SEMINÁRIO MEDICINA I 9/11 DE DEZEMBRO DE 2006 CARDIOPATIAS VALVULARES DOCENTE: Doutora Ana G. Almeida DISCENTE: Diana Curado e Virgínia Machado FISCALIZADORES: Cátia d’Araújo e David Neves BIBLIOGRAFIA: CECIL – Medicina Interna Básica, Tradução da 6ta Edição CASO CLÍNICO 1 Mulher de 55 anos, vem à Urgência por dispneia grave, com início nessa noite e agravamento rápido. Refere desde há anos cansaço fácil e dispneia de esforço, com agravamento gradual. Ultimamente, estas queixas surgem para os esforços habituais, com limitação da actividade diária. Nega dor torácica, palpitações, tonturas ou síncope. Ocasionalmente, nota edema maleolar vespertino. Nega hipertensão e diabetes e o colesterol era normal há 5 anos. Antecedentes Pessoais: Na infância, febre reumática com febre e artralgias mas sem queixas subsequentes. Duas gestas aos 22 e 25 anos e menopausa aos 51. Faz substituição hormonal. Não faz mais medicação. Antecedentes Familiares: Sem interesse. Ao exame objectivo: Taquipneica, FR: 20 cpm, ortopneia. PA: 120/70, Pulso: 90ppm, arrítmico; T-37ºtimp Jugulares: 8 cm engurgitada (normal ≥ 4cm) Pulso Carotídeo: subida e amplitude normais Pulmões: fervores subcrepitantes, ½ inferior dos hemitorax Coração: Impulso parasternal esquerdo há dilatação ou hipertrofia do VD ; Choque da ponta no 5ª EIE LMC não há dilatação/hipertrofia do VE; S1 acentuado; S2 desdobrado fisiologicamente e S2 seguido de ruído de abertura; P2 acentuado Hipertensão Pulmonar (HTP); Sopro diastólico, rodado, no apéx; Abdómen: sem alterações; Membros: edemas maleolares bilaterais (+) sinal de insuficiência direita; HIPÓTESES DIAGNÓSTICAS 1. Edema Agudo do Pulmão Neste casos os fervores estão dispersos por todo o campo pulmonar; 2. Pneumopatia teria que ter sintomas como tosse, expectoração e queixas anteriores; 3. Estenose mitral 4. Insuficiência aórtica o sopro é protodiastólico e ouve-se melhor na área aórtica; ESTENOSE MITRAL É um estreitamento à passagem do fluxo da aurícula para o ventrículo esquerdo, por espessamento ou imobilidade dos folhetos mitrais. Consequentemente há: dificuldade no enchimento do VE na diástole; pressão na aurícula esquerda; Fig.1 pressão capilar pulmonar e repercussão nas cavidades direitas. ETILOGIA Cerca de 99% Reumática, mas só 50% têm histórica compatível com febre reumática. Alterações patológicas espessamento, fibrose e calcificação dos folhetos e cordas tendinosas; fusão das comissuras e dos folhetos. São progressivas e ocorrem durante muitos anos até que exista uma disfunção hemodinâmica sintomática. Outros (<1%) Congénita; Degenerativa; Endocardite com vegetações volumosas; FISIOPATOLOGIA Estenose mitral Fisiologia cardíaca B A Fig.2 Na estenose mitral, durante a diástole, a pressão na aurícula esquerda é maior que no ventrículo esquerdo, podendo chegar a atingir os 30 mmHg (imagem A). Esta pressão é transmitida a montante, como podemos ver pela imagem B, e quando a pressão capilar pulmonar é maior que 25mmHg há transudação e consequente edema intersticial. O primeiro sintoma de congestão geralmente surge devido a uma descompensação causada por frequências cardíacas rápidas, por exemplo durante actividade física intensa ou arritmias auriculares. - No caso apresentado, o que fez descompensar o aperto mitral? A Fibrilhação Auricular (uma das causas mais frequentes de descompensação): Perda de batimento auricular aumenta ainda mais a pré-carga e o aumento de pressão a montante; A resposta rápida diminui o tempo de diástole, logo o ventrículo não relaxa completamente, prejudicando ainda mais o enchimento cardíaco; HIPERTENSÃO PULMONAR NA ESTENOSE MITRAL “Passiva”: aumento obrigatório da pressão na Artéria Pulmonar para manter o fluxo anterógrado para as veias pulmonares de alta pressão. Esta HT não é fixa, resolve com fármacos, especialmente os que diminuem a pós-carga. “Reactiva” (40%): hipertrofia da média e fibrose da intima das arteríolas pulmonares; É uma forma de compensar a elevação crónica das pressões vasculares pulmonares (HTP), já que aumento da resistência arteriolar diminui o fluxo para os capilares pulmonares; quando a EM não é tratada. É secundária, ou fixa, não resolve com farmacoterapia. HISTÓRIA NATURAL 1. Dispneia progressiva; 2. Dispneia paroxística nocturna, ortopneia; 3. Fibrilhação auricular precoce: consequente ao maior esforço hemodinâmico a que as aurículas (principalmente a esquerda) estão sujeitas. 