Grupo de Mães em Luto Relato de uma Experiência, Maria Alcida

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GRUPO DE MÃES EM LUTO: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA
Maria Alcida Aquino Freitas
Psicóloga pela PUC (Pontifícia Universidade Católica)
Especializações: em Casal, Família e Idosos, Clinica Psicanalítica do Envelhecimento pelo
Instituto Sedes Sapientiae, Psicossomática da criança (PUC),Terapia Breve
(PUC),Psicodrama (PUC), Coordenação de Grupos e Grupoterapia ( NESME-Núcleo de
Estudos em Saúde Mental) e Membro Associado Efetivo do Grupo de Estudos do NESME.
Consultório: Rua Sepetiba 854, CEP.05052000
Email: [email protected] >
Resumo:
Pretende-se neste relato de experiência refletir sobre o que aconteceu com um grupo de
mães em luto durante o processo psicoterápico. Entre as ideias ventiladas vinculam-se
conformação ou desespero, saudade ou sofrimento, assim como quais foram os recursos
que estas mães colocaram a seu serviço nesta trajetória.
Palavras-Chave: Mães em Luto, Psicoterapia, Grupo Homogêneo
Abstract
This report intends to reflect on what happened to a group of mothers in mourning during
a psychotherapeutic process. Among the ideas expressed they are linked to acceptance or
despair, longing or suffering, as well as, which were the features that these mothers put at
their service in this trajectory.
Key-Words: Homogeneous Group, Mothers in Mourning, Psychotherapy
INTRODUÇÃO
Formar um grupo terapêutico foi uma tarefa interessante, no sentido de se poder
refletir sobre grupos homogêneos, formado por mães em luto. Foram pesquisados
autores que escrevem e trabalham com grupos para poder levantar algumas
considerações.
O ser humano sempre pretendeu agrupar-se. Segundo Júlio de Mello Filho (2000,
p.29) o homem “dentro dos grupos que habita, encontra objetos, pessoas adequadas às
suas várias necessidades, modelos de identificação, vários padrões de comportamento e
de Self-objetos (objetos necessários para o desenvolvimento e preservação do Self)”.
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No grupo as pessoas reagem, respondem, manifestam-se e ressoam as formas de
se comunicar dos demais membros. Esta comunicação pode ser verbal ou não,
inconsciente, corporal, tardia ou não; a isso Siegmund Heinrich Foulkes denominou
ressonância (Mello Filho, J., 2000, p.49).
Ainda Mello Filho, escrevendo sobre esse conceito, cita o foulkiano Jorge Ponciano
Ribeiro (1981, p.107):
A ressonância, é, portanto, o processo pelo qual cada pessoa no grupo
fala e entende a mesma linguagem. Cada um a interpreta bilinguimente,
de acordo com sua especial ressonância... É, portanto, uma comunicação
inconsciente entre dois ou mais membros do grupo, é específica e seletiva
(Ribeiro, J. P., 1981, p.107).
As pessoas segundo Foulkes (Apud, Mello Filho, 2000, p.49) “tendem a reagir com
as outras, de acordo com seus padrões próprios de comportamento, personalidade,
cultura e os níveis nos quais estão fixadas, oral, anal, genital etc.” Por isso ressoam, a um
elemento ou outro do grupo. Essa é a riqueza do processo grupal.
Outra questão que o grupo oferece como favorável às mães que compuseram este
grupo em especial é o fato de que não é o passado, mas sim o presente e o amanhã que
são os monitores do processo do grupo.
Maria Rita Mendes Leal (1991, p.06) comenta:
No processo grupal os relatos estão mais orientados para o presente e o
futuro do que para o passado, uma vez que a múltipla diferenciação das
experiências relatadas leva à partilha de projetos pessoais e mobiliza
sentimentos de destino pessoal. O grupo só de vez em quando tem
ocasião para se ocupar de restituições de uma história pessoal ou da
reconstrução do passado individual.
O eixo terapêutico principal do grupo é o estabelecimento de um clima propício à
manifestação mais espontânea, mais livre dos sentimentos que transitam entre os
diferentes membros do grupo, fato que enriquece e estimula a todos, inclusive o
terapeuta.
GRUPOS HOMOGÊNEOS
A possibilidade de trabalhar com um grupo homogêneo mostra que reunir
pacientes com sofrimentos similares, compartilhados, pode resultar favorável para que se
estabeleça um processo terapêutico.
