Schwartz, Gilson. “’Infoexclusão’ ameaça Internet no Brasil e na AL”. São Paulo: Folha de São Paulo, 15 de outubro de 2000. "Infoexclusão" ameaça Internet no Brasil e na AL GILSON SCHWARTZ DA EQUIPE DE ARTICULISTAS A temporada é de notícias de demissões e cancelamento de investimentos na Internet, no Brasil e em outros países. As explicações são mais ou menos óbvias. Primeiro, houve exagero de expectativas e dimensionamento. Segundo, novas tecnologias são caras e demoram mais para se desenvolver em sociedades pobres. Terceiro, o cenário mundial, hoje, é de redução no crescimento econômico e, nesse contexto, nem a nova economia escapa. Menos óbvia é a percepção de que a esse esfriamento da iniciativa privada não deveria corresponder, necessariamente, um encolhimento da iniciativa pública. A ideologia predominante há dois anos, no entanto, difundiu a noção de que cada adolescente seria o bilionário do futuro, de que qualquer um poderia criar seu negócio on line e escapar de limitações da velha economia. Em alguns países, ganha força a consciência de que a Internet não é um assunto apenas privado, que só diga respeito a jovens que abandonam MBAs ansiosos para apresentar "business plans" para investidores. Em todo o mundo, a construção de novas redes de comunicação é vista como parte de um programa bem mais amplo de construção de uma sociedade "da informação" ou "do conhecimento". Isso exige novas políticas industriais e tecnológicas, novas relações entre os sistemas educacional e empresarial e gastos públicos para levar a rede ao maior número de pessoas. No Brasil, a criação de fundos com esse objetivo está empacada no Congresso, tamanha é a força do lobby das prestadoras de serviços de telecomunicações. É óbvio: quanto menos infra-estrutura pública, quanto menor a universalização do acesso, maior o potencial ou a expectativa de vendas de produtos e serviços de telecomunicações por parte das empresas privadas. Um "policy paper" alertando para esses riscos, no Brasil, acaba de ser publicado pela Friedrich Ebert Stiftung. O trabalho foi escrito por Carlos A. Afonso, co-fundador e ex-diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (o Ibase, do Betinho). Afonso foi o idealizador do primeiro provedor de serviços Internet no Brasil e atualmente é diretor da Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits). O trabalho pode ser lido no endereço www.fes.org.br. Afonso lança alertas com relação ao Brasil e à América Latina. Dos mais de cinco mil municípios brasileiros, menos de 300 (6%) contam com a infra-estrutura necessária para a instalação de serviços de acesso à Internet. Os cerca de cinco milhões de usuários da Internet no Brasil são menos de 3% de nossa população. O Brasil é de longe o pior colocado em números per capita de usuários, computadores pessoais, linhas telefônicas e servidores Internet entre as nove maiores economias do mundo. Os circuitos que conectam os provedores de serviços à Internet estão entre os mais caros do mundo. Não há no país um plano para implantar mecanismos efetivos e abrangentes de democratização de acesso, como conexão maciça de escolas públicas, programas de treinamento básico etc. Um amplo programa poderia ser realizado em dois anos gastando menos de 0,2% do PIB, mas não há estudos de viabilidade para isso. Quanto à América Latina, Afonso alerta para o fato de que a região é a única que ainda não dispõe de uma iniciativa comum voltada à interconexão. O risco maior é o da "infoexclusão". O Brasil foi pioneiro com relação à Internet mas, como já ocorre em outras áreas da "velha economia", corre o risco de ser retardatário quando se trata da questão social. -------------------------------