4. Edema agudo do pulmão especialmente em: a) início de fibrilhação auricular b) sobrecarga de volume (ex. gravidez ou por vezes apenas o aumento da ingesta de sal por algum tempo) 5. Tromboembolismo sistémico e pulmonar: risco muito elevado por causa da persistência de volumes de sangue relativamente elevados dentro da AE, o que propencia a formação de coágulos. Quando esta situação se associa a FA estes pacientes devem ser sempre anti-coagulados. 6. Hipertensão pulmonar falência VD cansaço e edema 7. Hemoptise: normalmente no decurso de um edema agudo do pulmão, por causa da elevação da pressão nos vasos associada à grande dilatação dos vasos pulmonares. Hoje em dia é raro, pois o diagnóstico e início de terapêutica geralmente fazem-se antes. SINTOMAS 1. Dispneia de esforço; 2. Ortopneia, Dispneia paroxística nocturna; 3. Sintomas de insuficiência cardíaca direita; 4. Dor torácica não isquémica mas por hipertensão pulmonar; 5. Palpitações (fibrilhação auricular); 6. Sintomas associados a embolização sistémica; 7. Fácies mitral (rosada); 8. Hemoptises; 9. Síndrome de Ortner compressão crónica do nervo laríngeo, pela AE dilatada, que resulta em voz bitonal. SINAIS Observação Cardíaca: PALPAÇÃO 1. Choque da ponta, não deslocado, palpável; 2. Impulso para-esternal esquerdo; AUSCULTAÇÃO 1. Sopro diastólico em rodado com reforço pré-sistólico na área mitral, acentuado em decúbito lateral esquerdo e exercício. Se voltarem a observar a fig.2 podem verificar que à medida que o ventrículo enche a pressão na AE vai diminuindo até que perto do final do tempo de diástole tem um aumento súbito, que corresponde à contracção auricular aumento da intensidade do sopro: reforço telediastólico/pré-sistólico. Este reforço só acontece em ritmo sinusal. 2. ↑S1, eventualmente palpável: nas fases iniciais de evolução; fecho repentino dos folhetos após a diástole; 3. S1 em estadios mais avançados; à medida que os folhetos vão ficando calcificados e imóveis. 4. Ruído de abertura (OS (opening snap) na fig.2 ): consequente à abertura abrupta válvula; com o agravamento da estenose, a pressão da AE excede mais precocemente a pressão do VE e o intervalo entre S2 e o ruído de abertura vai-se tornando mais curto. 5. ↑P2 (por causa da HTP); 6. S4 direito (em estádios muito avançados) EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO I. Rx Tórax RX torax Fig.3: Rx tórax do RX torax normal caso clínico Fig.4: Esquema para a leitura de um Rx tórax apresentado. normal. 1. Artéria pulmonar e aurícula direita muito engurgitadas (seta preta); Esta dilatação pode causar compressão do esófago. 2. Ponta do VE levantada (seta vermelha); 3. Dilatação do coração direito; 4. Vasos pulmonares proeminentes (engurgitados por causa da HTP) 5. Reforço peri-hilar em forma de “asas de morcego”: edema intersticial fervores crepitantes nas bases; Também pode haver evidências de EAP (apagamento dos ângulos costo-frénicos, etc). II. ECG Fig.5: ECG referente ao caso clínico. 1. Fibrilhação Auricular; 2. Taquicardia supra-ventricular (QRS não estão alargados); 3. AE alargada (não perceptível neste ECG): aumento do tempo da onda P, ≥ 0.12s, especialmente em DII. Pode haver onda P bifásica, visível em DII e V1, mas apenas quando também há hipertrofia a AE. III. Ecocardiograma Fig.5: Ecocardiograma do caso clínico apresentado. Fig.6: Esquema para a leitura do ecocardiograma. 