PARECER PGFN/CJU/COJLC/No 1852/2011 Consulta. Multa Contratual. Prescrição. Ocorrência. Prazo. Aplicação do Código Civil. Responsabilidade. Análise. I Vem ao exame desta Coordenação-Geral Jurídica - CJU, o processo administrativo nº 12709.000232/2003-21, em que consta solicitação de análise da ocorrência da prescrição da pretensão de se aplicar penalidade contratual, especificamente em cotejo com os argumentos expendidos pelo ex-Coordenador-Geral da Coana transcritos às fls. 143/145. II 2. Com efeito, versam os autos sobre a apuração de irregularidades contratuais perpetradas pela empresa ARMAZENS GERAIS COLUMBIA S/A na execução do contrato “referente à permissão para instalar e administrar, a título precário, estação aduaneira interior na região metropolitana de Curitiba/PR”. 3. Conforme se depreende da Notificação nº 17/2003 (fl. 91 e seguintes), os fatos apurados ocorreram no ano de 2003. 4. A contratada apresentou defesa às fls. 99/101. 5. À fl. 121, consta Decisão do Superintendente da Receita Federal na 9ª Região Fiscal no sentido de aplicar pena de multa à contratada. 6. Às fls. 122/123, consta a Notificação nº 19/2003, em que se cientifica a contratada da decisão pela aplicação da multa, facultando-lhe prazo para recurso. 7. O recurso contra a decisão que aplicou a penalidade contratual foi acostado às fls. 129/131 dos autos. 8. À fl. 134, consta Decisão do Superintendente da Receita Federal na 9ª Região Fiscal no sentido de não acolher as razões do recurso, ratificando sua decisão anterior e encaminhando o processo ao Sr. Secretário da Receita Federal para apreciação do recurso em instância superior. 9. À fl. 135, consta Despacho, datado de 5 de novembro de 2003, conferindo efeito suspensivo ao recurso até a deliberação final da autoridade competente para apreciação do mesmo. Processo nº 12709.000232/2003-21 10. À fl. 136, consta despacho, datado de 10 de novembro de 2003, do Chefe de Gabinete do Secretário da Receita Federal encaminhando o processo à COANA. 11. Às fls. 137/138, consta a Informação Coana nº 2010/00334, de 30 de agosto de 2010. Neste documento, manifestou-se a Coordenação-Geral de Administração Aduaneira pela necessidade de arquivamento do expediente em face da ocorrência da prescrição, tendo em vista o decurso de mais de seis anos sem que a Administração tenha adotado alguma providência. Argumentou-se, nesta oportunidade, pela incidência ao caso do parágrafo 1º do artigo 1º da Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 1999. 12. Às fls. 142/146, foi juntada a Informação Coger/Codis/Diaco nº 184/2011. Neste documento, consta a informação de que verificou-se a necessidade de se abrir processo administrativo apartado com o fito de se apurar eventuais responsabilidades funcionais em função da ocorrência da prescrição. Afirma-se ainda que: “quando da análise do aspecto disciplinar que objetivava apurar responsabilidades pela prescrição da multa contratual, percebeu-se que o ex-Coordenador-Geral da Coana, ao prestar esclarecimentos, levantou a possibilidade de que a prescrição poderia não ter ocorrido”. Assim, transcreveu-se os argumentos do ex-Coordenador-Geral da Coana1 e encaminhou-se o expediente à Coordenação-Geral de Programação e Logística para análise das questões levantadas pelo servidor e adoção das demais providências que entendesse cabíveis. 13. Em prosseguimento, manifestou-se a Coordenação-Geral de Programação e Logística no sentido de encaminhar o processo a essa Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, com o fito de se analisar os argumentos do servidor quanto à ocorrência da prescrição, nos seguintes termos: (...) 6. A prescrição é matéria eminentemente jurídica, o que impõe uma consulta à assessoria jurídica da RFB, tendo em vista a complexidade do tema, mormente em face dos argumentação (sic) exarada pelo servidor, transcrita às fls. 142/146. (...) 8. Pelo exposto, proponho o encaminhamento do presente à senhora Coordenadora-Geral de Programação e Logística para que, entendendo procedente, autorize o envio dos autos à PGFN, com o objetivo de examinar o acerto ou não dos argumentos sobre prescrição administrativa contidos às fls. 142/146. III 14. Diante dos fatos relatados, e nos termos exatos da consulta formulada, este Parecer terá por objetivo esclarecer a incidência (ou não) da prescrição no caso vertente, sem adentrar aos aspectos disciplinares que fogem da nossa competência interna e, também, sem perquirir o mérito da aplicação das aludidas penalidades. 