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Segundo Osório (2000, p.88), “a constituição de um grupo homogêneo quanto à
condição mórbida de seus membros poderá oferecer outro fator de similaridade com
relação à emergência de queixas ou dos conflitos vinculados a esta condição”.
Num primeiro momento este parece ser um processo que realmente contribui
para o desenvolvimento dos membros; mas, para o futuro, talvez seja possível a transição
para um grupo heterogêneo, pois a diversidade de assuntos pode abrir mais portas para
cada um de seus participantes.
Zimerman nos ensina que “assim como existe na química uma relação entre átomo
e molécula, também nas relações humanas há interação e comunicação entre os
indivíduos” (1993, p.51). O ser humano é gregário e pode se beneficiar muito com a
psicoterapia de grupo.
O grupo, no entanto, não é somente a reunião de duas ou mais pessoas. Segundo
Zimerman (1997) constitui-se como uma nova entidade, com leis e seus mecanismos, com
um objetivo em comum. No caso deste grupo, compartilhavam seus sofrimentos acerca
de perdas por morte de filhos ao longo da vida.
Ainda segundo Zimerman, “é inerente à concentração de grupo a existência entre
os seus membros de uma interação afetiva, a qual costuma ser de natureza múltipla e
variada” (1993, p.54.).
Fernandes, (2003, p.155) traz a ideia de que “o grupo é o lugar onde as palavras já
podem ser ditas, as proibições não especificadas podem ser enunciadas e pode-se abrir um
caminho novo”.
METODOLOGIA
O objetivo deste relato é buscar uma compreensão maior sobre a possibilidade em
um grupo de mães em luto, ocorrer uma evolução psíquica que faça com que possam
superar em parte o vazio deixado pela morte de um filho.
Trata-se de um grupo psicoterápico, fechado, homogêneo, composto por seis
pacientes com características semelhantes: mães em luto pela morte de seus filhos.
Esporadicamente teve-se a participação de um pai. Trata-se de mães voltadas para o lar e
aposentadas. Todas elas já haviam participado de algum processo psicoterápico individual.
A proposta e a adesão ao grupo foram aceitas por todas, como uma nova esperança de
lidar melhor com a morte de um filho, e a busca de qualidade de vida.
O grupo foi assim constituído:
Membros
Estado Civil
Família
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Perda
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“L” - 79 anos
Casada
3 filhos, 1 neto
1 filho morto em acidente
aos 16 anos
“M.J.” - 78 anos
Viúva
3 filhos, 1 neta, 1 bisneta
1 filho morto por câncer aos
52 anos
”A.” - 63 anos
Separada
2 filhos, 1 neta
1 filho morto por câncer aos
40 anos
“M.C.” - 68 anos
Casada
2 filhos, 1 neta
1 filho morto por asfixia
enquanto dormia, aos 18
anos
”M.T.” - 69 anos
Viúva
1 filho
1 natimorto
”N.” - 62 anos e seu
marido “F.” - 68 anos
Casada
3 filhos
1 filho morto por suicídio
aos 29 anos
(no grupo fez o papel
de ausente)
Este grupo teve a duração de 22 sessões, com uma sessão semanal com uma hora
e trinta minutos de duração, para cada sessão. Este grupo ocorreu em consultório
particular durante oito meses. A proposta foi de um grupo de duração prolongada, sem
data determinada para término. O grupo terminou porque houve uma melhora na
qualidade de vida e no campo emocional de cada uma. Ao longo do tempo as pacientes
foram saindo e em meados de abril decidiu-se terminar o grupo.
Adotou-se uma escuta flutuante o que permitiu perceber o que modificou e o que
permaneceu intacto nos relatos das mães.
CENAS PINÇADAS DO GRUPO
MT, “Chorei tanto durante a gravidez, que ao perceber a notícia da morte do bebê,
eu me conformei. Apenas senti um vazio muito grande quando voltei para casa sem ele.
Talvez porque não tinha com quem falar, ou pensar em outra gravidez, talvez outro filho
viesse a preencher este vazio. Mas, depois que meu outro filho nasceu o vazio continuou”.
Quando a terapeuta pergunta como está se sentindo no grupo, MT relata: “Depois
que falei, parece que perdi um peso que estava na minha cabeça, sinto-me mais aliviada”.
