PRIMEIRA IGREJA PRESBITERIANA DE CASA CAIADA CURSO DE TREINAMENTO PARA PRESBÍTEROS, DIÁCONOS E LÍDERES Módulo IV TEOLOGIA BÍBLICA DO CULTO SUMÁRIO Perspectivas bíblicas sobre o culto. Elementos e formas litúrgicas biblicamente construídas. Cultura e liturgia. Celebrações do povo de Deus. Competências a serem Construídas Depois de realizar este estudo, você deverá ter construído as seguintes competências: Competência-chave: montar, dirigir e avaliar cultos comunitários. Competências-secundárias: 1 Conhecer as perspectivas bíblicas sobre o culto. 2 Descrever os elementos e formas litúrgicas biblicamente construídas. Analisar cultura e liturgia. 3 4 Elaborar celebrações para o povo de Deus. EVANGELIZAÇÃO – ADORAÇÃO – COMUNHÃO – DISCIPULADO – SERVIÇO 1 PRIMEIRA IGREJA PRESBITERIANA DE CASA CAIADA Introdução Vivemos, atualmente, numa época onde os modelos do culto a Deus perderam seus parâmetros. Esta não é uma realidade apenas no Brasil, é algo que está acontecendo no mundo inteiro. Cristãos de várias igrejas não se entendem quando o assunto é forma de se adorar a Deus. Cruzar os braços, aceitar qualquer proposta ou colocar-se como exclusivista são alternativas que já começam a marcar as liturgias (o serviço a Deus). Sendo o assunto pertinente e relevante, o líder cristão precisar de instrução da Palavra de Deus para conduzir a igreja a uma adoração que agrade a Deus. Se analisarmos apenas os últimos 50 anos, verificamos que esse problema se restringia à proposta das igrejas pentecostais que aceitavam algumas expressões corporais e emocionais durante o culto, tendo do outro lado as igrejas históricas com uma ordem de culto mais pendente para o racional e rejeitando as expressões corporais tais como palmas, palavras gritadas, levantar as mãos etc. Caso as Sagradas Escrituras não se pronunciassem sobre esse assunto, a igreja moderna estaria vivendo um caos cúltico. Entretanto, tanto o AT quanto o NT são ricos de princípios e determinações que orientam o culto a Deus. Isto significa que é totalmente possível produzirmos uma teologia bíblica do culto. À medida que nos aprofundamos no estudo desse assunto, algumas perguntas começam a surgir: Como o povo de Deus pode adorá-LO segundo os princípios tanto do Antigo quanto do Novo Testamento? Segundo o teólogo Gerard Van Groningen1 quando olhamos para a sociedade, iremos encontrar três ênfases básicas: (1) Há uma ênfase reformada, ou renovada na liturgia. Groningen não se refere ao movimento dos neopuritanos que hoje começam a tomar espaço.2 Ele se refere aos círculos de teólogos reformados, tanto nos Estados Unidos como no Canadá, que estão copiando padrões da Igreja Anglicana antiga. (2) A segunda ênfase é uma reação contra a idéia anterior. A proposta é: "Deixem as pessoas fazerem como elas entendem!" O resultado parece ter sido a introdução do conceito de diversão e satisfação do adorador quanto ao modo de adoração. Se uma ênfase diz: "Vamos fazer o que a Igreja fez tradicionalmente"; a outra diz: "Liberdade! Liberdade dos tempos do Novo Testamento; vamos ter o Espírito Santo dirigindo". (3) Há uma terceira posição, que é a daqueles que querem conservar a liturgia tradicional reformada. Eles não querem seguir os costumes como o uso de togas; ou ajoelhar-se, como os anglicanos. É um apelo à tradição puritana original, pois querem cultuar como os puritanos fizeram no passado. Mesmo reconhecendo que a teologia do culto divino não se restringe a uma expressão de coletividade, o foco desse estudo está voltado para o culto coletivo da igreja. E em se tratando do povo de Deus que se declara como servo, todos têm que concordar que há uma necessidade de honrar a Deus e adorá-Lo com um serviço religioso (liturgia) cuja forma deve ser estabelecida pelo próprio Deus, e que ao mesmo tempo O glorifica e edifica a igreja. A adoração deve ser o princípio básico do culto. Esta é a ênfase tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. Para Van Groningen, as Escrituras enfatizam que a adoração é a dispensação da liberdade, mas tal liberdade é controlada por quatro princípios específicos: A centralidade de Cristo e da Palavra;3 O Deus Triúno; A necessidade de ordem, por parte dos cultuadores; A administração correta daquele que é indicado como o líder no culto. 