Fragmento de texto do livro “Sociologia” de Joel M. Charon tradução de Laura Teixeira Motta e revisão técnica de Paulo Sérgio Nakazone 5ª edição 2001 editora Saraiva. Paginas 13 a 18 O INÍCIO DA SOCIOLOGIA As pessoas não fizeram sempre as perguntas formuladas pela sociologia, nem coletaram dados sobre a sociedade como faz a sociologia atualmente. A sociologia, na verdade, surgiu mais tarde na comunidade acadêmica, sendo uma das ciências mais jovens. A maioria dos sociólogos julga conveniente identificar as origens da sociologia no início do século XIX, com a obra do filósofo francês Augusto Comte (1798-1857), o primeiro a empregar o termo sociologia". Foi ele quem definiu sociologia como a "ciência da sociedade". Assim corno todas as perspectivas, também chamadas de visões sociais de mundo ou teorias, o desenvolvimento da sociologia ligou-se às condições sociais. Afinal, perspectivas são maneiras de definir o que está "lá fora", e nem todas as sociedades incentivam seus membros a examinar a sociedade com objetividade e atenção. A Europa do século XIX, porém, estava madura para a auto-análise. Várias evoluções concorreram para gerar o clima perfeito para que crescesse e florescesse o espírito questionador. Examinemos brevemente esses desenvolvimentos. A ciência foi uma inspiração.... Comte definiu a sociologia como a ciência da sociedade, e de fato foi o desenvolvimento da ciência que constituiu uma importante inspiração para os primeiros sociólogos. A sociologia evoluiu de um desejo nascido em alguns intelectuais de aplicar as técnicas da ciência ao estudo da sociedade. Antes dos sociólogos existiram filósofos sociais, historiadores, cientistas políticos, economistas e pensadores religiosos que examinaram a sociedade ou alguns de seus aspectos. A maioria estudou primordialmente o mundo político, e a maior parte de seus esforços visava ao mesmo tempo entender a sociedade humana e procurar saber o que ela deveria ser. Com freqüência a meta não era a investigação objetiva. Os sociólogos, porém, seguiram o conselho dos pensadores iluministas do século XVIII: podemos entender as leis da sociedade humana aplicando os instrumentos da ciência. A sociologia, desde o início, tomou emprestadas das ciências naturais as ferramentas que estavam sendo usadas para gerar novas descobertas a respeito das estrelas, da Terra e do corpo humano. O universo compõe-se de leis naturais; portanto, também a sociedade tem de ser governada por essas leis, e a sociologia haveria de descobri-las aplicando procedimentos científicos. Seu objetivo seria definir o que a sociedade é, e não dizer o que ela deveria ser. O DESENVOLVIMENTO SOCIOLOGIA Montesquieu, Saint-Simon, Comte e muitos outros foram os verdadeiros "pioneiros" da sociologia. Entretanto, no século XIX e início do século )0C, quatro pensadores europeus tiveram especial importância para a disciplina e, juntos, podem ser considerados "os sociólogos clássicos": Karl Marx, Max Weber, Emile Durkheim e Georg Simmel. Até hoje sua influência se faz sentir em todo o mundo, eles são modelos para os sociólogos, inspiram suas idéias e estudos, e suas definições de conceitos ainda constituem pontos de partida Em 1920 todos os quatro já haviam morrido, mas, juntos, legaram uma forte tradição sociológica às universidades européias. A disciplina da sociologia chegou aos Estados Unidos na virada do século XX e rapidamente assumiu uma feição tipicamente americana, imbuída de um espírito de reforma e não se distinguindo, de início, do trabalho de assistência social. Esse espírito de reforma sempre foi importante para muitos sociólogos americanos: um incentivo à pesquisa para alguns, um tema de debate para outros. A sociologia americana recebeu forte influência do pragmatismo ("Se isso vale a pena, mostre-me como usar"), e desde o princípio viuse às voltas com o problema de como entender a sociedade de maneira crítica e objetiva, mas ao mesmo tempo tentar reformá-la. Como uma disciplina reformadora prática ela continua sendo uma variação, mas o tema dominante desde aqueles primeiros tempos tem sido a compreensão e a explicação científicas. Entre 1900 e 1920 os sociólogos cada vez mais foram deixando de lado as reformas a fim de ganhar respeitabilidade na comunidade universitária e científica Empenharam-se para fazer com que a sociologia se tornasse uma ciência social legítima nas grandes universidades, especialmente no centro-oeste e no leste dos Estados Unidos. Após 1920 a sociologia ingressou em um período de trabalhos fundamentais nas áreas de teoria e pesquisa científica. Foi uma tentativa de construir uma disciplina de especialização, estudos científicos acumulados, idéias corroboradas por evidências. Ainda nessa época desenvolveu-se nos Estados Unidos uma importante escola (ou perspectiva) da sociologia, conhecida como funcionalismo. Até a década de 1960, o funcionalismo foi bastante influente, mas desde então essa influência vem declinando. Os membros dessa escola ocuparam-se dos mesmos temas de Durkheim — temas que enfocam problemas de ordem social. Os funcionalistas querem saber como funciona a sociedade, como a ordem é estabelecida, como as diversas partes da sociedade — família, educação, religião, direito etc. — atuam entre si. Enfatizam-se aqui as instituições, os padrões da sociedade, a organização social e a ordem social. É uma macrossociologia. O funcionalismo muito contribuiu para o estudo da organização social, mas nos