No decorrer das sessões MT foi esclarecendo que, desde o início da gravidez, o
médico havia levantado a hipótese de um possível aborto, pois ela havia contraído
rubéola durante a gestação. Mas, tudo ocorreu bem até duas semanas antes da data
marcada para a cesariana. Houve um acidente de carro, que provocou o trabalho de parto
e a criança nasceu morta.
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Os demais companheiros choram suavemente durante o relato e há um silêncio. As
palavras dirigidas a MT revelaram um apoio, uma compreensão para o sofrimento da
paciente, mas ao mesmo tempo dizendo que ela, desde antes do acidente, mostrava-se
temerosa e apreensiva.
Segundo Bromberg (1994, p.40) “no caso de pais com filhos que tenham
diagnóstico de doença fetal, o enlutamento pode ter início a partir da informação do
diagnóstico”. Parece que assim foi o processo que acompanhou MT, sempre pensando na
perda, mas, ao mesmo tempo, no fundo uma esperança de tudo dar certo.
Em outro momento, L conta de um acidente que matou seu filho e sua sogra,
deixando seu marido na UTI, com perigo de vida, e ela desmaiada. “Acordei no hospital
com um médico do meu lado e perguntei: o que havia acontecido? O médico disse-me
que eu havia sofrido um acidente, meu filho tinha morrido, minha sogra também e meu
marido na UTI entre a vida e a morte. Assim que o médico me falou, desmaiei. Quando
acordei não lembrava do acidente, só alguns dias depois é que consegui lembrar”.
A terapeuta percebendo suas lágrimas e seu sofrimento pergunta se quer falar
mais sobre o assunto. Começa a falar novamente, descrevendo o caso.
Quando perguntam há quanto tempo o fato tinha ocorrido, fica pensativa, faz
umas contas, recorda tempos antigos e diz: faz 37 anos.
O grupo se manifesta dizendo que achavam que o acidente fosse mais recente. Ou
mesmo que acabara de acontecer. Quando questionada sobre o tempo ocorrido até os
dias de hoje e como se sentia, L se diz aliviada, não estava sentindo mais tanta aflição. Na
verdade, ela não falava nunca no assunto durante o processo. L pode falar de sua dor,
pode ser ouvida e reconhecida.
Segundo Käes
Só é possível resolver certas situações de crise, realizando um trabalho de
elaboração psíquica grupal, pois segundo ele, o grupo tem a capacidade
de ser uma espécie de albergue psíquico, com a função de ser essa
psique, ou mesmo acolhendo e hospitalizando suas partes enfermas,
possibilitando o surgimento de algo que não se constituiu ((Käes ,R. in:
Fernandes,2003, pp:154-5)
L falta oito sessões, e na décima retorna ao grupo contando que foi ao oculista, e
que está perdendo a visão. Está com risco de cegueira, não pode mais dirigir e andar só.
Deixa o grupo para tratar do novo problema.
MJ foi ao grupo por ser portadora de um quadro depressivo. Fazia tratamento
psiquiátrico. Chorava muito e esquecera partes de seu passado.
No grupo quando lhe perguntaram algo de seu passado, como o lugar onde
nasceu, sua família etc., de nada lembrava.
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Quando lhe mostraram alguns objetos da sala (coisas antigas de decoração,
candeeiro a petróleo, ferro de passar roupas à brasa, velas), MJ sorri e fala: ”Na casa de
minha mãe lá no Nordeste usávamos estas coisas”.
A partir do momento que se sentiu ancorada pelo grupo começou a resgatar
partes de sua memória. No decorrer do processo pode falar de sua infância e do câncer
que matou seu filho. Foram dois anos de sofrimento e passou a contar sua história aos
poucos.
Com a lembrança dos objetos de decoração MJ pode reconhecer partes de sua
memória, dialogar com as colegas sobre outros assuntos e brincar. Segundo Oliveira,
referindo-se ao conceito de brincar winnicotiano (Oliveira, 2003, p.158):
O brincar permite que o paciente experimente nesse espaço protegido,
outras respostas, outros modos de reagir, deixando de lado alguns
estereótipos, alguns padrões conhecidos de comportamentos ou
pensamentos, possibilitando novos entendimentos e, por conseguinte,
novas semantizações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste relato, como dito anteriormente, foi buscar uma compreensão
maior sobre a possibilidade de, em um grupo de mães em luto, ocorrer uma evolução
psíquica que faça com que possam superar em parte o vazio deixado pela morte de um
filho. Parte dessa superação foi alcançada.