1 Gerard Van Groningen. O Culto no Antigo Testamento. Disponível em: <www.ipb.org.br>. O movimento do neopuritanismo procura reviver as práticas dos teólogos puritanos dos séculos 17 e 18, na grande maioria das vezes desconsiderando a cultura atual e restaurando a cultura e as práticas por aqueles homens praticadas. 3 Alderi Souza de Matos. Sola Scriptura: A centralidade da Bíblia na experiência protestante Disponível em: <http://www.mackenzie.com.br/teologia/Historia%20da%20Igreja/ReformaP.htm>. 2 EVANGELIZAÇÃO – ADORAÇÃO – COMUNHÃO – DISCIPULADO – SERVIÇO 2 PRIMEIRA IGREJA PRESBITERIANA DE CASA CAIADA É sobre esses trilhos que vamos estudar a teologia do culto destacando quatro abordagens: Perspectivas bíblicas sobre o culto; Elementos e formas litúrgicas biblicamente construídas; Cultura e liturgia; e finalmente, As celebrações do povo de Deus. 1. Perspectivas Bíblicas sobre o Culto O Catecismo Maior de Westminster, na resposta da sua primeira questão quanto ao propósito principal do ser humano, responde: “O fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre.” As perguntas mais antigas sobre o homem dizem respeito à sua origem e ao exato porquê de sua existência. Portanto, é fundamental que a fé cristã dê uma resposta a este homem angustiado em busca de si. A Reforma Protestante deu um passo marcante para resolver a questão do significado do homem ao respondê-la de acordo com as Sagradas Escrituras. A resposta para o propósito de nossa existência é simples, contudo extremamente elucidativa sobre a questão: “O homem existe para glorificar o Criador”. É exatamente sobre este prisma que o culto a Deus deve ser oferecido. A partir disto, é possível verificar na Bíblia a maneira como este homem deve proceder em todas as áreas de sua vida, pois o seu propósito supremo é viver para a glória de Deus. Afinal foi para isto que Deus o criou. Para entendermos o ensino bíblico que regulava a ordem do culto, é preciso fazer uma abordagem no Antigo e Novo Testamentos. No que diz respeito ao AT, lançaremos mão da excelente abordagem de cinco épocas feita por Van Groningen, no seu artigo O Culto no Antigo Testamento. a) De Adão ao Êxodo Neste período o culto estava centralizado na família, podendo ser chamado de adoração doméstica. Há alguns que gostariam de re-editar aquele período de Adão com um culto familiar. Estes buscam base para isso também no Novo Testamento (culto nas casas). Mas o fato é que o culto centralizado na família era anterior ao Êxodo, o altar doméstico era central. No altar, Deus e o povo se encontravam e nele eram feitos sacrifícios. Caim e Abel ofereceram sacrifícios (Gn 4.2-5) e, embora não saibamos que tipo de altar eles construíram, sabemos com certeza que o diabo estava ativo lá. Foi no contexto daquela liturgia doméstica que o primeiro homicídio aconteceu. Encontramos também naquela época os sacrifícios de expiação de pecados (Jó 1). Ali lemos que Jó sacrificava pelos pecados dos seus filhos. Também havia sacrifícios de gratidão. Noé sacrificou depois de ter saído da Arca (Gn 8.29). Entretanto há o registro de que Enoque andou com Deus (Gn 5.24), Abraão andou com Deus, mas não nos é dito que instruções eles receberam para cultuar a Deus. Descobrimos que desde Gênesis 1 até Êxodo 19 não há qualquer especificação sobre como deveria ser o culto. O que encontramos são relatos de adoração a Deus, nós sabemos o que eles fizeram, mas não sabemos exatamente o que fizeram ou se tinham que fazer como foi descrito. Mas acreditamos que eles eram conduzidos pelo Espírito. b) Desde Moisés, em êxodo 19, até I Samuel Este foi o período do Tabernáculo. O Tabernáculo era uma grande tenda que simbolizava a habitação de Deus. Humanamente falando, ele era um verdadeiro palácio portátil, porém seu significado está muito acima de tal conceito. Nele estava a Arca, o lugar do trono de Deus. É preciso repetir que Deus era e é o Rei, Ele reinava no meio do seu povo, e ai daquele que não O honrasse como tal (Sl 24). No Tabernáculo também havia a mesa da propiciação, falando da provisão maravilhosa de Deus para o Seu povo; havia o candelabro com sete lâmpadas, representando o Espírito de Deus que produz luz; havia o local de incenso, representando as orações do povo que eram levadas a Deus, o Rei; do lado de fora havia o altar, antes da entrada. Imaginem, então, Deus, o Rei, saindo do Seu EVANGELIZAÇÃO – ADORAÇÃO – COMUNHÃO – DISCIPULADO – SERVIÇO 3 PRIMEIRA IGREJA PRESBITERIANA DE CASA CAIADA trono e postando-Se à entrada do Tabernáculo, ali junto ao altar; e ao