1 A FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NO AMBIENTE ESCOLAR – DESAFIOS PARA SE CONSTITUIR NOVAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS Josimara Xavier Novais – SEEDF [email protected] Resumo O presente trabalho tem por objetivo analisar os impactos que a formação continuada docente desenvolvida dentro da escola oferece para a implementação de novas práticas pedagógicas e busca contribuir para a ampliação do debate sobre a importância o fortalecimento da formação continuada docente em uma perspectiva emancipadora, todavia sem desconsiderar as contribuições que a formação continuada docente externa à escola também traz à prática docente. Considerando a natureza teórico-prática da pesquisa utilizamos a análise documental e a pesquisa bibliográfica. A fundamentação teórica apoia-se em autores que discutem a função social da escola, o papel do professor e do coordenador pedagógico, e, a formação continuada docente no ambiente escolar como propulsora de inovações nas práticas pedagógicas e de mudanças do processo ensino/aprendizagem como possibilidade de transformação social por meio de uma educação emancipadora. Dentre os quais: Mundim (2011), Nóvoa (2009), Placco (2013), Saviani (2012), Tacca (2012), Veiga e Quixadá Viana (2012). Trata-se de um estudo de caso na abordagem qualitativa, realizado no primeiro semestre de 2014 no qual a interlocutora foi uma professora regente do segundo ano do ensino fundamental de uma escola pública urbana. Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram: observação, complemento de frases, questionário e conversação. Verificamos que a formação continuada docente dentro do espaço escolar pode favorecer o desenvolvimento pedagógico docente quando pensada, planejada e realizada na escola a partir de suas reais necessidades, todavia ainda são muitos os desafios a serem enfrentados como a pouca valorização da conquista dessa formação, a falta de formação continuada do próprio coordenador pedagógico, também pela pouca conscientização dos próprios professores e coordenadores da necessidade de se constituir esse espaço específico de formação e a falta da contextualização da formação continuada docente que acontece fora do ambiente escolar. Esperamos que as reflexões suscitadas a partir desse trabalho venham contribuir para a constituição e o fortalecimento da formação continuada docente no próprio ambiente escolar na perspectiva de transcender o fazer irrefletido, mecânico, genérico e fragmentado preconizado pela ordem social vigente, possibilitando ao professor lançar mão de novas práticas pedagógicas em função da aprendizagem dos alunos e da sua emancipação. Palavras-chave: Escola. Formação Docente. Práticas Pedagógicas. Introdução O fortalecimento da formação continuada docente que acontece dentro do espaço escolar é um tema que tem sido discutido por vários pesquisadores, dentre eles, Nóvoa (2011), Placco (2013), Veiga (2012). Tal fato a tem tornado expressiva na esfera 2 educacional e, as várias indagações que pairam sobre essa formação propiciam a ampliação da visão sobre a sua importância, as suas possibilidades e as suas limitações. A formação acontecendo no próprio espaço escolar carrega em si a possibilidade de os professores refletirem sobre a função social da escola e da profissão docente; analisarem o próprio trabalho, valorizarem a sua profissão como intelectual e não apenas prática, identificarem as teorias que embasam suas ações, analisarem criticamente as práticas que vigoram no ambiente escolar e irem em busca pela transformação da realidade social. Mas será que a formação continuada docente tem acontecido de fato no ambiente escolar? E se está acontecendo, é a partir das questões que surgem do rico e dinâmico cotidiano escolar ou permanece vindo de fora para dentro a partir de questões genéricas e descontextualizadas? Partindo dessas questões buscaremos destacar a função social da escola, a necessidade de conhecer os caminhos que tem tomado a formação continuada docente na contemporaneidade e refletir sobre as possíveis contribuições que essa formação continuada docente por dentro da escola traz para a reflexão da profissão docente, sobre a instituição de novas práticas por parte dos professores e sobre a possibilidade de transformar