15. Destarte, no que tange aos aspectos jurídicos de incidência da prescrição nas pretensões de aplicação de penalidades nos contratos administrativos, esta CJU já teve a oportunidade de enfrentar o tema por ocasião da elaboração do PARECER Não consta dos autos a informação de quem seria o aludido servidor. Assim, esta CJU partirá do pressuposto que se trata do servidor que ocupava a função no período de inércia administrativa que teria originado a suposta ocorrência da prescrição. 1 2 Processo nº 12709.000232/2003-21 PGFN/CJU/COJLC/Nº 83/2011, o qual pedimos venia para transcrever em razão dos seus termos didáticos e elucidativos: 26. Diante disso, passa-se à análise de cada um dos fundamentos legais suscitados. 27. O artigo art. 1º, §1º, da Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 1999, assim dispõe: Art. 1o Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. § 1o Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso. 28. Pela simples leitura do texto legal, afere-se que os prazos prescricionais acima delineados se referem à ação punitiva da Administração “no exercício do poder de polícia”. Evidentemente, não se trata o caso em tela de ação punitiva decorrente de poder de polícia, mas apenas de aplicação de penalidade contratual diante do inadimplemento da contratada. Afasta-se, assim, sem maiores dificuldades, a possibilidade de incidência do dispositivo legal acima transcrito. 29. O segundo argumento, referente a uma possível decadência com fulcro no artigo 173 do Código Tributário Nacional2, também não pode prosperar porquanto evidente a inaplicabilidade do dispositivo legal (relativo ao prazo decadencial para constituição de créditos tributários) à hipótese em discussão, por se tratar esta de aplicação de penalidade decorrente de inadimplemento contratual. 30. Da mesma forma, inaplicável ao caso, nem mesmo por analogia, o disposto no artigo 40, § 4º, da Lei nº 6.8303, de 22 de setembro de 1980, que Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento. 2 Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição. § 1º - Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública. § 2º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos. § 3º - Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução. § 4o Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver 3 3 Processo nº 12709.000232/2003-21 versa sobre a execução judicial da Dívida Ativa da Fazenda Nacional. Tratando-se de situações ontologicamente diversas, não se aplica a analogia. 31. Afastados os dispositivos legais invocados pela contratada, cumpre perquirir qual seria a norma legal apropriada para regular o prazo prescricional no caso de aplicação de sanções decorrentes de contratos administrativos. 32. O ordenamento jurídico possui alguns dispositivos legais que regulam a prescrição e a decadência relacionadas à Administração Pública. 33. Inicialmente, o artigo primeiro do Decreto-Lei nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, estipula que “As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem”. 34. A Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, regula a matéria na esfera federal, estabelecendo que decai em cinco anos o direito da Administração rever os seus atos. 35. O “caput” do art. 1º, da Lei nº 9.873, de 23 de 1999, contempla a regra geral a ser observada para a contagem do prazo prescricional incidente sobre o “jus puniendi” administrativo Federal, no exercício do poder de polícia. 36. Destarte, não há previsão expressa em lei no que diz respeito ao prazo para aplicação ou cobrança de penalidade decorrente de relação contratual. 37. Diante da lacuna legal, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já se manifestou em diversas oportunidades no sentido de que o prazo para a Fazenda Pública pleitear seus direitos junto aos administrados é o de cinco anos, com fulcro na aplicação do artigo primeiro do Decreto-Lei nº 20.910, de 1932, de forma isonômica, bem como na exegese do art. 1º, da Lei nº 9.873/99: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. MULTA APLICADA PELO MUNICÍPIO. PRESCRIÇÃO. EXISTÊNCIA DE NATUREZA NÃO-TRIBUTÁRIA. LAPSO DE PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. OBSERVÂNCIA DO ART. 1º DO DECRETO 20.910/32. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. Trata-se de recurso especial fundado na alínea "c" do permissivo constitucional, interposto por Celso Antônio Soster (em causa própria) em impugnação a acórdão que, afastando a decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. 