parecer - Ministério Público

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PROCESSO N.º 70038671392 – TRIBUNAL PLENO
CLASSE: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
PROPONENTE: PROCURADORA-GERAL DE JUSTIÇA
REQUERIDOS: MUNICÍPIO DE SÃO BORJA
CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES DE SÃO BORJA
INTERESSADA: PROCURADORA-GERAL DO ESTADO
RELATOR: DESEMBARGADOR ARNO WERLANG
MANIFESTAÇÃO FINAL
1. Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade destinada a
retirar do ordenamento jurídico os artigos 1º e 2º, os parágrafos 1º e 2º do artigo 3º e o
artigo 4º, todos da Lei n.º 1.991, de 15 de fevereiro de 1993, com as alterações
promovidas pelas Leis n.º 3.716, de 28 de dezembro de 2006, e n.º 4.169, de 31 de
dezembro de 2009, todas do Município de São Borja, que autoriza o executivo
municipal a isentar ou conceder remissão da contribuição de melhoria, imposto sobre
serviços, taxa de coleta de lixo e taxa de licença para localização e/ou funcionamento,
às categorias sociais que menciona e dá outras providências, por afronta aos artigos 8º,
caput, 10, 19, caput, 60, inciso II, alínea “d”, e 82, incisos III e VII, todos da Constituição
Estadual, combinados com o parágrafo 6º do artigo 150 da Constituição Federal.
A Câmara Municipal, notificada, prestou informações aduzindo, em
suma, que o projeto de lei que deu origem à legislação observou todos os
procedimentos legais (fl. 105).
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A Procuradora-Geral do Estado, citada, nos termos do artigo 95,
parágrafo 4º, da Constituição Estadual, pugnou pela manutenção da legislação
questionada, argumentando, primeiramente, que a isenção e a remissão estão
instituídas através de lei, sendo apenas o exame dos requisitos para a concessão
regulamentada através de decreto. Quanto à violação ao princípio da razoabilidade,
aduziu que a exigência de atestado de pobreza por dois vereadores de partidos
diferentes é salutar, para evitar que sejam beneficiados correligionários políticos de
quem ocupe a chefia do Poder Executivo. Por fim, no tocante à fixação de atribuições ao
Poder Executivo, referiu que o estabelecimento de prazo para regulamentação da lei
trata-se de recomendação, sem nenhum efeito vinculante, sendo que, de qualquer sorte,
o projeto de lei fora de iniciativa do Executivo (fls. 109/v.).
O Município de São Borja, notificado, manteve-se silente (certidão de
fl. 110).
É o sucinto relatório.
2. Em que pese os respeitáveis argumentos carreados pela Câmara
Municipal e pela Procuradoria-Geral do Estado, merece integral acolhida o pedido
vertido na inicial, cumprindo reiterar, nesse passo, todos os fundamentos lá expostos
que evidenciam, sem qualquer dúvida, a desarmonia da Lei Municipal atacada com as
normas constitucionais.
Inicialmente, em relação à alegação da Câmara Municipal de
Vereadores de que a legislação impugnada observou os trâmites legais para sua
aprovação, não tem tal argumento o condão de afastar a inconstitucionalidade. Isto
porque, em que pese estar formalmente em acordo com a Constituição Federal, a
legislação é materialmente inconstitucional, conforme já demonstrado na peça inaugural.
Quanto à questão de fundo, a Lei Municipal n.º 1.991/1993, do
Município de São Borja, apresenta inconstitucionalidade por afronta aos artigos 8º,
caput, 10, 19, caput, 60, inciso II, alínea “d”, 82, incisos III e VII, todos da Constituição
Estadual, combinados com o parágrafo 6º do artigo 150 da Constituição Federal, in
verbis:
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Constituição Estadual:
Art. 8º. O Município, dotado de autonomia política, administrativa e
financeira, reger-se-á por lei orgânica e pela legislação que adotar,
observados os princípios estabelecidos na CF/88 e nesta Constituição.
Art. 10 - São Poderes do Município, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, exercido pela Câmara Municipal, e o Executivo, exercido pelo
Prefeito.
Art. 19. A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes do Estado e dos municípios, visando à promoção do bem
público e à prestação de serviços à comunidade e aos indivíduos que
a compõe, observará os princípios da legalidade, da moralidade, da
impessoalidade, da publicidade, da legitimidade, da participação, da
razoabilidade, da economicidade, da motivação e o seguinte: [...]. [Grifo
acrescido].