a realidade. Nessa perspectiva, consideramos que há novas demandas educacionais e compreendemos que é necessário implementar uma formação continuada docente que vise a reestruturação dos saberes e da prática no meio no qual o professor atua. O que implica afirmar que há que se ter clara a intencionalidade da formação que se quer realizar. Assim, compreender que a escola é um espaço para disseminação do conhecimento construído social e historicamente de forma sistematizada se torna fundamental. Em linhas gerais, organizamos nosso artigo utilizando como eixos orientadores do percurso: a escola e a sua função social; a formação continuada docente por dentro da escola e a nossa experiência com a interlocutora, isto é, a parte empírica da pesquisa. Na primeira parte, trazemos o sentido social da escola e o trabalho pedagógico nela desenvolvido como base do fazer docente e a possibilidade dela se constituir como forte colaboradora para a emancipação humana a partir da transmissão sistematizada do vasto patrimônio histórico produzido pela humanidade: o conhecimento. 3 Em seguida trazemos a formação continuada docente por dentro da escola, e as possibilidades dessa formação se dar numa perspectiva emancipatória, mesmo em um contexto de contradições protagonizadas pela ideologia dominante. Depois falamos sobre a realidade de uma escola pública do Distrito Federal através do olhar e da fala de uma professora regente em turma de segundo ano do ensino fundamental trazendo um pouco da nossa experiência onde suscitamos a possibilidade de implementar novas práticas no trabalho do professor, apresentando o cenário no qual desenvolvemos nossa pesquisa e as reflexões a respeito da formação continuada preconizada por nós. Por fim, fechamos o trabalho trazendo algumas considerações sobre os desafios de se instituir a formação continuada docente a partir das demandas que surgem do próprio cotidiano escolar, relacionando-a as práticas pedagógicas dos professores, aos objetivos da pesquisa, à discussão teórica fundamentada e à necessidade de nos encaminharmos para o rompimento com a ordem sócio-ecomômica vigente. A Escola e sua função social Diante de tantas certezas incertas a respeito a respeito da função social da escola na contemporaneidade, nos deparamos com muitas e novas demandas dela e para ela, a escola. Entretanto percebemos um esvaziamento da sua função precípua de produzir e disseminar o saber sistematizado e constituído historicamente. A escola tem, ou pelo menos deveria ter, a função educativa ligada às questões do conhecimento, do saber, não se tratando, pois, [...] de qualquer tipo de saber. Portanto, a escola diz respeito ao conhecimento elaborado e não ao conhecimento espontâneo; ao saber sistematizado e não ao saber fragmentado; à cultura erudita e não à cultura popular. Em suma, a escola tem a ver com o problema da ciência. Com efeito, ciência é exatamente o saber metódico, sistematizado (SAVIANI, 2012, p. 14). Eis aí a contradição discutida por Saviani (2012), onde ele alerta para a necessidade do resgate da razão de ser da escola que é de sistematizar o conhecimento e transmiti-lo a todos de forma não discriminatória, transcendendo a imagem deturpada de que tem que atender às demandas do Estado e do mercado, produzindo e transmitindo uma cultura escolar que fortalece a cultura de dominação e de reprodução do capital. Dessa maneira, a escola, com base na organização do trabalho pedagógico pode colocar o saber a serviço da manutenção ou da transformação das relações sociais, servindo de ferramenta para alienar ou emancipar o homem. 4 Da mesma maneira, o trabalho pedagógico deve ser organizado para superar o processo de proletarização da profissão docente facilitando o acesso e a participação do professor na organização da gestão, tanto no âmbito pedagógico como no âmbito administrativo, colocando-o em condição de ver as contradições do mundo moderno e questioná-las buscando a sua superação. Apesar de vermos nitidamente o aumento nas atribuições, mas o esvaziamento da função da escola compreendemos que a formação docente dentro da escola é fundamental para sistematizar o trabalho pedagógico para suscitar momentos de reflexão crítica e também para o desenvolvimento de novas práticas que contribuirão para a