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Estado e Resistência: Deleuze, Guattari e a distopia do real
Evânio Márlon Guerrezi, Ester Maria Dreher Heuser (Orientadora), e-mail:
[email protected].
Universidade Estadual do Oeste do Paraná/Centro de Ciências Humanas e
Sociais/Toledo, PR.
Área e subárea: Filosofia / Ética
Palavras-chave: Política, Literatura, Máquina de Guerra
Resumo
O objetivo deste trabalho é explorar um traço singular dos escritos de Gilles
Deleuze e Félix Guattari. Nossa hipótese é a de que a filosofia política dos
autores, sobretudo nos dois tomos de Capitalismo e Esquizofrenia, O AntiÉdipo e Mil Platôs, pode ser considerada uma filosofia política distópica. Isso
porque percebemos que suas considerações sobre a noção de Estado, bem
como as narrativas da distopia como gênero literário e cinematográfico, nos
mostram como o Estado possui, desde sempre, o germe daquilo que
chamamos, ao longo da pesquisa, de Estado Terminal. As distopias, ao menos
as de cunho autoritário, elaboram a descrição de uma formação social na qual
a variedade dos modos de vida entram em processo de extinção, em função
das coordenadas estatais. O mesmo receio de Deleuze e Guattari. Os Estados
de supercontrole condicionam a existência de seus membros, bem como
rechaçam ou cooptam qualquer forma de resistência aos códigos de controle
que inventam. Ao longo da pesquisa traçamos um paralelo entre as descrições
de algumas obras distópicas e a teorização acerca do Estado e sua
possibilidade de resistência em Deleuze e Guattari. Mais que isso, afirmamos
que a dupla francesa nos permitem pensar que a distopia não é puramente
uma questão de ficção, mas que já se encontra muito bem encarnada nos
corpos e nas formações sociais. Uma distopia do real que pode se intensificar e
expandir caso cessemos de apresentar modos de resistência criativos.
Introdução
Nas literaturas do gênero distópico, como 1984 (2009) de George
Orwell, Admirável Mundo Novo (2014) de Aldous Huxley e Fahrenheit 451
(2003) de Ray Bradbury, encontramos a descrição de sociedades
controladoras, capazes de despertar o medo e a angústia dos leitores. Mas,
mesmo em distopias mais brandas e sutis, como Clube da Luta (2012) de
Chuck Palahniuk, que descreve o capitalismo como a distopia contemporânea,
e Laranja Mecânica (2012) de Anthony Burgess, que tem como trama de fundo
a disputa de partidos políticos, o Estado não deixa de ser descrito como
possuindo a potencialidade de se metamorfosear em algo negativo e perigoso.
Essa é a mesma preocupação da filosofia de Deleuze e Guattari,
sobretudo em O Anti-Édipo (2011b) e Mil Platôs (2011-2012): que o Estado se
cristalize e se configure como um limite, como uma zona aparentemente
instransponível, que regula e apreende a todos em poucos ou em apenas um
modo de vida tomado como superior. É nesse sentido que afirmamos que a
dupla francesa faz uma filosofia política distópica.
É preciso marcar que as distopias não se limitam ao seu caráter
negativo. Nelas, quase sempre encontramos personagens que resistem e que
se opõe de maneira criativa ao condicionamento estatal. Guy Montag em
Fahrenheit 451 não se deixa abater pela ignorância generalizadamente
imposta. Tyler Durden em Clube da Luta, não cessa de atentar contra as
instituições que gestionam o mercado. Para estreitar ainda mais a relação entre
filosofia e distopia, esse parece ser o mesmo trato de D&G em O Anti-Édipo e
Mil Platôs. Não apenas uma crítica, como se o objetivo fosse apenas expor o
caráter negativo do Estado, mas também um viés construtivista que tenta
oferecer alternativas, ainda que elas não possuam caráter universalizante e
não funcionem como modelo pré-estabelecido, a espera de sua aplicação
prática. Não se trata de traçar uma mera crítica desconstrutiva, mas, ao
contrário, os autores têm a preocupação de estabelecer uma criação conceitual
que apresente uma alternativa à vida oferecida pela forma de pensar estatal.
