93% da comunicação é mesmo não verbal? Por Sergio Senna Pires Você já deve ter lido que a comunicação não verbalé responsável por 93% do processo comunicativo. Quando comecei a me interessar pelo tema, essa foi uma das primeiras regras que aprendi. Li isso em muitos livros e ouvi de muitos “especialistas”. Essas pessoas afirmavam que “estudos científicos” comprovavam essa porcentagem. No entanto, eu sempre fiquei incomodado com o dado por dois motivos: 1. Me parecia que se o significado das palavras representasse apenas 7% do que se desejava comunicar, era melhor nem utilizá-las. Para que empregar algo tão ineficiente e desprezível em relação ao todo? 2. Observei que a comunicação mudava muito de acordo com o contexto no qual ocorria (incluindo a comunicação não verbal). Em ambientes acolhedores, por exemplo, as palavras eram muito importantes e compreendidas com cuidado. Por outro lado, em ambientes hostis, as palavras eram escolhidas com cuidado e a quantidade de gestos que as pessoas faziam também diminuíam. Essa minha inquietação me levou à origem da tão falada regra 7-38-55, sobre a qual dedicarei esse artigo. Segundo essa “regra”, 7% da comunicação seria atribuída ao componente verbal (seu significado), 38% ao componente vocal (no caso específico, o tom da voz) e 55% ao componente facial (expressão facial). Daí que somando 38+55 resulta a linguagem corporal mágicaproposta de alguns que a comunicação não verbalé responsável por 93% de toda a comunicação. Nesse artigo, mostraremos a origem desse mito e faremos uma reflexão sobre a fragilidade dessa conclusão. Como a regra 7-38-55 sobre comunicação não verbal foi elaborada? A regra 7-38-55 está baseada em dois estudos realizados por Albert Mehrabian (foto ao lado) em 1967: - Decoding of Inconsistent Communications (Decodificando Comunicações Inconsistentes) e - Inference of Attitudes from Nonverbal Communication in Two Channels (Inferência de Atitudes a partir da comunicação não verbalem dois canais) Vejamos o segundo estudo (mais robusto), que teve o objetivo de comparar a importância relativa do significado da palavra, do tom de voz e da expressão facial, cujos resultados contém a conclusão de Mehrabian sobre a prevalência da expressão facial para a interpretação da mensagem. A metodologia desse estudo sobre comunicação não verbal A seguir apresento um resumo da metodologia de como se chegou à conclusão de que o significado das palavras importa em apenas 7% da comunicação: As vozes de três mulheres foram gravadas dizendo a palavra “talvez” (maybe) com entonação que procurasse significar: 1. Que a pessoa talvez goste; 2. Que a pessoa não demonstra apreço ou aversão (neutralidade); 3. Que a pessoa talvez não goste. As palavras foram gravadas duas vezes, pelas três mulheres, perfazendo um total de 18 enunciações da palavra “talvez”, com as entonações acima descritas. Essas gravações foram apresentadas a 17 ouvintes (todas também mulheres) que deveriam julgar, ao escutar cada palavra, se a comunicação era positiva, neutra ou negativa, dentro de uma escala apresentada no estudo. Fotografias de três modelos foram também tiradas com expressões faciais que pudessem significar: 1. Que gostou de algo; 2. Que está neutra em relação a algo; 3. Que não gostou de algo. As vozes e fotografias foram emparelhadas de determinada forma (que não nos interessa no momento) descrita no estudo original, de maneira que as avaliadoras podiam ver uma foto com expressão facial positiva e escutar um “talvez” negativo, ou neutro etc. Feita a matemática do resultado se chegou à regra 7-38-55 para os componentes verbal, vocal e facial, respectivamente (conclusão expressamente escrita à página 252 do Journal of Consulting Psychology, 1967, vol. 31, Nº 3). Algumas limitações e possibilidades desse estudo sobre comunicação não verbal Quando esse estudo foi publicado sem que suas grandes limitações fossem explicitadas, abriu-se caminho para um dos mitos mais conhecidos sobre a comunicação não verbal. Mito esse, estabelecido sem qualquer explicação plausível sobre sua origem e repetido para milhares de pessoas que não têm, e possivelmente nunca terão, acesso aos estudos originais para verificarem a veracidade ou o exagero dessas afirmações. É necessário apenas um pouco de bom senso para ver que, no mínimo, essa regra é muito exagerada. Além disso, existem diversas limitações para a aplicabilidade desses estudos na vida real. Limitações essas que são largamente ignoradas, principalmente se a regra for aplicada a um contexto diverso daquele em que foi construída. Vejamos alguns outros motivos para colocarmos em questão esse tipo de “linguagem corporal mágica” na comunicação não verbal: - O estudo utilizou gravações de voz feminina a partir de uma única oportunidade. Seria esse um contexto natural? - Os estudos se referem à percepção positiva versus negativa da mensagem. E as outras possibilidades? E os outros graus de atitude? E a dúvida (que não é neutralidade), por exemplo? - As vozes foram apenas femininas. Será que o mesmo ocorrerá se as vozes forem masculinas? E se os avaliadores fossem masculinos? Seria o resultado diferente? O estudo não aborda isso! - Os outros tipos de comunicação não verbal, por exemplo, postura corporal, posição relativa a outros objetos como mesas, obstáculos etc como influenciariam a comunicação? Isso não foi tratado no estudo! Existem outros aspectos que podem ser levantados, mas os que indico acima são mais do que suficientes para colocar em questão a toda poderosa regra 7-38-55. Em outro artigo, trarei informações de outros estudos a partir dos quais poderemos chegar a conclusões diferentes. Por esse motivo, devemos avaliar as limitações e possibilidades de qualquer estudo científico, pois somente é seguro utilizar o conhecimento dentro desses limites. Devemos ser cautelosos com a generalização apressada (ou mal intencionada). Se para você, um estudo realizado da forma descrita, no qual 20 pessoas avaliaram mensagens produzidas por outras 6 é suficiente para generalizar uma regra para qualquer tipo de comunicação, eu não vou criticá-lo. No entanto, em minha opinião isso não é suficiente! Aliás, é um absurdo! Que a comunicação não verbal é importante, disso não há dúvidas! No entanto, não seja enganado pelo “canto da sereia”….. A próxima vez que te contarem essa, pergunte se a pessoa sabe de onde surgiu isso. Caso ela não saiba, tome cuidado com o tipo de conhecimento que ela está te ensinando!