PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0049872-52.2010.4.01.3400/DF RELATÓRIO A EXMA. SRA. CLEMÊNCIA MARIA ALMADA LIMA DE ÂNGELO (RELATORA CONVOCADA):Trata-se de apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 66/69), contra a r. decisão de fls. 60/62 que indeferiu pedido de proibição de veiculação de carta com suposto conteúdo ofensivo e criminoso em sítios de busca da internet. Em defesa de sua pretensão, alegou o Ministério Público Federal que: 1) “(...) conforme documentação em anexo, foi dado provimento por unanimidade ao Recurso em Sentido Estrito, entendendo esse E. Tribunal Regional Federal, diversamente do juízo a quo, pela existência a princípio de elementos que indiquem a prática delituosa no ato de difundir indiscriminadamente, através de correio eletrônico institucional, a carta intitulada ‘Maracutaia Beneficia Filha de Ministro do STJ’, a vários servidores do Superior Tribunal Federal. Assim, diante do recebimento da denúncia e, por consequência, do reconhecimento da existência de elementos da possível configuração do crime, e considerando ainda que diversos ‘sites’ têm veiculado a notícia caluniosa na rede mundial de computadores, conforme ressaltado pelo Parquet em fls. 13 e comprovado pela documentação de fls. 15/57, entende o Ministério Público Federal pela necessidade da determinação de proibição da veiculação da supracitada carta, com o fim de cessar a continuidade delitiva, reiterando, portanto, o pedido de fls. 13, ‘b’, para que se oficie aos provedores, sites de busca e, inclusive ao Comitê Gestor de internet no Brasil de forma a se efetivar o bloqueio de tal conteúdo” (fls. 68/69); Contrarrazões às fls. 80/87, oportunidade em que o apelado pugnou “(...) pela exclusão da Dra. Cláudia Soares Ribeiro do presente feito, bem como pela total improcedência do recurso manejado às fls. 66/69 pelo Ministério Público Federal” (fl. 87). Vindo os autos a este Tribunal Regional Federal, o Ministério Público Federal, na condição de fiscal da lei, ofereceu parecer de fls. 104/106, opinando pelo provimento do recurso. É o relatório. CLEMÊNCIA MARIA ALMADA LIMA DE ÂNGELO Juíza Federal (Relatora Convocada) TRF 1ª REGIÃO/IMP.15-02-05 Criado por tr82003 D:\841070615.doc PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO fls.2/10 APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0049872-52.2010.4.01.3400/DF VOTO A EXMA. SRA. CLEMÊNCIA MARIA ALMADA LIMA DE ÂNGELO (RELATORA CONVOCADA):Por vislumbrar presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do presente recurso de apelação. Ressalte-se, preliminarmente, que a Quarta Turma deste Tribunal Regional Federal, na sessão de 09/11/2010, por unanimidade, acompanhando a MM. Juíza Federal Rosimayre Gonçalves de Carvalho (convocada), deu provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal, para receber a denúncia relativa ao inquérito que teria dado origem à presente medida assecuratória. Naquele processo, contudo, os fatos referem-se a divulgação em e-mail, enquanto a presente medida refere-se a notícias em sítios de internet. Assim, a presente medida deve estar desvinculada do inquérito que deu origem aquela ação, devendo vincular-se inquérito desmembrado especifico, conforme requerido pelo MPF. Assim, excluo a apelada Cláudia Soares Ribeiro do pólo passivo da presente relação jurídico processual (medida assecuratória), por lhe faltar legitimidade para impedir a veiculação, na rede mundial de computadores, da matéria que se aponta como ofensiva. No mérito, verifica-se que juíza indeferiu o pedido de proibição de veiculação de noticias na rede mundial de computadores, com base nos que nos seguintes termos: “(...) 6. De início, registro que este Juízo expressamente reconheceu a prejudicialidade dos pedidos formulados na decisão que rejeitou a queixa-crime ofertada. Nada obstante, ante a restituição dos autos, examino os pedidos. 7. O pedido ressente-se de amparo legal. 8. É que não há fundamentos jurídicos suficientes para a determinação de proibição de veiculação de conteúdo a sitio da rede mundial de computadores – internet. 