MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MINAS GERAS
EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS
PRE/An/2012 - RE - P _____
RECURSO ELEITORAL nº 114-93.2012.6.13.0212
RECORRENTE: Heliane Henrique de Oliveira
RELATOR: Juiz Flávio Bernardes
212ª ZE – Peçanha - Coroaci/MG
O
MINISTÉRIO
PÚBLICO
ELEITORAL,
por
intermédio
da
PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL, devidamente instado a manifestar-se, o faz
nos seguintes termos.
Trata-se de recurso interposto contra decisão que indeferiu a
transferência eleitoral da recorrente por falta de prova sobre a exis tência de
vínculo com o município.
A recorrente sustentou, em síntese, ser vendedora autônoma
ambulante de roupas na região leste do Estado optando por Coroaci como seu
domicílio eleitoral. Defendeu a ampliação do conceito de domicílio eleitoral
segundo precedentes do TSE.
É o relatório.
Inicialmente, cumpre notar que o procedimento administrativo de
impugnação da transferência eleitoral dos recorrentes não obedeceu ao trâmite
estabelecido pela Lei nº 6.996/1982, que não prevê impugnação do pedido de
transferência ou inscrição, mas recurso a ser interposto pelo alistando, no caso
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Procuradoria Regional Eleitoral em Minas Gerais
Avenida Brasil, 1877, salas 1803/1804. Bairro Funcionários. CEP 30.140-002
Telefone: (31) 2123.9011 - Belo Horizonte/MG
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de indeferimento, ou por delegado de partido, em caso de deferimento.
Contudo, sem prejuízo à parte ou ao interesse público, nenhuma nulidade deve
ser declarada.
No que tange ao necessário vínculo com o município, impende
salientar que o conceito de domicílio eleitoral, para fins de inscrição e
transferência, extrai-se dos artigos 4º, parágrafo único e 8º da Lei nº 6.996/82,
que assim dispõem:
Art. 4º - O alistamento se faz medi ante a inscrição do eleitor.
Parágrafo único - Par a efeito de inscrição, domicílio eleitoral é o lugar de
residência ou moradia do requerente, e, ver ificado ter o alistando mais de
uma, considerar -se-á domicílio qualquer delas.
(...)
Art. 8º - A transfer ência do eleitor só será admitida se satisfeitas as
seguintes exi gências:
(...)
III - residência míni ma de 3 (três) meses no novo domicílio, declarada, sob
as penas da lei, pelo próprio eleitor.
Por sua vez, o Provimento nº 017/CRE/2011 da CRE/MG, que
“Expede instruções para revisão do eleitorado com identificação biométrica em
Municípios do Estado de Minas Gerais” estabelece:
Art. 4º A comprovação de domicílio poderá ser feita mediante um ou mais
documentos dos quais se infira ser o eleitor residente no m unicípi o ou nele
possuir vínculo familiar, profissional, patrimonial ou comunitário a abonar
a residência exi gida. (Arts. 64 e 65 da Resolução nº 21.538/2003/TSE c/c
Ac. TSE nº 371.C, de 19.9.96).
(...)
§ 4º Ocorrendo a impossibilidade de apresentação de q ualquer documento
que identifique o domicílio do eleitor ou subsistindo dúvida quanto à
idoneidade do comprovante de domicílio apresentado, declarando o eleitor,
sob penas da lei, ter domicílio no município, o Juiz Eleitoral decidirá de
plano ou determinar á as providências necessárias à obtenção da prova,
inclusive por meio de verificação no local.
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A extensão do conceito de domicílio eleitoral, realizada pelo
referido Provimento 017/CRE/2011, encontra apoio em diversos precedentes do
Tribunal Superior Ele itoral, que em geral definem como sendo o lugar em que a
pessoa mantém vínculos políticos, sociais e afetivos . 1
Esta
Procuradoria
Regional
Eleitoral
vinha
seguindo
essa
orientação. Ou seja, entendia -se que se provados vínculos políticos, afetivos ou
sociais do eleitor com o município, restaria atendido o requisito domiciliar para
fins de inscrição ou transferência eleitoral.
Contudo, conhecidas e não raras fraudes praticadas em ano
eleitoral com a finalidade de arregimentação de eleitores comprometidos c om
determinado candidato, e que resulta, muitas vezes, em um fenômeno
demográfico no município que acaba por ter mais eleitores que habitantes,
como parece ser o caso dos autos, levaram a uma melhor reflexão e mudança de
posição sobre o assunto.
