ANO DA FÉ Encontro de Cursistas da Diocese de Lisboa. Penafirme, 7 de Julho de 2012 INTRODUÇÃO O Papa Bento XVI pela Carta Apostólica, m.p. Porta Fidei de 11 de Outubro de 2011, proclamou um ano da Fé a ter início em 11 de Outubro de 2012 (50º aniversário da abertura do Concílio) e termo a 24 de Novembro de 2014 (Festa de Cristo Rei). A ocasião é oferecida pelos 50 anos da abertura do Concilio e os 20 anos da publicação do catecismo da Igreja Católica e a realização de mais uma Assembleia Ordinária do sínodo dos Bispos em Outubro de 2012 sobre o Tema a nova evangelização para a transmissão da fé. Ao proclamar o ano através de uma Carta Apostólica, o Santo Padre, não determina apenas as datas, mas oferece ao povo cristão as razões que O moveram a esta decisão. Antes de mais gostaria de tocar no problema da programação pastoral. Não se trata de uma campanha de promoção de algo (de marketing). O Papa João Paulo II na Carta Apostólica Novo Millenio Ineunte de 6 de Janeiro de 2001, lembra que não se trata de inventar um «programa novo». O programa já existe: é o mesmo de sempre, expresso no Evangelho e na Tradição viva. Concentra-se, em última análise, no próprio Cristo, que temos de conhecer, amar, imitar, para n'Ele viver a vida trinitária e com Ele transformar a história até à sua plenitude na Jerusalém celeste. É um programa que não muda com a variação dos tempos e das culturas, embora se tenha em conta o tempo e a cultura para um diálogo verdadeiro e uma comunicação eficaz. Mas, é necessário traduzi-lo em orientações pastorais ajustadas às condições de cada comunidade. (…)é necessário fazer com que o único programa do Evangelho continue a penetrar, como sempre aconteceu, na história de cada realidade eclesial (n. 26). Um olhar atento do Pastor sobre a Igreja e o mundo a que é enviada, descobre necessidades, lacunas, urgências que é preciso acudir para manter viva a Revelação e a fidelidade à Missão. É por causa disso que se elege determinada opção e se delineia uma programação pastoral. O Santo padre verifica que de facto, em nossos dias mais do que no passado, a fé vêse sujeita a uma série de interrogativos, que provêm duma diversa mentalidade que, hoje de uma forma particular, reduz o âmbito das certezas racionais ao das conquistas científicas e tecnológicas. Mas, a Igreja nunca teve medo de mostrar que não é possível haver qualquer conflito entre fé e ciência autêntica, porque ambas, embora por caminhos diferentes, tendem para a verdade (Porta Fidei, 12, adiante Pf). Já o Concílio tinha detectado como problema da cultura, isto é, da precepção dos homens ocidentais, a perda do sentido de Deus, e dos cristãos o divórcio entre a fé e a vida muitas vezes motivada pela ignorância dos conteúdos da fé. Paulo VI exprimiuse assim: E se por um lado a humanidade conheceu inegáveis benefícios por estas transformações e a Igreja recebeu ulteriores estímulos para dizer a razão da sua esperança (cf. 1 Pd 3, 15), por outro verificou-se uma preocupante perda do sentido do sagrado, chegando até a pôr em questão aqueles fundamentos que pareciam indiscutíveis, como a fé num Deus criador e providente, a revelação de Jesus Cristo único salvador, e a comum compreensão das experiências fundamentais do homem como nascer, morrer, viver numa família, a referência a uma lei moral natural ( Cf. tb. GS. 7;19 e20). Na Exotação Apostólica Evangelii nuntiandi de 8 de Dezembro de 1975, no nº 52 Paulo VI acrescenta: igualmente para multidões de homens que receberam o baptismo, mas vivem fora de toda a vida cristã, para as pessoas simples que, embora tenham uma certa fé, conhecem mal os fundamentos dessa mesma fé, para intelectuais que sentem a falta de um conhecimento de Jesus Cristo sob uma luz diversa da dos ensinamentos recebidos na sua infância. A mesma questão enfrenta o papa Bento XVI na sua homilia do Terreiro do Paço, 11/V/10: Muitas vezes preocupamo-nos afanosamente com as consequências sociais, culturais e políticas da fé, dando por suposto que a fé existe, o que é cada vez menos realista. Colocou-se uma confiança talvez excessiva nas estruturas