9. Com efeito, assim como afirmei na decisão que rejeitou a denúncia anteriormente apresentada, para haver conduta penalmente relevante tem que existir um mínimo de prova da conduta dolosa, com ânimo de difamar. Sendo assim, a mera hospedagem de sítio (como a veiculação do e-mail) com a da vinculação da carta, também não se subsume, por si só, aos tipos descritos nos artigos 138 e 139 do Código Penal na medida em que a conduta ressente-se do dolo específico dos tipos traduzidos na vontade livre e consciente deliberada de caluniar, injuriar e difamar. 10. Destarte, este procedimento instaurado como desdobramento do anterior, encontra-se ainda na fase de mero inquérito policial, na qual deve-se apurar a autoria da Carta e as investigações não foram ainda retomadas. A medida pleiteada TRF 1ª REGIÃO/IMP.15-02-05 D:\841070615.doc PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO fls.3/10 APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0049872-52.2010.4.01.3400/DF pode até barrar as investigações, obstando, inclusive, o conhecimento de quem é o autor intelectual da Carta. 11. Além disso, trata-se de decisão com elevada potencialidade para a inocuidade diante do caráter rotativo, renovador e disseminador da rede de computação. A proibição de um sítio possivelmente conduz à criação de outros com idêntico conteúdo. Sem falar nos sítios e mecanismos de busca hospedados fora do território nacional que não podem ser alcançadas por decisão deste Juízo. 12. Ademais, não há que se falar em urgência na medida pleiteada, não há fato novo desde que o e-mail, contendo o teor da cogitada carta, foi repassado no ano de 2005, sendo os fatos investigados de domínio público e notório. 13. Por tais razões, INDEFIRO o pedido de proibição de veiculação de conteúdo formulado pelo Ministério Público Federal” (fl. 61/62). Quanto ao mérito, com a devida licença dos que eventualmente se posicionem sem sentido contrário, vislumbra-se que a decisão ora impugnada não merece ser mantida. A internet, como qualquer meio de informações, está sujeito às mesmas normas dos demais meios de comunicação. Quanto à possível inocuidade da medida, assim como a provável replicação de sítios com o mesmo teor de conteúdo ofensivo, não é impeditivo de que sejam extirpadas, desde já, as noticias encontradas nos sítios apontados pelo MPF. Além disso, a impossibilidade técnica de operacionalização da pretensão ainda não esta delineada nos autos, cabendo aos provedores e comitê de gestão informar as ações não concretizáveis. A esse respeito, deve ser ressaltado o entendimento adotado pelo eminente Ministro Fernando Gonçalves (relator), por ocasião do julgamento do REsp nº 1.021.987/RN, do qual, por elucidativo, extraio o seguinte excerto: “Os denominados ‘provedores de internet’ são pessoas físicas ou jurídicas que exercem diversas funções no âmbito da rede mundial de computadores. A partir do tipo de atividade desenvolvida podem ser divididos em provedores de acesso, provedores de serviços e provedores de conteúdo. Os provedores de serviços são responsáveis, por exemplo, pelos serviços de correio eletrônico, hospedagem de páginas eletrônicas e chave de busca, Dentre esses, o que nos interesse para a compreensão do tema em debate, é a hospedagem de páginas eletrônicas, que incluem, no mais das vezes, a disponibilização de ferramentas para o usuário produzir uma página e o fornecimento de espaço para armazenamento dos dados criados. Na espécie, ingressa a autora com pedido de antecipação de tutela requerendo seja retirada da rede mundial página eletrônica de conteúdo ofensivo a sua imagem e a sua honra, criada por usuário, até então anônimo. O pedido é provido, sendo condenada a recorrente a cumprir a determinação, sob pena de multa diária. (...) TRF 1ª REGIÃO/IMP.15-02-05 D:\841070615.doc PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO fls.4/10 APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0049872-52.2010.4.01.3400/DF Cumpre ressaltar, ainda, que à recorrente foi determinada a retirada da página causadora de dano à imagem da recorrida, mas no caso de impossibilidade técnica, foi estabelecido que adotasse os procedimentos necessários junto à Yahoo! Inc. (sua controladora) para alcançar o mesmo fim, não lhe auxiliando, portanto, a argumentação no sentido de que não tem capacidade técnica para cumprir o quanto