aprendizagem dos alunos. Nesse movimento, o professor vai refletindo sobre a função da escola, a sua função, vai tomando consciência da sua profissionalidade, da sua responsabilidade ética e de modo intencional e sistematizado, vai lançar mão de novas estratégias de ensino que favorecem a aprendizagem dos alunos e suas constituições como sujeitos. Todavia diante da realidade que vivemos, constatamos que para os professores, a escola muitas das vezes se configura como sua segunda casa, como um lugar de possibilidade de bons relacionamentos, trocas entre os pares, e “[...] não aparece uma crítica ao modelo de escola instituído socialmente, assim como não aparece uma exigência por novas formas de pensar o espaço escolar, introduzindo-lhe mudanças significativas” (TACCA, 2012). Entendemos então que essa falta de consciência do papel social da escola, a ausência da formação continuada a partir das necessidades que surgem do cotidiano escolar e a falta de reflexão sobre a organização do trabalho pedagógico para nortear o fazer docente ou ainda, a provisoriedade de ações pautadas em atender demandas imediatistas do dia-a-dia escolar poderão ser fatores que dificultarão a concretização do processo de afirmação profissional bem como o processo ensino/aprendizagem docente numa perspectiva emancipatória. A nosso ver, apenas com a constituição da consciência a respeito da função social da escola associada à formação continuada que leve à reconstrução da práxis docente, novas concepções sobre educação e docência serão estabelecidas, novas práticas educativas poderão ser geradas e por consequência a aprendizagem significativa dos alunos numa perspectiva de igual modo, emancipatória. 5 A formação por dentro da escola Quando refletimos sobre o conceito da palavra formar nos deparamos com inúmeros termos que fazem parte do vocabulário docente de onde nascem várias interpretações e defesas ideológicas. Para nós, fundamentados em Veiga e Quixadá Viana (2012), formar é o meio de desenvolvimento profissional contínuo e singular que leva os docentes a estabelecerem uma nova relação com o conhecimento e com as suas práticas. Logo, a formação docente que preconizamos, será compreendida em seu aspecto fundamental para a concretização de uma educação cada vez mais preocupada com o político, o histórico e o social, devendo proporcionar aos docentes o desenvolvimento de habilidades críticas e de investigação da própria realidade. Essa formação deverá estar bem fundamentada teoricamente para que atinja o objetivo de desenvolvimento do fazer pedagógico buscando atender as necessidades educacionais e sociais dos envolvidos no processo educativo levando-os à condição de sujeitos de suas histórias. No nosso entendimento, a formação continuada docente deve estar a serviço da aprendizagem do aluno, ou seja, deve trazer em si, o objetivo de levar o professor a compreender a trama social que o envolve e é por ele tecida e ainda reconhecer as singularidades dos alunos nesse contexto social mais amplo para a partir daí elaborar estratégias de ação que favoreçam a aprendizagem significativa e contextualizada do aluno. Nesse sentido, Tacca (2012) afirma que as estratégias pedagógicas são recursos externos dos quais o professor utiliza e terão a função de manter a motivação dos alunos despertando neles a vontade de aprender. Porém, não se restringe à busca do conhecimento, mas remete à possibilidade do desenvolvimento do ato de pensar, processo no qual o aluno tenha condições de reelaborar o conhecimento. Considerando a possibilidade de elaboração e reelaboração de conhecimentos tanto por parte dos professores como pelos alunos, entendemos que a formação que vem de fora da escola dificilmente irá atender as reais necessidades que surgem do contexto escolar com suas especificidades. Ela poderá se constituir em uma formação reprodutora que não trará grandes impactos na prática, nem no modo de pensar dos professores e nem no modo de aprender dos alunos e tão pouco contribuirá para a crítica das 6 imposições de uma prática fragmentada sem perspectiva de transformações sociais efetivas e amplas. Pensando na formação que venha efetivamente possibilitar a geração de novas práticas docentes, Nóvoa (2009, p. 06) afirma que “[...] é preciso passar a formação