1. Aurícula esquerda dilatada (+++); 2. Válvula mitral calcificada; 3. Coração direito dilatado (não é visível na imagem); 4. Espessamento e restrição da abertura da válvula mitral; 5. Ventrículo esquerdo normal; 6. Aumento da velocidade através da mitral (Eco-doppler), que se relaciona directamente com o gradiente de pressões entre a aurícula e ventrículo esquerdos. A professora deu como exemplo ilustrativo o aumento da velocidade de fluxo da água quando se aperta uma mangueira. IV. Cateterismo cardíaco: Raramente feito nestas situações, apenas para despiste de doença coronária ou pré-valvuloplastia; Permite medir o gradiente de pressões através da válvula mitral. EVOLUÇÃO Melhoria após tratamento com: - O2 - Furosemido ev - Digoxina ev (freq. 120 bpm - 90 bpm); Fig.7: ECG referente ao caso clínico, realizado após a terapêutica. TRATAMENTO DA ESTENOSE MITRAL - MÉDICO: 1. Diuréticos para diminuição da pré-carga e redução do risco/tratamento do edema pulmonar; 2. Manutenção do ritmo sinusal (anti-arritmicos) ou controlo da frequência ventricular na fibrilhação auricular. A digoxina é o fármaco de eleição, os beta-bloqueantes e os bloqueadores dos canais de cálcio também são uma escolha possível; 3. Profilaxia da endocardite. 4. Anticoagulação. - CIRÚRGICO: (a indicação é apenas sintomática) 1. Valvuloplastia percutânea por balão um cateter com um balão acoplado é posicionado através da válvula mitral, seguidamente é insuflado e consequentemente separa as cúspides; tem resultados excelentes a curto e longo prazo quando os folhetos e cordas ainda estão flexíveis e não calcificados; Contra-indicações: a) Regurgitação Mitral; b) Calcificação marcada da mitral; c) Trombo auricular. 2. Comissurotomia mitral “a céu aberto”: visualização directa da válvula; desbridação e separação das cúspides; remoção de trombos auriculares esquerdos. 3. Substituição da válvula mitral - prótese CASO CLÍNICO 2 Homem de 56 anos, assintomático, recorre a uma consulta após diagnóstico de sopro cardíaco numa consulta de seguros. Nega dispneia, cansaço fácil, edemas, dor torácica. Refere ter-lhe sido diagnosticado “sopro inocente” na altura do serviço militar. Sem história de hipertensão, diabetes, dislipidémia ou tabagismo. Sem antecedentes familiares de cardiopatia. Ao Exame objectivo PA 135/85, Pulso:70bpm, RR, FR 12 cpm T 37ºC Jugulares < 5 cm Carotidas: Morfologia e amplitude normais AP: murmúrio vesicular em ambos os hemitoraces; Coração: Choque da ponta dilatado, no 5º EIE lateral na LMC; S1 normal; S2 desdobrado fisiologicamente. Sem S3 ou S4; Sopro holossistólico 3/6 no apex com irradiação à axila Abdomen: Sem organomegálias, sem ascite; Membros: Sem edemas QUAL O DIAGNÓSTICO 1. Comunicação interventricular o sopro também é holossistólico mas ouve-se melhor no bordo esquerdo do esterno e irradia para a direita. 2. Insuficiência mitral aguda é sintomática, como as alterações são repentinas a circulação pulmonar não tem capacidade de se adaptar. 3. Insuficiência mitral crónica 4. Estenose aórtica o sopro é mesossistólico com irradiação para carótidas; 5. Canal arterial o sopro é contínuo. INSUFICIÊNCIA MITRAL Há uma passagem anormal do sangue do ventrículo esquerdo para a aurícula esquerda durante a sístole. Este fenómeno leva a um aumento da pressão na aurícula esquerda, aumento da pressão vascular pulmonar com repercussão nas cavidades direitas e aumento do volume telediastólico no ventrículo esquerdo. Fig.7 Fig.8.: Esquema demonstrativo da variação de pressões na AE e o VE durante a sístole. Numa situação normal não há aumento de pressão na aurícula esquerda. Nesta situação, há fluxo retrógrado de sangue para a AE que provoca o aumento de pressão sistólica. Causas de regurgitação mitral 1. Dilatação do anel mitral, calcificação; 2. Alterações das Valvas Congénitas; Reumáticas; Infecção. 