cerimônia de homenagem era revestida de um caráter quase sagrado, tanto assim que, nessa oportunidade, o vassalo jurava
fidelidade com a mão sobre a Bíblia ou relíquias sagradas, indicando que, se violasse os vínculos estabelecidos, não só estaria cometendo
um crime mas também um pecado. O primeiro texto, do medievalista francês Marc Bloch, especialista em estudos da sociedade feudal,
revela a importância e o significado da cerimônia de homenagem, que garantia, em última instância, apoio armado ao senhor. Em
contrapartida, o vassalo recebia um benefício, isto é, uma propriedade. Este poderia eventualmente também doar uma propriedade,
tornando-se assim também um suserano e ampliando em ampla escala essa rede de vínculos pessoais que caracterizou o mundo feudal e
que subordinava um homem a outro, reforçando as hierarquias.
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Já o segundo texto reforça a ideia do feudalismo como um sistema caracterizado pelo “fracionamento da autoridade em
múltiplas células autônomas”.
TEXTO 1: A homenagem e os laços de dependência pessoal (Marc Bloch)
Eis dois homens frente a frente: um que quer servir; o outro, que aceita, ou deseja ser chefe. O primeiro une as mãos e,
assim juntas, coloca-as nas mãos do segundo, claro símbolo de submissão. Ao mesmo tempo, a personagem que oferece as mãos
pronuncia algumas palavras, muito breves, pelas quais se reconhece o homem que está na sua frente. Depois, chefe e subordinado
beijam-se na boca; símbolo de acordo e amizade. Eram estes os gestos que serviam para estabelecer um dos vínculos mais fortes
que a época feudal conheceu.
TEXTO 2: O feudalismo e a fragmentação do poder (Michel Rouche)
Como bem notou os historiadores Georges Duby e Philippe Ariés, o feudalismo é nada mais, nada menos, que ‘o
fracionamento da autoridade política em múltiplas células autônomas. Em cada uma destas, um senhor detém o título privado e o
poder de comandar e punir, explora tal força como parte de seu patrimônio hereditário.
Suseranos e vassalos tinham direitos e deveres estabelecidos entre si. Vejamos alguns deles:
- Suserano – devia proteger militarmente seus vassalos e dar-lhes assistência jurídica. Tinha direito de
reaver o feudo do vassalo que morresse sem deixar herdeiros, de proibir o casamento do vassalo com pessoa
que lhe fosse infiel, etc.
- Vassalo – devia prestar serviço militar ao suserano (por um período mínimo de quarenta dias por
ano), libertá-lo (caso fosse aprisionado por inimigos ou pagar o resgate), comparecer ao tribunal presidido pelo
suserano toda vez que fosse convocado, etc. Recebia proteção militar do suserano.
2. ORDENS FEUDAIS
A sociedade feudal era estratificada em três ordens (grupos) principais: nobre, clero e servos.
- Nobreza (ou bellatores, palavra latina que significa “guerreiros”) – ordem dos detentores de terra, que
se dedicavam basicamente às atividades militares. Em tempos de paz, as atividades favoritas da nobreza eram a
caça e os torneios esportivos, que serviam de treino para a guerra.
- Clero (ou oratores, palavra latina que significa “rezadores”) – ordem dos membros da Igreja Católica,
destacando-se os dirigentes superiores, como bispos, abades e cardeiais. Os dirigentes da Igreja administravam
suas propriedades e tinham grande influência política e ideológica (isto é, na formação das mentalidades e das
opiniões) sobre toda a sociedade.
- Servos (ou laboratores, palavra latina que significa “trabalhadores”) – ordem composta da população
camponesa, a maior parte na condição servil, que realizava os trabalhos necessários à subsistência da
sociedade. A condição de servo implicava uma série de restrições à liberdade. Os servos recebiam do senhor o
chamado manso servil (lotes de terra para o cultivo), do qual retiravam sua subsistência. No entanto, os servos
eram obrigados a pagar taxas ao senhor e trabalhavam ainda em lugares e tarefas indicados [por ele], sem
qualquer tipo de remuneração. Em contrapartida, tinham a posse vitalícia e hereditária de seus mansos, e a
proteção militar proporcionada pelo senhor. (FRANCO Jr., Hilário. A Idade Média: o nascimento do Ocidente.)
Essa organização social, praticamente sem mobilidade entre as ordens, era preservada pela elite do
clero e da nobreza em função de seus interesses.
Procurando justificar essa divisão social em três ordens, o bispo francês Adalberon de Laon, no século
XI escreveu:
A casa de Deus que parece una é portanto tripla: uns rezam, outros combatem e outros trabalham. Todos os três formam um
conjunto e não se separam: a obra de uns permite o trabalho dos outros dois e cada qual por sua vez presta seu apoio aos outros.
Ainda no século XI, Eadmer de Canterbury assim justificava a organização social vigente no Feudalismo:
A razão de ser dos carneiros é fornecer leite e lã; a dos bois é lavrar a terra; e a dos cães é defender os carneiros e os bois dos
ataques dos lobos. Se cada uma destas espécies de animais cumprir sua missão, Deus protegê-la-á. Deste modo, fez ordens, que
instituiu em vista das diversas missões a realizar neste mundo. Instituiu uns – os clérigos e monges – para que rezassem pelos
outros e, cheios de doçura, como as ovelhas, sobre eles derramassem o leite da pregação e com a lã dos bons exemplos lhes
inspirassem um ardente amor a Deus. Instituiu os camponeses para que eles – como fazem os bois, com seu trabalho –
assegurassem a sua própria subsistência e a dos outros. A outros, por fim – os guerreiros –, instituiu-os para que mostrassem a
força na medida do necessário e para que defendessem dos inimigos, semelhantes a lobos, os que oram e os que cultivam a terra.