de professores para dentro da profissão” e acrescenta dizendo que “não haverá nenhuma mudança significativa se a ‘comunidade dos formadores de professores’ e a ‘comunidade dos professores’ não se tornarem mais permeáveis e imbricadas”. É partindo dessa ótica que defendemos a formação dentro do espaço escolar, a partir das questões que brotam do chão da escola, numa perspectiva crítico-reflexiva fortalecendo o trabalho coletivo e mobilizando conhecimentos que se constituirão não só em um importante salto no processo pedagógico, mas também em um exemplo de responsabilidade e de compromisso com a comunidade escolar e a sociedade de modo geral. Nesse sentido, a reflexão partilhada coletivamente não será apenas uma mera palavra escrita no Projeto Político Pedagógico, será concreta. Nenhum professor se resignará com o fracasso dos alunos, ao contrário, iniciará um movimento real no sentido de efetivar a melhoria da qualidade do ensino e a mudança da prática docente na busca pela efetivação da aprendizagem e da transformação da realidade social. Ao defendermos a formação continuada nessa perspectiva não estamos afirmando categoricamente que esse é o modo de se formar professor, mas umi modo de formação que pode gerar a reflexão dos professores sobre o próprio trabalho, conscientização crítica a respeito da sua condição de agente socialii e favorecer ainda, a criação de novas estratégias de ensino que possibilitem a aprendizagem dos alunos numa perspectiva emancipatória. Na escola, a formação continuada docente e a possibilidade de implementação de novas práticas pedagógicas. Iniciamos nosso trabalho empírico com o objetivo investigar as bases epistemológicas das concepções e as práticas de alfabetização e letramento e de desenvolvimento humano presentes na escola e sua implicação nos desenvolvimento dos alunos. De maneira mais ampla procuramos investigar as concepções de alfabetização e de desenvolvimento humano que subjazem às práticas pedagógicas e à cultura escolar que envolvem crianças que são reconhecidas com dificuldades de aprendizagem. 7 A Escola Pesquisada Pertence à rede pública de ensino do Distrito Federal, localiza-se em área urbana, possui uma boa estrutura física, tem uma equipe gestora bastante atuante, que viabiliza recursos e materiais para a implantação e implementação de projetos. A turma na qual realizamos a pesquisa era composta por uma média de 28 alunos do segundo ano do ensino fundamental. Nos focamos nos alunos que apresentam dificuldade de aprendizagem no processo de alfabetização, e são indicados pelas professoras ao reforço escolar e/ou atendimento na sala de recurso. Considerando que todo início de ano letivo há o processo de escolha de turmas no qual o professor tem a possibilidade de escolher a turma em que vai atuar, foram várias as professoras que fizeram parte da nossa pesquisa. Apenas uma das professoras está conosco desde o princípio. Vamos chamá-la aqui de professora “Paula”. Os encontros Fomos para a escola com a intenção de fazer intervenções e pesquisar as dificuldades de aprendizagem dos alunos, mas durante o desenvolvimento da pesquisa compreendemos a necessidade de realizar um trabalho junto às professoras, pois como pesquisar práticas de alfabetização e letramento apenas atendendo os alunos com dificuldade de aprendizagem? A prática e a formação docente seriam para nós alvo da nossa pesquisa e geradoras de formação por sua própria demanda. Desta forma, em 2014, propusemos para as duas professoras que participavam do projeto alguns momentos reflexivos. Nos nossos encontros falávamos da nossa intenção em fortalecer nossos laços, na intenção de compreender a dinâmica pedagógica da escola e contribuir na implementação de novas práticas pedagógicas que viessem a favorecer o processo de alfabetização e letramento dos alunos e não apenas os atendidos por nós. Sempre relembrávamos os nossos objetivos e reforçávamos a interrelação entre eles e o currículo da Secretaria de Educação, além da importância de redimensionarmos constantemente as nossas práticas pedagógicas para ajustarmos o ensino às necessidades de aprendizagem dos alunos. 