3. Alterações das cordas: Ruptura; Fibrose e alongamento; Prolapso da válvula mitral; 4. Disfunção e rotura de musculos papilares 5. Alteração da contracção do ventrículo esquerdo que suporta o músculo papilar; Fig.9 FISIOPATOLOGIA DA IM CRÓNICA 1º Regurgitação mitral: sobrecarga de volume na AE gradual da aurícula esquerda 2º Sobrecarga de volume diastólico: Maior estiramento das fibras cardíacas (lei de Frank-Starling) e volume sistólico hipercontractilidade inicial 3º Dilatação e hipertrofia gradual do VE: hipocontractilidade e disfunção ventricular esquerda nos estadios mais avançados HISTÓRIA NATURAL DA INSUFICIÊNCIA MITRAL Fig.9 1. Longo período assintomático 2. Cansaço fácil ao contrário da estenose mitral cujo primeiro sintoma é congestivo (dispneia), na insuficiência mitral é de baixo Risco de endocardite e Fibrilhação auricular débito; 3. ICC esquerda; 4. Falência ventricular direita. SINTOMAS 1. Cansaço fácil/ dispneia de esforço; 2. Dispneia e ortopneia 3. Palpitações (relacionadas com fibrilhação auricular); 4. Tosse; 5. Sintomas de IC direita. SINAIS Observação Cardíaca: PALPAÇÃO 1. Choque de ponta hiperdinâmico desviado para baixo e para fora; 2. Impulso paraesternal esquerdo (em estadios muitos avançados) AUSCULTAÇÃO Sopro holossistólico na área mitral, com irradiação para a axila esquerda e dorso; 2. ↓S1; 3. ↑P2 (em caso de HTP); 4. S3 ( em disfunção ventricular grave); Pulso carotídeo breve pouco intenso; Sinais insuficiência cardíaca direita; EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO I. ECG Ritmo: sinusal (neste caso clínico, mas pesquisar sempre FA); Dilatação da AE (alterações da onda P, quando em ritmo sinusal); HVE. II. Rx torax Índice cardiotorácico ligeiramente aumentado; dilatação AE; HVE (em fases sintomáticas); Fig.9: Exemplo de um RX tórax de um individuo com IM crónica em estádio avançado. Pode descrever-se: ↑ volume da artéria pulmonar; ↑ volume do ventrículo esquerdo; ↑ volume da aurícula esquerda; ↑ coração direito III. Ecocardiograma - Dopller Fig.10: Eco-doppler cardíaco referente ao caso clínico: Insuficiência mitral com prolapso; AE dilatada; VE ligeiramente dilatado e com contractilidade normal. O Ecocardiograma é a melhor maneira de caracterizar por completo a situação / funcionalidade das cordas tendinosas. IV. Cateterismo: Apenas para coronariografia pré-operatória ou quando a janela ecocardiográfica não é suficiente para a caracterização total da insuficiência valvular e não é possível fazer Eco transesofágica. EVOLUÇÃO 1. Necessidade de seguimento periódico de 6 em 6 meses e da profilaxia da endocardite 2. Ao longo do tempo – assintomático, exame objectivo semelhante, ecocardiogramas com insuficiência moderada e ventrículo esquerdo com dimensão semelhante 3. Cinco anos depois – inicia queixas de cansaço para grandes esforços (deixou de jogar ténis). POSSÍVEIS CAUSAS DE DESCOMPENSAÇÃO: ruptura de uma corda: o prolapso da válvula mitral (PVM) leva a que as cordas sejam maiores e mais frágeis; Endocardite. Evolução natural por aumento progressivo da dilatação do anel valvular. ALTERAÇÃO DOS EXAMES I. Coração: Choque da ponta no 6º EIE, 3 cm à esquerda da LMC e alargado; S1 apagado; Sopro holossistólico no apex 4/6 S3, seguido de um sopro diastólico sinal de insuficiência mitral grave, com significado hemodinâmico: o volume de sangue que regurgita para a aurícula, em cada sístole, regressa ao ventrículo na diástole sobrecarga de volume II. ECG: Ritmo Sinusal; Dilatação da AE; HVE; III. RX torax: Cardiomegalia com procidência do VE; Hipertensão venocapilar; IV. Ecocardiograma: Insuficiência mitral com prolapso; Dilatação da AE e do VE com compromisso da função sistólica. TERAPÊUTICA DA IM 1. Diuréticos 2. Anti-arritmicos e anticoagulantes após o primeiro episódio de FA 3. Vasodilatadores arteriais 4. Vigilância da função ventricular seriada A valvuloplastia é o ideal, em situações precoces pode restituir a funcionalidade da válvula até 100%. 