O uso do hífen segundo o Acordo Ortográfico

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O uso do hífen segundo o Acordo Ortográfico
Sistematização feita por Roberto Sarmento Lima
De uso controvertido desde sempre, o emprego do hífen, mesmo com as
novas regras definidas pelo recente Acordo Ortográfico, continua criando
dificuldades para a compreensão do usuário da língua portuguesa. Assim, pensei,
neste documento, disciplinar tal uso, procurando sistematizar essa questão de forma
mais clara e didática.
Para tal propósito, dividirei a discussão do seu emprego em duas etapas, sob
os seguintes rótulos gerais: (1) Usa-se o hífen; e (2) Não se usa o hífen. Em cada
seção, aparecem exemplos e, às vezes, algumas justificativas consideradas
necessárias ao esclarecimento dos tópicos apresentados. Vejamos:
1. USA-SE O HÍFEN:
1.1.
Continua a ser usado o hífen em casos de composição por justaposição.
Note-se que, nesse caso específico, não entra em questão a derivação
como processo formador de palavras, com seus prefixos e falsos prefixos
— situação que, aliás, exige outra compreensão —, mas tão-somente os
termos compostos.
Desse modo, persiste o hífen em palavras compostas formadas por:
1.1.1. substantivo + substantivo: pombo-correio; médico-cirurgião; tenentecoronel; decreto-lei; arco-íris; turma-piloto; ano-luz
1.1.2. substantivo + adjetivo: amor-perfeito; guarda-noturno; cajá-mirim; obraprima; capitão-mor; conta-corrente; erva-doce
1.1.3. adjetivo + adjetivo: azul-escuro; russo-americano; político-social
1.1.4. adjetivo com forma reduzida + adjetivo: ítalo-brasileiro (italiano e
brasileiro); hispano-americano (hispânico e americano); luso-brasileiro
(lusitano e brasileiro); afro-asiático (africano e asiático); afro-lusitano
(africano e lusitano)
1
1.1.5.
1.1.6.
1.1.7.
1.1.8.
Observação: Interessante notar que o composto “afrodescendente”, que
aparentemente se encaixa na regra deste item, continua do mesmo jeito, sem
hífen. É que, nesse caso, a redução de “africano” (“afro”) não indica duas
etnias, como em “afro-asiático” ou em “afro-lusitano”, querendo apenas dizer
que certo indivíduo descende de africano. O termo “afro” aí age
adjetivamente. Da mesma forma e pela mesma razão elimina-se o hífen em
“eurocomunista” ou em “francofilia” (ao contrário de “euro-africano” e de
“franco-russo”, em que aparecem nitidamente duas nacionalidades ou duas
etnias).
numeral + substantivo: primeiro-ministro; primo-infecção; segunda-feira
verbo + substantivo: conta-gotas; guarda-roupa; toca-discos; finca-pé
substantivos unidos por preposição: pé-de-moleque; pão-de-ló; mão-deobra
Observação: Aqui, no item 1.1.7, a persistência do hífen é necessária, pois
serve para fazer a distinção entre, por exemplo, o doce conhecido como “péde-moleque”, resultado lexical de matiz metafórico e já gramaticalizado, e o
pé de um menino chamado pelas pessoas de moleque, “pé de moleque”.
Nessa segunda situação são permitidas a inclusão de termo, como se pode ver
em “pé grande de moleque”, ou a transformação da preposição “de” em uma
contração, como em “pé daquele moleque” ou “pé do moleque”, o que
evidencia não se tratar de composto.
verbos ou substantivos repetidos: quero-quero; ruge-ruge; ruge-ruge; ticotico
Observações gerais:
1. Nada mudou em relação ao que era, antes do Acordo, nos oito casos acima
explicitados.
2. Não aparece aí nenhum prefixo; trata-se só de termos — de base nominal,
adjetival, numeral ou verbal — formados pelo processo de composição por
justaposição. E a justaposição de palavras, sem incluir jamais prefixos ou
falsos prefixos, é que determina, salvo algumas exceções, que as palavras do
conjunto se separem por hífen.
