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MÓDULO 1
GÊNERO, FEMINISMO E SEXUALIDADE: História e definições
As relações de gênero referem-se às relações sociais de poder entre homens e mulheres, em que cada
um tem seu papel social que é determinado pelas diferenças sexuais. Este tipo de relação desigual
imposto pela sociedade antes mesmo da criança entrar na escola é comum no espaço escolar, que
apenas reforça os preconceitos e privilégios de um sexo sobre outro e ajuda na construção da
identidade sexual das meninas e dos meninos, utilizando-se da disciplina como instrumento para
orientar a conduta das crianças segundo seu gênero.
O conceito de gênero que pretendemos enfatizar está ligado diretamente à história do movimento
feminista contemporâneo, um movimento social organizado, usualmente remetido ao século XIX e
que propõe a igualdade nas relações entre mulheres e homens através da mudança de valores, de
atitudes e comportamentos humanos.
Apesar de o movimento feminista ser evidenciado a partir do século XIX, sua primeira voz surgiu
ainda no século XIV, quando Christine Pisan, primeira mulher indicada a ser poeta oficial da corte,
mostrou seu discurso articulado de maneira consciente em defesa dos direitos da mulher, polemizando
com escritores renomados acerca da igualdade entre sexos. Para tanto:
Afirmou a necessidade de se dar às meninas uma educação idêntica à dos meninos: “Se
fosse costume mandar as meninas à escola e ensinar-lhes as ciências, como se fazem aos
meninos, elas aprenderiam da mesma forma que estes compreenderiam as sutilezas das
artes e ciências, tal como eles” (MOREIRA e PITANGUY, 2003, p.19)
Seguindo esta linha de raciocínio, onde a educação era vista como uma forma de alcance da igualdade,
que na passagem do séc. XIX para o séc. XX, as feministas se basearam na filosofia, que entendia o
ser humano como “tábula rasa”[1], para reivindicar formas igualitárias de educação visando à
igualdade entre sexos. Isto é, já que todos (as) nascem como “folhas de papel em branco”, se o mesmo
tipo de educação fosse dado tanto a meninos quanto a meninas ambos aprenderiam da mesma maneira.
(ALBERNAZ e LONGHI 2009).
Com a Revolução Francesa acentuam-se as diferenças entre homens e mulheres, onde elas apesar de
participarem ativamente ao lado dos homens do processo revolucionário, não tiveram as conquistas
estendidas a seu sexo. Assim o movimento feminista ganha características da prática de ação política
organizada.
Guacira Louro (1999) ressalta que a “primeira onda” do feminismo começa no séc. XIX com as
“manifestações contra a discriminação feminina”. As reivindicações, neste momento, tinham o foco
originalmente na promoção da igualdade nos direitos contratuais e de propriedade para homens e
mulheres, e na oposição de casamentos arranjados e da propriedade de mulheres casadas (e seus filhos)
por seus maridos. No entanto, no fim do século XIX, o ativismo passou a se focar principalmente na
conquista de poder político, especialmente o direito ao voto por parte das mulheres.
A luta pelo direito ao voto feminino não se caracterizou por ser um movimento de massas, bem como
ocorrera em países como Estados Unidos e Inglaterra. Aqui, iniciou-se em 1910 com a fundação do
Partido Republicano Feminino, que objetivava ressuscitar os debates sobre o voto da mulher no
Congresso Nacional. Esta luta se deu através da pressão que as mulheres exerciam sobre os membros
do congresso e pela divulgação de informações referentes a suas atividades na imprensa para que
houvesse a mobilização da opinião pública (MOREIRA e PITANGUY, 2003).
Apesar da luta constante, somente em 1927, o Estado do Rio Grande do Norte estabeleceu em sua
constituição a inclusão do voto feminino, dando força ao movimento que foi alcançando outros
estados até que em 1932, o presidente Getúlio Vargas promulgou o decreto-lei permitindo mulheres
de irem às urnas. Porém vale lembrar que quando isto aconteceu, o direito já havia sido implantado
em 10 Estados do País, ou seja, esta lei representou a oficialização nacional de um direito que
inevitavelmente se instalaria em todos os Estados ao longo dos anos.
Nos anos 30 e 40 do século XX houve, portanto, um atendimento de proposições das mulheres, onde
elas poderiam votar e serem votadas, ingressar em instituições escolares e serem inseridas no mercado
de trabalho. Neste mesmo período, eclode a ascensão do nazi-facismo e a preparação para uma nova
guerra mundial. Seguindo este viés a afirmação da igualdade de sexos vai de encontro às
necessidades econômicas, já que os homens precisavam ir para as frentes de batalha, sendo
fundamental a inclusão da mulher no setor empregatício.
