Professor André Lemos

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Filosofia do Direito 1
Professor André Lemos
Aulas 33 e 34 – FILOSOFIA DO DIREITO
TEMA: A normatividade jurídica
Bibliografia:
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Ed. Martins Fontes.
BOSON, Gerson. Filosofia do Direito: interpretação antropológica. Ed. Del Rey.
REALE, Miguel. Filosofia do direito. Ed. Saraiva
SALDANHA, Nelson. Filosofia do direito. Ed. Renovar
Introdução:
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A humanidade constitui espécie que faz a guerra dentro da própria espécie.
Neste planeta, se existe, não é fácil encontrar outra espécie animal que tenha esse proceder.
Em regra, a luta entre animais de uma mesma espécie só ocorre de forma individual e nos momentos de
sexo ou de fome imediata.
Os animais vivem mergulhados no agora e no aqui, submetidos ao ambiente em que se acham.
Não têm passado nem futuro, mas somente atualidade.
O homem carrega o estigma da transcendência. A tudo quer transcender.
Não se contenta com o finito.
Tem nostalgia do absoluto, a esse aspira chegar.
E como os grilhões da natureza o impedem, o espírito livre procura a imperfeição, criando idealidades que
de algum modo possam satisfazê-lo.
A filosofia junto com a antropologia procuram explicar o homem enquanto ser espiritual, nas suas
diferenças em relação aos outros animais, mas todos integrados no mundo da natureza (physis).
Procuram explicar o homem portador do logos e ser que constrói (homo faber), e bem assim os resultados
do seu pensar e do seu construir, por cujos resultados se coloca em um mundo próprio, um mundo diverso
do mundo da natureza, mundo somente seu, designado pela rica e prestigiosa palavra cultura.
E dentre esses resultados que integram esse mundo somente seu, encontram-se as suas cidades, as suas
criações políticas, as suas instituições, pelo homem estabelecidas para melhor possibilitar a sua
convivência, em face da sua natureza belicosa1, que torna guerreiro dentro da própria espécie, que faz o
homem o adversário do homem nas mais variadas circunstâncias (Hobbes).
Entre as instituições criadas pelo homem, três se destacam pela sua maior importância: o Direito, a
Sociedade e o Estado, as quais, naturalmente adentradas nas preocupações filosóficas, conduzem a
indagações relativas às suas origens, razão de ser, essência e finalidades, principalmente quando colocadas
sob a visão agressiva da animalidade do homem.
Thomas Hobbes
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1
Hobbes é absolutista estatal.
Ele observou que o objeto natural das aspirações do homem é o que a este dá prazer.
O que lhe desagrada é objeto da sua repulsa.
O homem só quer o próprio bem e foge do mal.
Seu maior bem é a sua conservação, e o maior mal a morte.
Tem ele, pois, o direito natural de defender sua vida, para conservar-se.
Que tem ânimo aguerrido; guerreiro. / Habituado à guerra. / Que incita à guerra / Preparado para a guerra./ Revolto,
agitado.
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2
Para atingir a esse fim maior é legítimo usar de todos os meios possíveis, sendo ele mesmo o juiz
desses meios.
Pode assim, por direito natural, livremente lançar mão de todas as coisas.
No estado natural, a medida desse direito é tão só a utilidade.
Os homens são todos naturalmente iguais, por terem igual direito e poder sobre todas as coisas do
mundo.
Por isso mesmo o direito igual de todos sobre todas as coisas se torna vão. De nada vale dizer que tal
coisa é minha, se todos podem dizer o mesmo.
Da igualdade natural decorre a igualdade de direitos, e desta necessariamente nasce a guerra de todos
contra todos, pois quando dois ou mais homens querem a mesma coisa se tornam inimigos.
Hobbes contesta o princípio aristotélico de que o homem é um animal nascido para a sociedade.
Apenas deseja a sociedade por lhe ser insuportável a solidão e por necessitar às vezes do socorro de
outrem.