4 Processo nº 12709.000232/2003-21 aplicação do art. 174 do CTN e do Decreto 20.910/32, declarou que a prescrição de multa administrativa (por não estar caracterizada a existência de crédito tributário) deve ser regulada pelo Código Civil (10 anos - CC 2002). 2. Todavia, em se tratando da prescrição do direito de a Fazenda Pública executar valor de multa referente a crédito nãotributário, ante a inexistência de regra própria e específica, deve-se aplicar o prazo qüinqüenal estabelecido no artigo 1º do Decreto 20.910/32. 3. De fato, embora destituídas de natureza tributária, as multas impostas, inegavelmente, estão revestidas de natureza pública, e não privada, uma vez que previstas, aplicadas e exigidas pela Administração Pública, que se conduz no regular exercício de sua função estatal, afigurando-se inteiramente legal, razoável e isonômico que o mesmo prazo de prescrição - qüinqüenal - seja empregado quando a Fazenda Pública seja autora (caso dos autos) ou quando seja ré em ação de cobrança (hipótese estrita prevista no Decreto 20.910/32). Precedentes: Resp 860.691/PE, DJ 20/10/2006, Rel. Min. Humberto Martins; Resp 840.368/MG, DJ 28/09/2006, Rel. Min. Francisco Falcão; Resp 539.187/SC, DJ 03/04/2006, Rel. Min. Denise Arruda. 4. Recurso especial conhecido e provido para o fim de que, observado o lapso qüinqüenal previsto no Decreto 20.910/32, sejam consideradas prescritas as multas administrativas cominadas em 1991 e 1994, nos termos em que pleiteado pelo recorrente. (REsp 905.932/RS, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJ 28/06/2007, p. 884) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MULTA ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO. INCIDÊNCIA DO DECRETO N. 20.910/32. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. NÃO-REALIZAÇÃO DO COTEJO ANALÍTICO. 1. Segundo a jurisprudência do STJ, a prescrição das ações judiciais para a cobrança de multa administrativa ocorre em cinco anos, à semelhança das ações pessoais contra a Fazenda Pública, prevista no art. 1º do Decreto n. 20.910/32. Em virtude da ausência de previsão expressa sobre o assunto, o correto não é a analogia com o Direito Civil, por se tratar de relação de Direito Público. 2. Inviabiliza-se o conhecimento de recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial ante a ausência de demonstração de similitude fática e jurídica entre os casos e a conseqüente nãorealização do cotejo analítico.3. Agravo regimental improvido. (AgRg no AG 842.096/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJ 25/06/2007, p. 227) 5 Processo nº 12709.000232/2003-21 RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO. ART. 1º DA LEI 9.873/99. PRAZO QÜINQÜENAL. INAPLICABILIDADE DO PRAZO VINTENÁRIO PREVISTO NO CÓDIGO CIVIL. 1. A Administração Pública, no exercício do ius imperii, não se subsume ao regime de Direito Privado. 2. Ressoa inequívoco que a inflição de sanção ao meio ambiente é matéria de cunho administrativo versando direito público indisponível, afastando por completo a aplicação do Código Civil a essas relações não encartadas no ius gestionis. 3. A sanção administrativa é consectário do Poder de Polícia regulado por normas administrativas. A aplicação principiológica da isonomia, por si só, impõe a incidência recíproca do prazo do Decreto 20.910/32 nas pretensões deduzidas em face da Fazenda e desta em face do administrado. 4. Deveras, e ainda que assim não fosse, no afã de minudenciar a questão, a Lei Federal 9.873/99 que versa sobre o exercício da ação punitiva pela Administração Federal colocou uma pá de cal sobre a questão assentando em seu art. 1º caput: "Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado." 5. A possibilidade de a Administração Pública impor sanções em prazo vintenário, previsto no Código Civil, e o administrado ter a seu dispor o prazo qüinqüenal para veicular pretensão, escapa ao cânone da razoabilidade, critério norteador do atuar do administrador, máxime no campo sancionatório, onde essa vertente é lindeira à questão da legalidade. 6. Outrossim, as prescrições administrativas em geral, quer das ações judiciais tipicamente administrativas, quer do processo administrativo, mercê do vetusto prazo do Decreto 20.910/32, obedecem à qüinqüenalidade, regra que não deve ser afastada in casu. 7. Destarte, esse foi o entendimento esposado recentemente na 2ª Turma, no REsp 623.023/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 14.11.2005: PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO - COBRANÇA DE MULTA PELO ESTADO - PRESCRIÇÃO - RELAÇÃO DE DIREITO PÚBLICO - CRÉDITO DE NATUREZA ADMINISTRATIVA - INAPLICABILIDADE DO CC E DO CTN – DECRETO 20.910/32 - PRINCÍPIO DA SIMETRIA. 