e nos programas eclesiais, na distribuição de poderes e funções; mas que acontece se o sal se tornar insípido? Para isso é preciso voltar a anunciar com vigor e alegria o acontecimento da morte e ressurreição de Cristo, coração do cristianismo, fulcro e sustentáculo da nossa fé, alavanca poderosa das nossas certezas, vento impetuoso que varre qualquer medo e indecisão, qualquer dúvida e cálculo humano. Já em 1967, no XIX centenário do martírio dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, Paulo VI, para responder a este problema tinha proclamado um feliz Ano da Fé Idealizou-o como um momento solene, para que houvesse, em toda a Igreja, «uma autêntica e sincera profissão da mesma fé»; quis ainda que esta fosse confirmada de maneira «individual e colectiva, livre e consciente, interior e exterior, humilde e franca». Pensava que a Igreja poderia assim retomar «exacta consciência da sua fé para a reavivar, purificar, confirmar, confessar. No fim do qual (30 de Junho de 1968) proclamou o Credo do povo de Deus para atestar como os conteúdos essenciais, que há séculos constituem o património de todos os crentes, necessitam de ser confirmados, compreendidos e aprofundados de maneira sempre nova para se dar testemunho coerente deles em condições históricas diversas das do passado (P f, 4) E agora, volvidos 44/45 anos somos convidados novamente a procurar a fé (cf. II Tim. 2, 22) sem a qual ninguém pode agradar a Deus (cf. Heb. 11,16), para ouvirmos as palavras consoladoras do Mestre: a tua fé te salvou (cf. Lc. 17, 19). 1. O QUE É A FÉ? Haverá realidade humana mais completa que envolva mais dimensões do homem? Da inteligência ao afecto, da vontade ao agir, do íntimo ao público e social, do culto à cultura e à moral, a fé como que trás uma nova identidade, uma nova consciência de si e do que o rodeia, um novo horizonte à existência, uma nova finalidade. Sendo assim, algo tão totalizante, como poder definir? Pôr-lhe fronteiras? O Santo Padre, usando uma feliz expressão dos Actos dos Apóstolos (Act. 14, 27) diz que a fé é uma porta sempre aberta que nos introduz na vida de comunhão com Deus e permite a entrada na sua Igreja e que esta vida, dada a natureza de Deus que é amor, que é relação, não é apenas existir, mas relacionar-se e sendo assim, é dinâmica, é, no dizer dos Actos, uma via, (cf. 2, 47; 16,17; 18,28; 22,4) que como diz o Papa é um caminho que dura a vida inteira: este caminho tem início no baptismo (cf. Rm. 6,4) pelo qual podemos chamar a Deus, Pai, e está concluído com a passagem através da morte para a vida eterna (Pf, 1). A Igreja (e a Igreja é objecto de fé, professamos “Creio na Igreja” e sabemos que podemos afirmar “creio em Deus, Pai …” porque acreditamos no que a Igreja ensina) toda, com os seus Pastores à frente, devem abrir caminho para conduzir os homens para fora do deserto para lugares da vida, da amizade com o Filho de Deus para Aquele que dá a vida, a vida em plenitude (Pf, 2) (cf. Jo.10,10) Como caminho, dinamismo, a fé cresce, diz Santo Agostinho os crentes fortificam-se acreditando ( De utilitate credendi, 1,2) Por conseguinte, só acreditando é que a fé cresce e se revigora; não há outra possibilidade de adquirir certeza sobre a própria vida, senão abandonar-se progressivamente nas mãos de um amor que se experimenta cada vez maior porque tem a sua origem em Deus (Pf, 7), mas também pode diminuir e mesmo estagnar e até acabar, porque ela é uma confiança em Deus revelado em Jesus que não apenas nos esclarece acerca do sentido último de todas as coisas, neste sentido a fé é uma sabedoria que contém uma cultura e uma ética e não pode ser uma coisa sem as outras, mas a fé é sobretudo um encontro com o Senhor, com quem agora vamos… A fé, diz o Papa é decidir estar com o Senhor, para viver com Ele. E este «estar com Ele» introduz na compreensão das razões pelas quais se acredita. A fé, precisamente porque é um acto da liberdade, exige também assumir a responsabilidade social daquilo que se acredita (Pf, 10) e ir com Ele é ater-se à sua Palavra. Desconhecer, ou desprezar a sua Palavra é desconhece-lO a Ele, é afastar-se d’ Ele. Assim como entre nós a palavra é o elo de comunicação, de relação, verdadeiro lugar de encontro, também assim com o Senhor. Deus dialoga connosco através do seu Logos. 