5. Reparação da VM antes da disfunção ventricular - Mortalidade da plastia: 2-4% - Mortalidade da prótese: 5-10% As mortalidades apresentadas estão associadas a casos com muitas co-morbilidades e factores de risco. Na maioria dos outros casos atinge valores perto dos 0%. PROLAPSO DA VÁLVULA MITRAL (A professora apenas referiu esta patologia, não havia nenhum slide sobre o assunto, fica aqui a definição e características gerais para uma melhor compreensão do caso clínico. Para maior aprofundamento Cecil p85 versão portuguesa) É a valvulopatia congénita mais comum: afecta cerca de 2 a 3% da população; maior prevalência nas mulheres; traço autossómico dominante (PVM clássico); Existem dois tipos: I. Primário ou clássico: degeneração mixomatosa da válvula mitral sem evidências de doenças sistémicas; II. Secundário (doença sistémica, pex: Síndrome de Marfan, LES) A maioria dos pacientes são assintomáticos. Pode estar associado a vários graus de IM, mas há uma quantidade significativa de pessoas com PVM sem qualquer sintoma de IM, nestes casos não se preconiza nenhuma medida terapêutica especifica para além da profilaxia da endocardite. No entanto, os homens a partir sensivelmente dos 50 anos com PVM assintomático têm um maior risco de desenvolver IM e endocardite. O sinal característico de PVM é um clique mesossistólico seguido de um sopro telessistólico. Este sopro é evidenciado com manobras que diminuem o volume do VE, que tornam o clique mais precoce e o sopro tende a parecer holossitólico. Diagnóstico definitivo e total caracterização do PVM só é possível por ECO. CASO CLÍNICO 3 OL, sexo masculino, 71 anos, professor reformado. MI: Precordialgia e perda de conhecimento. Desde há cerca de um ano ― episódios de dor retrosternal, de tipo opressivo, em relação com esforços, que cedem ao repouso em poucos minutos. Agravamento progressivo, actualmente para médios esforços. Desde há dois meses, refere tonturas concomitantes. No dia do internamento - episódio de perda de conhecimento súbita, após refeição e ao subir uma escada. Não refere pródromos. A recuperação da consciência foi total. Desconhece a duração da perda de consciência. AP: Tabagismo desde os 20 anos, diabetes II, dislipidémia não controlada. AF: Irmão com enfarte de miocárdio aos 60 anos. Ao exame objectivo: PA-165/85 mmHg Jugulares não ingurgitadas. Pulsos carotídeos palpáveis, simétricos, de pequena amplitude (tardus?). Pulmão Pulso- 50 ppm, RR - Inspecção, palpação, percussão e auscultação sem alterações. Coração: - Choque da ponta no 5º EIE, impulsivo - AC: audível sopro sistólico na área aórtica, em crescendo-decrescendo, com irradiação para a base do pescoço. Click sistólico de ejecção. Audível A2 (componente aórtico do segundo som) Restante exame objectivo sem alterações. Analisando o caso clínico, é de destacar: - O sopro sistólico, com irradiação para os vasos do pescoço, audível na área aórtica, que nos permite concluir que se trata de um sopro resultante de uma estenose da válvula aórtica. - O facto do sopro ser em crescendo-decrescendo, deve ser entendido como resultado da existência de uma câmara de alta pressão (ventrículo esquerdo) a tentar ultrapassar uma barreira (que é a estenose valvular), para outra câmara de pressão (aorta). Assim, o sopro vai aumentando à medida que a pressão aumenta no ventrículo esquerdo, atingindo o pico máximo quando essa pressão consegue ultrapassar a resistência da válvula, e volta a diminuir no resto da sístole. - A irradiação do sopro para as carótidas, que permite distingui-lo do de insuficiência mitral. - As queixas de pré-cordialgia apresentadas pelo doente são queixas típicas, inicialmente para grandes esforços, e que vão agravando progressivamente, até a um episódio de sincope; - O choque de ponta impulsivo, que é sinal de hipertrofia ventricular esquerda; - O pulso tardus, que traduz, em termos hemodinâmicos, um aperto aórtico importante; - O click sistólico de ejecção, que significa existência de estenose valvular; Em termos de exames complementares de diagnóstico, o ecocardiograma revelou aumento da espessura da parede do ventrículo esquerdo e uma diminuição da mobilidade da válvula aórtica. O Eco-doppler mostrou a existência de um gradiente de pressões entre o ventrículo esquerdo e a artéria aorta. Isto acontece porque a pressão da aorta (AP) não acompanha o aumento de pressão do ventrículo esquerdo (LVP). Existe, então, um gradiente entre a pressão no ventrículo esquerdo (LVP) e a aorta (AP) e, quanto maior esse gradiente, mais grave será estenose. Tendo, então, as seguintes hipóteses de diagnóstico: 