1. Se a relação que deu origem ao crédito em cobrança tem assento no Direito Público, não tem aplicação a prescrição constante do Código Civil. 2. Uma vez que a exigência dos valores cobrados a título de multa tem nascedouro num vínculo de natureza administrativa, 6 Processo nº 12709.000232/2003-21 não representando, por isso, a exigência de crédito tributário, afasta-se do tratamento da matéria a disciplina jurídica do CTN. 3. Incidência, na espécie, do Decreto 20.910/32, porque à Administração Pública, na cobrança de seus créditos, devese impor a mesma restrição aplicada ao administrado no que se refere às dívidas passivas daquela. Aplicação do princípio da igualdade, corolário do princípio da simetria. (REsp 751.832/SC, Re. p/ Acórdão Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 20/03/2006, p. 20775). 38. A doutrina, com base nestes julgados, tem afirmado que os prazos prescricionais para a Administração pleitear direitos contra os administrados seria o de cinco anos, como regra geral. 39. Contudo, os diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça referem-se à aplicação de multas administrativas, decorrentes de uma relação de caráter público, em que incide o ius imperi ou o Poder de Polícia da Administração, situações bem diversas daquelas constituídas por um vínculo negocial. 40. Em verdade, na ausência de norma expressa, entendo que se deve aplicar a analogia. Para tanto, mister perquirir qual a norma existente no ordenamento que mais se coaduna com a situação onde se verificou a “lacuna” de regramento jurídico. Desta forma, em se tratando de uma relação contratual, deve ser aplicado o disposto no Código Civil a respeito da prescrição da pretensão decorrente deste tipo de vínculo jurídico. 41. Este é o magistério de Raquel Melo Urbano de Carvalho4: 5. A PRESCRIÇÃO DAS PRETENSÕES ADMINISTRAÇÃO EM FACE DE TERCEIROS DA Cumpre admitir como possível que, no exercício das competências públicas e nas relações firmadas pela Administração com contratados, servidores, concessionários ou cidadãos, os terceiros venham a se tornar inadimplentes em face do Poder Público, fazendo surgir o direito de o Estado exigir o cumprimento de determinada obrigação. (...) Já nos casos em que não há regular autorização legislativa, nem mesmo urgência que justifique qualquer medida autoexecutória, a Administração, a fim de obter o adimplemento de prestações devidas pelos terceiros, submete-se ao dever genérico de recorrer ao Judiciário, com o objetivo de aviar a sua pretensão. Ao fazê-lo, se não existirem normas públicas que fixem constitucionalmente prazos específicos da prescrição da pretensão administrativa, estará o Estado sujeito aos prazos 4 Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. 2009. p. 535/538. 7 Processo nº 12709.000232/2003-21 prescricionais genéricos do ordenamento, sejam eles de natureza civil ou de natureza penal. Isto porque, se não há regras administrativas que fixem os prazos prescricionais das pretensões da Administração em face de terceiros, não são aplicáveis, por analogia, os dispositivos que regulam a prescrição das pretensões dos administrados perante o Poder Público. O próprio princípio da supremacia do interesse público e a correta compreensão da igualdade em face das especificidades da atividade administrativa impedem que se estenda às pretensões da Administração os reduzidos prazos fixados na ordem jurídica para a prescrição dos direitos de terceiros em face do Estado. (...) Portanto, na ausência de normas públicas específicas para a prescrição das pretensões da Administração, que sejam constitucionais, entende-se aplicáveis os prazos de prescrição das normas civis e penais que regulamentam o direito cujo inadimplemento pelo terceiro fez surgir a pretensão da Administração Pública. (...) Afinal, o prazo de prescrição de 5 (cinco) anos previsto no art. 174 do Código Tributário nacional diz respeito apenas à ação para cobrança de crédito tributário. Já os créditos compreendidos na dívida ativa que não possuem natureza tributária, como aqueles resultantes de penalidades ambientais, disciplinares ou outros valores devidos por terceiros, ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. 42. No mesmo sentido, Hely Lopes Meirelles5: A prescrição das ações da Fazenda Pública contra o particular é a comum da lei civil ou comercial, conforme a natureza do ato ou contrato a ser ajuizado. 