2. COMO SE CHEGA À FÉ O que acontece em nós para passarmos de não crentes a crentes? Porque é que algumas pessoas não têm fé? (…) reflectir sobre o próprio acto com que se crê, é um compromisso que cada crente deve assumir, sobretudo neste Ano, diz o Santo Padre (Pf, 9) que pretende ainda delinear um percurso que ajude a compreender de maneira mais profunda os conteúdos da fé e, juntamente com eles, também o acto pelo qual decidimos, com plena liberdade, entregar-nos totalmente a Deus. De facto, existe uma unidade profunda entre o acto com que se crê e os conteúdos a que damos o nosso assentimento. O apóstolo Paulo permite entrar dentro desta realidade quando escreve: «Acredita-se com o coração e, com a boca, faz-se a profissão de fé» (Rm 10, 10). O coração indica que o primeiro acto, pelo qual se chega à fé, é dom de Deus e acção da graça que age e transforma a pessoa até ao mais íntimo dela mesma (Pf. 10). Este dom já foi oferecido a todos em Jesus Cristo o Revelador do Pai e corresponde à vontade imutável de Deus que quer que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade. Sendo Cristo o revelador do Pai, é no encontro com Ele que é oferecido o dom da fé. Esse encontro é renovado na pregação, porque Jesus habita nas palavras do seu pregador. E nós cursistas bem o sabemos. Sabemos porque isso aconteceu connosco mesmos, e sabemos porque o vemos a acontecer em cada cursilho. Nos Actos 16, 14 São Lucas ensina que o conhecimento dos conteúdos que se deve acreditar não é suficiente, se depois o coração – autêntico sacrário da pessoa – não for aberto pela graça, que consente ter olhos para ver em profundidade e compreender que o que foi anunciado é a Palavra de Deus. A fé é decidir estar com o Senhor, para viver com Ele. E este «estar com Ele» introduz na compreensão das razões pelas quais se acredita. A fé, precisamente porque é um acto da liberdade, exige também assumir a responsabilidade social daquilo que se acredita (Pf, 10). S. Leão Magno diz que o que havia de visível na vida do nosso Redentor passou para os ritos sacramentais e para que a fé fosse mais firme e autêntica, à visão sucedeu a doutrina em cuja autoridade se devem apoiar os corações dos crentes iluminados pela luz celeste (Sermo 2 da Ascensão, PL 54, 398). No acto de acreditar age Deus Pai que se revelou em Jesus Cristo seu Filho, revelação “actualizada” na mensagem do pregador, age Deus mediante o seu Espírito no coração do ouvinte para aderir com amor, não apenas ao que é dito, mas à Pessoa que na mensagem se revela, age o homem que com abertura (humildade) acredita e confia e ama e segue. Confiando no Senhor age como se já possuísse o que lhe é prometido, e ao agir assim, na fé, alcança o que espera (cf. vg Lc. 17, 12-19 – os leprosos). A abertura à fé está inscrita no coração e na razão natural do homem. Não é algo que se acrescente de forma artificial ao homem, o homem, diz o rolho da graça, é corpo e alma e graça. Por isso vemos nos homens de todos os tempos uma busca incessante de sentido – o nosso coração anda inquieto enquanto não encontra Deus, confessa Santo Agostinho – e nos nossos dias diz o Santo Padre: no nosso contexto cultural, há muitas pessoas que, embora não reconhecendo em si mesmas o dom da fé, todavia vivem uma busca sincera do sentido último e da verdade definitiva acerca da sua existência e do mundo. Esta busca é um verdadeiro «preâmbulo» da fé, porque move as pessoas pela estrada que conduz ao mistério de Deus. De facto, a própria razão do homem traz inscrita em si mesma a exigência «daquilo que vale e permanece sempre». Esta exigência constitui um convite permanente, inscrito indelevelmente no coração humano, para caminhar ao encontro d’Aquele que não teríamos procurado se Ele mesmo não tivesse já vindo ao nosso encontro É precisamente a este encontro que nos convida e abre plenamente a fé (Pf, 10). 