Se em O Anti-Édipo os autores procederam do modo que eles mesmos
denominaram kantiano, por se tratar essencialmente de um livro em forma de
crítica, Mil Platôs é de outra ordem. Trata-se mesmo de um construtivismo,
como D&G afirmam no prefácio à edição italiana: “Mil platôs se baseia, ao
contrário, em uma ambição pós-kantiana (ainda que deliberadamente antihegeliana). O projeto é ‘construtivista’” (Deleuze & Guattari, 2011a, p. 10). E
aqui temos nosso segundo objetivo que, de maneira otimista, pretende abordar
as alternativas de resistência ao Estado Terminal, tanto nas descrições da
literatura e do cinema distópico, quanto na filosofia de D&G, principalmente por
meio do conceito de máquina de guerra. Gostaríamos, portanto, de destacar
essas duas linhas que atravessam nosso processo de escrita, ainda que elas
se desdobrem em outras:
1) Partimos da hipótese de que Estado possui o embrião do Estado
Terminal, podendo engendrar uma máquina social de proporções
gigantescas, que tenta evitar que modos de vida distintos daqueles
que ela oferece sejam levados a cabo.
2) D&G, por meio da criação conceitual, mas também os autores
distópicos que criam figuras estéticas, por meio da literatura ou do
cinema, tentam nos alertar para o possível processo de cristalização
do Estado, além de afirmarem a possibilidade de saídas criativas
para que haja resistência a ele.
Revisão de Literatura
Nossa análise foi composta, sobretudo, por cinco literaturas do gênero
distópico e pelos dois tomos de Capitalismo e Esquizofrenia, O Anti-Édipo e Mil
Platôs de Deleuze e Guattari.
Cada Literatura teve um papel específico na pesquisa. 1984 e seu
Estado de supercontrole nos possibilitou a problematização do totalitarismo.
Fahrenheit 451 e a alienação cultural desejada pelo povo nos forneceu os
elementos necessários para o trato da noção de fascismo de Deleuze e
Guattari. Admirável Mundo Novo nos mostrou um Estado que, embora não faça
uso de violência e supercontrole, consegue limitar e cercear as capacidades
sociais. Laranja Mecânica rechaça as aspirações sociais e as submete o povo
aos interesses de disputas políticas partidárias.
O Anti-Édipo e Mil Platôs, na esteira do receio das literaturas distópicas,
também expõe o perigo da cristalização dos aparelhos estatais e da sua
capacidade de degeneração em algo negativo, como o condicionamento das
produções sociais, a limitação da inventividade humana e o aprisionamento da
malha social em apenas um ou poucos modos de vidas oferecidos pelo Estado.
Mas, assim como as literaturas distópicas expressam também as vias para
uma resistência criativa aos perigos do Estado, quando por conta da noção de
desejo revolucionário, nomadismo e máquina de guerra, apresentam
alternativas de resistência às sociedades distópicas.
Resultados e Discussão
Pareceu-nos importante tentar destacar, muito brevemente, aquilo que
compreendemos serem os dois aspectos mais gerais desse Estado Terminal.
1) Compreendemos o Estado Terminal como o movimento teleológico
de conquista do seu fim. Ele se pretende a última formação social e,
portanto, se encontra em um processo de cristalização, que tem
como objetivo encerrar a existência de processos diferenciantes.
Momento de estabilização e eliminação das contradições e
diferenças. Um processo contra os demais processos de variação.
2) O termo Terminal também se aplica ao sentido médico. O Estado
Terminal "elimina" a vida, na medida em que limita o desejo social a
uma formação possível. É o momento em que os modos de vida que
diferem do modo desejável pelo Estado Terminal serão considerados
doentes. Ou, ainda, a própria forma de vida oferecida pelo Estado é
uma forma Terminal, na qual a existência deve padecer diante da
imponência da organização social e da forma de vida que a
organização supõe.
Deleuze e Guattari se aproximam muito de Karl Popper nesta questão. Tanto
para Popper como para a dupla francesa, o futuro é aberto e não cessa de se
metamorfosear. O Estado Terminal, no entanto, tenta reprimir essa condição de
abertura e estabilizar seus pressupostos numa parada improdutiva. É o
momento em que se deixa de produzir o futuro para reproduzir o presente.
Optamos por posicionar Deleuze e Guattari na história da filosofia
política. Para tanto, abrimos a primeira parte da pesquisa com os
distanciamentos que têm com certas escolas filosóficas, além de afirmar que
pensam a filosofia política por meio do conceito de desejo.