8 Nos encontros ouvíamos os relatos das professoras em relação às suas impressões quanto ao desenvolvimento da nossa pesquisa, o avanço dos alunos atendidos e sobre as necessidades dos mesmos para daí planejarmos nossas atividades interventivas em consonância. A professora “Paula” sempre foi receptiva ao nosso trabalho e mais interativa e propositiva nos nossos encontros, inclusive abrindo espaço para realizarmos um trabalho interventivo com toda a turma propondo atividades de produção textual coletiva com temas também determinados por ela, de acordo com o trabalho que estava desenvolvendo com os alunos. A partir das falas, ações e posicionamentos da professora, voltamos nosso olhar para os possíveis impactos que a formação continuada por dentro da escola poderiam trazer para a inovação de concepções e de suas práticas. Com o olhar mais atento às ações docentes compreendemos definitivamente que deveríamos investir em momentos de formação continuada naquela escola, tendo como objetivo o desenvolvimento de novas estratégias de ensino, junto com as professoras e a partir das necessidades dos alunos visando uma ação crítica consciente. A professora “Paula” sempre se mostrou aberta às nossas proposições trocando ideias e dialogando sobre seu planejamento, estratégias e congruências com o nosso trabalho enquanto que as outras permaneceram praticamente alheias às nossas proposições deixando-nos a tarefa de planejar e intervir junto aos alunos por elas indicados. Aos poucos fomos conhecendo o pensamento dela, as concepções que trazia de escola, de educação, de aluno, de sujeito, passamos a compreender suas práticas e perceber o quanto elas impactavam a aprendizagem dos alunos no sentido de favorecer ou dificultar o processo de alfabetização e letramento deles. Compreendemos também que a sua trajetória, inclusive a formativa, influenciava fortemente a busca por novas práticas que viessem a favorecer o avanço qualitativo dos alunos. Nesse período em que focamos no trabalho das professoras, fortalecemos a necessidade de criarmos oportunidades e momentos de formação continuada dentro da escola, para que houvesse a implementação de novas práticas pedagógicas que estivessem de fato a serviço da aprendizagem dos alunos e da sua constituição enquanto sujeitos. 9 Com a palavra: “Paula”! Traremos a partir daqui um pouco das conversas sobre formação que tivemos com as professoras nos nossos encontros focando nosso olhar nas expressões da professora “Paula”: Em um dos diálogos, ao perguntarmos se existiam barreiras na escola, nos alunos e no trabalho pedagógico que impediam o trabalho na perspectiva do letramento, foi unânime a resposta de que um dos fatores que não impedia, mas que o dificultava era a falta de apoio pedagógico. É importante lembrar que desde o início do ano letivo havia a figura do coordenador e do supervisor pedagógico na escola. Todavia, percebemos pela fala da professora que não houve a sistematização do trabalho pedagógico no sentido de dar suporte técnico/pedagógico aos professores. Segundo Paula, essa falta de momentos para planejar no coletivo a levou a se reunir com outra professora de segundo ano para planejar, mas ainda assim, sentia a necessidade de apoio pedagógico como podemos constatar no trecho que segue, “A gente, assim, no segundo ano tem uma certa facilidade porque a gente, por estar há cinco anos com segundo ano, tem uma troca muito boa uma com a outra. Eu entro na sala dela, ela entra na minha sala, vê o que pode melhorar, mas o que falta mesmo é a família e o pedagógico.” A fala da professora indica que na escola os professores tem buscado solitariamente soluções e estratégias de ação em sala de aula para superação dos problemas que lá se apresentam e a formação continuada ainda não tem acontecido de forma sistematizada com objetivos e estratégias bem delineadas. Segundo Placco (2013), a rotina escolar deve servir como instrumento de planejamento para o coordenador pedagógico se orientar e definir objetivos e metas para a formação continuada docente, não deixando que sua atuação fique à mercê de imprevistos. Nessa perspectiva, Mundim (2011, p.48) afirma que “quando os coordenadores pedagógicos adotam um caráter reflexivo e são capazes de produzir novas alternativas frente às demandas que vão surgindo, passam a atuar como sujeitos”. Logo, podemos afirmar que é imprescindível que os coordenadores pedagógicos daquela escola se vejam e se reconheçam como sujeitos e sejam atuantes naquele espaço dando esse suporte aos professores por meio dos momentos planejados intencionalmente de formação continuada. 