3. Em sua maior parte, as palavras unidas pelo hífen têm plena autonomia na
língua, podendo encontrar-se separadamente em contextos verbais diversos e
com sentidos variados: “Vou na quinta à escola, e não no sábado”; “Dê-me a
terça parte do que arrecadar”; “O pombo voa”; “O pão está bom”; “A
infecção durou muito tempo”; “O americano curte muito o Brasil”; “O
guarda me parou na rua”; “Ele guarda tudo nos armários”; “Quero água”;
“A obra que você escreveu é sofrível”; “O médico é bom nos seus
diagnósticos” etc.
4. Chama atenção, no Acordo, entretanto, que palavras como “manda-chuva” e
“pára-quedas” (item 1.1.6) perderam extraordinariamente o hífen, passando a
grafar-se “mandachuva” e “paraquedas”. Da mesma forma, as antigas formas
2
“pára-lama”, “pára-choque” e “pára-vento” passaram a “paralama”,
“parachoque” e “paravento”. (O conjunto musical, liderado por Herbert
Vianna, terá de se ajustar à nova regra, passando a grafar “Paralamas do
sucesso”. Ou, por ser uma marca, já era grafado assim e assim deverá se
manter, à revelia das alterações gráficas?) Alegam os gramáticos que tais
compostos perderam a noção de composição. Pode-se, no entanto, perguntar:
e por que perderam? E, a ser assim, por que “guarda-chuva” ou “para-brisa”
continuam a ter o hífen? Trata-se de uma inconsistência do Acordo
Ortográfico.
5. Fato que também chama atenção — por não ter sido resolvido pelo Acordo
— é que convivem, lado a lado, as chamadas locuções substantivas, adjetivas,
adverbiais e prepositivas, às vezes com hífen, às vezes sem ele, havendo até
desacordo entre os melhores dicionaristas do país. Por exemplo, o dicionário
Aurélio grafa “dona-de-casa”, com hifens, enquanto o Houaiss registra “dona
de casa”, sem hifens. Dentro desse capítulo escrevem-se sem hífen “cão de
guarda”, “fim de semana”, “café com leite”, “estrada de ferro”, “pão de mel”,
“pão com manteiga”, “sala de jantar”, “cor de vinho”, “à vontade”, “acerca
de”, ao passo que se escrevem com hífen, sem que se saiba exatamente por
quê, “água-de-colônia”, “arco-da-velha”, “cor-de-rosa”, “mais-que-perfeito”,
“pé-de-meia”, “ao-deus-dará”, “à queima-roupa”. O jeito é, a continuar
assim, recorrer à velha decoreba como forma de não se enganar ao escrever.
6. Tratando ainda das locuções, a que mais tem sido alvo de engano é a locução
adjetiva “à-toa”, que sempre tem hífen para poder diferenciar-se da
homônima adverbial “à toa”, sem hífen. Em frases figés como “Não é à-toa
que...”, a imprensa nacional e as grandes publicações brasileiras não têm
usado o hífen, tratando essa locução adjetiva como adverbial. Note-se que, no
lugar dessa locução, nesse tipo de construção, é sempre possível usar um
adjetivo, e nunca um advérbio: “Não é casual que...”, ou “Não é fortuito
que...”, ou, ainda, “Não é indiferente que...”. Sobre essa particularidade os
dicionaristas e gramáticos têm-se calado. Particularmente cheguei a consultar
até a Academia Brasileira de Letras, que não soube responder a contento a
essa consulta.
1.2.
O hífen é usado em topônimos que
1.2.1. contenham os adjetivos reduzidos grão e grã: Grão-Pará; Grã-Bretanha
1.2.2. contenham, como forma inicial, um verbo: Passa-Quatro; Quebra-Dentes;
Traga-Mouros
3
1.2.3. ou, ainda, que contenham, no meio da composição, algum artigo: Trás-osMontes; Entre-os-Rios
1.2.4. ou simplesmente, fora das três regras ditas há pouco, constitua já uma
tradição: Guiné-Bissau
Observação: Por isso, por não se enquadrarem nas regras enunciadas neste
item, é que se grafam sem hífen “América do Sul”, “Estados Unidos”, “Costa
Rica”, “Timor Leste” etc.
1.3.