Oportuno o resgate da definição de domicílio da pessoa natural,
segundo o Código Civil que, no artigo 70, estabelece que domicílio é o lugar
onde ela estabelece residência com ânimo definitivo. Vê -se que o legislador,
para definir o domicílio civil, reuniu dois ele mentos: um material, ou externo –
a residência, e outro psíquico, ou interno – a intenção de permanecer.
Domicílio civil, pressupõe, portanto, a relação física (residência ou moradia) da
RESPE Ac. nº 23.721/2004. Publicação: DJ, v. 1, 18/03/2005, p. 184. Relator: Humberto Gomes de
1
Barros.
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pessoa com o local, além de um outro elemento anímico ou subjetivo, a
intenção de ali permanecer.
Não se desconhece que legislador civil admitiu a pluralidade de
domicílios, considerando a possibilidade de o indivíduo possuir mais de uma
residência de maneira não eventual (art. 71). Para além disso,
pode ser
considerado o domicílio da pessoa natural o lugar onde ela exerça
suas
atividades (art. 72), e, por fim, pode -se ainda considerar domiciliada a pessoa
onde for encontrada, desde que não tenha residência permanente (art. 73).
No entanto, para fins eleitorais, especif icamente para a inscrição
eleitoral, o legislador não edificou a definição de domicílio sobre os mesmos
elementos (residência e ânimo de permanência), tendo se contentado apenas
com o primeiro.
Assim é que, para fins eleitorais, considera -se domicílio o
lugar de residência ou moradia do eleitor (Lei nº 9.096/82, art. 4º).
Mas isso não autoriza a inferência de que vínculos de natureza
econômica, profissional, política, social ou afetiva possam instar a qualificação
jurídica do lugar como domicílio.
Isso porque, como parece óbvio, o elemento descritivo (residência
ou moradia), que é o ponto nuclear da definição formulada pela lei eleitoral,
traz ínsita a ideia de relação física entre o lugar e a pessoa. Em outros termos,
é necessário, para a configuração de um domicílio eleitoral, que no lugar
considerado a pessoa disponha de casa, apartamento, barracão ou outro tipo de
imóvel, próprio, alugado ou cedido em comodato, para onde se recolha, que lhe
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sirva de abrigo. E, diga -se mais, essa relação física soment e haverá de se
caracterizar como residência ou moradia se for não eventual.
Não obstante a clareza e perfeita delimitação da definição de
domicílio conferida pela lei eleitoral, diversos precedentes do TSE, como já
apontado, têm emprestado à expressão dom icílio eleitoral uma exagerada e
desarrazoada amplitude conceitual, ao ponto de abarcar no espectro conceitual
de residência ou moradia situações como a de vínculos políticos, afetivos ou de
parentesco, econômicos, e outros mais.
Com isso se quer dizer qu e a amplitude conferida ao significado
de domicílio eleitoral nos apontados precedentes refoge, evidentemente, às
possibilidades semânticas que o texto do artigo 4º da Lei nº 9.096/82 oferece.
Não se pretende aqui afirmar que seja a interpretação resultan te
do método de análise puramente literal ou gramatical do texto a única possível.
É certo, como há muito já se afirma, que o sentido ou os sentidos possíveis de
um enunciado normativo devem ser revelados a partir de um processo de
interpretação que, confo rme o caso, haverá de ser mais ou menos complexo,
mais ou menos elaborado, podendo chegar -se à consideração de elementos
históricos, de análise sistemática, de integração da norma à realidade (social,
política e econômica) e de interdisciplinariedade.
É possível que a interpretação, exercitada com apoio em tais
elementos, venha a revelar vários sentidos possíveis da norma, caso em que o
intérprete deverá manifestar preferência por aquele que melhor se ajuste à pauta
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axiológica do sistema ou subsistema nor mativo em que inserida a disposição
normativa objeto da interpretação.
De ver-se que a demasiada extensão do espectro conceitual de
domicílio eleitoral, apontada nos precedentes do TSE, é uma posição que se
apresenta em desconformidade evidente com o sent ido gramatical do enunciado
normativo em exame.
Para ser sustentável juridicamente, essa posição jurisprudencial
dependeria de muito bem articulada fundamentação, digna de um vigoroso
esforço hermenêutico. Entretanto, ao exame das peças do inteiro teor do s
julgados referidos não se encontra mais do que lacônicos argumentos,
reportados nas notas remissas abaixo. 2
Em suas ponderações, Luiz Lênio Streck, considerou a assertiva
de que o sentido gramatical de um enunciado normativo não traduz exatamente
o conteúdo da norma, porquanto esse conteúdo só é possível de ver -se revelado
a partir de um processo de interpretação.