Desejar uma coisa não significa estar a ela determinado pela natureza. Esse desejo social pode explicar
reuniões fortuitas2, mas não a sociedade. Essa se fundamenta em convenções, contratos, que os
homens não fazem visando o companheirismo, mas a interesses.
Na sociedade os homens só procuram o seu próprio bem, os bens do corpo e do espírito, a boa opinião
de si mesmos e a superioridade sobre os outros. São todos naturalmente impelidos não à sociedade,
mas à dominação, à luta.
A conseqüência dessa guerra universal é que antes da sociedade não há justo nem injusto, nem teu
nem meu, nem propriedade nem direito.
A força e a astúcia são as grandes virtudes.
Todavia, se o grande bem do homem é a sua conservação e o grande mal a morte, e se o estado de
natureza é a guerra, segue-se que esse estado é para o homem a mais infeliz das situações porque um
estado de perpétuo temor.
Ninguém é suficientemente forte para estar seguro de se impor aos outros.
É, pois, necessário sair desse estado e encontrar um meio de obter a paz, a segurança. E é exatamente
isso o que prescreve a lei natural.
Hobbes faz distinção entre direito natural e lei natural. O direito natural é a liberdade que tem cada um
de usar o seu poder como bem entender para conservar-se.
A lei natural é a norma pela qual cada um rejeita tudo o que lhe pareça ser prejudicial. Assim, a lei é o
limite do direito.
A lei natural é a ordem da reta razão sobre as coisas que devemos aceitar ou evitar para nossa
conservação.
A reta razão é o raciocínio particular de cada um.
O princípio da lei natural é procurar a paz. Enquanto que as paixões impelem o homem à procura de
tudo o que deseja, instigando-o na luta contra todos, a razão o aconselha a renunciar à guerra e a
assegurar sua conservação pela união e o acordo.
Não há controvérsia entre a paixão e a razão. Ambas querem a mesma coisa: a autoconservação. Mas
enquanto a paixão vai contra a própria meta, a razão a esta conduz.
Desse primeiro princípio da lei da natureza deriva-se a conseqüência: para se obter a paz é necessário
renunciar ao direito que se tem sobre todas as coisas, pois desse direito nasce a guerra.
O homem pode renunciar a seus direitos de duas maneiras: por simples renúncia ou por translação.
Aquele que simplesmente renuncia declara por sinais autênticos que não usará mais de certo direito,
mas sem atribuí-lo a outrem.
Aquele que transfere um direito a alguém declara simplesmente que não resistirá mais a quem faça
isso ou aquilo.
Casual, acidental, eventual.
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A translação do direito consiste, pois, somente na não resistência, porque não se pode transferir um
direito a quem já possui todos os direitos absolutos sobre todas as coisas.
Só posso declarar que não lhe oporei resistência se vier a usar esse direito sobre uma certa coisa.
Adquirir um direito nada mais é do que assegurar-se de que não será perturbado na posse desse
direito.
A translação natural de um direito entre duas ou mais pessoas se chama contrato, e a promessa dos
que contratam é o pacto do contrato.
Daí advém a seguinte lei da natureza: é necessário observar as convenções, os pactos.
Com efeito, se para obter a paz é necessário que os homens, na conformidade da lei anterior,
renunciem reciprocamente o seu direito sobre todas as coisas, essa renúncia será vã, se as convenções
não forem por natureza invioláveis. Prometer que não fará uma coisa e, ao mesmo tempo, supor que
possa fazê-la é contradizer-se nos próprios termos.
Procurar a paz, renunciar a seu direito sobre todas as coisas e observar as convenções são, pois, os três
principais artigos da lei natural.
As coisas lançados no mundo estão efetivamente à disposição do homem, mas não como direito deste
e nem a sua disposição exclusiva. Mas à disposição de todos os seres animados, que têm naturalmente
o arbítrio de usá-las naquilo que for útil à sua conservação.
Na verdade, juridicamente, só quem pode dizer o que é meu, teu, dele ou comum de todos é a norma
como manifestação da idéia do direito, elaborada pelo espírito, precisamente ante o fato de que as
coisas largadas no mundo estão igualmente à mercê de todos. O direito usa a força, quando necessário,
mas a força não é o direito e nem esse a ela se submete.
