Acerca dos Direitos Humanos A expressão "Direitos Humanos" designa os "direitos fundamentais", dos quais os demais direitos são decorrência. Assim, na verdade, os Direitos Humanos não são um ramo a mais do Direito, como o Direito Penal, o Direito Comercial, etc. Os Direitos Humanos são a raiz de todos os direitos. O que distingue os Direitos Humanos ou Direitos Fundamentais de outras formas de ordenamento jurídico é que, sendo o Direito fundamentado nos Direitos intrínsecos do Homem, este só pode ter como fonte a liberdade, estando o ser humano sujeito apenas à lei e a não à prepotência e à astúcia de um chefe ou de quem quer que seja. De acordo com o que reza o artigo 5o. da nossa Constituição, os Direitos Fundamentais são o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano tem por finalidade básica o respeito à sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana. Tal rol de indisponíveis prerrogativas do homem pode ser definido como direitos humanos ou direitos fundamentais. Atendo-nos à nossa Carta Magna, como já foi dito acima, temos a liberdade, a igualdade, a segurança, o direito à propriedade como tais prerrogativas. Essas noções, abrangentes, mas abstratas, não possibilitam um conceito preciso e sintético de Direitos Humanos, direitos fundamentais. Ademais, o evolver histórico amplia e transforma os direitos fundamentais do homem. Podemos, porém, fixar as características dos direitos fundamentais, que são: a imprescritibilidade, ou seja, os direitos humanos não se perdem pelo decurso de prazo; a inalienabilidade: não há possibilidade de transferência dos direitos humanos; irrenunciabilidade; inviolabilidade: impossibilidade de desrespeito por normas infraconstitucionais ou autoridades públicas; universalidade: a abrangência dos direitos humanos engloba todos os indivíduos, independente de sua nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção político-filosófica; efetividade: não é simples reconhecimento abstrato, mas, de acordo com a Constituição Federal, há mecanismos coercitivos para garantir os Direitos Humanos; interdepedência: deve haver uma conexão entre as prerrogativas humanas fundamentais, como, por exemplo, a liberdade de locomoção está conectada com a garantia do habeas corpus, bem como com a previsão da prisão somente por flagrante delito ou por ordem de autoridade competente; complementariedade: os direitos humanos fundamentais não devem ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta. Evidentemente, os Direitos Humanos não vigeram desde sempre. Eles têm uma origem histórica, que se encontra na Grécia. Embora haja rudimentos da noção de direitos fundamentais no Egito Antigo, na Mesopotâmia, na Índia, foi com os gregos que os Direitos Humanos ganharam status filosófico e foros de uma decorrência necessária da natureza humana. Os primeiros filósofos gregos, os chamados pré-socráticos, viviam na crença radical de que por trás da multiplicidade e mudança incessante das aparências, existe uma realidade oculta invariável: a physis, a natureza. E a natureza para os gregos (que não concebiam a idéia do nada) está aí desde sempre. Outros povos da antigüidade não chegaram a essa idéia de uma natureza por trás das aparências, porque acreditavam que essa realidade última era Deus ou os deuses, isto é, vontades absolutas, arbítrio irrestritos e não um ser de consistência estável e fixa. Na esteira dessa idéia pré-socrática de um ser subjacente àquilo que aparece, com os estóicos, surge a idéia de leis eternas, imutáveis, ligadas à natureza humana. A concepção de uma natureza humana conduz à idéia de liberdade e igualdade naturais. Tal perspectiva filosófica leva a revolucionários resultados práticos, uma vez que significa a supremacia do direito natural sobre o direito positivo. O que quer dizer que o homem não está sujeito a nenhum poder, quer divino, quer humano que contrarie a sua natureza. Ponto de confluência entre a idéia grega de uma natureza em geral e uma natureza humana em particular, bem como do divino primado de uma vontade autônoma e livre é o cristianismo. Para o cristianismo, a pessoa tem um valor intrínseco, que ultrapassa até a idéia de uma suposta natureza da qual o homem seria um mero meio. Sob o ponto-devista cristão, o homem nunca é um meio e sim um fim, porquanto feito à imagem e semelhança de Deus, isto é, imponderável, transcendente. Tal concepção do homem como ser transcendente implica uma limitação do Poder e uma libertação das consciências, porquanto, para além de leis sociais, positivadas num dado momento histórico, há leis naturais, conquistadas pela razão. E, para além destas, ultrapassando todo entendimento, há a lei divina, que encara o ser humano como um ente destinado a desfrutar da plenitude de Deus. Embora com base no cristianismo, mas abandonando a fundamentação religiosa, surge a Escola do Direito Natural, que preconizava a invariabilidade da natureza humana e um direito natural válido ainda que Deus não existisse. Segue-se à Escola do Direito Natural a idéia do Contratualismo, no qual não é uma suposta natureza humana, mas uma vontade é o fundamento da Sociedade. Dessas influências, entre outras, surge o marco por meio do qual é balizada a questão dos Direitos Humanos: a Revolução Francesa e sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789, que representou o triunfo da escola do direito natural, selando a concepção da existência de direitos subjetivos preexistentes ao Estado, não criados mas apenas reconhecidos por ele. Desde então, a evolução dos Direitos do Homem consolidou-se por meio de concepções liberais, até 1914, data da I Guerra Mundial e, após a guerra, por uma concepção mais social da liberdade. Depois da II Guerra Mundial, mormente com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, houve uma proliferação de documentos, nacionais e internacionais sobre o tema. Deste ponto em diante, esboçaremos a situação dos Direitos Humanos no nosso Direito Constitucional, bem como no Direito Internacional. Marco da transição democrática e da instrumentalização dos Direitos Humanos no Brasil é a Constituição de 1988. A Carta de 88 incorporou os tratados internacionais de proteção de Direitos Humanos, atribuindo-lhes status diferenciado. Sob essa perspectiva os Direitos Humanos deixam de ser interesse particular do Estado, passando a ser matéria de interesse internacional e objeto próprio de regulamentação do Direito Internacional. Há, pois, um enfraquecimento da noção de interferência em assuntos internos e o aparecimento da noção de que o indivíduo possui, no plano internacional, uma personalidade. Desta forma, há uma flexibilização da concepção da soberania nacional. Se, inicialmente, a natureza dos direitos humanos se identificava com determinadas liberdades do indivíduo em face do Estado e contra o Estado, posteriormente, passaram também a possui identidade dentro do Estado, porquanto um certo tipo de ordem, de organização do poder, não pode faltar. (Mário Augusto Bernardes Dirienzo)