10 Em outro momento, refletindo sobre a formação externa e seus impactos na sua prática pedagógica, Paula, citando o Pró-letramento e o PNAICiii disse: Eu fiz o Pró-letramento, agora estou fazendo o PNAIC, ele me fez pensar no meu fazer [...] Diferenciar minha prática pedagógica. [...] Acredito que mudei minha postura e a forma de ensinar ficaram mais fáceis e tornaram mais atrativas para meu aluno. Saí um pouco do tradicional!. Com o objetivo de compreendermos se havia a exploração na escola dos conteúdos desses cursos externos, perguntamos se havia a ligação dessa formação externa com a formação interna e seus impactos sobre a mudança de concepções e práticas no grupo, onde Paula respondeu: Apesar da maioria das pessoas que trabalham comigo terem feito o curso, não vejo ainda essa conexão, trabalhamos sozinhas ou em duplas. E se realmente acontecesse essa conexão haveria uma maior aproximação entre os professores, o trabalho seria mais fácil e até menos cansativo. Como podemos constatar a partir da fala da professora, essa falta de ligação da formação externa às demandas do cotidiano, torna o trabalho docente solitário e mais penoso. Segundo Placco (2013), cabe ao coordenador pedagógico o papel de se posicionar ao lado do professor numa parceria colaborativa, conectando a formação externa, ampla e descontextualizada à formação que acontece dentro da escola, contextualizando-a, para que venha a favorecer a reflexão, a crítica e a inovação das práticas pedagógicas. Para que a formação continuada na escola se constitua nessa rede colaborativa, coordenadores, professores e gestores têm que reconhecer o espaço escolar como um espaço de formação tendo como propulsor dessa formação as necessidades que surgem do cotidiano. Partindo para a reflexão sobre a formação continuada dentro da escola e sua importância, Paula afirmou: Ano passado fizemos um curso dentro da coordenação pedagógica e foi uma oportunidade para troca de experiência com nossos colegas, e impulsionaram também uma maior aproximação e favoreceu uma reflexão sobre nosso fazer pedagógico. Buscamos estratégias para melhorar a aprendizagem dos discentes e esse ano percebemos o crescimento dos mesmos. Acredito muito quando as pessoas envolvidas buscam melhorar o seu trabalho em prol do outro. Analisando a fala da professora, percebemos que apesar dela considerar a importância da formação dentro da escola para a troca entre os pares, há o entendimento de que a formação continuada se dá apenas nos momentos de cursos oferecidos na 11 escola e não em todos os momentos planejados e organizados pelos coordenadores pedagógicos. Nesse sentido, Placco (2013) aponta que para que as escolas se constituam como espaço significativo de formação continuada, os professores devem ser considerados profissionais e não alunos, ou seja, “profissionais com uma responsabilidade social definida por sua profissão, que é ensinar” (p. 73). Os coordenadores pedagógicos devem estar cientes da sua função formadora e sua responsabilidade de impulsionar tal processo e ambos, coordenador e professor devem compreender que a escola é lócus privilegiado para a formação continuada e que essa deve vir com o objetivo de impulsionar a reflexão, a crítica, novas concepções e novas práticas pedagógicas. Refletindo a respeito da formação continuada dentro da escola, a professora Paula acredita que ela só acontecerá quando houver a “valorização da coordenação, pois muitos professores ainda não valorizam como deveria ser... espaço de trocas, crescimento, reflexão...”