Hobbes não compreendeu que as forças impulsivas, realizadoras da vida, que, juntamente com o medo
da morte – para ele o maior dos males –, carregam todos os sentimentos, necessidades e paixões da
sobrevivência, constituem algo distinto do espírito, cuja característica essencial é a liberdade.
Aparentemente Hobbes percebeu essa diferença quando observa que enquanto as paixões, a serviço
da sobrevivência do homem, cegamente o impelem à satisfação de tudo aquilo que ele deseja,
instigando-o na luta universal, a razão o aconselha a renunciar à guerra e a assegurar a sua conservação
pela união e o acordo.
Todavia, não revela em termos antropológicos, mas tão somente em termos jurídicos naturalistas, a
que submete todas as explicações do seu sistema.
Ignora Hobbes que só ao espírito, e não à natureza, é que se revela a constelação dos valores éticos, à
luz dos quais o espírito emite a idéia do direito.
O homem não vive além do bem e do mal. Vive com o bem e o mal, do bem e do mal, para o bem e
para o mal, em opções que somente o espírito conhece.
O homem não é somente natureza. É um complexo da representação cósmica – um microcosmo – em
que se acha presente todo o universo.
Tanto pode ser bom, como pode ser mau, capaz de praticar os mais indignos e nefandos atos, como
também os mais dignos e sublimes.
Por tudo isso não foi possível a Hobbes entender o princípio aristotélico do zoon politikon, fixado pelo
estagirista com referência à natureza espiritual do homem, que livremente age em função do futuro,
em apontamentos de meios a seguir e fins definidos a alcançar.
Contudo, Hobbes nos ajuda quando, no seu sistema, torna clara a presença imperativa dos desejos e
das paixões nos impulsos da vida.
A presença de forças impulsivas que levam cada homem à execução da tarefa irrecusável e
intransferível de construir a própria vida, impelindo-o se preciso ao campo da guerra, em face da
imediatidade de circunstâncias e situações variadas em que se encontre – circunstancias diversas e
variáveis ao infinito, graças à riqueza do seu relacionamento com o mundo e os demais indivíduos de
sua espécie.
Hobbes também auxilia quando invoca o espírito a oferecer às forças impulsivas, externas em desejos e
paixões ilimitadas, a idéia de renúncia à guerra, à idéia de paz, como a melhor forma de obter a
conservação da própria vida.
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A união e o acordo surgem assim como a primeira forma de manifestação da idéia ética do direito.
A palavra pactum vem de pax.
Dessa idéia, fonte material originária de toda e qualquer sistematização normativa, capaz de
possibilitar, multiforme que seja, a convivência social, a realização de valores em sociedade, pelas
limitações e controle das forças impulsivas, em permanente busca de conservação da vida.
As primeiras manifestações normativas da idéia do direito tomam a forma de princípios, muitas vezes
com conteúdos éticos comuns à moral e à religião, sobretudo enquanto haja na vida social a
predominância mais forte da cosmovisão religiosa.
Somente à medida que, ao longo das diversas culturas que se sucedem, vai crescendo entre os povos
desligados das coisas do céu promovem uma dinâmica social complexa, com uma correspondente
resposta da idéia do direito que, sem o abandono dos princípios gerais, mas desdobrando-os,
individualizando-os em detalhes normativos, se apresenta através de sistemas cada vez mais densos,
estruturando instituições que, quanto mais se desenvolve a cultura, mas se transformam, ou se
renovam ou se multiplicam.
Normas Gerais e Normas Especiais
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As normas jurídicas gerais se manifestam sob a forma de princípios que carregam, necessariamente, a idéia
de fundamento, condição, causa, além, é óbvio, da imanente generalidade.
Claro que o conceito princípios não pode limitar-se às regras naturais, porque podem também ser fixados
pelo legislador ao criar uma instituição jurídica.
