Becker, Gary S.. “A Índia pode alcançar a China” São Paulo: Valor Econômico, 11 de fevereiro de 2004. JEL: F. A Índia pode alcançar a China Gary S. Becker Muitos observadores estão prevendo que a China será a força econômica dominante no Século XXI, ao menos na Ásia, mas eu não descartaria totalmente a Índia. Essa nação gigantesca começou a dar a volta por cima, em termos econômicos, há pouco mais de uma década - e com adicionais reformas de livre mercado, os indianos poderão fazer com que os chineses tenham de fazer muito para se manterem como os mais dinâmicos entre os grandes países em desenvolvimento. A Índia tornou-se uma vibrante democracia depois de sua independência do Reino Unido em 1947, a despeito do convívio de 15 diferentes e importantes idiomas, e de agudos conflitos entre castas e grupos religiosos e étnicos. Mas a economia da Índia cresceu lentamente durante quatro décadas e desempenhou um papel desimportante na economia mundial. As políticas econômicas indianas foram influenciadas por líderes como Jawaharlal Nehru, seu primeiro primeiro-ministro, admirador tanto do socialismo democrático como do planejamento centralizado. Isso resultou em uma economia extremamente regulamentada, com fortes controles sobre os investimentos privados das companhias indianas, muitas exigências de licenciamento para até mesmo as mínimas decisões econômicas, elevadas tarifas e outras barreiras a importações, e escasso interesse em exportações. Os investimentos estrangeiros diretos eram desprezíveis, ao passo que as empresas estatais proliferaram. Em conseqüência, a renda per capita indiana cresceu a apenas pouco mais de 1% por ano até meados da década de 80. Dois acontecimentos criaram um clima muito mais favorável a reformas econômicas radicais. Em 1991, irrompeu uma crise nas balanças de pagamentos e fiscal. E a Índia passou a se preocupar com o sucesso econômico de seu vizinho gigante e rival, a China. A renda per capita da chinesa começou a ultrapassar a indiana, embora 40 anos antes a Índia estivesse à frente da China. A Índia tinha evitado os desastres econômicos do Grande Salto para a Frente e da Revolução Cultural. Mas depois que a China modificou suas políticas, abandonando a agricultura coletivizada em 1978, em favor da exploração agrícola privada e da abertura da economia a investimentos estrangeiros, seu crescimento acelerou rapidamente. Em 1991, o governo indiano, ainda controlado pelo Partido do Congresso, a agremiação socialista de Nehru, mudou de rumo sob a liderança de um ousado ministro das Finanças, Manmohan Singh, e começou a desmantelar o velho sistema. A Índia caminhou rumo a uma economia voltada para o mercado, permitindo que empresas privadas indianas entrassem na maioria dos setores sem prévia aprovação governamental, abrandou as tarifas elevadas e afrouxou o sistema de quotas que impediam a entrada de mercadorias estrangeiras, e afrouxou as severas limitações a investimentos estrangeiros diretos. O resultado foi uma aceleração do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para cerca de 6% ao ano desde 1991, portanto entre os mais rápidos do mundo, mas consideravelmente inferior aos 8% a 10% na China. O atual governo, sob a liderança do nacionalista hindu Partido Bharatiya Janata, estendeu essas reformas mediante a privatização de diversas importantes empresas estatais e a redução adicional de barreiras tarifárias. Aproveitando o excelente sistema indiano de educação em engenharia e ciências, e sua tradição no uso da língua inglesa nos negócios e em boa parte do sistema de ensino superior, as companhias americanas começaram a terceirizar atividades na Índia, entre elas o desenvolvimento de software, tarefas burocráticas de retaguarda empresarial, testes farmacêuticos e outras atividades administrativas. Isso está transformando a Índia numa potência mundial em alta tecnologia. Ainda assim, a Índia não poderá erradicar sua terrível pobreza simplesmente desenvolvendo seus setores de alta tecnologia, uma vez que a vasta maioria de indianos não tem mais de seis a oito anos de escolaridade. A Índia precisa emular a China - aproveitando a vantagem de seus trabalhadores aplicados, baratos e pouco qualificados -, para competir melhor em mercados mundiais de artigos produzidos com emprego intensivo de mão-de-obra, como os de têxteis e de produtos eletrônicos. Isso exige simplificar os demorados procedimentos ainda necessários para construir fábricas e fundar empresas. Os investimentos estrangeiros diretos, na Índia, são muito inferiores aos destinados à China, de modo que a Índia precisa facilitar o funcionamento de empresas estrangeiras no país. Para competir efetivamente em mercados mundiais, a Índia precisa expandir seu sistema educacional de nível secundário. Os indianos precisam também melhorar enormemente seus serviços de saúde. Há abundante evidência de que os retornos sobre esse tipo de investimentos em capital humano na Índia seriam elevados. Durante recente viagem à Índia, detectei pouco interesse numa volta ao velho sistema, e senti um anseio, entre os mais jovens, por mais reformas para impulsionar mais rapidamente a Índia. Há crescente confiança, no país, de que com políticas econômicas e de desenvolvimento de capital humano corretas, essa democracia complicada pode eliminar a terrível carga de pobreza e doenças que aflige suas massas. Os indianos têm se revelado extremamente bem-sucedidos como empresários e profissionais liberais em todo o mundo. O caminho de reforma escolhido em 1991 pode significar que indianos talentosos não precisarão mais ir ao exterior para conquistar seu sucesso econômico.