sacerdote, representando o povo que ficava do outro lado. Eles se encontravam no altar de adoração, de consagração, lugar de interação amorosa, o lugar onde o pecado era removido pelo derramamento de sangue, lugar onde o povo recebia a segurança da bênção divina. Mas, antes que o sacerdote pudesse chegar ao altar, havia a bacia, ali era onde a purificação externa tinha que acontecer. O sacerdote tinha que se lavar, os sacrifícios tinham que ser externamente limpos, nenhuma impureza externa era aceita. Deus exigia pureza, limpeza, santidade! No altar, o coração era purificado, mas, antes que o coração fosse purificado, o povo tinha que se purificar externamente; o sacerdote que representava o povo tinha que comparecer perante Deus totalmente purificado e limpo. A primeira prescrição que temos para adoração, portanto, é que todas as coisas utilizadas no culto expressavam a Pessoa de Deus, Seus atributos, Sua presença, Seu relacionamento com o povo, e como o povo respondia a Deus. No Antigo Testamento, no Tabernáculo, o sacerdote tinha um papel muito importante, era o mediador entre Deus e o homem. Ele tinha que trazer os sacrifícios que o povo lhe dava, mas também tinha a grande tarefa de intercessão; ele tinha que trazer perante Deus as preocupações, os cuidados, e as alegrias do povo. E os sacerdotes não eram apenas responsáveis pelo trabalho de intercessão: tinham também que trabalhar, receber as apreensões, os cuidados, prestar serviço social, cuidar para que as leis sociais e sanitárias fossem mantidas etc. E, assim envolvidos socialmente, eles podiam interceder melhor, e os sacrifícios que eles traziam eram mais significativos. Além disso, os sacerdotes tinham outra tarefa: eram eles que tinham que trazer a Palavra de Deus, inscritas nas duas pedras, perante o povo, para a leitura. Eles tinham apenas que manter a Palavra. Tinham a tarefa de fazer com que as Escrituras fossem repetidamente lidas perante o povo. Então, avançando do Tabernáculo para o sacerdócio, encontramos mais de vinte tipos de sacrifícios que deviam ser trazidos; se fizermos um estudo desses sacrifícios vamos ver que cada aspecto da nossa vida, cada uma de suas dimensões, de uma maneira ou de outra, está neles representada. As festas e sábados também foram prescritos. Por que o sábado? Deus quer que o povo tenha tempo para Ele, quer que o povo O ame, e amor toma tempo. Deus quer o nosso tempo, e, infelizmente, a grande tragédia no mundo hoje é que o tempo de Deus é o nosso tempo. Pergunte a você mesmo, como você gasta o seu domingo? No Antigo Testamento, aqueles que violavam o sábado eram apedrejados, pois estavam roubando o tempo de Deus. Uma das grandes evidências da guarda do pacto no Antigo Testamento era a observância do sábado. É verdade que não podemos absolutizar tanto isso. Os puritanos o fizeram, mas o ideal é manter um equilíbrio. Por que Deus deu as festas, e deu rígidas prescrições a respeito delas? Porque Ele quer que tenhamos alegria ao lembrar aquilo que fez por nós. Todo festival tinha o seu ambiente de prazer, de alegria, mas no coração do festival estava o sacrifício. Com o estabelecimento das festas, um elemento de celebração e alegria passou a fazer parte do culto exigido por Deus. c) De Davi até o Exílio Essa foi a época do templo e a maior mudança foi a centralidade do culto. Foi estabelecida a adoração de um povo como um todo. Houve outras mudanças, mas o sacerdócio continuou a funcionar, embora em linha diferente, mas ainda da linhagem de Arão. Muitas tarefas levíticas foram mudadas. Eles não tinham mais que se preocupar em carregar aquele palácio portátil, mas tinham que fazer o trabalho de manutenção do templo de Deus. Ordenado por Deus, Davi deu prescrições a respeito dos corais e grupos instrumentais, mas os sacrifícios, o serviço sacerdotal, o sábado e as festas continuaram. Outra mudança relevante tinha a ver com o lugar de adoração. No Tabernáculo, havia o lugar santo dos santos onde estava a arca; havia também o lugar santo, para a mesa, o candelabro e o altar do incenso; então havia um lugar onde o sacerdote operava com a bacia e o altar, local onde somente eles eram admitidos. Assim, o Tabernáculo tinha o lugar "santo dos santos", um lugar um pouco maior que o "lugar santo", e depois o "átrio íntimo", onde só os homens eram admitidos. Mas o templo também incluía o "pátio das EVANGELIZAÇÃO – ADORAÇÃO – COMUNHÃO – DISCIPULADO – SERVIÇO 4 PRIMEIRA IGREJA PRESBITERIANA DE CASA CAIADA mulheres" e, além disso, em volta, havia o "pátio dos gentios", e não era apenas para os homens, o templo era para todas as pessoas e nações. De acordo com as prescrições, as nações poderiam entrar pela porta, desde que se tornassem parte do povo de Deus. É por isso que os Salmos cantavam: “Nações, louvai a Deus. Sabei que pertenceis a este lugar porque Deus é vosso e vós sois de Deus”, conforme diz o Salmo 87. d) A Era do Exílio Babilônico Nessa época não havia templo, não havia sacrifício, não havia sacerdócio. Contudo, Deus enviou profetas, como Ezequiel e Daniel. Supõe-se, portanto, que os grupos fiéis se reuniram em grupos no exílio e começaram o que depois ficou conhecido como sinagoga. e) A Era Pós-Exílica, com Neemias e Esdras A partir da restauração do templo, os sacerdotes voltaram à atividade e os sacrifícios passaram a ser novamente trazidos. Mas a ênfase é colocada sobre a Torah, a Lei de Deus que era lida perante o povo (NE 8.1-9). Também é nessa época que se supõe que outras traduções da Bíblia começaram a ser feitas, como a aramaica. As sinagogas foram estabelecidas em vários lugares, sinagogas onde homens e mulheres sempre foram mantidos separados, mas onde a Torah era lida e explicada. Havia cânticos, mas havia também uma divisão de pessoas em grupos diferentes. Há registro de diferentes práticas litúrgicas nas sinagogas. Dessas considerações bíblicas, encontramos mudanças ao longo do tempo, entretanto extraímos cinco aspectos em comum no AT: (1) Há sempre um lugar de adoração; (2) Há mudanças na liderança, mas há sempre o papel do líder; (3) Há presença da música, (4) A palavra de Deus, a Torah é sempre central; (5) O lugar da oração é inegociável. Já no Novo Testamento encontramos Jesus participando tanto do culto no templo (Mc 12.35) quanto na sinagoga (Mt 13.54). Porém, não podemos afirmar que o culto cristão absorveu todos os elementos do culto do AT, afinal o Messias chegou, não havia mais lugar para sacrifícios (Hb 9.9-15) nem dos símbolos do culto que apontavam para o Cristo. Como eram os cultos nos dias do Novo Testamento? Cremos não haver uma forma definida, nem exemplos claros de cultos! Porém, temos alguns trechos que nos revelam alguns princípios, mas não definem tudo. a. b. c. d. e. f. Mateus 26.30 – Há o registro de que Jesus cantou um hino com os discípulos. Atos 20.7-12 – Há a descrição de um lugar e de uma reunião de adoração a Deus. I Coríntios 14.26 - Dá-nos uma idéia do que poderia acontecer numa reunião da igreja. I Coríntios 14.40 – Necessidade de haver ordem e decência no culto. I Coríntios 10 e 11- Há a preocupação com a forma como a ceia do Senhor era celebrada. Há trechos que alguns dizem serem cânticos, mas não há evidências muito claras (Rm 11.33; 16.27; 1 Tm 3.16; Jd 24-25). Todavia, algumas questões ficam sem resposta: Que tipo de instrumentos havia na igreja do Novo Testamento? Eles se reuniam nas casas e nos lugares escondidos por ordem expressa dos apóstolos ou porque a situação de perseguição lhes impunha tal prática? Na verdade, o culto cristão só começou a tomar forma institucionalizada quando a perseguição do Império Romano foi abrandada. Lamentavelmente, os religiosos se deixaram levar por motivos que não a verdadeira adoração, o clero foi instituído4 e o povo passou apenas a assistir o culto. Na análise de Van Groningen, o culto deve ser centralizado em Deus e isso não foi mudado no Novo Testamento. A adoração deve ser prestada a Deus, Ele reivindica e espera 4 O conceito de clero surgiu no século III e criou duas classes de pessoas: As pessoas espirituais formadas pelos religiosos da igreja, e as demais formando a classe dos cristãos comuns. Criou-se, também, o dualismo entre coisas sagrados e coisas profanas. EVANGELIZAÇÃO – ADORAÇÃO – COMUNHÃO – DISCIPULADO – SERVIÇO 5 PRIMEIRA IGREJA PRESBITERIANA DE CASA CAIADA isso de Seu povo. Cultuar, portanto, é um ato de obediência, é trabalhar para Deus, é serviço. Essa é a razão pela qual podemos falar do serviço de culto, e não da reunião de culto; a menos que você esteja enfatizando o encontro do povo com Deus. Adorar a Deus por causa de Deus significa que honramos o Seu caráter. Ele é espiritual, e, por isso, Jesus disse que devemos adorá-Lo em espírito (Jo 4.24). Também por isso a ordem para não fazer ídolos ou qualquer representação física de Deus (Ex 20.4 e At 