No final do período de guerra, os soldados voltam aos seus países e ao retornar a ideologia que
valoriza a diferenciação de papéis de acordo com os sexos ganha forças novamente separando homens
para o espaço público (rua) e mulheres para o espaço privado (casa), utilizando como instrumento de
mistificação destes papéis, os meios de comunicação que colocavam a mulher como a “rainha do lar”,
desvalorizando assim a mão-de-obra feminina, sendo esta suplementar ao trabalho masculino.
Segundo Moreira e Pitanguy (2003), neste momento, destaca-se uma voz isolada chamada Simone
de Beauvoir que escreveu livros denunciando as razões culturais da desigualdade sexual colocando
que era necessário estudar a maneira que a mulher aprende sua condição e como ela vivencia isso.
Ressaltam que, as análises de Beauvoir são um marco, ao passo que delineia as bases da reflexão
feminista que ressurgirá somente na década de 1960.
O termo “primeira onda” começou a ser utilizado depois que o termo “feminismo de segunda onda”
começou a ser usado para descrever um movimento feminista mais novo, que focalizava tanto no
combate às desigualdades sociais e culturais quanto às políticas.
Em 1960 começa o desdobramento da “segunda onda” do feminismo, que irá se voltar para as
construções propriamente teóricas, além das preocupações sociais e políticas, problematizando o
conceito de gênero.
As feministas de “segunda onda” viam as desigualdades culturais e políticas das mulheres como
ligadas irremediavelmente, por isso incentivavam ativamente as mulheres a compreenderem aspectos
de suas vidas e refletirem as estruturas de poder sexistas. Denunciando então a mística de um “eterno
feminino”, ou seja, a afirmação de uma inferioridade natural baseada em fatores biológicos. Levando
as mulheres a questionarem a idéia de predestinação de homens e mulheres a cumprirem papéis
opostos na sociedade, atribuindo ao homem uma posição de mando decorrente de uma hierarquia
mascarada.
É, então, que Simone Beauvoir (1980) afirma que “não se nasce mulher, torna-se mulher” na obra “O
segundo Sexo”, publicada em 1949, fazendo referência à criação cultural do “masculino” e do
“feminino” sendo estes comportamentos apreendidos por meio do processo de socialização que dá a
cada sexo uma atribuição de funções sociais diferentes e específicas.
Nesse bojo, aqui no Brasil, Heleiteth Saffioti (1979) faz uma publicação em 1969, denominada “A
Mulher na Sociedade de Classes”, onde reflete sobre a condição da mulher dentro do sistema
capitalista, colocando que essa condição não decorre somente ligada às relações econômicas, já que
é observada dentro da autonomia relativa a outras estruturas.
A “segunda onda feminista” continuou a existir deste então, e coexistiu com o que é chamado de
“terceira onda”. A década de 1960 foi marcada por lutas intensas contra o colonialismo, e a
discriminação de raças, pelo direito das minorias e por reivindicações de estudantes. Sendo que no
ano de 1968, diferentes grupos (intelectuais, estudantes, negros, mulheres, jovens, etc.) expressam
sua insatisfação em relação aos tradicionais arranjos sociais e políticos alargando as fronteiras do
entendimento de contradições sociais para além do contexto econômico, mostrando a existência de
outras formas de exercer o poder. Estes movimentos colocam interesses individuais para o campo do
político, fazendo com que se tornem interesses coletivos, assim, percebe-se que o ser social não se
encerra na experiência de sua classe. Nesse contexto, o movimento feminista contemporâneo
ressurge como movimento de massa expressando-se através de livros, revistas e jornais. Surgem os
chamados “Estudos da Mulher”, que têm como objetivo tornar visível a segregação social e política
que as mulheres foram historicamente submetidas.
Dentre os muitos trabalhos, as características femininas são exaltadas ou criticadas, destacam-se os
estudos do mundo doméstico como o “verdadeiro” universo da mulher, bem como as atividades que
exerciam fora do lar nas fábricas, oficinas e lavouras. As estudiosas feministas iriam também
demonstrar e denunciar a ausência feminina nas ciências, nas artes e letras. As pesquisadoras
utilizavam ainda uma noção de um universo feminino separado tentando construir uma Psicologia da
Mulher.
Foi também na década de 1970 que as feministas perceberam, que apesar das conquistas educacionais,
em que era oferecida a mesma oportunidade de conhecimentos a homens e mulheres, a igualdade não
fora atingida como antes se acreditara. Elas notaram ainda que as diferenças entre sexos, construídas
social e culturalmente não eram ruins em si mesmas, ao contrário, aumentavam a diversidade humana
e as possibilidades criativas dos seres humanos. O que de fato era ruim era utilizar essas diferenças
para criar hierarquias e poderes desiguais (ALBERNAZ e LONGHI 2009).