De um modo mais geral, tentamos distanciar Deleuze e Guattari da
filosofia platônica, a fim de afirmar que para eles não há uma Ideia de Estado,
ou seja, uma forma perfeita de governo a ser atingida e que já está muito bem
formada e estável. Além disso, tratamos ainda da rivalidade existente entre as
Ideias de Estado e como isso pode ser negativo àquele que deveria ser o
usuário das Ideias: a multidão. Com Laranja Mecânica tentamos mostrar como
o personagem Alex é apenas um peão manipulável em um jogo de xadrez
entre a oposição e a situação. Alex não importa, o povo não importa, ou
melhor, importam apenas na medida em que ajudam a vencer o jogo de
captura de poder.
Como distanciamentos específicos, optamos por fazer uso de duas
escolas filosóficas. Afastamos Deleuze e Guattari do contratualismo, tendo em
vista que essa é, ainda, uma das escolas mais em voga nos nossos currículos
universitários. Estão longe das teorias do contrato, já que não produzem sua
filosofia política por meio do método contratualista, que consiste em
estabelecer um Estado de Natureza e um Estado Civil, tento como ponto de
cisão e passagem o Contrato Social. Ao mesmo tempo, a dupla francesa
parece se opor a uma divisão histórica que afirma que o Estado de natureza
era ruim e que no Estado Civil gozamos de felicidade ou vice-versa. Não há
uma preocupação de mostrar a legitimidade ou não do Estado moderno.
Mais marcante do que o distanciamento com o contratualismo, nos
pareceu o distanciamento em relação a certo hegelianismo. Assim como
Admirável Mundo Novo nos apresenta o Estado Mundial, baseado na
estabilidade e reprodução do que já está dado, Hegel dá margens para a leitura
de que o Estado moderno pode ser considerado a última formação social. Sua
noção de Aufhebung, a superação das contradições, que não só supera, mas
conserva e eleva, dá mostrar de um mecanismo de cunho teleológico. Para
onde caminha a Aufhebung? Para um fim? Certamente Deleuze e Guattari não
compactuam com essa condição existencial e preferem pensar as formações
sociais mais pela sorte das contingências do que por esse misticismo panteísta
afirmado por Hegel.
Antes de pensar a política pela teleologia ou pela teoria do contrato,
Deleuze e Guattari a tratam, em O Anti-Édipo, por meio da noção de desejo e
das variações e desdobramentos deste conceito. Aqui, os personagens de
Clube da Luta nos ajudaram a pensar essa vertente da filosofia, bem como
afirmar o “Estado em Mim” presente na figura do narrador. Mas foi preciso
tentar desvincular a concepção de desejo da dupla francesa daquela utilizada
pela psicanálise mais tradicional, de Freud e Lacan. Para Deleuze e Guattari, o
desejo é como a força motriz, como a energia de conexão e produção, ou seja,
de tudo. Só há algo, porque há desejo. Funciona como uma lógica
cosmológica. Está no sol que se conecta com a clorofila, criando a fotossíntese
e promovendo uma das bases da cadeia alimentar do nosso ecossistema. Está
na conexão que faz o ouvido do garoto, que ao passar na rua se encanta por
um som e passa a tocar guitarra. Está na boca do recém-nascido que se
acopla ao seio materno. Desejo como produção, como conexão e interrupção
de máquinas desejantes. A noção de desejo é, no entanto, minimizada no
segundo tomo de Capitalismo e Esquizofrenia, dando lugar a noção de
agenciamento e de linhas. A dupla francesa trabalha com a conceitualização de
três linhas: molar, molecular e de fuga. Pode-se dizer que as linhas são o
desejo canalizado (ou não) em diferentes direções. Em uma definição muito
rápida e grosseira, poderíamos dizer que a linha molar é a responsável pelas
grandes identidades e ordenamentos. É o momento em que o desejo se
canaliza na segurança e estabilidade. Na molecularidade encontramos o
desejo operando de maneira periférica, se esquivando das grandes
identidades. Já a linha de fuga consiste no estilhaço das linhas precedentes.
Ela rompe com qualquer forma de estabilização.
Na segunda parte nos ocupamos em tematizar as estruturas estatais.