O hífen é usado em compostos que nomeiam espécies de plantas (campo
da botânica) e de animais (campo da zoologia), estejam ou não os seus
componentes unidos por preposição:
1.3.1. vegetais: erva-do-chá; couve-flor; ervilha-de-cheiro; abóbora-menina;
favo-de-santo-inácio; bem-me-quer
Observação: No entanto, escreve-se “malmequer”, nome de uma flor —
portanto, do campo da botânica. Isto ocorre, contrariando a regra, talvez
porque essa palavra seja formada com o auxílio do advérbio mal, que, quando
funciona como prefixo, restringe o emprego do hífen a palavras cujo segundo
elemento é iniciado por vogal ou pela letra h, mas não às outras, as demais
consoantes. Por contaminação, a grafia de “malmequer” faz perder os hifens
(Ver o item 1.4.2, logo a seguir, deste documento).
1.3.2. animais: bem-te-vi; andorinha-do-mar; formiga-branca; cobra-d’água;
beija-flor; tigre-dentes-de-sabre
1.4.
O hífen é usado em quase todos os termos que contenham, como se fosse
originalmente um prefixo, o advérbio bem — principalmente quando o
segundo termo se inicia por vogal ou h, mas não só —, e, apenas com
essas letras, quando funciona como prefixo o advérbio mal:
1.4.1. casos do advérbio “bem” como prefixo: bem-humorado; bem-estar; bemafortunado; bem-soante; bem-nascido; bem-ditoso
Observação: Mas, contrariando a regra geral, grafam-se “benfeitor”,
“benfeitoria”, “benquerer”, “benfazejo”.
1.4.2. casos do advérbio “mal” como prefixo: mal-afortunado; mal-humorado;
mal-educado; mal-assombro
Observação 1: Com o advérbio bem usado como prefixo, o hífen ocorre
mesmo que a segunda palavra não seja iniciada por vogal ou h (vejam-se os
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exemplos de “bem-nascido” ou “bem-soante”, com exceção feita, porém, a
“benfeitoria”, “benfeitor”, “benfazejo” e “benquerer”); mas, no caso
particular do advérbio mal, não ocorre a mesma flexibilidade, razão por que,
diante de consoantes, se escrevem “malnascido”, “malmandado”,
“malsoante”, “malsucedido”, “malparado”, “malvisto”, “malcuidado”,
“malfalante”, “malcriado”, “malconservado”, “malcasado”, “malcheiroso”,
“malcomportado”, “malmequer” etc.
Observação 2: Quando indica o nome de uma doença, a palavra mal sempre
tem hífen: “mal-canadense”, “mal-de-lázaro”, “mal-de-luanda”. “mal-degota”.
Observação 3: Registre-se a forma “mal-limpo”, que apresenta hífen por
causa da consoante l, que aparece no fim da palavra mal e no início da
palavra “limpo”.
1.5.
Emprega-se sempre o hífen quando aparecem, na formação das
palavras, os elementos aquém, além, recém e sem:
1.5.1. com o elemento aquém: aquém-mar; aquém-Pirineus
1.5.2. com o elemento além: além-mar; além-fronteiras; além-Atlântico
1.5.3. com a preposição sem no papel de prefixo: sem-vergonha; sem-teto; semcerimônia
1.6.
Emprega-se sempre o hífen — agora em casos específicos de derivação
prefixal — quando o segundo termo se inicia ou por vogal idêntica à
vogal que termina o prefixo ou o falso prefixo ou, ainda, quando o
segundo termo se inicia pela letra h:
1.6.1. caso de vogais idênticas: micro-ondas; anti-intelectual; contra-almirante;
semi-interno; auto-observação; infra-axilar; supra-auricular; anti-ibérico; arqui-inimigo; eletro-ótica
Observação 1: Tal regra não serve nem para o prefixo co- nem para o prefixo
re-, aparecendo, assim, da seguinte maneira, as palavras “coordenar”,
“coocupante”, “coobrigação”, “reeducar”, “reeleição”, “reempossado”,
“reescrita”.