As feministas observaram ainda que diferenças biológicas como a gestação e o parto requeriam novos
direitos a serem assegurados para as mulheres, tais como, leis trabalhistas que coibissem as demissões
devido à gravidez de funcionárias. Dessa forma, originou-se a reflexão de que era necessário instituir
direitos específicos para as mulheres, visando proporcionar às mulheres igualdade de tratamento em
relação aos homens no mercado de trabalho. O que mostra que nem sempre direitos iguais, ou seja,
que abrangem todas as pessoas promova a igualdade entre estes indivíduos.
As especificidades dos grupos sociais, decorrentes de condições históricas e culturais ou
das diferenças inscritas nos corpos e socialmente significadas, requerem condições
especiais para que se alcance a igualdade entre os diferentes grupos. Os direitos
elaborados sob a orientação deste princípio filosófico-político são chamados direitos
equivalentes. São direitos diferenciados, mas que não visam instituir privilégios, e sim,
promover a igualdade de condições de vida entre indivíduos diferentes. (ALBERNAZ e
LONGHI, 2009, p.79, grifo das autoras).
Para Louro (1999), uma das mais significativas marcas dos Estudos feministas era seu caráter político,
subvertendo as condições para “o fazer acadêmico”. Sobre esses estudos, afirma ainda que:
Pesquisadoras escreviam na primeira pessoa. Assumia-se, com ousadia, que as questões
eram interessadas, que elas tinham origem em numa trajetória histórica específica que
construí o lugar social das mulheres que o estudo de tais questões tinha (e tem) pretensões
de mudança (LOURO, 1999, p.19).
Origina-se o chamado “feminismo radical” em que é reconhecida uma causa central para a opressão
feminina, e a destruição desta causa seria a principal alternativa para a emancipação das mulheres.
Sandra Azerêdo (2007) afirma que, em outro sentido, estão os que acreditam que a desigualdade
social acaba por ser justificada pela distinção sexual e biológica, por isso não apresenta perspectiva
de mudança. Como, ainda segundo a autora, era o caso de Baruch de Espinosa (1979) que nos diz que
a autoridade do homem sobre a mulher advém da fraqueza do sexo feminino. Contra essa forma de
pensamento, as feministas ressaltavam como essas características são representadas ou valorizadas,
o que vai constituir de fato o que é masculino ou feminino, dependendo da sociedade e do momento
histórico.
Com as feministas anglo-saxãs “gender” passa a ser usado como diferente de “sex”, objetivando
atenuar o caráter social das distinções baseadas no sexo, enfatizando deliberativamente a construção
social e histórica produzida sobre as características biológicas (LOURO, 1997). Os estudos, neste
momento, priorizam não só as análises sobre as mulheres, mas também estão se referindo agora de
forma muito explícita também aos homens, por isso são ressaltadas as concepções de gênero no
interior de cada sociedade, ao considerar os diversos grupos que a constituem.
A “terceira onda” do feminismo começou no início da década de 1990, como um resposta às supostas
falhas da “segunda onda”, e também como uma retaliação a iniciativas e movimentos criados pela
“segunda onda”. O feminismo, nesse momento, visava desafiar ou evitar aquilo que via como as
definições essencialistas da feminilidade feitas pela segunda onda que colocaria ênfase demais nas
experiências das mulheres brancas de classe média-alta (LOURO, 1997).
Uma interpretação pós-estruturalista do gênero e da sexualidade é central à maior parte da ideologia
da “terceira onda”. Nesse momento, as feministas frequentemente enfatizam a "micropolítica"[2], e
desafiam os paradigmas[3] da “segunda onda” sobre o que é e o que não é bom para as mulheres.
Em nosso país somente, a partir dos anos 1980, as feministas passaram a utilizar o termo “gênero”.
Grandes partes dos discursos de algum modo englobam as questões de sexualidade, estabelecendo
distinções entre gênero e sexualidade, ou entre identidades de gênero e identidades sexuais.
Atualmente alguns estudiosos estão buscando um aprimoramento das análises, acentuando as
distinções acerca das questões de gênero e sexualidade, conforme aponta Scott (1961, p.1):
Mais recentemente – recentemente demais para encontrar seu caminho nos dicionários
ou na enciclopédia das ciências sociais – as feministas começaram a utilizar a palavra
“gênero” mais seriamente, no sentido mais literal, como uma maneira de referir-se à
organização social da relação entre os sexos.
Para além desta reflexão sobre o sentido literal que Scott pontua levando em consideração o social e
as relações de poder, as questões relacionadas a gênero estão associadas ainda a valores culturais
(ALBERNAZ e LONGHI, 2009) e a construções históricas (LOURO, 2007) assumindo desta maneira
uma complexidade ainda maior.