determinado” Não se pode ignorar, ainda, o asseverado pelo d. Ministério Público Federal, em parecer da lavra do eminente Procurador Regional da República, Dr. Francisco Marinho, no excerto abaixo transcrito e que, pela propriedade da análise perpetrada, acrescento como razões de decidir, no qual considerou, verbis: “Cumpre salientar e assim reforçar, a que a persecução criminal, no que tange a CLÁUDIA, não merece continuar, pois não há elementos que a justifique. Entretanto, deve continuar o inquérito policial para apurar a autoria do crime. Este órgão ministerial teve notícia de que as condutas delituosas não cessaram até a presente data. Pelo contrário, diversos ‘sites’ têm veiculado a notícia caluniosa na rede mundial de computadores, conforme documentação anexa. Vislumbra-se, portanto, a necessidade de continuar as investigações, no sentido de se buscar os autores do crime em tela, a fim de evitar maiores prejuízos. A retirada do conteúdo ofensivo da Web visa cessar a disseminação de notícias infundadas. Na pior das hipóteses, frear este fenômeno, pois como bem observado pela Douta Magistrada a quo, em sua Decisão de Fls. 60 a 62, ‘a proibição de um sítio possivelmente conduz à criação de outros com idêntico conteúdo.’ Dessa forma, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL se manifesta pelo PROVIMENTO1 da Apelação, de modo a proibir a veiculação da carta titulada ‘Maracutaia Beneficia Filha de Ministro do STJ’, oficiando-se aos provedores, sites de busca e, inclusive, ao Comitê Gestor da Internet no Brasil de forma que cesse a prática criminosa veiculada em documento de conteúdo ofensivo e criminoso, nos termos do requerimento, anteriormente, feito pelo MPF e deferido pelo juízo a quo” (fls. 105/106). Assim, conforme o noticiado pelo d. Ministério Público Federal, no excerto acima transcrito, constata-se que a notícia que se aponta como caluniosa continua sendo veiculada em sítios da internet, razão pela qual deve ser determinado aos provedores, sites de busca e, ao Comitê Gestor da Internet no Brasil que cessem a veiculação da notícia que ora se aponta como ofensiva e criminosa, tendo em vista que a “remota possibilidade de evitar o dano” não é justificativa para impedir a ordem de cessar a notícia ofensiva. Não há também de se falar, outrossim, que tal determinação poderia vir a implicar em afronta ao princípio da liberdade de expressão, pois o egrégio Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADPF nº 130, reconheceu a supremacia da liberdade de informação jornalística, como expressão da liberdade de imprensa. Porém, como mecanismo constitucional à calibração de tal princípio, reconheceu a 1 001 – PROVIMENTO. ATUAÇÃO DO MP COMO CUSTUS LEGIS. Jan Danicki TRF 1ª REGIÃO/IMP.15-02-05 D:\841070615.doc PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO fls.5/10 APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0049872-52.2010.4.01.3400/DF aplicabilidade dos seguintes incisos do art. 5º da Constituição Federal: vedação do anonimato; direito de resposta; direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas; livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; direito ao resguardo do sigilo da fonte informação, quando necessário ao exercício profissional. Por pertinente, transcrevo excerto extraído da ementa da acima mencionada ADPF 130: “EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA. ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. REGIME CONSTITUCIONAL DA "LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA", EXPRESSÃO SINÔNIMA DE LIBERDADE DE IMPRENSA. A "PLENA" LIBERDADE DE IMPRENSA COMO CATEGORIA JURÍDICA PROIBITIVA DE QUALQUER TIPO DE CENSURA PRÉVIA. A PLENITUDE DA LIBERDADE DE IMPRENSA COMO REFORÇO OU SOBRETUTELA DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. LIBERDADES QUE DÃO CONTEÚDO ÀS RELAÇÕES DE IMPRENSA E QUE SE PÕEM COMO SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE E MAIS DIRETA EMANAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO PROLONGADOR DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. TRANSPASSE DA FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS PROLONGADOS AO CAPÍTULO PROLONGADOR. PONDERAÇÃO DIRETAMENTE CONSTITUCIONAL ENTRE BLOCOS DE