1. Doença coronária aterosclerótica e síncope por disritmia; 2. Doença coronária aterosclerótica, “esclerose valvular” aórtica e lipotímia; 3. Estenose valvular aórtica grave, com angina de esforço e síncope de esforço; 4. Estenose subvalvular aórtica grave, com angina de esforço e síncope de esforço; Conclui-se que este caso clínico corresponderá a uma estenose valvular aórtica grave, com angina e síncope de esforço. Não poderia ser uma situação de estenose subvalvular aórtica porque, apesar desta apresentar o sopro de efluxo característico, não é acompanhada de click de ejecção.sistólico. Em termos etiológicos, qual será a causa mais provável? 1. Febre reumática; 2. Degenerescência valvular; 3. Válvula aórtica bicúspide; 4. Endocardite infecciosa. Tendo em conta que a causa congénita, por válvula aórtica bicúspide, acontece no jovem, a etiologia mais provável será a degenerescência valvular, uma vez que o doente tem uma associação de factores de risco de aterosclerose ― idade avançada, sexo masculino, tabagismo, HTA, diabetes, hiperlipidémia. Na história natural da estenose aórtica grave, qual o sintoma que não afecta significativamente a esperança de vida? 1. ANGINA DE ESFORÇO 2. DISPNEIA DE ESFORÇO 3. SÍNCOPE DE ESFORÇO 4. PALPITAÇÕES RÁPIDAS PAROXÍSTICAS De todos estes sintomas, aquele que não afecta a esperança média de vida são as palpitações rápidas paroxísticas. Analisando estes sintomas: A angina (angor de esforço) pode ocorrer na ausência de doença arterial coronária devido ao aumento das necessidades de oxigénio pelo ventrículo hipertrofiado e ao fluxo coronário diminuído secundariamente à pressão diastólica ventricular esquerda elevada. A síncope pode resultar de arritmias transitórias, mas é mais comum ocorrer com o esforço, quando o débito cardíaco é insuficiente para manter a pressão arterial na presença da vasodilatação periférica induzida pelo exercício. Não há aporte de sangue à cabeça e o doente tem lipotímia ou síncope. O ventrículo hipertorfiado vai, então, aumentar a força de contracção e, se esta for muito forte, vai transmitir-se retrógadamente com aumento da pressão na aurícula esquerda e a nível pulmonar, com consequente estase pulmonar e dispneia. Estes três são, então, sintomas cardinais de estenose aórtica e o seu aparecimento está relacionado com a sobrevida e prognóstico destes doentes. Assim: - Angina → Sobrevida 6 anos; - Síncope → Sobrevida 4 anos; - Insuficiência cardíaca → Sobrevida 2 anos; Por tudo isto se percebe que, quando os doentes com estenose aórtica desenvolvem estes sintomas, o seu prognóstico é mau, tendo indicação para cirurgia. ESTENOSE AÓRTICA A estenose aórtica é das valvulopatias mais frequentes e, em termos etiológicos, pode ser congénica (raro) ou adquirida (mais frequente). A anomalia congénita mais comum é a válvula aórtica bicúspide, em que o estreitamento significativo do orifício ocorre por volta dos 20/30 anos de idade, após anos de fluxo turbulento que resultam em fibrose, espessamento e calcificação das cúspides, com restrição da abertura sistólica. A estenose aórtica adquirida pode resultar de doença degenerativa, que é mais comum nas idades avançadas, ou de febre reumática. Na estenose aórtica existe um estreitamento anormal à passagem do sangue vindo do ventrículo esquerdo para a aorta, o que faz aumentar a sua velocidade, tornando-o turbulento e diminuindo, assim, o débito cardíaco. Esta obstrução do orifício de saída vai progredindo gradualmente ao longo dos anos, resultando em hipertrofia ventricular esquerda, que permite ao ventrículo manter um gradiente de pressão através da válvula sem comprometer o volume de ejecção. No entanto, a hipertrofia ventricular esquerda resulta em rigidez diastólica aumentada da parede, de tal modo que é necessária uma maior pressão cavitária para manter o enchimento ventricular esquerdo. Os doentes com estenose aórtica grave podem permanecer assintomáticos durante muitos anos, apesar da presença de uma obstrução grave. Contudo, quando desenvolvem sintomas (sintomas