3. QUAL É O CONTEÚDO DA FÉ? Como já referimos atrás, de facto, existe uma unidade profunda entre o acto com que se crê e os conteúdos a que damos o nosso assentimento. (…) Como se pode notar, o conhecimento dos conteúdos de fé é essencial para se dar o próprio assentimento, isto é, para aderir plenamente com a inteligência e a vontade a quanto é proposto pela Igreja. O conhecimento da fé introduz na totalidade do mistério salvífico revelado por Deus. Por isso, o assentimento prestado implica que, quando se acredita, se aceita livremente todo o mistério da fé, porque o garante da sua verdade é o próprio Deus, que Se revela e permite conhecer o seu mistério de amor (Pf, 10). Assim o que acreditamos é no que Deus nos revelou em Cristo, e a Igreja nos transmite na doutrina, na ética e na liturgia e está resumido no Credo. Diz o Papa que não foi sem razão que, nos primeiros séculos, os cristãos eram obrigados a aprender de memória o Credo. É que este servia-lhes de oração diária, para não esquecerem o compromisso assumido com o Baptismo. Recorda-o, com palavras densas de significado, Santo Agostinho quando afirma numa homilia sobre a redditio symboli (a entrega do Credo): «O símbolo do santo mistério, que recebestes todos juntos e que hoje proferistes um a um, reúne as palavras sobre as quais está edificada com solidez a fé da Igreja, nossa Mãe, apoiada no alicerce seguro que é Cristo Senhor. E vós recebeste-lo e proferiste-lo, mas deveis tê-lo sempre presente na mente e no coração, deveis repeti-lo nos vossos leitos, pensar nele nas praças e não o esquecer durante as refeições; e, mesmo quando o corpo dorme, o vosso coração continue de vigília por ele» (Pf, 8). E S. Cirilo de Jerusalém: Na instrução e profissão da tua fé, abraça e conserva sempre só aquela que a Igreja agora te entrega e é fundamentada em toda a Escritura. Nem todos podem ler a Escritura, uns porque não sabem, outros porque estão demasiadamente ocupados. Por isso, afim de que ninguém pereça por causa da ignorância, resumimos todo o dogma da fé nos poucos versículos do Símbolo (Cat. 5, De fide et symbolo, 12: PG 33, 519, trad. LH. 5ª feira da semana XXXI). O Papa Paulo VI no encerramento do ano da fé de 1967/68, no exercício do seu múnus de confirmar a fé de seus irmãos proclamou o Credo do povo de Deus. Bento XVI na carta Apostólica que temos vindo a seguir apontou o núcleo fundamental dessa fé - O dogma da SS. Trindade e o dogma da Encarnação redentora do Verbo: Professar a fé na Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo – equivale a crer num só Deus que é Amor (cf. 1 Jo 4, 8): o Pai, que na plenitude dos tempos enviou seu Filho para a nossa salvação; Jesus Cristo, que redimiu o mundo no mistério da sua morte e ressurreição; o Espírito Santo, que guia a Igreja através dos séculos enquanto aguarda o regresso glorioso do Senhor (P.F. 1). Ora o Ano da Fé deverá exprimir um esforço generalizado em prol da redescoberta e do estudo dos conteúdos fundamentais da fé, que têm no Catecismo da Igreja Católica a sua síntese sistemática e orgânica. Nele, de facto, sobressai a riqueza de doutrina que a Igreja acolheu, guardou e ofereceu durante os seus dois mil anos de história. Desde a Sagrada Escritura aos Padres da Igreja, desde os Mestres de teologia aos Santos que atravessaram os séculos, o Catecismo oferece uma memória permanente dos inúmeros modos em que a Igreja meditou sobre a fé e progrediu na doutrina para dar certeza aos crentes na sua vida de fé. Na sua própria estrutura, o Catecismo da Igreja Católica apresenta o desenvolvimento da fé até chegar aos grandes temas da vida diária. Repassando as páginas, descobre-se que o que ali se apresenta não é uma teoria, mas o encontro com uma Pessoa que vive na Igreja (Pf, 11). 