Nesta hipótese, porém, os princípios carregarão a idéia de fundamento, condição ou causa, restrita ao
edifício normativo criado, pois certamente para dele transcender, em recorrência de fundamentação,
somente se deterá ante uma norma natural, cuja generalidade nunca se esgota, ao contrário do que
acontece com o princípio fixado pelo legislador para um determinado sistema jurídico de
institucionalização.
A generalidade deste se exaure no pleno normativo do próprio sistema normativo instituído.
É neste sentido que o conceito pode também ser aplicado a um determinado sistema jurídico legislado, ou
a um sistema doutrinário e à técnica de aplicação forense.
Aqui, com as características absolutas de fundamentalidade, condicionalidade e causalidade originárias, de
toda e qualquer manifestação ou construção normativa especial, nos referimos somente aos princípios
gerais apontados como naturais, por constituírem as formas primeiras de manifestação da idéia do Direito.
São regras que possuem valor intrínseco e que dominam de imediato a consciência jurídica, por força de
seu alto poder de persuasão. São o aval de toda disquisição3 jurídica, amparam o raciocínio jurídico mesmo
quando este toma por base um preceito de lei ou do costume, servindo-lhe de fundamento, em que
funcionam como fonte primária difusa de solução jurídica que acompanha todas as decisões, expressa ou
tacitamente.
Princípios como os que expressam as regras pacta sunt servanda e as constantes da tria júris praecepta,
honeste vivere, alterum non laedere e suum cuique tribuere, são originários, permanentes, ecumênicos,
universais, invariáveis, portadores que são de fundamentabilidade última nos procedimentos lógicos
retrocessivos.
Apenas deve-se atentar para o fato de que quanto ao último princípio – suum cuique tribuere – o seu valor
não responde pela controvérsia ideológica que cerca as instituições da propriedade (bens) porque, na
verdade, dizer que é meu, teu, dele ou nosso é tarefa institucional do legislador. Mas, de qualquer forma
que o diga, o princípio é natural, tem valor universal, porque, no sistema positivo estabelecido, a cada um
deve ser dado o que é seu.
Pesquisa, investigação, indagação; exame.
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Tais princípios gerais, alicerces espirituais em que se assentam todas as normas legisladas ou possíveis de o
serem, porque deles são desdobramentos, com individualização crescente ante a evolução da cultura e
necessidades sociais novas, não só diferem, por sua natureza de universalidade jurídica, dos princípios
especiais de menor amplitude, fixados pelo legislador com atinência4 à realidade histórica em que vive,
pensa e age, como por exemplo, certos princípios constantes da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, aprovada pelos revolucionários franceses de 1789, presentes nos sistemas constitucionais
contemporâneos, vinculados à cultura moderna e desta garantidores, cujo destino é o mesmo das idéias a
que correspondem e que esplendem em detalhes na Declaração Universal dos Direitos do Homem,
aprovada pela Organização das Nações Unidas, como também diferem de certos princípios de
universalidade indiscutível, usados pelos sistemas jurídicos legislados, assim e virtude da sua natureza
estreitamente lógica (noética) e que por isso mesmo podem ser aplicados pelos cientistas do Direito, como
também em outros ramos do conhecimento fora do quadro jurídico.
Assim o princípio latino sublata causa tollitur effectus. A validade desse princípio ex nihilo nihil, ou a dos
princípios forma dat esse rei, in eo quod plus sit semper inest minus, ou ainda, ad impossibilita nemo
tenetur, são logicamente indiscutíveis e frequentemente socorrem nas aplicações normativas.
Não se poderia, no efeito sem causa, assim uma obrigação jurídica sem causa, ou que do nada se pudesse
tirar algo sem forma ou entender o menos como igual ou não contido no mais, ou supor possa alguém fazer
o impossível.
De outro lado, mais numerosos são os princípios jurídicos fixados pelo legislador, como fundamento e
ponto de partida para a criação e estruturação de instituições jurídicas.
Tais princípios, porém, têm sua amplitude de validade exaurida na própria instituição jurídica de que sejam
base, e podem variar nessa amplitude, na sua interpretação e até mesmo na sua existência, segundo o nível
da cultura a que servem.
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Referente, relativo, respeitante
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