5
Observação 2: Não havendo coincidência de vogais, em outros casos também
(vogal mais consoante ou consoante mais consoante), o hífen desaparece de
uma vez por todas dos derivados, como se vê em “contracheque”, “multiuso”,
“autoimunidade”, “antiplaca”, “agroindústria”, “contrapé”, “semiárido”,
“radiopatrulha”, “microindústria”, “autopeças”, “hidroginástica”, “antivírus”,
“hidroavião”, “anticaspa”, “antiácido”, “antiferrugem”, “anteprojeto”,
“autoeducativo”, “contragolpe”, “seminovo”, “radiotáxi”, “megaoperação”,
“cardiovascular”, “infravermelho”, “macroeconomia”, “radiovitrola”,
“seminu”, “antimatéria”, “antigreve”, “microempresário”, “autoestrada”,
“autodefesa”,
“audiovisual”,
“hiperdesconto”,
“supermercado”,
“intercomunicacional”, “socioeconômico”, “sobreloja” etc. (consultar os itens
2.2.1 e 2.2.2)
Observação 3: A palavra “ensino-aprendizagem”, que apresenta vogais
diferentes no fim de uma palavra e no começo da outra (ensino e
aprendizagem), não se deixa reger, apesar da aparência formal, por essa
regra, porque, aí, em primeiríssimo lugar, não temos prefixo — primeira
condição (ver a Observação 1 do item 1.1. deste documento) —, nem essa
palavra é um composto da mesma maneira que “hispano-americano” ou
“pombo-correio”. É um fenômeno à parte, isolado de todos aqueles que foram
comentados até este momento. Note-se que as duas palavras envolvidas —
“ensino” e “aprendizagem” — têm completa autonomia mesmo no conjunto a
que pertencem, o que não é, evidentemente, o caso de “pombo-correio”, em
que “correio” define o tipo de “pombo”, qualificando-o como se fosse um
adjetivo. Aqui, em “ensino-aprendizagem”, trata-se tão-somente de uma
relação entre termos, como acontece com “estrada Rio-São Paulo”, sequência
nominal em que a cidade de São Paulo não determina a cidade do Rio de
Janeiro e vice-versa. Indicia, pois, uma relação de trajeto, nas duas direções:
do Rio para São Paulo, e de São Paulo para o Rio. O mesmo ocorre com
“ensino-aprendizagem”, em que o ensino leva ou não à aprendizagem ou a
aprendizagem direciona o tipo de ensino, mas não necessariamente. Antes da
reforma ortográfica de 2008, essas cadeias vocabulares eram unidas por
travessão, e não por hífen: “estrada Rio—São Paulo” e “processo ensino—
aprendizagem”. Com o Acordo, deu-se, acertadamente, a simplificação, com
a adoção do hífen.
1.6.2. caso do aparecimento do h iniciando o segundo elemento da derivação: antihigiênico; co-herdeiro; contra-harmônico; extra-humano; super-homem;
pré-história; sócio-histórico; ultra-hiperbólico; geo-história; semihospitalar; sub-hepático; neo-helênico
Observação: Acontece, porém, que há palavras cuja raiz começa por h e,
mesmo assim, aglutinaram-se ao prefixo, eliminado o h etimológico, fazendo
perder o hífen, a ponto de contrariar a regra dominante. É o caso de
“desumano”, “subumano”, “inábil”, “inumano”, de larga tradição na língua.
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1.7.
Emprega-se o hífen com palavras formadas com os prefixos circum- e
pan-, quando a eles se seguem elementos iniciados por vogal, m e n
1.7.1. com o prefixo circum-: circum-escolar; circum-navegação; circummurado
1.7.2. com o prefixo pan-: pan-americano; pan-mágico; pan-negritude
1.8.