21:25). Isaías ficou impressionado quando estava no templo e viu a Deus, pois Deus é Santo, separado do que é material, puro; e, como espiritual que é, Ele não está limitado às experiências humanas (Is 6.1-4). Assim, como princípio maior, o culto deve ser prestado da forma que agrada a Deus, da forma como ele mesmo estabeleceu, e isto reflete sempre os atributos do caráter dEle. 2. Elementos e Formas Litúrgicas Biblicamente Construídas Como já identificamos, liturgia cristã significa Serviço do povo a Deus. Liturgia vem da palavra grega "leitos" que significa público e "ergon" que significa obra. A liturgia hoje apresenta muitas formas de reuniões, as quais, na sua maioria, foram trazidas da Europa e dos Estados Unidos. Vejamos alguns exemplos: (a) A liturgia católica ou a anglicana; (b) a liturgia metodista: ficou a estrutura, apenas. Ilustração: o costume de terminar com o Pai Nosso ou com a bênção apostólica. (c) A liturgia pentecostal tradicional: dois hinos, coral, testemunhos, pregação, apelo, fim! (d) Costume de começar e terminar uma reunião com silêncio (prelúdio, poslúdio) palmas etc.5 Pode parecer que as experiências é que determinaram ou governaram o tipo de liturgia que nos foi trazida. Se limitarmos o culto às nossas idéias, estaremos limitando o Deus infinito. Querer trazer Deus ao nível dos seres humanos para adorá-lo como se fosse um de nós, ao invés de elevarem-se ao nível santo de Deus, é inverter toda a doutrina bíblica. Deus não é apenas santo, Ele é também majestoso. O Salmo 93 diz que Ele está revestido de majestade. Deus é glorioso, é sublime, é lindo. Devemos adorá-Lo no Seu esplendor e na Sua beleza. Somos nós que devemos buscar a santidade para oferecermos o que agrada a Deus. Se mantivermos a nossa adoração nesse contexto próprio de beleza, majestade e sublimidade, adoraremos a Deus da forma como Ele deve ser adorado. Numa visão panorâmica das páginas do AT e do NT encontramos diversas formas que Deus ordena como adoração. Nem sempre elas eram praticadas no templo, porém sabemos que o local não é o fator determinante para a aceitação de nossa adoração. Eis a seguir alguns exemplos: a. Não utilizar qualquer tipo de vestimenta para apresentar culto a Deus (Ex 19.914; 28.2-4). b. O uso de palmas como celebração por atos maravilhosos de Deus (Sl 47.1). c. O uso de danças como adoração (Ex 15.20; II Sm 6.14; Sl 150.4). d. O uso de diversos e novos cânticos como louvor (Ex 15.1; Nm 21.17; I Rs 10.12; I Cr 6.32; Ne 12.46; Sl 47.7; 69.30; 96.1; 100.2; Mc 14.26; Cl 3.16). e. As orações de uma pessoa em favor de todos (I Re 8.28-54; II Cr 30.27). f. A utilização de todos os instrumentos (Sl 150.3-5). g. A celebração de festas que marcavam intervenções poderosas de Deus, como “santa convocação” (Lv 23.1-44). h. Diversidade com ordem na participação da igreja no culto (I Co 14.26; Ef 5.1719). O que mais uma vez se destaca é a centralidade de Deus na adoração. Entretanto, fica claro que Deus tem prazer na celebração alegre do seu povo (Sl 100.1). Não devemos confundir um culto modelado para agradar os que dele participam com o fato do cristão ser família de Deus, servo obediente à Palavra de Deus que celebra tal pertencimento. O princípio que deve ser obedecido na liturgia de adoração é o de adorar em espírito e em 5 João A. de Souza Filho. A Música no Culto a Deus. Disponível em http://www.metodista.com/cemetre/estudos/a%20musica.htm. EVANGELIZAÇÃO – ADORAÇÃO – COMUNHÃO – DISCIPULADO – SERVIÇO 6 PRIMEIRA IGREJA PRESBITERIANA DE CASA CAIADA verdade. Adoração que primeiro procede de um coração sincero, disposto a reconhecer seus erros e obedecer. Para isso, não é preciso estabelecer regras rígidas de expressões corporais, estilo de música ou instrumentos. 3. Cultura e Liturgia A partir do quarto século até a reforma protestante no século XVI, a separação do clero também separou a liturgia de toda e qualquer participação do povo, mantendo-a ritualista, formal e praticamente intacta. É certo que no século XI o papa Gregório VII introduziu o canto gregoriano na liturgia, e outras poucas modificações ritualísticas foram introduzidas. Entretanto, com a Reforma, duas linhas teológicas se destacaram e até produziram os dois ramos mais característicos de liturgias praticadas. Tratam-se das posições abraçadas por Lutero e por Calvino. A diferença pode ser pequena, mas as conseqüências, em termos do uso da cultura, são imensas. Lutero