últimos 30 anos vem perdendo importância. A partir da década de 1960, a sociologia tomou vários rumos. Primeiro, a comunidade científica tornou-se mais especializada, fundamentandose nos resultados de estudos acumulados nas décadas anteriores. Novas idéias e estudos empíricos dividiram a disciplina em campos distintos: sociologia da família, papel dos sexos, religião, saúde, burocracia, desvios, Forças Armadas, governo, mobilidade social etc. Esse é um caminho previsível para qualquer ciência, e temos todas as razões para crer que assim prosseguirá. Segundo, emergiu uma sociologia do conflito, preocupada menos com a ciência e mais com as questões sociais, especialmente as ligadas à desigualdade: classe, pobreza, discriminação sexual, racismo, poder das grandes empresas, crimes de colarinho-branco, conflito social. Karl Marx, pensador alemão oitocentista, e C. Wright Mills, sociólogo americano de meados do século XX, foram muito influentes no desenvolvimento dessa escola. De início, chamaram-na sociologia radical, mas na década de 1980 ela se tornou clara-mente uma perspectiva das mais importantes, adquiriu maior abrangência e associou-se a muitos que são menos radicais. Assim como os funcionalistas, os sociólogos do conflito tendem a ser macrossociólogos. A sociologia do conflito às vezes é denominada sociologia crítica: levanta importantes questões sobre a sociedade e a direção da sociologia — nossa lealdade à ciência, por exemplo, nossa pretensão à objetividade e nossa recusa a trabalhar em prol da mudança. Essa sociologia do conflito trouxe à luz diversas idéias e estudos extraordinários e se tornou uma alternativa vital aos especialistas científicos e funcionalistas. A sociologia do conflito tende a ser macrossociológica e a enfocar a natureza da sociedade. Os especialistas científicos concentram-se nas instituições sociais, muitas vezes no nível macro, às vezes no nível micro É interessante notar que em fins da década de 1970 e início da de 1980 emergiu uma terceira tendência: um interesse crescente pela microssociologia interação face a face, socialização, comunicação, criação e manutenção de padrões sociais em pequenos grupos, apresentação do eu (ser a outros em diversas situações, linguagem, identidade, papéis etc. Várias escolas adotaram urna abordagem microssociológica. Historicamente, a mais importante dessas abordagens denomina-se "interacionismo simbólico", porém vêm ganhando cada vez mais importância os "etnometodologistas", os "sociólogos dramaturgos", os fenomenologistas". Agrupando-os, podemos chamá-los de uma escola: o interacionismo. Especialização, sociologia do conflito e interacionismo são três importantes tendências sociológicas. Essas tendências (e outras demasiado numerosas para as descrevermos aqui) favorecem o debate e o estímulo na disciplina. A sociologia ,compõe-se de pessoas que discordam honesta e seriamente umas das outras a respeito de muitas questões básicas e da direção que se deve tomar. Discordamos quanto à natureza da ciência e da sociedade; quanto ao enfoque e aos conceitos a estudar; quanto ao grau de desigualdade na sociedade, às razões da mudança social, ao grau em que os seres humanos são livres na sociedade e aos problemas sociais que são os mais graves. Alguns defendem Marx, outros consideram Max Weber o sociólogo modelo. Outros julgam Durkheim ou George Herbert Mead mais úteis, e outros ainda não estão interessados em "grandes" idéias enquanto se dedicam a estudos empíricos. o instigante na sociologia é ser ela tão repleta de controvérsia e autocrítica. Idéias e estudos nunca são aceitos sem questionamento, pois sempre há muitos de nós de prontidão para criticar. Assim como em toda ciência, a discordância e a crítica são necessárias para garantir que o conhecimento acumulado seja correto. Obviamente, para aqueles que trabalham na área da sociologia ela é urna disciplina muito útil. Para muitos ela é uma paixão, impelindo a aplicar suas idéias a cada aspecto da existência humana. Para os que a observam de fora, a sociologia muitas vezes é mal compreendida. A maioria das pessoas na verdade não entende o significado de sociedade e sua importância para tudo o que fazemos, somos e pensamos. É mais fácil e mais concreto entender os seres humanos de uma perspectiva biológica ou psicológica. O desenvolvimento da sociologia no Brasil obedeceu às condições de desenvolvimento do capitalismo e à dinâmica própria de inserção do país na ordem capitalista mundial. Nesse sentido, a sociologia brasileira surge na década de 1930, quando do crescimento da burguesia, do incremento da industrialização e da centralização do poder com o golpe de 1937, que instaurou o Estado Novo no Brasil. Em 1933, é criada a Escola Livre de Sociologia e Política, em São Paulo, onde a sociologia passa a ser ensinada em nível universitário. Os estudos da Escola Livre de Sociologia e Política são de orientação americana. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo surge em 1934, sob influência da sociologia francesa. Dela sairão importantes nomes da sociologia brasileira. Como um dos mais importantes sociólogos brasileiros podemos destacar Florestan Fernandes fundador da sociologia crítica no Brasil. Procurou sempre refletir sobre a realidade brasileira e sobre o papel da sociologia diante das desigualdades, sociais. Outro sociólogo que muito se tem destacado em âmbito nacional e internacional é Fernando Henrique Cardoso. (N.R.T.)