Emprega-se o hífen com os prefixos pós-, pré- e pró- com algumas
exceções a essa regra:
1.8.1. com o prefixo pós-: pós-graduação; pós-tônico
1.8.2. com o prefixo pré-: pré-escolar; pré-datado; pré-natal
1.8.3. com o prefixo pró-: pró-reitor; pró-europeu; pró-africano
Observação: Diz a regra que tais prefixos se separam por hífen da palavra
seguinte porque esta tem vida própria e inconfundível. No entanto, ainda se
escrevem “prever” (“ver” tem vida à parte), “pospor” (idem) e “promover”
(idem). A explicação deveria ser outra: tais verbos têm larga tradição na
língua e sempre se escreveram sem hífen. No caso de “pré-escolar” ou “próreitor”, por exemplo, tais termos indiciam alternância de situação e distinção
semântica no caso de simultaneidade: existem ao mesmo tempo o “reitor” e o
“pró-reitor” e os cargos não se confundem. Da mesma maneira o “escolar” e
o “pré-escolar”. Há o cheque “datado” e o “pré-datado”, que podem ser
emitidos simultaneamente. Mas não se pode, salvo melhor juízo, “ver” e
“prever” ao mesmo tempo, ou “pôr” ou “pospor” ao mesmo tempo e na
mesma situação discursiva.
1.9.
Emprega-se o hífen com os prefixos hiper-, inter- e super-, se a eles se
seguirem palavras iniciadas pela consoante r:
1.9.1. com o prefixo hiper-: hiper-requintado
1.9.2. com o prefixo inter-: inter-racial
1.9.3. com o prefixo super-: super-revista
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1.10. Emprega-se sempre hífen com o sufixo ex-, desde que o sentido seja o de
estado anterior:
1.10.1. é o caso de ex-marido; ex-diretor; ex-presidente; ex-primeiro-ministro
1.10.2. mas não se deve confundir com exterior, explicar ou excomungar (no
primeiro e segundo exemplos há a ideia de movimento para fora e o prefixo
está devidamente incorporado à raiz dessas palavras, enquanto no terceiro
não aparece a ideia de uma situação anterior, mas sim aquela que passa a ser,
projetivamente)
1.11. Os sufixos de origem tupi-guarani como –açu, -guaçu e –mirim separamse por hífen da palavra que os precede desde que esta termine por vogal
acentuada graficamente ou, mesmo sem o acento diacrítico, a palavra
tenha uma pronúncia que exija a distinção em relação a tais sufixos:
1.11.1. com o sufixo –açu: andá-açu; capim-açu; jacaré-açu
Observação: Note-se que se deve pronunciar, em “capim-açu”, a palavra
“capim” sem fazer a passagem do som nasal para o sufixo (o que daria
“capimaçu”, de som estranho, chegando até a dificultar a decodificação
imediata do composto e seu significado). Daí, pois, o hífen, a mostrar que não
se deve pronunciar fazendo a ligação fonética entre os elementos do
composto.
1.11.2.com o sufixo –guaçu: amoré-guaçu
1.11.3. com o sufixo –mirim: anajá-mirim; Ceará-Mirim; Paraná-mirim
Observação: Não se usa hífen em “leitor mirim”, por exemplo, porque nem
“leitor” termina por vogal acentuada graficamente (caso de “anajá-mirim”)
nem há o risco de ocorrer ligação fonética entre “leitor” e “mirim” (como em
“capim-açu”), que são as duas restrições da presente regra.
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2. NÃO SE USA O HÍFEN
2.1. Nos casos em que o prefixo termina por vogal e a palavra que se segue
começa pelas consoantes r ou s, tais consoantes se dobram:
2.1.1. vogal + consoante r: autorretrato; antirreligioso; Contrarreforma;
contrarregra; biorritmo; microrradiografia; radiorrelógio; autorradiografia;
arquirrival;
antirracional;
contrarrazão;
antirracial;
alvirrubro;
antirrevolucionário; anterrosto; suprarrenal
2.1.2. vogal + consoante s: antissocial; autosserviço; minissaia; autossuficiente;
antissemita; antisséptico; extrassensorial; pseudossufixo; pseudossigla;
multisserviço; contrassenso; autossugestionável; entressafra; ultrassonografia
2.2. Não se usa o hífen também quando o prefixo ou o falso prefixo do composto
terminam por uma vogal e o outro elemento começa por vogal diferente ou
quando o segundo elemento se inicia com consoante após uma vogal e, ainda,
quando tanto o fim do prefixo quanto o início do radical da palavra são
consoantes:
2.2.1. vogal + outra vogal: antiaéreo; infraestrutura; extraescolar; radioamador;
hidroelétrica; autoinstrução; intrauterino; neoimpressionista; intraocular;
megaestrela;
2.2.2. vogal + consoante: inframencionado; hidromassagem; multivitaminado;
cardiopulmonar; antiterrorista
2.2.3. consoante + consoante: intermunicipal; hiperdesconto; supermercado
Observação 1: Ao que consta, este item (consoante + consoante) está restrito
aos prefixos inter-, hiper- e super-.