4. PARA QUE SERVE A FÉ ? Esta pergunta sempre foi feita no caminho introdutório ao baptismo: Que pedis à Igreja de Deus? R. A fé. E para que serve a fé? R. Para alcançar a vida eterna. Crer em Jesus Cristo, diz agora o Papa, é o caminho para se poder chegar definitivamente à salvação (Pf, 3). E a salvação, o entrar na vida eterna, consiste no que consiste o conteúdo da fé: a salvação consiste em conhecer o Pai como único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo por Ele enviado (cf. Jo. 17, 3). Acreditar em Jesus, ir após Ele é entrar na rota traçada no início por Deus ao criar o homem à sua imagem para chegar a ser sua semelhança (cf. Gen. 1, 26s; I Jo. 3, 1-4). Libertos da solidão do pecado original, pela fé, entramos na comunhão da Igreja e adquirimos uma nova identidade e uma nova existência – somos concidadãos dos santos e membros da família de Deus (cf. Ef. 2,19) – deixamos de viver sob o império dos sentidos e da carne e passamos à liberdade dada pelo Espírito aos filhos de Deus (cf. Rm. 8, 5-8; Gal. 5, 13-25), tornamo-nos participantes da natureza divina (cf. II Pd. 1,4). Há uma solidão metafísica que nos asfixia e torna o mundo num deserto onde não há vida, é desta solidão que nos salva a fé ao introduzir-nos na Igreja, sacramento universal de salvação e fermento de união dos homens entre si como nos foi revelado pelo Concílio (cf. LG, 1). A fé que é um “eu creio” é igualmente um “nós cremos”. A própria profissão da fé, escreve o Papa, é um acto simultaneamente pessoal e comunitário. De facto, o primeiro sujeito da fé é a Igreja. É na fé da comunidade cristã que cada um recebe o Baptismo, sinal eficaz da entrada no povo dos crentes para obter a salvação. Como atesta o Catecismo da Igreja Católica, «“Eu creio”: é a fé da Igreja, professada pessoalmente por cada crente, principalmente por ocasião do Baptismo. “Nós cremos”: é a fé da Igreja, confessada pelos bispos reunidos em Concílio ou, de modo mais geral, pela assembleia litúrgica dos crentes. “Eu creio”: é também a Igreja, nossa Mãe, que responde a Deus pela sua fé e nos ensina a dizer: “Eu creio”, “Nós cremos”»(Pf, 10) Assim a fé que é um encontro pessoal com o Senhor, cuja revelação guardamos, plasma a vida toda. Para o apóstolo Paulo, este amor revelado por Deus e acolhido pelo crente introduz o homem numa vida nova: «Pelo Baptismo fomos sepultados com Ele na morte, para que, tal como Cristo foi ressuscitado de entre os mortos pela glória do Pai, também nós caminhemos numa vida nova» (Rm 6, 4). Em virtude da fé, esta vida nova plasma toda a existência humana segundo a novidade radical da ressurreição. Na medida da sua livre disponibilidade, os pensamentos e os afectos, a mentalidade e o comportamento do homem vão sendo pouco a pouco purificados e transformados, ao longo de um itinerário jamais completamente terminado nesta vida. A «fé, que actua pelo amor» (Gl 5, 6), torna-se um novo critério de entendimento e de acção, que muda toda a vida do homem (cf. Rm 12, 2; Cl 3, 9-10; Ef 4, 20-29; 2 Cor 5, 17) (Pf, 6). Esta companheira de vida, que é a fé, permite perceber, com um olhar sempre novo, as maravilhas que Deus realiza por nós. Solícita a identificar os sinais dos tempos no hoje da história, a fé obriga cada um de nós a tornar-se sinal vivo da presença do Ressuscitado no mundo. Aquilo de que o mundo tem hoje particular necessidade é o testemunho credível de quantos, iluminados na mente e no coração pela Palavra do Senhor, são capazes de abrir o coração e a mente de muitos outros ao desejo de Deus e da vida verdadeira, aquela que não tem fim (Pf, 15). A fé, como já disse no início, por ser uma realidade existencial total, dá ao crente, uma sabedoria que permite estar na vida entendendo o sentido dela e o seu justo valor visto à luz da eternidade, dá olhar que permite ver o invisível, isto é no rosto do próximo pequenino, desprezado e sofredor, o rosto do próprio Senhor. 