. Na esteira das reflexões feitas até aqui fica claro que para que a formação continuada aconteça dentro da escola pesquisada no sentido de favorecer a inovação de concepções, de práticas pedagógicas e a transformação da sociedade, ela deve ser pensada coletivamente, organizada pelos coordenadores tendo como matéria prima as necessidades e as possibilidades que brotam do cotidiano da escola. Considerações Finais No contexto da escola pesquisada, por meio da nossa observação e interação com as professoras participantes da pesquisa, percebemos que há muitos desafios a serem transpostos para que se concretize a formação continuada docente naquele espaço à partir das questões que dele surgem. Vencer esses desafios implica em transcender a concepção de escola numa perspectiva apenas reprodutora, de que formação continuada ainda é aquela que é instituída de fora para dentro transmitida por técnicos e que a construção de novas práticas se darão naturalmente a partir de cursos externos à escola. A formação continuada dentro da escola deve ser compreendida nos momentos coletivos de troca de experiência, de planejamento e de estudos organizados e implementados pelos coordenadores pedagógicos sendo valorizada por todo o coletivo. 12 Sentimos que os professores da escola em questão estão no caminho de compreender a importância de ver a escola como espaço de produção e disseminação de conhecimento elaborado. Local onde a formação é construída a partir do diagnóstico das suas necessidades e possibilita o agir profissional, oportunizando a inovação das práticas pedagógicas com o intuito de atender as necessidades reais da sociedade, indo ao encontro do ensino e da formação de sujeitos capazes de se posicionarem criticamente diante de situações que socialmente se impõem. Compreendemos que a formação que é pensada em nível macro pode contribuir com a inovação na prática do professor, mas ela tem sido pouco impactante justamente por não considerar as especificidades do ambiente, do coletivo docente, do grupo de alunos e da comunidade na qual a escola está inserida. Dessa maneira, tem se configurado na maior parte das vezes em ações mecanicistas e lineares, não trazendo os conhecimentos à contextualização. Com esse trabalho, nossa intenção enquanto pesquisadores é justamente tentar despertar no grupo, a necessidade de contextualizar conhecimentos, é suscitar questionamentos a respeito da formação continuada docente que “recebemos” e confrontá-la com a formação continuada por dentro da escola, suas perspectivas, suas possibilidades e suas limitações. Além de favorecer a clareza na visão da importância de se constituir momentos de formação no espaço no próprio espaço escolar, repensando-o, reconfigurando-o em função da aprendizagem dos alunos e da transformação da realidade que hoje vivemos. Referências bibliográficas MUNDIM, E. D. A. A constituição do sujeito coordenador pedagógico. Brasília: PPGE/UnB, 2011. Dissertação de Mestrado. NÓVOA, António. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009. PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza. A formação permanente, o papel do coordenador pedagógico e a rede colaborativa. In.: O coordenador pedagógico e a formação centrada na escola. Orgs. ALMEIDA, Laurinda Ramalho de; PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza. São Paulo: Edições Loyola, 2013. SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica. Campinas, SP: Autores Associados, 2012. TACCA, Maria Carmen Villela Rosa. Constituição da ação docente: uma análise a partir das concepções do mundo da escola e dos alunos. In: SILVA, F. de C. T. & 13 KASSAR M. de C.M, Escrita da Pesquisa em Educação no Centro-Oeste. Campo Grande-MS, Ed. Oeste, 2012. VEIGA, Ilma Passos Alencastro; QUIXADÁ VIANA, Cleide M. Q. Formação de professores: um campo de possibilidades inovadoras. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro; SILVA, Edileuza Fernandes da (Orgs.). A escola mudou. Que mude a formação de professores! Campinas, SP: Papirus, 2012. p. 13-34. i Grifo nosso. Segundo Veiga (2012), o professor “agente social” é aquele consciente da necessidade de articular dialeticamente, as diferentes dimensões da sua profissão: a científica, a técnica, a político-social, a psicopedagógica, a ética, a estética e a cultural, afim de atender às necessidades dos alunos provenientes das camadas mais pobres da população (p.21). iii Pró-Letramento é um programa de formação continuada de professores para a melhoria da qualidade de aprendizagem da leitura/escrita e matemática nos anos/séries iniciais do ensino fundamental. PNAIC - Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa é de iniciativa federal assumindo o compromisso de assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental. Para isso tem oferecido formação e bolsa para os professores alfabetizadores. ii