43. Na mesma linha assevera José dos Santos Carvalho Filho6: Em conseqüência, discordamos, com a vênia devida, daqueles que, em nome do princípio da isonomia, advogam a mesma prescrição qüinqüenal quando é titular da pretensão a Fazenda em face do administrado. Em nosso entender, a única aplicação do referido princípio é para o fim de serem consideradas situações desiguais e, portanto, sujeitas a tratamento diversos. O Decr. 20.910/32 visou especificamente a regular a prescrição de pretensões de administrados em face da Fazenda, dispensando à matéria foros de direito público. Como nada foi regulado em 5 6 Direito Administrativo Brasileiro. 30.ed. 2005. p. 712. Manual de Direito Administrativo. 15. ed. 2006. p. 840. 8 Processo nº 12709.000232/2003-21 relação à prescrição de pretensões da Fazenda em face de administrados, é de aplicar-se a lei geral, no caso o Código Civil. Pode ocorrer que, de lege ferenda, os prazos venham a igualar-se, mas enquanto não houver lei específica em tal direção, aplicáveis serão as normas civis. 44. Por fim, vale registrar que o STJ parece ter alterado o seu entendimento, afirmando, agora, não ser mais possível aplicar-se o Decreto nº 20.910, de 1932, à espécie com base no princípio da isonomia, em função da Súmula Vinculante nº 10 do Supremo Tribunal Federal. Assim, devem ser aplicadas, por corolário, as regras gerais do Código Civil para regular os prazos prescricionais em casos deste jaez. Confira excerto do voto condutor do julgado do Recurso Especial nº 1.179.282 – RS (DJ em 30/09/2010), de lavra do Senhor Ministro Relator MAURO COMPBELL MARQUES: Registre-se, por fim, que a aplicação do art. 1º do Decreto 20.910/32 às dívidas ativas da Fazenda Nacional decorrentes de receitas patrimoniais anteriores ao advento do art. 47 da Lei 9.636/98, em detrimento do art. 177 do Código Civil de 1916, a pretexto de isonomia – princípio de natureza constitucional –, equivaleria à declaração incidental da inconstitucionalidade da regra geral do Código Civil, o que somente poderia ser feito pelos Tribunais com observância do disposto no art. 97 da Constituição Federal, consoante enuncia a Súmula Vinculante 10/STF, do seguinte teor: "Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte." 44.1. Diante do exposto, aplicam-se os prazos prescricionais insertos no Código Civil. (...) 47. Neste passo, serão fornecidas orientações gerais sobre o regramento do instituto da prescrição, abordando os aspectos principais a respeito da contagem dos prazos prescricionais, com o fito de orientar o gestor, inclusive para atuação em outros contratos semelhantes, para que este, quando da cobrança dos valores devidos, enquadre cada situação às hipóteses a seguir explicitadas. 48. Em linhas gerais, o que se pode concluir, pelo exposto no Capítulo anterior deste Parecer, é que o prazo para cobrança das multas contratuais e dos valores eventualmente não repassados prescreve nos termos do Código Civil. Assim, tendo em vista a possível existência de diversos repasses não realizados ou feitos em atraso, haverá vários prazos prescricionais distintos, relacionados a cada um destes fatos. 9 Processo nº 12709.000232/2003-21 49. Inicialmente, como o novo Código Civil – CC/2002 reduziu os prazos prescricionais em comento, deve ser observada a regra de transição inserta no artigo 2.028 deste diploma legal, in verbis: Art. 2.028 Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada. 50. Tendo este dispositivo como norte, verifica-se a existência de dois tipos de prazos prescricionais que podem ocorrer da inexecução desta espécie de contrato: 1 - o prazo prescricional relacionado à pretensão de aplicação das multas contratuais e 2 - o prazo prescricional relacionado aos juros de mora advindos do atraso no repasse dos valores. 51. Quanto ao prazo prescricional relacionado à pretensão de aplicação das multas contratuais, este, a princípio, é de dez anos em razão do regramento inserto no artigo 2057 do Código Civil de 2002 – CC/2002. 51.1. Contudo, este prazo prescricional era de vinte anos no Código Civil anterior – CC/1916, consoante o artigo 177 do diploma revogado. Assim, conforme o disposto no artigo 2.028, do CC/2002, acima transcrito, deve ser verificado, caso a caso, se, na data de entrada em vigor do novel Código Civil, o que ocorreu em 11 de janeiro de 2003, já havia transcorrido mais da metade do prazo prescricional do Código Civil antigo (ou seja, 10 anos, haja vista que o prazo era de 20 anos – artigo 177 CC/1916). 