5. OBJECTIVOS DESTE ANO DA FÉ (Pf,) *Redescobrir o caminho da fé para fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo (2); * Readquirir o gosto de nos alimentarmos da Palavra de Deus, transmitida fielmente pela Igreja, e do Pão da vida, oferecido como sustento de quantos são seus discípulos (cf. Jo. 6, 51) (3); * Introduzir a totalidade da estrutura eclesial num tempo de particular reflexão e redescoberta da fé (4); * O Ano da Fé é convite para uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo. No mistério da sua morte e ressurreição, Deus revelou plenamente o Amor que salva e chama os homens à conversão de vida por meio da remissão dos pecados (cf. Act 5, 31) (6); * Pareceu-me que fazer coincidir o início do Ano da Fé com o cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II poderia ser uma ocasião propícia para compreender que os textos deixados em herança pelos Padres Conciliares, segundo as palavras do Beato João Paulo II, «não perdem o seu valor nem a sua beleza. É necessário fazê-los ler de forma tal que possam ser conhecidos e assimilados como textos qualificados e normativos do Magistério, no âmbito da Tradição da Igreja. Sinto hoje ainda mais intensamente o dever de indicar o Concílio como a grande graça de que beneficiou a Igreja no século XX: nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa». Quero aqui repetir com veemência as palavras que disse a propósito do Concílio poucos meses depois da minha eleição para Sucessor de Pedro: «Se o lermos e recebermos guiados por uma justa hermenêutica, o Concílio pode ser e tornar-se cada vez mais uma grande força para a renovação sempre necessária da Igreja» (5); * Queremos celebrar este Ano de forma digna e fecunda. Deverá intensificar-se a reflexão sobre a fé, para ajudar todos os crentes em Cristo a tornarem mais consciente e revigorarem a sua adesão ao Evangelho, sobretudo num momento de profunda mudança como este que a humanidade está a viver. Teremos oportunidade de confessar a fé no Senhor Ressuscitado nas nossas catedrais e nas igrejas do mundo inteiro, nas nossas casas e no meio das nossas famílias, para que cada um sinta fortemente a exigência de conhecer melhor e de transmitir às gerações futuras a fé de sempre. Neste Ano, tanto as comunidades religiosas como as comunidades paroquiais e todas as realidades eclesiais, antigas e novas, encontrarão forma de fazer publicamente profissão do Credo (8); * Desejamos que este Ano suscite, em cada crente, o anseio de confessar a fé plenamente e com renovada convicção, com confiança e esperança. Será uma ocasião propícia também para intensificar a celebração da fé na liturgia, particularmente na Eucaristia, que é «a meta para a qual se encaminha a acção da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força». Simultaneamente esperamos que o testemunho de vida dos crentes cresça na sua credibilidade. Descobrir novamente os conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e rezada e reflectir sobre o próprio acto com que se crê, é um compromisso que cada crente deve assumir, sobretudo neste Ano (9); * O Ano da Fé será uma ocasião propícia também para intensificar o testemunho da caridade. Recorda São Paulo: «Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade» (1 Cor 13, 13). A fé sem a caridade não dá fruto, e a caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê da dúvida. Fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à outra realizar o seu caminho (14). Na Mensagem para a Quaresma deste ano já o Santo Padre tinha alertado para o grande horizonte da caridade que nos há-de tornar solícitos pelo bem eterno dos irmãos e traduzir-se também na correcção fraterna, para que ninguém se perca; * Que «a Palavra do Senhor avance e seja glorificada» (2 Tess 3, 1)! Possa este Ano da Fé tornar cada vez mais firme a relação com Cristo Senhor, dado que só n’Ele temos a certeza para olhar o futuro e a garantia dum amor autêntico e duradouro. As seguintes palavras do apóstolo Pedro lançam um último jorro de luz sobre a fé: «É por isso que exultais de alegria, se bem que, por algum tempo, tenhais de andar aflitos por diversas provações; deste modo, a qualidade genuína da vossa fé – muito mais preciosa do que o ouro perecível, por certo também provado pelo fogo – será achada digna de louvor, de glória e de honra, na altura da manifestação de Jesus Cristo. Sem O terdes visto, vós O amais; sem O ver ainda, credes n’Ele e vos alegrais com uma alegria indescritível e irradiante, alcançando assim a meta da vossa fé: a salvação das almas» (1 Ped 1, 6-9) (15); * Ano da Fé deverá exprimir um esforço generalizado em prol da redescoberta e do