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3. AS RELAÇÕES DE TRABALHO
O tamanho médio de um feudo (ou senhorio) variava, dependendo da região, entre 200 e 250 hectares (1
hectare equivale a 10.000 m2). Cada um tinha uma produção variada de cereais, carnes, leite, manteiga, farinha,
vinho, roupas, utensílios domésticos. Alguns produtos – como os metais utilizados na confecção de armas e
instrumentos, o sal e o azeite – vinham de fora.
O feudo era dividido em três grandes áreas:
- Campos abertos (terras comunais) – bosques e pastos de uso comum, em que os servos podiam recolher
madeira, coletar frutos silvestres, raízes e plantas medicinais e soltar animais – mas não podiam caçar
determinados animais, como cervo e javali, por exemplo, pois esse era um direito exclusivo do senhor.
- Reservas senhoriais – terras exclusivas do senhor feudal, cultivadas alguns dias por semana
(normalmente três) pelos servos para cumprir a obrigação devida ao senhor (corveia). Tudo o que era
produzido nessas reservas pertencia ao senhor.
- Mansos servis – terras utilizadas pelos servos, divididas em lotes (tenências ou glebas), das quais eles
retiravam seu próprio sustento e os recursos para cumprir as obrigações que deviam ao senhor.
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Servidão
Nas relações de servidão, os servos não
eram proprietários das terras em que viviam e
trabalhavam. Eles apenas as usavam, tanto para
produzir para o próprio sustento como para
manter as outras duas ordens (nobreza e clero).
A relação servil também envolvia uma
série de obrigações e taxas do servo para com o
senhor feudal, pagas em forma de trabalho e de
produtos. A partir dos séculos XII e XIII, quando
as moedas voltaram a circular mais
correntemente, as obrigações e taxas passaram
pouco a pouco a serem pagas em dinheiro. Entre
elas, destacavam-se as seguintes:
- Corveia – obrigação servil de trabalhar
gratuitamente alguns dias da semana nas
reservas senhoriais (o número de dias não era
constante; ele variou de acordo com a região e
com a época). Esse trabalho podia ser realizado
na agricultura, na criação de animais, na
construção de casas e outros edifícios e
benfeitorias;
- Talha – obrigação servil de entregar
parte da produção agrícola realizada no manso
servil ao senhor feudal;
- Banalidade – taxa devida ao senhor
pela utilização de equipamentos e instalações do
senhorio (celeiro, forno, moinho, lagar – espécie
de tanque onde se espremem e se reduzem a líquidos certos frutos, como as uvas –, etc.);
- Censo – entrega de parte da produção ao senhor ou o pagamento de determianda importância em
dinheiro;
- Champart – parte das colheitas e da criação de gado, pagável em gêneros;
- Mão-morta – imposto de transmissão sobre as heranças servis;
- Dízimo – 10% das colheitas devidas à Igreja.
É importante observar que, dentre as inúmeras obrigações do camponês, fosse ele um homem livre ou
não, aquela que foi considerada essencial à produção do próprio sistema feudal era a corveia.
A CORVEIA: essência da organização da produção feudal (Cyro de Barros Rezende Filho)
Essa dupla extração de excedente (sobra) econômico a que o camponês está sujeito parece ter sido muito mais pesada na
obrigatoriedade do trabalho não remunerado do que nos pagamentos em produtos e dinheiro. As fontes disponíveis falam em
alguns ovos, aves, porcos, cargas de lã, litros de centeio, e poucas moedas, como pagamentos anuais. O que equivale a dizer que a
função primordial do manso servil era garantir a sobrevivência do camponês, habilitando-o ao cumprimento da tarefa na qual
ele se tornara absolutamente indispensável, dada a exiguidade (pouca quantidade) de mão de obra da época: o cultivo
compulsório (obrigatório) das áreas agricultáveis concentradas na reserva senhorial.
Em outras palavras, o trabalhador rural conseguia a reprodução de sua força de trabalho, sem ônus (custo) para o
proprietário da terra – e ainda lhe pagava por isso, capacitando-se para desempenhar um trabalho do qual não colhia resultado
algum: a totalidade da produção conseguida na reserva senhorial era entregue ao proprietário da terra.
Analise o poema abaixo, escrito por Estevão de Fougères, religioso francês que viveu no século XII, onde
o autor descreve a função de cada ordem dentro do todo da sociedade feudal:
“Os clérigos devem por todos orar
Os cavaleiros sem demora
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Devem defender e honrar
E os camponeses sofrer.
Cavaleiros e clero sem falha
Vivem de quem trabalha.
(Os camponeses) têm grande canseira e dor.
Pagam primícias (primeiras colheitas), corveias, orações ou talha (parte da produção entregue ao senhor
E cem coisas costumeiras,
E quanto mais pobre viver
Mais mérito terá (mérito que o resgata).
Das faltas que cometeu1.
Se paga a todos o que deve,
Se cumpre com lealdade a sua fé,
Se suporta paciente o que lhe cabe:
Angústias e sofrimento.”
(1) Só será perdoado de suas faltas com a condição de se manter no seu “justo lugar”, honesto, trabalhador e obediente.
De acordo com um observador do século XII: O camponês (servo) ‘nunca bebe o produto de suas vinhas,
nem prova uma migalha do bom alimento; muito feliz será se puder ter seu pão preto e um pouco de sua manteiga
e queijo (...)’. (HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem.)
COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e Geral. (Texto adaptado)
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