51.2. Assim, na hipótese de já ter transcorrido mais da metade do prazo prescricional anterior (do CC/1916), o prazo prescricional será o do Código Civil anterior – CC/1916, ou seja, de 20 anos. 51.3. Caso não se configure tal situação, aplica-se normalmente o prazo prescricional do atual Código Civil, nos termos do seu artigo 205 (10 anos). Em se tratando de fatos anteriores ao advento do novo Código Civil, mas que não se enquadram na previsão do artigo 2.028, o prazo prescricional será contado a partir da data de entrada em vigor do novo Código Civil.8 7 Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. CIVIL - PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - AÇÃO MONITÓRIA - PRESCRIÇÃO INOCORRÊNCIA - PRAZO - NOVO CÓDIGO CIVIL - VIGÊNCIA - TERMO INICIAL. 8 1 - À luz do novo Código Civil os prazos prescricionais foram reduzidos, estabelecendo o art. 206, § 3º, IV, que prescreve em três anos a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa. Já o art. 2.028 assenta que "serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada". Infere-se, portanto, que tãosomente os prazos em curso que ainda não tenham atingido a metade do prazo da lei anterior (menos de dez anos) estão submetidos ao regime do Código vigente, ou seja, 3 (três) anos. Entretanto, consoante nossa melhor doutrina, atenta aos princípios da segurança jurídica, do direito adquirido e da irretroatividade legal, esses três anos devem ser contados a partir da vigência do novo Código, ou seja, 11 de janeiro de 2003, e não da data da constituição da dívida. 2 - Conclui-se, assim, que, no caso em questão, a pretensão da ora recorrida não se encontra prescrita, pois o ajuizamento da ação ocorreu em 13/02/2003, antes, portanto, do decurso do prazo prescricional de três anos 10 Processo nº 12709.000232/2003-21 51.4. Por corolário, para os fatos posteriores ao advento do CC/2002, o prazo prescricional iniciar-se-á a partir da ciência, pela Administração, da situação ou inadimplemento que gerou o direito à aplicação da penalidade contratual, observando-se, ainda, se houve ocorrência de algum fato interruptivo da prescrição nas hipóteses discriminadas no artigo 202 do CC/20029. 16. Diante do acima transcrito, percebe-se que toda a celeuma que originou a presente consulta foi criada com base em uma falsa premissa: a de que já teria ocorrido a prescrição em função da aplicação da Lei nº 9.873, de 1999. 17. Conforme acima retratado, este aludido diploma legal não incide na hipótese por versar sobre o exercício de Poder de Polícia, ao passo que a situação é de aplicação de multa em contrato administrativo, cuja pretensão somente prescreverá nos termos e prazos do Código Civil. 18. Com efeito, segundo consta nos autos os atos ensejadores da penalidade de multa ocorreram em 24/2/2003, 22/5/2003, 15/4/2003, 23/4/2003, 7/5/2003 e 18/3/2003. Assim, o prazo para aplicação das penalidades contratuais respectivas seria de 10 (dez) anos, contados a partir da ciência das infrações, nos termos acima explicitados. IV 19. Ante o exposto, conclui-se: 19.1. O prazo de prescrição para aplicação das penalidades contratuais no presente caso concreto é de 10 (dez) anos; 19.2. Em conseqüência, não se verificou a incidência da prescrição, razão pela qual a multa ainda pode ser cobrada, após o regular julgamento do recurso interposto; previsto na vigente legislação civil. 3 - Recurso não conhecido. (STJ, REsp 813.293/RN, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 09/05/2006, DJ 29/05/2006 p. 265). 9 Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á: I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual; II - por protesto, nas condições do inciso antecedente; III - por protesto cambial; IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores; V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor. 11 Processo nº 12709.000232/2003-21 20. À consideração superior, com proposta de encaminhamento do expediente à Coordenação-Geral de Programação e Logística da Secretaria da Receita Federal do Brasil, em prosseguimento. PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, em 21 de setembro de 2011. MARCELO LOPES SANTOS Procurador da Fazenda Nacional De acordo. À consideração superior. PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, em 21 de setembro de 2011. FABIANO DE FIGUEIRÊDO ARAUJO Coordenador Jurídico de Licitações e Contratos Aprovo. Encaminhe-se o expediente à Coordenação-Geral de Programação e Logística da Secretaria da Receita Federal do Brasil, conforme proposto. PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, em 21 de setembro de 2011. RICARDO SORIANO DE ALENCAR Procurador-Geral Adjunto de Consultoria Administrativa 12