estudo dos conteúdos fundamentais da fé, que têm no Catecismo da Igreja Católica a sua síntese sistemática e orgânica (11); * A renovação da Igreja realiza-se também através do testemunho prestado pela vida dos crentes: de facto, os cristãos são chamados a fazer brilhar, com a sua própria vida no mundo, a Palavra de verdade que o Senhor Jesus nos deixou (6). ….INSTRUMENTOS: *Para chegar a um conhecimento sistemático da fé, todos podem encontrar um subsídio precioso e indispensável no Catecismo da Igreja Católica. Este constitui um dos frutos mais importantes do Concílio Vaticano II. Na Constituição apostólica Fidei depositum o Beato João Paulo II escrevia: «Este catecismo dará um contributo muito importante à obra de renovação de toda a vida eclesial (...). Declaro-o norma segura para o ensino da fé e, por isso, instrumento válido e legítimo ao serviço da comunhão eclesial» Nele, de facto, sobressai a riqueza de doutrina que a Igreja acolheu, guardou e ofereceu durante os seus dois mil anos de história. Desde a Sagrada Escritura aos Padres da Igreja, desde os Mestres de teologia aos Santos que atravessaram os séculos, o Catecismo oferece uma memória permanente dos inúmeros modos em que a Igreja meditou sobre a fé e progrediu na doutrina para dar certeza aos crentes na sua vida de fé. Na sua própria estrutura, o Catecismo da Igreja Católica apresenta o desenvolvimento da fé até chegar aos grandes temas da vida diária. Na verdade, a seguir à profissão de fé, vem a explicação da vida sacramental, na qual Cristo está presente e operante, continuando a construir a sua Igreja. Sem a liturgia e os sacramentos, a profissão de fé não seria eficaz, porque faltaria a graça que sustenta o testemunho dos cristãos. Na mesma linha, a doutrina do Catecismo sobre a vida moral adquire todo o seu significado, se for colocada em relação com a fé, a liturgia e a oração (11). Assim, no Ano em questão, o Catecismo da Igreja Católica poderá ser um verdadeiro instrumento de apoio da fé, sobretudo para quantos têm a peito a formação dos cristãos, tão determinante no nosso contexto cultural (12); *Será decisivo repassar, durante este Ano, a história da nossa fé, que faz ver o mistério insondável da santidade entrelaçada com o pecado. Enquanto a primeira põe em evidência a grande contribuição que homens e mulheres prestaram para o crescimento e o progresso da comunidade com o testemunho da sua vida, o segundo deve provocar em todos uma sincera e contínua obra de conversão para experimentar a misericórdia do Pai, que vem ao encontro de todos. Ao longo deste tempo, manteremos o olhar fixo sobre Jesus Cristo, «autor e consumador da fé» (Heb 12, 2): n’Ele encontra plena realização toda a ânsia e aspirações do coração humano. A alegria do amor, a resposta ao drama da tribulação e do sofrimento, a força do perdão face à ofensa recebida e a vitória da vida sobre o vazio da morte, tudo isto encontra plena realização no mistério da sua Encarnação, do seu fazer-Se homem, do partilhar connosco a fragilidade humana para a transformar com a força da sua ressurreição. N’Ele, morto e ressuscitado para a nossa salvação, encontram plena luz os exemplos de fé que marcaram estes dois mil anos da nossa história de salvação (13). 6. O PROGRAMA DIOCESANO DE LISBOA NO ANO DA FÉ Em sintonia com a Igreja Universal o Patriarcado como o vem fazendo explicitamente desde 1978, Programou o próximo Ano Pastoral com o título a Força da Fé. De facto a fé é uma força de salvação para todo o crente. Objectivo Fundamental Propor que cada cristão experimente A FORÇA DA FÉ no quotidiano da sua vida. Com este objectivo, deseja-se “suscitar, em cada crente, o anseio de confessar a fé plenamente e com renovada convicção, com confiança e esperança. Será uma ocasião propícia também para intensificar a celebração da fé na liturgia, particularmente na Eucaristia, que é «a meta para a qual se encaminha a acção da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força».” Deseja-se também “que o testemunho de vida dos crentes cresça na sua credibilidade. Descobrir novamente os conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e rezada e refl ectir sobre o próprio acto com que se crê, é um compromisso que cada crente deve assumir, sobretudo neste Ano.” (cf. PF 9) Para concretizar o objectivo fundamental, procurar-se-á: 1) Estudar a Fé da Igreja Promover um ritmo regular de leitura, acolhimento e aprofundamento do Catecismo da Igreja Católica (valorizando o capítulo sobre o Credo) e dos documentos conciliares, nomeadamente as Constituições Lumen Gentium e Dei Verbum. 