cardinais de estenose aórtica – angina, síncope e dispneia), o seu prognóstico é péssimo, a menos que seja realizada cirurgia para correcção. Ao exame objectivo, o doente com estenose aórtica apresenta: - Impulso apical (choque de ponta) deslocado lateralmente, forte e sustido, secundário à hipertrofia ventricular esquerda. - Pulso carotídeo de intensidade diminuída e atrasado (pulso parvus et tardus); - Sopro mesosistólico, rude, em crescendo-decrescento, audível na área aórtica e com irradiação para a base do pescoço/carótidas. Conforme for aumentando o grau de obstrução, o “pico” do sopro ocorre mais tardiamente na sístole; - Click sistólico de ejecção; - Por diminuição da mobilidade das válvulas, o A2 fica diminuído ou até ausente. Em termos de exames complementares de diagnóstico, a ecocardiografia revela-se útil não só na determinação da etiologia da estenose, como também para quantificar o grau de obstrução. Usando-se, então, técnicas de Doppler, o gradiente médio e a área valvular podem ser estimadas. Uma área valvular menor que 0,7 cm 2 define uma estenose grave (área valvular normal:3cm2) e, geralmente, está associada a um gradiente valvular médio superior a 50 mmHg. O tratamento consiste na troca cirúrgica da válvula, que pode ser feita recorrendo a próteses mecânicas e biológicas, resultando em melhora clínica e hemodinâmica significativas. As próteses mecânicas têm uma duração extremamente prolongada e, teoricamente, não precisam de ser trocadas. Contudo, devido ao elevado risco tromboembólico que acarretam, requerem anti-coagulação a longo prazo. As próteses biológicas, apesar de apresentarem menor risco de complicações por doença tromboembólica, tem uma menor durabilidade (cerca de 10 a 15 anos), pelo que são preferencialmente colocadas no idoso e nas jovens mulheres que pretendem engravidar. De referir, por último, que a estenose aórtica faz diagnóstico diferencial com: Estenose subaórtica membranosa - na qual o sopro não irradia para as carótidas e não existe click sistólico, ao contrário do que acontece na estenose aórtica. Figura 11 – Neste ecocardiograma é visível uma estrutura no tracto de saída que é uma membrana sub-aórtica. Esta funciona como se fosse uma estenose aórtica, apesar e a válvula ser normal, levando ao aparecimento de sintomas idênticos aos da estenose. Miocardiopatia hipertrófica obstrutiva - na qual o sopro não irradia para as carótidas, e aumenta de intensidade com manobras que reduzam o volume ventricular, e pela ausência de click sistólico. CASO CLÍNICO 4 • CS, 38 anos, sexo masculino • Desde há uns meses, refere queixas de cansaço fácil • Sem dispneia, palpitações, dor precordial, febre, emagrecimento • AP. Antecedentes de sífilis. • Sem factores de risco de doença aterosclerótica • AF. Sem interesse • PA=150/50 mmHg • Pulso carotídeo tipo Corrigan • Choque da ponta alargado, hiperdinâmico, no 6ª EIE, linha axilar anterior • AC: Sopro diastólico de alta frequência, audível no bordo esquerdo do esterno, em Pulso=88ppm decrescendo. • AP - Sem alterações • Restante exame objectivo sem alterações Antes de avançar com o diagnóstico, é necessário pedir exames: ECG, ecocardiograma transesofágico e transtorácico e RX toráx. O ECG mostrou sinais de hipertrofia ventricular esquerda, pelo que podemos depreender que se trata de uma situação crónica. O ecocardiograma mostrou um ventrículo esquerdo dilatado e regurgitação aórtica. Por tudo isto podemos, então, concluir que se trata de uma insuficiência aórtica crónica, sendo qualquer uma das etiologias abaixo referidas possível: – REUMATISMAL, – DEGENERATIVA DO IDOSO; – PÓS-ENDOCARDITE, – PÓS-TRAUMA – INFECCIOSA – DILATAÇÃO DO ANEL AÓRTICO – CONGÉNITA (BICUSPIDIDA) De referir que este doente tem antecedentes de sífilis, que cursa com complicações cardiovasculares, nomeadamente aortite, aneurisma de aorta e regurgitação aórtica. INSUFICIÊNCIA AÓRTICA A insuficiência aórtica pode ser secundária a uma doença primária dos folhetos aórticos1, da raiz da aorta ou de ambos. Em qualquer dos