defendia que toda e qualquer manifestação cultural que não seja proibida pelas Escrituras pode ser utilizada na adoração a Deus. Tudo o que ele requeria era que os ritos da Igreja não deveriam conflitar com a orientação das Sagradas Escrituras. Isto estava baseada na advertência de Paulo para considerar o irmão mais fraco (Rm 14). Já a posição de Calvino é mais restrita e advogava que apenas as formas estabelecidas pelas Escrituras poderiam ser utilizadas na adoração a Deus. Calvino só iria aceitar o que a Bíblia especificamente autorizava. Se a Bíblia era a vontade revelada de Deus, afirmava Calvino, então somente as ordenanças bíblicas seriam aceitáveis a Deus. Adições humanas deveriam, por conseguinte, ser de todo ab-rogadas, porque Deus fez conhecer sua vontade nas Escrituras.6 Em outras palavras: “A diferença real entre a reforma luterana e calvinista no culto pode ser disposta como o seguinte: Lutero ficaria com o que não era especificamente condenado nas Escrituras enquanto Calvino iria ficar apenas com o que era ordenado por Deus nas Escrituras.”7 Por causa disto, as igrejas histórias mantiveram uma das duas posições. No caso das igrejas presbiterianas, abraçamos a posição que Deus deve ser adorado segundo o seu caráter exigir, contudo, isto não significa padronizar um jeito cultural, um ritmo musical, uma única forma de expressar o corpo, ou mesmo de seqüência de liturgia préestabelecida. À bem da verdade, é preciso registrar que isto foi utilizado no passado. Inquestionavelmente, devemos ficar com o que as Escrituras prescrevem, e isto ficou demonstrado nos dois itens anteriores. Entretanto, podemos perguntar: a. b. c. d. e. Que tipo de dança agrada a Deus? Paulo pede que os homens de Deus levantem as mãos em oração em todo lugar (II Tm 2.8). E as mulheres também podem? O que diz a Bíblia acerca da Ceia do Senhor quanto à freqüência, quem deve distribuir o pão e o vinho, quais os detalhes dessa celebração? Quem pode dirigir a liturgia na igreja? Qual a seqüência de ações que o culto sempre deve usar? Para sermos honestos, não há uma ordem ou orientação explícita nas Escrituras sobre essas e várias outras perguntas de liturgia. Todavia, o princípio permanece inalterado: A Palavra de Deus é central no culto a Deus. É dele e apenas por ela que podemos julgar o que agrada ou não agrada a Ele. Cremos que os princípios da Bíblia são plenamente suficientes para instruir e regular o nosso culto, orientando-nos a não nos fazer pecar levando “fogo estranho” como adoração a Deus (Lv 10.1-3). 6 7 Autor desconhecido. A Teologia do Culto Reformado. Disponível em: <www.monergismo.com>. Ibid. EVANGELIZAÇÃO – ADORAÇÃO – COMUNHÃO – DISCIPULADO – SERVIÇO 7 PRIMEIRA IGREJA PRESBITERIANA DE CASA CAIADA 4. Celebrações do Povo de Deus Para estudarmos as celebrações do povo de Deus, precisamos tornar re-enfatizar que o culto é o encontro da comunidade (MT 18.20) com Deus e liturgia é o conjunto de elementos e formas através dos quais se realiza esse encontro. Além disso, esse encontro no culto só se torna possível porque Deus o permite e ordenou. O culto acontece por vontade e iniciativa de Deus. A presença de Deus no culto é que traz honra e dignidade ao ajuntamento do povo. Nas celebrações, não é a comunidade que convida ou convoca Deus para o evento cúltico, mas é Deus que se coloca à disposição. Porém, Deus não coloca lugares inacessíveis e horários impossíveis para esse encontro; pelo contrário, nos dá liberdade se colocando ao nosso lado. O encontro de Deus com sua igreja não é opcional para o verdadeiro cristão, mas uma responsabilidade como filho ou filha do Pai celeste (Hb 10.15). Na verdade, celebrar culto é obedecer a uma ordem de Jesus (I Co 11.24-25). Assim, como Deus ordenou à comunidade de cristãos que se encontre com Ele no culto, nós, como membros responsáveis dessa mesma comunidade, devemos nos reunir com Deus no horário e no local estabelecido pela Igreja. Por outro lado, o culto não é responsabilidade única da liderança espiritual, mas de toda a comunidade e de cada uma das pessoas dessa comunidade. Como conseqüência, não são as pessoas da comunidade que ajudam à liderança a celebrar o culto, mas é a liderança que ajuda e conduz a comunidade no evento de celebração. Nas celebrações cristãs, há elementos imprescindíveis, que nunca podem faltar como a mensagem e as orações (pois o culto é um diálogo), mas há, também, partes