O estudo desses meses de funcionamento do grupo revelou de maneira geral o
que ocorreu:
- maior adesão à vida, pois praticamente todas puderam falar de planos.
- manejo mais adequado de suas dificuldades e lembranças.
- aumento da autoestima.
- diferenciação de sentimentos.
- maior clareza de suas angústias.
Esse grupo foi um grupo diferenciado. Formou-se com mães unidas pelo mesmo
sofrimento, todas vivendo o luto de seus filhos. Pode-se postular que houve interação
entre os membros, com desentendimentos, diferenças, silêncios, tristezas, perspectivas
futuras e cooperação.
O vínculo se fez presente na interação e coesão grupal, e no resgate do tempo do
trauma, aproximando esse tempo para o tempo presente. Essas mães puderam encontrar
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novas posturas de convivência e trato. Apoderaram-se de seus recursos internos e os
colocaram a seu serviço.
Esse objetivo foi observado no presente, frente às mudanças de percurso
percebidas em cada mãe. Também a mãe ausente se mostrou formando vínculo com o
grupo, quando se preocupou em enviar recados justificando sua ausência, e mostrando
seu desejo de participar de outro grupo que venha a ser formado.
Os planos de MJ nas primeiras sessões deram lugar ao resgate de sua memória,
tendo como disparador, objetos de sua infância. As lembranças que se encontravam
adormecidas foram resgatadas, podendo assim unir o espaço do trauma perdido no
tempo.
Na mãe L, ocorreu um movimento de resgate do tempo, quando é motivada a
fazer as contas do trauma de quando ocorreu o acidente que matou seu filho, para o
tempo presente.
Puderam viver seu sofrimento, suas angústias, tolerar a incerteza e poder planejar
algo para o futuro. Embora a dor da perda não tenha um nome como, disse Maria Eugenia
Azevedo (2010) em seu livro, foi com essa dor mencionada nas sessões grupais que o
grupo pode ajudar a significar algo para um dos membros participantes. Mesmo sem
nome puderam crescer com o entendimento e superação.
Na proposta de formação de um grupo com mães em luto pela morte de seus
filhos, pretendia-se amenizar o sofrimento na interação entre elas. No grupo elas podem
falar de seu sentir e sabem que estão sendo olhadas, ouvidas e que estão partilhando a
mesma dor.
A exemplo da psicóloga citada, que escreveu o livro “A dor que não tem nome”
narrando a sua própria dor de mãe ao descrever a sua trajetória após a morte do filho
Eduardo, aos 16 anos, com o objetivo de levar a outras mães que estão passando pela
mesma dor da perda, uma leitura amiga que as conforte. Ela postula que “quando se
perde um pai ou mãe, ficamos órfãos, quando morre marido ou esposa, ficamos viúvo/a.
Mas quando se perde um filho a dor é tamanha que o mundo não inventou um nome”
(Azevedo, 2010, p.16).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Azevedo, M.E. (2010). A Dor Que Não Tem Nome. (Ed.) Avé-Maria (3ª Ed.), São Paulo:
Brasil.
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Bromberg, M.H.P.F. (1994). A Psicoterapia em Situação de Perdas e Lutos. Ed. Psy II,
Campinas: Brasil.
Fernades, W.J. (2003). Aparelho Psíquico Grupal e Ancoragem: a contribuição de René
Kaës. In: Fernandes, W.J.; Svartman, B.; Fernandes, B.S. Grupos e Configurações
Vinculares. (Ed. Artmed), Porto Alegre: Brasil.
Leal, M.R.M. (1991). Comentários à Palestra “Vicissitudes do processo comunicativo do
grupo e no grupo”. Anais do Iº Encontro de Grupanálise, Psicoterapia de Grupo e Saúde
Mental de Língua Portuguesa. (Ed.) FLAPAG/NESME/UNICAMP/SPGA/SBPP/IMES, São
Paulo: Brasil.
Oliveira, N.M.F. (2003). Espaço grupal: uma área de experimentação. In: Fernandes, W.J.;
Svartman, B.; Fernandes, B.S. Grupos e Configurações Vinculares. (Ed. Artmed), Porto
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Zimmeran, D.E. (1993). Fundamentos Básicos das Grupoterapias. (Ed. Artmed), Porto
Alegre: Brasil.
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