casos, existe uma incapacidade dos folhetos aórticos, pelo que há passagem retrógada de sangue em direcção ao ventrículo esquerdo. Desta forma, o ventrículo esquerdo recebe o normal volume de sangue proveniente da aurícula esquerda e o volume regurgitante aórtico. Como resultado deste aumento de volume, o ventrículo hipertrofia e dilata. Tudo isto acontece numa situação de insuficiência aórtica crónica, que tem instalação progressiva e que, portanto, dá tempo ao ventrículo para se adaptar. Contudo, se se tratar de uma situação de insuficiência aórtica aguda, tal não se verifica, pelo que semiologicamente os achados variam. Em termos de exames complementares de diagnósticos, o ECG apresenta alterações secundárias à adaptação do ventrículo esquerdo, ou seja, sinais de grande hipertrofia: aumento do Índice de Sokolow-Lyon, que corresponde à soma do S de V1 com o R de V5 ou V6 superior a 35 mm; infra-desnivelamento de ST convexo para cima; inversão e assimetria da onda T nas derivações pré-cordiais esquerdas. No Rx toráx será visível um aumento do índice cardiotorácico, com dilatação do ventrículo esquerdo. Na insuficiência aguda não há alterações visíveis no ECG nem no Rx Toráx. A ecocardiografia é o exame mais sensível para detectar e avaliar uma insuficiência valvular. Nesta situação, seria então detectável a existência de um refluxo regurgitante aórtico que bate no folheto anterior da válvula mitral. - INSUFICIÊNCIA AÓRTICA CRÓNICA Clinicamente, os doentes com insuficiência aórtica crónica podem ser assintomáticos por longos períodos, devido às alterações compensatórias do ventrículo esquerdo. Contudo, com a progressão da insuficiência aórtica, estas alterações no tamanho e na parede do ventrículo esquerdo tornam-se insuficientes, havendo uma deteorização da contractilidade do ventrículo esquerdo, com aumento do volume e da pressão telediastólica e insuficiência cardíaca a montante e a jusante. Surgem, então, sintomas. Estes incluem: dispneia de esforço, ortopneia e dispneia paroxística nocturna. Ao exame objectivo: - Pressão de pulso alargada. - Pulso de Corrigan: pulso com subida rápida, pico muito alto e colapso rápido. 1 A doença dos folhetos aórticos conduz a lesão valvular e pode ser congénita, causada por doença reumática ou decorrente de endocardite prévia. - Sopro diastólico, de alta frequência, em decrescendo, com irradiação para o bordo esquerdo do esterno. Este sopro inicia-se com S2 e pode não ocupar toda a diástole. É mais audível com o doente sentado e com anteflexão do tronco e em expiração profunda. - Sopro sistólico de ejecção, secundário ao volume de sangue aumentado através da válvula aórtica insuficiente ― turbulência à passagem do sangue. - Sopro diastólico de baixo timbre (Sopro de Austin-Flint) que pode ser ouvido junto ao apéx, que acontece quando o fluxo de regurgitação bate no folheto anterior da válvula mitral. - Tardiamente: S3, ↑P2 (por aumento da pressão pulmonar) - INSUFICIÊNCIA AÓRTICA AGUDA As causas mais frequentes de insuficiência aórtica aguda incluem endocardite, ruptura traumática dos folhetos aórticos e dissecção da aorta. Ao contrário do que acontece na insuficiência aórtica crónica, a insuficiência aórtica aguda é uma emergência médica, na medida em que o ventrículo esquerdo é incapaz de dilatar para acomodar o volume diastólico aumentado, resultando num volume de ejecção diminuído que, consequentemente, conduz a uma instabilidade hemodinâmica. Ao mesmo tempo, as pressões ventriculares e auriculares esquerdas aumentam rapidamente, sendo esta pressão transmitida às veias e capilares pulmonares, levando a congestão pulmonar. É, então, fácil perceber que esta situação evolui rapidamente para insuficiência cardíaca esquerda com edema agudo do pulmão, choque e morte. Estes doentes apresentam-se, geralmente, pálidos e com extremidades frias devido à vasoconstrição periférica. O seu pulso é fraco e rápido e a pressão de pulso está normal ou diminuída. O sopro de insuficiência aórtica aguda é diastólico, de timbre baixo e curto.