que podem deixar de ser incorporadas em alguns encontros, mesmo sendo úteis, como os cânticos e a coreografia. Além disso, existe liberdade quanto à maneira ou ao estilo de se realizar a celebração. Por exemplo, a maneira de orar ou de celebrar a Ceia do Senhor. Desse modo, nas celebrações, devemos considerar os seguintes pontos: a. O motivo da celebração; b. O lugar onde será realizada a celebração; c. O tempo que se tem à disposição para celebrar; d. As pessoas que irão participar da celebração. O culto cristão, historicamente, possui duas vertentes: a sinagoga e a comunidade primitiva. Da sinagoga judaica, temos o que é chamado de Liturgia da Palavra, que possuía a seguinte estrutura: leituras bíblicas, interpretação e oração intercessória. Da primeira comunidade cristã, que surgiu no Pentecostes, recebemos a Celebração da Eucaristia: oração de louvor, refeição comunitária (o ágape), orações, salmos e hinos, a celebração da Ceia do Senhor com pregação. Nesses encontros, muitas vezes as leituras bíblicas eram intercaladas pelo canto de salmos, com responsório, isto é, o líder do canto cantava as estrofes, enquanto a comunidade respondia com um estribilho (antífona). Como as antífonas geralmente continham a exclamação “Aleluia!” (louvai o Senhor!), essa expressão passou a ser largamente utilizada nos cultos. Modernamente, temos uma anomalia notada em algumas comunidades, que surgiu na década de 1980, que não apenas residiu na produção e disseminação de um grande número de cânticos, mas num novo conceito litúrgico: o louvorzão. Nesses encontros a palavra louvor passou a ser a chave definidora de uma nova concepção, compreensão e desenvolvimento do culto. A questão agora não consistia apenas em quais cânticos se deveria fazer uso na igreja, mas qual deveria ser a ênfase nos encontros cristãos ou que ato litúrgico deveria ter proeminência. A ministração da Palavra fica, assim, em lugar secundário. O que se observou foi a adesão imediata dos jovens das denominações históricas aos encontros promovidos pelas comunidades carismáticas. O entusiasmo montado nesses ambientes contagiava a juventude que voltava para suas igrejas desejosa de implantar mudanças com a mesma ênfase. O choque de gerações foi inevitável. EVANGELIZAÇÃO – ADORAÇÃO – COMUNHÃO – DISCIPULADO – SERVIÇO 8 PRIMEIRA IGREJA PRESBITERIANA DE CASA CAIADA Grande parte das igrejas históricas partiu para a adoção da ênfase no louvor nos seus cultos, visando à sua autopreservação, isto é, para não perder os jovens para as comunidades carismáticas. O que fez dos jovens presas fáceis dessa investida foram a fraca consciência doutrinária e a mesmice dos cultos das suas igrejas. Atualmente, todas as igrejas locais têm o seu período de louvor nos cultos. Além disso, quase todo conjunto de cânticos que entoamos é concebido pelas comunidades carismáticas e, em algumas igrejas, sem qualquer avaliação crítica daquilo que se recebe e se canta. Nas Reuniões de “Louvorzão” o padrão de culto é composto pelos seguintes elementos: a. Louvor: entoação de cânticos que demandam a maior parte do tempo da reunião. b. Orações: uma ou mais orações são proferidas, quase sempre com conotação emocional. c. Mensagem: rápida e superficial, notadamente de caráter testemunhal. A proclamação da Palavra pode até ser dispensada nesses encontros, mas nunca os cânticos. d. Cânticos: novamente apresentados para encerramento. Essas celebrações necessitam ser avaliadas, pois mudar por mudar não é um argumento sensato. Os “louvorzões” são fortemente emocionais. Tanto os corinhos como as orações estimulam os gestos expressivos, as lágrimas e as interjeições verbais. O elemento racional não acompanha de perto o seu companheiro inseparável, o emocional. Isso, muitas vezes, produz desequilíbrio, refletido na ausência de rumo litúrgico definido para a reunião. Eles são, também, verticais, onde os problemas e as situações do cotidiano das pessoas e da comunidade são desconsiderados. Neles, procura-se apenas dirigir sempre as pessoas ao trono de Deus que está no céu. Nos “louvorzões”, desprezam-se as proclamações da Palavra. A palavra pregada quase está desaparecida nesses encontros, considerando o culto como louvor acima de tudo. Desconhece-se que é a Palavra que desafia a Igreja, muito mais que a música, e que o culto não é um monólogo, mas um diálogo. Observa-se que muita gente está falando a Deus, mas Deus não