Mas é fora de dúvida que não se pode buscar o sentido da norma
absolutamente desconectado do sentido gramatical do texto. Os textos que
“Para o Código Eleitoral, domicílio é o lugar em que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e econômicos. A
residência é a materialização desses atributos.” Voto do Min. Humberto Gomes de Barros no RESPE 23721.
“ (…) o TSE, ao interpretar os arts. 42 e 55 do Código Eleitoral, tem liberalizado a caracterização do domicílio
eleitoral e admitido o seu deferimento em lugar distinto daquele em que o eleitor mantém o domicílio civil, desde que
demonstrado o vínculo.” Voto do Min. Francisco Peçanha Martins no RESPE 21.829.
“O conceito de domicílio eleitoral não se confunde com o de domicílio do direito comum, regido pelo Código
Civil. Mais flexível e elástico, identifica-se com a residência e o lugar onde o interessado tem vínculos políticos e sociais.”
Voto do Min. Sávio de Figueiredo no RESPE 16.397.
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integram o direito positivo contêm a norma. São textos jurídicos, não textos
contábeis ou religiosos.
Os enunciados normativos podem não dizer exatamente o que é a
norma; podem não esgotar ou mesmo transbordar o seu conteúdo. Porém, a
compreensão do sentido da norma há que partir de um enunciado normativo e
não pode se produzir sem a compreensão de que entre texto e norma,
respectivamente, se estabelece uma relação tal qual aquela que há entre o ente e
o ser.
Por essa razões, e pedindo venia àqueles que c omungam da
interpretação conferida pelo c. TSE à norma em questão, está a merecer revisão
o entendimento esposado por aquela Corte Superior. Não se pode aceitar como
domicílio eleitoral, para fins de inscrição ou transferência eleitoral, qualquer
outro vínculo do eleitor com o município que não seja a residência ou a
moradia, conforme estabelece o artigo 4º da Lei nº 9.096/82.
Qualquer outra interpretação da norma que admita diferente
espécie de vínculo transborda os limites hermenêuticos, indo além da le itura
construtiva do direito para contrariar o objeto da interpretação, não podendo ser
aceita sob pena de completa desconexão entre a norma e sua aplicação. Ainda
assim, levando-se em conta que a simples moradia 3 foi considerada pelo
legislador como crité rio de definição do domicílio eleitoral, é possível que o
Segundo Caio Mário da Silva Pereira, moradia e residência se distinguem numa escala de gradação,
onde moradia estaria colocada antes de residência e o que definiria essa posição seria a estabilidade na
habitação. (Instituições de Direito Civil, v. I, 21ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 371)
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eleitor
possua
dois
domicílios,
podendo
legitimamente
inscrever -se
ou
transferir sua inscrição para qualquer um deles.
Seria, por exemplo, o caso daqueles que durante a semana
trabalham nos grande s centros e lá estabelecem moradia para esse fim, no
entanto residem em município do interior, onde pretendem permanecer
independentemente de eventuais alterações em suas atividades profissionais.
Nesses casos estaria estabelecido o vínculo exigido pela le i eleitoral para
inscrição ou transferência em qualquer dos municípios. Porém não em meras
relações familiares, econômicas ou sociais.
Nessa linha de ideias, no caso em apreço, após o MM. Juiz
determinar a diligência in loco, acolhendo manifestação do MP E (f. 27/28), a
certidão de lavra do oficial de justiça da 212ª ZE, dotada de fé pública, é prova
cabal de que a demandante não reside no local (f. 29, verso).
Ademais, como restou claro nos autos, a relação da recorrente
com o município de Coroaci é apen as eventual, uma vez que sua situação
profissional (vendedora ambulante de roupas) impõe tal situação.
Como para a transferência eleitoral cabe ao interessado provar o
vínculo, e não foi produzida qualquer prova pela demandante, não merece
provimento o se u pleito.
Por fim, ressalta -se que o MM. Juiz Eleitoral indeferiu cerca de
96 (noventa e seis) pedidos de transferência de domicílio eleitoral como este,
em razão de fundadas suspeitas de fraude eleitoral na localidade, por uso
abusivo de declarações de residência como único meio de prova (f. 06/10) com
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remessa de cópia dos autos à Polícia para apuração de crime de falsidade por
inciativa do representante do MPE (f. 30).
Ante
ELEITORAL,
o
por
exposto,
manifesta -se
intermédio
da
o
MINISTÉRIO
PROCURADORIA
PÚBLICO
REGIONAL
ELEITORAL, pelo não provimento do recurso .
Belo Horizonte, 26 de julho de 2012.
EDUARDO MORATO FONSECA
PROCURADOR REGIONAL ELEITORAL
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