Observação 2: Este caso se encontra na Observação 2 do item 1.6.1 deste
documento, com ampla exemplificação.
Observação 3: No nome do movimento religioso católico Contrarreforma,
como em outras ocorrências em que aparece o “prefixo” preposicional
“contra-”, há que se refletir bastante se, nesses casos, se trata mesmo de termo
derivado e não de um composto por justaposição. Primeiro, porque a palavra
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preposição “contra” se acha na língua muitas vezes usada de forma
independente, substantivando-se e assumindo a flexão de número do
substantivo (como em “Os contras da Nicarágua”); segundo, porque assume
valor de raiz, tem matiz semântico, não tendo, pois, o esvaziamento de
sentido peculiar a outras preposições, como a preposição “a” ou a “de”. Por
falta, pois, de melhor reflexão sobre esse tópico, é de pensar se o melhor —
por se poder considerar tal formação um caso de composição — não seria
grafar “Contra-Reforma”, tal como era antes do Acordo Ortográfico, assim
como, também, “contra-regra”, e não “contrarregra”, como prevê o Acordo,
que julga tais palavras, as mencionadas aqui, formas derivadas.
Última observação: O Acordo exige que, na translineação, se deve repetir o
hífen no começo da outra linha, por amor à clareza, indicando, assim, que o
hífen colocado no fim da linha realmente existe, faz parte de um composto ou
de um termo derivado, e não surgiu ocasionalmente por causa de eventual
separação silábica em fim de linha.
CONCLUSÕES:
1. Desde a oficialização do Acordo Ortográfico, vê-se que o hífen é, ainda hoje,
mesmo com a reforma, maciçamente empregado e atende a maioria dos
casos, havendo apenas sua eliminação em duas situações muito específicas:
(1) quando, no caso amplo dos derivados, o prefixo termina por vogal e o
segundo elemento se inicia pelas consoantes r e s (caso de “autorretrato” ou
“autosserviço”); e (2) quando, entre o prefixo e o segundo elemento, não há
coincidência de vogais (“autoestrada”), ou a vogal depara com uma
consoante (“anticomunista”), ou simplesmente não há vogais, mas apenas
consoantes (“hipermercado”). A ocorrência “longa-metragem” tem hífen
porque se trata, sim, de um composto, e não de um derivado. Em princípio,
todos os compostos por justaposição têm hífen; já os derivados ora têm, ora
não têm.
2. A dúvida que possa existir quanto à eliminação ou não do hífen se prende,
portanto, apenas a casos de derivação prefixal, e não envolve casos de
composição por justaposição, em que, em geral, sempre se apresenta hífen
(assim, temos, por um lado, os compostos “hispano-americano” e “guardaroupa” — as exceções seriam “mandachuva”, “paraquedas”, “paralama”,
“parachoque” e “paravento” —, claros exemplos de composição por
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justaposição, enquanto, por outro lado, temos “hipoícone”, sem hífen, e “antiintelectualismo”, com hífen, termos que exemplificam casos de derivação
prefixal).
Fontes bibliográficas usadas para esta sistematização:
ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA: Resolução nº 17, de 7
de maio de 2008. Recife: Construir, 2008.
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as regras do novo Acordo Ortográfico da língua portuguesa. São Paulo:
Publifolha/Instituto Antônio Houaiss, 2008.
BORBA, Francisco S. Dicionário de usos do português do Brasil. São Paulo: Ática,
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FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da
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1999.
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua
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11
MONTEIRO, José Lemos de. Morfologia portuguesa. 4. ed. rev. e ampl. Campinas:
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NOVO Acordo entra em vigor. Língua portuguesa. São Paulo: Segmento, ano 3, nº
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TEIXEIRA, Jerônimo. A riqueza da língua. Veja. São Paulo: Abril, ano 40, nº 2.025,
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Maceió, 11 de março de 2008.
Roberto Sarmento Lima
12
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