está sendo ouvido com a intensidade merecida. Por outro lado, seguindo o princípio de adorar de acordo com o que Palavra de Deus nos prescreve, apenas encontramos a ministração da Ceia do Senhor como celebração ordenada para a igreja. Isto não significa que a igreja está privada de outras celebrações, como defendem os neopuritanos, que condenam culto de celebração de natal, ressurreição, ano novo etc. Talvez você pudesse argumentar que a Bíblia não ordena explicitamente essas e outras celebrações. Todavia, já vimos anteriormente que a mesma Bíblia nos ensina que Deus ordenou ao povo de Israel reservar certas datas que lhes serviriam de memorial dos grandes feitos divinos no meio do seu povo. Ora, como não nos fazer lembrar do sacrifício que Senhor Jesus fez por nós? Como não adorar a Deus pela vitória de Jesus sobre a morte e a nossa libertação do poder do pecado, pelo menos uma vez a cada ano? Se os anjos celebraram com tanta alegria a vinda do Messias, anunciando paz na terra, não podemos tomar como agradável a Deus adorá-lo pelo Emmanuel, o Salvador do mundo que veio até nós em forma humana a partir de uma criança nascida na cidade de Belém? Se Deus ordena que devemos adorá-los pelos seus grandes feitos (Sl 145.10-12; 150.2), por que não deveríamos nos alegrar e agradecer por mais um ano que a mão bondosa do Senhor nos permitiu viver? De acordo com Paulo o nosso culto é a nossa própria vida (Rm 12.1), assim cada vez que o poderoso agir de Deus se fizer notável no meio da igreja, isto precisa ser motivo de adoração e celebração do povo de Deus. Conclusão O culto a Deus é a ação natural do ser humano fiel ao seu criador. O adorador é mais importante que a forma, entretanto, a forma não é uma opção à escolha do adorador. EVANGELIZAÇÃO – ADORAÇÃO – COMUNHÃO – DISCIPULADO – SERVIÇO 9 PRIMEIRA IGREJA PRESBITERIANA DE CASA CAIADA Mesmo, reconhecendo que o assunto é amplo, pertinente e carente de avaliações mais aprofundadas, podemos, do que foi exposto, extrair sete itens de conclusão acerca da teologia do culto: (1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) O culto é sempre teocêntrico! Só e apenas Deus pode ser adorado e todos os atos de culto devem levar os adoradores a Deus. O próprio Deus revelou, em sua santa Palavra, os princípios que regulam a forma como quer ser adorado, e qualquer ato contrário às Escrituras deve ser rejeitado. A adoração dos servos de Deus não Lhe é oferecida com parte do seu ser, mas com todo o seu ser. Isto não significa render-se às emoções, mas reconhecê-las como manifestação de submissão, alegria, arrependimento ou gratidão a Deus. As expressões corporais podem fazer parte do culto, porém não devem chamar a atenção para elas mesmas, mas sempre devem produzir mais adoração a Deus. O culto coletivo do povo de Deus é a expressão do que agrada a Ele e não simplesmente do que “povo quer ou gosta de fazer”. Todos os atos de adoração devem refletir em si a santidade individual e coletiva do povo que adora a Deus. Este princípio permite que a cultura seja avaliada pela Palavra. Sendo Deus santo, justo e perfeito o povo que O adora deve procurar imitar o Seu caráter. Assim, a reverência, a ordem e a decência no culto, são atitudes inegociáveis. A celebração é a manifestação festiva do povo de Deus pelos grandes e maravilhosos atos de Deus na história. Ao mesmo tempo em que o povo reconhece e proclama o agir poderoso e soberano do Senhor, também se alegra por ser alvo do amor e bênçãos. Celebrar é também estabelecer marcos memoriais que façam cada nova geração lembrar, adorar e se alegrar no Senhor. Bibliografia A Teologia do Culto. Disponível em: <http://www.ipbvf.org.br/index.php?id=142>. A Teologia do Culto Reformado. Disponível em: <www.monergismo.com>. CAIRNS, Earle E. O cristianismo através dos séculos. São Paulo: Vida Nova, 1984. GRONINGEN, Gerard Van. O culto no Antigo Testamento. Disponível em: <www.ipb.org.br>. MATOS, Alderi Souza de. Sola scriptura: a centralidade da Bíblia na experiência protestante. Disponível em: <http://www.mackenzie.com.br/teologia/Historia%20da%20Igreja/ReformaP.htm>. SOUZA FILHO, João A. de. A música no culto a Deus. Disponível em: <http://www.metodista.com/cemetre/estudos/a%20musica.htm. Acesso em 06/jun/07>. Autores: Sérgio Lyra e Rubem Ximenes. Elaborado em: 11/06/2007. Última revisão: 15/06/2007. EVANGELIZAÇÃO – ADORAÇÃO – COMUNHÃO – DISCIPULADO – SERVIÇO 10