2) Celebrar a Fé da Igreja Cultivar a liturgia como verdadeira expressão da Fé da Igreja, encarnada na comunidade celebrante, cuidando da pregação que conduz à Fé e da autêntica vivência sacramental que a alimenta na vida, no aprofundamento da Constituição Sacrossanctum Concilium. 3) Testemunhar a Fé da Igreja Manifestar a alegria de confessar a beleza de seguir o Senhor Jesus nos lugares onde somos chamados a dar testemunho do nosso ser cristão e intensifi car o testemunho da caridade como obra da Fé, na fidelidade ao ensinamento expresso na Constituição Gaudium et Spes. CONCLUSÃO Redescobrir os caminhos da fé é redescobrir os caminhos da conversão, da penitência, da escuta da Palavra de Deus, da Oração, enfim da santidade, para que libertos das alegrias efémeras do pecado que geram a tristeza da morte, saboreemos as alegrias imarcescíveis da fé e da virtude e assim podermos mergulhar no entusiasmo do testemunho da fé e participarmos no esforço da Nova evangelização. Para que não restem dúvidas convém dizer que a fé não é um talismã contra os azares e maus olhados, a vida dos cristãos, afirma o Papa, conhece a experiência da alegria e a do sofrimento. Quantos Santos viveram na solidão! Quantos crentes, mesmo em nossos dias, provados pelo silêncio de Deus, cuja voz consoladora queriam ouvir! As provações da vida, que ao mesmo tempo permitem compreender o mistério da Cruz e participar nos sofrimentos de Cristo (cf. Cl 1, 24), são prelúdio da alegria e da esperança a que a fé conduz: «Quando sou fraco, então é que sou forte» (2 Cor 12, 10). Com firme certeza, acreditamos que o Senhor Jesus derrotou o mal e a morte. Com esta confiança segura, confiamo-nos a Ele: Ele, presente no meio de nós, vence o poder do maligno (cf. Lc 11, 20); e a Igreja, comunidade visível da sua misericórdia, permanece n’Ele como sinal da reconciliação definitiva com o Pai (Pf,15). A fé é a porta por onde da morte, entramos na vida; da solidão entramos na comunhão; do desconhecimento de Deus, à filiação divina; do egoísmo ao amor fraterno… Cada cursista como membro da Igreja agarrará com ambas as mãos esta oportunidade para dar seguimento à experiência maravilhosa do cursilho, podendo até dar novo vigor e novos conteúdos ao tripé da sua vida cristã. Os cursilhos como instrumento da Igreja para aquele primeiro anúncio que coloca a pessoa diante do Salvador tem um lugar privilegiado na renovação da Igreja em Portugal e em particular nesta obra da Nova Evangelização pela sua experiência evangelizadora de que dão testemunho ao longo de 50 anos, quer das pessoas, quer, através destas, dos ambientes sociais (carta da CEP, nos 50 anos dos Cursilhos em Portugal, 3), por isso os nossos Bispos confessaram: Conhecemos o espírito cristão e a generosidade apostólica de muitos responsáveis do Movimento dos Cursos de Cristandade. Todos nós lhes estamos agradecidos e continuamos a esperar a sua colaboração, nunca negada e, agora, mais premente, nesta tarefa evangelizadora, em que estamos comummente empenhados numa hora inadiável de renovação pastoral (ib.6). E isto tudo pela fé que move as montanhas da inércia e do comodismo. Pela fé, Conclui o Papa, no decurso dos séculos, homens e mulheres de todas as idades, cujo nome está escrito no Livro da vida (cf. Ap 7, 9; 13, 8), confessaram a beleza de seguir o Senhor Jesus nos lugares onde eram chamados a dar testemunho do seu ser cristão: na família, na profissão, na vida pública, no exercício dos carismas e ministérios a que foram chamados. Pela fé, vivemos também nós, reconhecendo o Senhor Jesus vivo e presente na nossa vida e na história (Pf, 14).