BENS DE PERSONALIDADE: O BLOCO DOS DIREITOS QUE DÃO CONTEÚDO À LIBERDADE DE IMPRENSA E O BLOCO DOS DIREITOS À IMAGEM, HONRA, INTIMIDADE E VIDA PRIVADA. PRECEDÊNCIA DO PRIMEIRO BLOCO. INCIDÊNCIA A POSTERIORI DO SEGUNDO BLOCO DE DIREITOS, PARA O EFEITO DE ASSEGURAR O DIREITO DE RESPOSTA E ASSENTAR RESPONSABILIDADES PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA, ENTRE OUTRAS CONSEQUÊNCIAS DO PLENO GOZO DA LIBERDADE DE IMPRENSA. PECULIAR FÓRMULA CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO A INTERESSES PRIVADOS QUE, MESMO INCIDINDO A POSTERIORI, ATUA SOBRE AS CAUSAS PARA INIBIR ABUSOS POR PARTE DA IMPRENSA. PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E MATERIAIS A TERCEIROS. RELAÇÃO DE MÚTUA CAUSALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA COMO INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E COMO TRF 1ª REGIÃO/IMP.15-02-05 D:\841070615.doc PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO fls.6/10 APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0049872-52.2010.4.01.3400/DF ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS FATOS. PROIBIÇÃO DE MONOPOLIZAR OU OLIGOPOLIZAR ÓRGÃOS DE IMPRENSA COMO NOVO E AUTÔNOMO FATOR DE INIBIÇÃO DE ABUSOS. NÚCLEO DA LIBERDADE DE IMPRENSA E MATÉRIAS APENAS PERIFERICAMENTE DE IMPRENSA. AUTORREGULAÇÃO E REGULAÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE DE IMPRENSA. NÃO RECEPÇÃO EM BLOCO DA LEI Nº 5.250/1967 PELA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA. ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. (...) 2. REGIME CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE IMPRENSA COMO REFORÇO DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO EM SENTIDO GENÉRICO, DE MODO A ABARCAR OS DIREITOS À PRODUÇÃO INTELECTUAL, ARTÍSTICA, CIENTÍFICA E COMUNICACIONAL. A Constituição reservou à imprensa todo um bloco normativo, com o apropriado nome "Da Comunicação Social" (capítulo V do título VIII). A imprensa como plexo ou conjunto de "atividades" ganha a dimensão de instituição-ideia, de modo a poder influenciar cada pessoa de per se e até mesmo formar o que se convencionou chamar de opinião pública. Pelo que ela, Constituição, destinou à imprensa o direito de controlar e revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da própria sociedade. A imprensa como alternativa à explicação ou versão estatal de tudo que possa repercutir no seio da sociedade e como garantido espaço de irrupção do pensamento crítico em qualquer situação ou contingência. Entendendo-se por pensamento crítico o que, plenamente comprometido com a verdade ou essência das coisas, se dota de potencial emancipatório de mentes e espíritos. O corpo normativo da Constituição brasileira sinonimiza liberdade de informação jornalística e liberdade de imprensa, rechaçante de qualquer censura prévia a um direito que é signo e penhor da mais encarecida dignidade da pessoa humana, assim como do mais evoluído estado de civilização. 3. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO PROLONGADOR DE SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE QUE SÃO A MAIS DIRETA EMANAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: A LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E O DIREITO À INFORMAÇÃO E À EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. TRANSPASSE DA NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS PROLONGADOS AO CAPÍTULO CONSTITUCIONAL SOBRE A COMUNICAÇÃO SOCIAL. O art. 220 da Constituição radicaliza e alarga o regime de plena liberdade de atuação da imprensa, porquanto fala: a) que os mencionados direitos de personalidade (liberdade de pensamento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação; b) que tal exercício não se TRF 1ª REGIÃO/IMP.15-02-05 D:\841070615.doc PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO fls.7/10 APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0049872-52.2010.4.01.3400/DF sujeita a outras disposições que não sejam as figurantes dela própria, Constituição. A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou consequência do pleno gozo das primeiras. A expressão constitucional ‘observado o disposto nesta Constituição’ (parte final do art. 220) traduz a incidência dos dispositivos tutelares de outros bens de personalidade, é certo, mas como consequência ou responsabilização pelo desfrute da ‘plena liberdade de informação jornalística’ (§ 1º do mesmo art. 220 da Constituição Federal). Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica. Silenciando a Constituição quanto ao regime da internet (rede mundial de computadores), não há como se lhe recusar a qualificação de território virtual livremente veiculador de ideias e opiniões, debates, notícias e tudo o mais que signifique plenitude de comunicação. 4. MECANISMO CONSTITUCIONAL DE CALIBRAÇÃO DE PRINCÍPIOS. O art. 220 é de instantânea observância quanto ao desfrute das liberdades de pensamento, criação, expressão e informação que, de alguma forma, se veiculem pelos órgãos de comunicação social. Isto sem prejuízo da aplicabilidade dos seguintes incisos do art. 5º da mesma Constituição Federal: vedação do anonimato (parte final do inciso IV); do direito de resposta (inciso V); direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII); direito ao resguardo do sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profissional (inciso XIV). Lógica diretamente constitucional de calibração temporal ou cronológica na empírica incidência desses dois blocos de dispositivos constitucionais (o art. 220 e os mencionados incisos do art. 5º). Noutros termos, primeiramente, assegura-se o gozo dos sobredireitos de personalidade em que se traduz a ‘livre’ e ‘plena’ manifestação do pensamento, da criação e da informação. Somente depois é que se passa a cobrar do titular de tais situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais alheios, ainda que também densificadores da personalidade humana. Determinação constitucional de momentânea paralisia à inviolabilidade de certas categorias de direitos subjetivos fundamentais, porquanto a cabeça do art. 220 da Constituição veda qualquer cerceio ou restrição à TRF 1ª REGIÃO/IMP.15-02-05 D:\841070615.doc PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO fls.8/10 APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0049872-52.2010.4.01.3400/DF concreta manifestação do pensamento (vedado o anonimato), bem assim todo cerceio ou restrição que tenha por objeto a criação, a expressão e a informação, seja qual for a forma, o processo, ou o veículo de comunicação social. Com o que a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de imprensa. (...)” (STF, ADPF 130, Relator Ministro Carlos Britto, Tribunal Pleno, julgado por maioria em 30/04/2009, publicado no DJe de 06/11/2009 p. 00020) É o caso dos presentes autos, uma vez que, apesar de ser assegurada a liberdade de expressão, em contrapartida é vedado o anonimato. Dessa forma, uma vez que a teor do noticiado pelo d. Ministério Público Federal, a notícia que se aponta como ofensiva continua sendo veiculada em sítios da internet, impõe-se seja determinado aos provedores, sites de busca e ao Comitê Gestor da Internet no Brasil que cessem a veiculação da notícia que ora se aponta como ofensiva e criminosa. Sobre essa questão, ademais, merece destaque o precedente jurisprudencial do egrégio Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa vai abaixo transcrita: “PROCESSUAL CIVIL. ORKUT. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BLOQUEIO DE COMUNIDADES. OMISSÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. INTERNET E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ASTREINTES. ART. 461, §§ 1º e 6º, DO CPC. INEXISTÊNCIA DE OFENSA. 1. Hipótese em que se discutem danos causados por ofensas veiculadas no Orkut, ambiente virtual em que os usuários criam páginas de relacionamento na internet (= comunidades) e apõem (= postam) opiniões, notícias, fotos etc. O Ministério Público Estadual propôs Ação Civil Pública em defesa de menores – uma delas vítima de crime sexual – que estariam sendo ofendidas em algumas dessas comunidades. 2. Concedida a tutela antecipada pelo Juiz, a empresa cumpriu as determinações judicias (exclusão de páginas, identificação de responsáveis), exceto a ordem para impedir que surjam comunidades com teor semelhante. 