3.1 Gênero e construção de estereótipos
A compreensão do conceito de gênero possibilita identificar os valores atribuídos a homens e
mulheres, bem como as regras de comportamento decorrentes desses valores. Com isso, fica mais
evidente a interferência desses valores e regras no funcionamento das instituições sociais, como a
escola, a influência de todas essas questões na nossa vida cotidiana, a possibilidade de se ter maior
clareza dos processos a que estão submetidas às relações individuais e coletivas entre homens e
mulheres.
É importante enfatizar esta distinção de conceitos porque, como não se trata de fenômeno puramente
biológico, podemos constatar que ocorrem mudanças na definição do que é ser homem ou mulher ao
longo da história e em diferentes regiões e culturas como é o caso da relação entre sexos na região da
Gália e da Germânia que eram sociedades tribais, onde o espaço de atuação da mulher era semelhante
ao do homem, sendo que ambos participavam das guerras, de conselhos tribais, do plantio e colheita
e da construção das casas. Inclusive “[...]os cronistas romanos, como Tácito e Estrabão, registram
com surpresa a posição da mulher nessas sociedades[...]” (MOREIRA e PITANGUY 2003 p.15),
desmistificando então a idéia de que a sujeição feminina possa ser algo predestinado e irrevogável.
Perceber a categoria gênero como “[...]uma operação de classificação cultural[...]” (ALBEERNAZ e
LONGHI, 2009, p.83), significa reafirmar que através da cultura usamos o gênero para pensar o que
é ser homem e o que é ser mulher, sendo que a educação desempenha importante papel nesse sentido.
Gramaticalmente, gênero designa o meio de classificar fenômenos, fazer diferenças entre masculino
e feminino, contudo, numa perspectiva acadêmica, o termo abrange a importância dos grupos
humanos e os simbolismos de cada época. A formação histórica da categoria gênero está diretamente
relacionada à adoção do termo pelas feministas americanas que almejavam uma forma de qualificar
as diferenças presentes no sexo, antes trabalhadas nas academias como “questões de mulher” ou
“estudos sobre mulher” e passam a usar a expressão no seu sentido literal “[...]como uma maneira de
referir-se à organização social da relação entre os sexos[...]” (SCOTT, 1996, p.1).
A discussão em torno de gênero perpassa pela observação que fazemos das relações sociais, no
trabalho, no lazer, na política, enfim, convivemos permanentemente com relações de dominação, com
relações de poder. Entende-se então que o gênero é ainda uma das primeiras formas de distribuir e
significar o poder, sendo que o que é classificado como masculino tende a ser mais forte, superior e
poderoso; ao passo que o que é considerado feminino é visto como mais fraco, com menos poder e
por isso deve ficar sob a esfera de proteção e de submissão ao masculino. (ALBEERNAZ e LONGHI,
2009)
Então, são relações construídas a partir de inúmeros fatores, entre eles, a educação no que tange a
separação de meninos e meninas em mundos distintos. É a partir de uma perspectiva diferenciada que
o masculino se sobrepõe ao feminino e gradativamente vai transformando meninos em sujeitos
dominadores ou em “machos”. Nesse sentido, o artigo de Lívia Perozim, (2006 p.48) publicado na
Revista Nova Escola discorre que:
Em uma análise distante do sexismo, estudiosos afirmam: meninos e meninos sofrem
igualmente com a maneira como o masculino e o feminino são ensinados na escola, que
poderia se tornar um ambiente de encontro entre eles e transformá-los em pluralidade.
Segundo Louro (1997) e Braga (2007), o termo gênero passou a ser usado com o propósito de marcar
as diferenças entre homens e mulheres, que não são apenas de ordem física e biológica. Para as autoras,
a diferença sexual anatômica não pode ser pensada de forma isolada das construções sociais e
culturais da qual fazem parte. Dessa forma:
Uma compreensão mais ampla de gênero exige que pensemos não somente que os
sujeitos se fazem homem e mulher num processo continuado, dinâmico [...]; como
também nos leva a pensar que gênero é mais do que uma identidade aprendida, é uma
categoria imersa nas instituições sociais (o que implica admitir que a justiça, a escola, a
igreja etc. são “genereficadas ”, ou seja, expressam as relações sociais de gênero).
(LOURO, 1995, p.103)
A diferença biológica será o ponto de partida para a construção social do que é ser homem e mulher.
O sexo é atribuído ao fator biológico, enquanto gênero é uma construção histórico-social. A noção
que se tem acerca de gênero aponta para a dimensão das relações sociais do masculino e do feminino.
(BRAGA, 2007).
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