Art. 60 - São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:
(...)
II - disponham sobre:
(...)
d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da
administração pública. [Grifo acrescido].
Art. 82 - Compete ao Governador, privativamente:
(...)
III - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta
Constituição;
(...)
VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração
estadual; [grifo acrescido].
Constituição Federal:
Art.150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
§6º - Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo,
concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a
impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei
específica, federal, estadual ou municipal, que regula exclusivamente as
matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição,
sem prejuízo do disposto no art. 155, §2º, XII, g. [Grifo acrescido].
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Com efeito, não restam dúvidas de que a legislação atacada, ao
autorizar o Poder Executivo a isentar ou remir, por Decreto, tributos municipais, afronta o
princípio da legalidade em matéria tributária, que exige lei em sentido formal para fazêlo. O fato de haver previsão legal autorizando o Poder Executivo a expedir Decreto para
conceder as benesses tributárias não afasta a sua inconstitucionalidade, eis que o
parágrafo 6º do artigo 150 da Constituição Federal é claro ao estabelecer que qualquer
subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido,
anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser
concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regula
exclusivamente as matérias enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição.
A Procuradoria-Geral do Estado ressaltou ser salutar a exigência do
aval de dois vereadores para fins de concessão da isenção ou anistia, evitando assim
que sejam beneficiados correligionários políticos de quem ocupe a chefia do Poder
Executivo. Todavia, tal argumento não procede, pois, primeiramente, é atribuição que
denota desvio de finalidade da atividade legislativa. Igualmente, porque deixa à
discricionariedade dos vereadores a comprovação ou não da hipossuficiência do
requerente, quando, ainda, a legislação para outras hipóteses somente exige a relativa
declaração.
Ainda, mostra-se indiscutível que a legislação atacada fere o
princípio da harmonia e independência entre os poderes, na medida em que, em seu
artigo 4º, determina que o Poder Executivo Municipal regule o procedimento e a forma
de requerimento para a obtenção dos benefícios previstos no citado diploma legal,
estabelecendo o prazo de trinta dias para tanto. Nesse ponto, frise-se que o artigo em
análise, de iniciativa do Poder Legislativo, de fato fixa prazo para que o Poder Executivo
regulamente a legislação. Em nenhum momento, a letra da lei refere tratar-se de mera
recomendação, ao contrário do afirmado pela Procuradoria Geral do Estado.
Ademais, por certo que a iniciativa de tal legislação é prerrogativa do
Poder Legislativo, conforme se verifica no Projeto de Lei n.º 04/93 (constante a fls.
32/46). As Leis Municipais n.º 3.716/2006, que dá nova redação ao artigo 1º da Lei n.º
1.991/93 (fl. 50) e n.º 4.163/2009, que dá nova redação à ementa e ao artigo 3º da Lei
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n.º 1.991/93 (fls. 62/3), são de iniciativa do Poder Executivo. Todavia, o artigo
impugnado, que fere o princípio da independência e harmonia entre os poderes, é o
artigo 4º da Lei Municipal n.º 1.991/93, o qual fora de iniciativa do Poder Legislativo, sem
alteração posterior por lei de iniciativa do Poder Executivo.
Por
essas
razões,
a
Lei
analisada
está
eivada
de
inconstitucionalidade, por contrariedade aos artigos 8º, caput, 10, 19, caput, 60, inciso II,
alínea “d”, 82, incisos III e VII, todos da Constituição Estadual, combinados com o
parágrafo 6º do artigo 150 da Constituição Federal.
3. Do exposto, impõe-se seja o pedido julgado integralmente
procedente, declarando-se a inconstitucionalidade dos artigos 1º e 2º, dos parágrafos 1º
e 2º do artigo 3º, e do artigo 4º, todos da Lei n.º 1.991, de 15 de fevereiro de 1993, com
as alterações promovidas pelas Leis n.º 3.716, de 28 de dezembro de 2006, e n.º 4.169,
de 31 de dezembro de 2009, todas do Município de São Borja, por afronta aos artigos
8º, caput, 10, 19, caput, 60, inciso II, alínea “d”, e 82, incisos III e VII, todos da
Constituição Estadual, combinados com o parágrafo 6º do artigo 150 da Constituição
Federal.
Porto Alegre, 1º de dezembro de 2010.
SIMONE MARIANO DA ROCHA,
Procuradora-Geral de Justiça.
MCL/MLAS/AJB
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