3. O Tribunal de Justiça de Rondônia reiterou a antecipação de tutela e, considerando que novas páginas e comunidades estavam sendo geradas, com mensagens ofensivas às mesmas crianças e adolescentes, determinou que o Google Brasil as impedisse, sob pena de multa diária de R$ 5 mil, limitada a R$ 500 mil. 4. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC. No mérito, o Google impugna a fixação das astreintes, suscitando ofensa ao art. 461, §§ 1º e 6º, do CPC ao argumento de sua ineficácia, pois seria inviável, técnica e humanamente, impedir de maneira prévia a criação de novas TRF 1ª REGIÃO/IMP.15-02-05 D:\841070615.doc PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO fls.9/10 APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0049872-52.2010.4.01.3400/DF comunidades de mesma natureza. No mais, alega que vem cumprindo as determinações de excluir as páginas indicadas pelo MPE e identificar os responsáveis. 5. A internet é o espaço por excelência da liberdade, o que não significa dizer que seja um universo sem lei e infenso à responsabilidade pelos abusos que lá venham a ocorrer. 6. No mundo real, como no virtual, o valor da dignidade da pessoa humana é um só, pois nem o meio em que os agressores transitam nem as ferramentas tecnológicas que utilizam conseguem transmudar ou enfraquecer a natureza de sobreprincípio irrenunciável, intransferível e imprescritível que lhe confere o Direito brasileiro. 7. Quem viabiliza tecnicamente, quem se beneficia economicamente e, ativamente, estimula a criação de comunidades e páginas de relacionamento na internet é tão responsável pelo controle de eventuais abusos e pela garantia dos direitos da personalidade de internautas e terceiros como os próprios internautas que geram e disseminam informações ofensivas aos valores mais comezinhos da vida em comunidade, seja ela real, seja virtual. 8. Essa co-responsabilidade – parte do compromisso social da empresa moderna com a sociedade, sob o manto da excelência dos serviços que presta e da merecida admiração que conta em todo mundo – é aceita pelo Google, tanto que atuou, de forma decisiva, no sentido de excluir páginas e identificar os gângsteres virtuais. Tais medidas, por óbvio, são insuficientes, já que reprimir certas páginas ofensivas já criadas, mas nada fazer para impedir o surgimento de outras tantas, com conteúdo igual ou assemelhado, é, em tese, estimular um jogo de Tom e Jerry, que em nada remedia, mas só prolonga, a situação de exposição, de angústia e de impotência das vítimas das ofensas. 9. O Tribunal de Justiça de Rondônia não decidiu conclusivamente a respeito da possibilidade técnica desse controle eficaz de novas páginas e comunidades. Apenas entendeu que, em princípio, não houve comprovação da inviabilidade de a empresa impedi-las, razão pela qual fixou as astreintes. E, como indicado pelo Tribunal, o ônus da prova cabe à empresa, seja como depositária de conhecimento especializado sobre a tecnologia que emprega, seja como detentora e beneficiária de segredos industriais aos quais não têm acesso vítimas e Ministério Público. 10. Nesse sentido, o Tribunal deixou claro que a empresa terá oportunidade de produzir as provas que entender convenientes perante o juiz de primeira instância, inclusive no que se refere à impossibilidade de impedir a criação de novas comunidades similares às já bloqueadas. 11. Recurso Especial não provido”. TRF 1ª REGIÃO/IMP.15-02-05 D:\841070615.doc PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO fls.10/10 APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0049872-52.2010.4.01.3400/DF (STJ, REsp 1117633/RO, Relator Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado por unanimidade em 09/03/2010, publicado no DJe de 26/03/2010). Verifica-se, dessa forma, data venia de entendimento em contrário, que a medida pretendida deve ser deferida, a fim de cessar a disseminação da notícia veiculada na carta titulada “Maracutaia Beneficia Filha de Ministro do STJ”, nos termos requeridos pelo Ministério Público Federal. Determino a exclusão de Claudia Soares Ribeiro da medida assecuratória, que deve ficar atrelada a inquérito distinto, relativo aos fatos aqui mencionados. Diante disso, dou provimento à apelação criminal. É o voto. CLEMÊNCIA MARIA ALMADA LIMA DE ÂNGELO Juíza Federal (Relatora Convocada) TRF 1ª REGIÃO/IMP.15-02-05 D:\841070615.doc