Em O Anti-Édipo, Deleuze e Guattari nos apresentam a noção de socius, que
não deixa de estar conectado ao conceito de desejo. Os socius se apresentam
como as formações sociais e as sua relação de captura do desejo. É como se a
formação social surgisse como um corpo que influencia e que, de certa forma,
condiciona o desejo. Somos apresentados a três formações sociais: o socius
primitivo (ou o corpo da Terra), os bárbaros (ou a organização despótica) e os
civilizados (ou o capitalismo). Cada um desses socius, com seus sistemas e
suas maneiras de condicionar o desejo.
Cada formação social canaliza o desejo em um corpo que se torna a sua
quase-causa. Na formação social primitiva, o desejo é canalizado pelo corpo da
terra que emana seus códigos e condiciona o selvagem. A terra é a referência
para as culturas que podem ou não ser cultivadas, para os períodos de caça ou
plantação. A terra mobiliza, portanto, o desejo do primitivo. O Estado surge
com os bárbaros, na formação despótica, segunda formação social. Os
Estados imperiais se definem pelo corpo do déspota, que por meio de
sobrecódigos instaura uma relação piramidal entre a chefia e as outras
camadas sociais. O desejo canaliza no déspota e se realiza nele. No mundo
contemporâneo, o corpo é o do dinheiro. Na formação civilizada capitalista o
desejo se realiza no axioma de produção de capital, e o próprio capital se torna
a quase-causa do desejo.
Iniciamos a narrativa desta segunda parte com o gênero literário. Cada
uma das literaturas que utilizamos também possuem Corpos que condicionam
o desejo. Admirável Mundo Novo apresenta ao menos dois: o Corpo civilizado
e o Corpo selvagem. 1984 se concentra no Corpo do Grande Irmão, mas
também faz uso da figura de Emmanuel Goldstein como polo de repulsão do
desejo. Fahrenheit 451 se ocupa com o Corpo da ignorância, retratando uma
sociedade de conhecimentos uniformes e inofensivos. Clube da Luta, por se
concentrar na descrição da distopia do real, nos mostra como o Corpo
contemporâneo de estriamento do desejo é a moeda, o dinheiro.
Em Mil Platôs, a noção de socius e dos Corpos parece estar reduzida e,
em seu lugar, adotam a noção de segmentaridade. Mais do que definidos por
um corpo geral que canaliza o desejo, Deleuze e Guattari tentam, em Mil
Platôs, afirmar que esses socius se realizam por meio da existência de
diversos segmentos que, não raramente, confluem para um centro de
governança. É o momento em que exército, polícia, família e escola podem ser
usados para manterem a conservação de poder do Estado contemporâneo.
É preciso marcar que ao largo de toda a descrição dos socius, como
também da noção de segmentaridade, Deleuze e Guattari parecem manter um
tom de suspeita em relação ao Estado e aos mecanismos de cristaliação, o que
reiterou nossa hipótese de que podem ser lidos, ao menos nestas obras, como
autores distópicos.
No terceiro momento da pesquisa tentamos tratar da resistência às
forças estatais, além de afirmar que o capitalismo, o socius contemporâneo é a
distopia do real, porque tenta limitar o desejo ao seu axioma interno, a
produção e reprodução de capital.
É nesta parte que nos dedicamos ao conceito de máquina de guerra,
tematizado de maneira mais detalhada no platô de número doze, o “Tratado de
nomadologia”. Neste platô, Deleuze e Guattari, além das inúmeras relações
com outros campos do saber, problematizam a figura do nômade, como aquele
que se opõe ao Estado e inventa a máquina de guerra como o mecanismo de
resistência. A máquina de guerra é sempre uma invenção. Mas, mais do que
um objeto dado, tentamos afirmar como a máquina de guerra é uma questão
de método, distinta da fórmula estatal. É uma produção desejante que se
esquiva dos pressupostos estatais
As cinco literaturas marcam bem essa condição: apresentar como
mesmo nas formações sociais mais severas o desejo ainda produzia algo
diferente. Os personagens se transformam e, não raramente, contestam o
Estado, mesmo que em seus delírios. É assim que Winston Smith, em 1984,
faz do canto da sua sala o refúgio de sua vida, quando consegue escrever seu
pequeno diário e que, com Julia e o livro da resistência de Emmanuel
Goldstein, cria sua própria revolução. É assim que Guy Montag, em Fahrenheit
451, encontra nos livros e na periferia da cidade a possibilidade de uma nova
vida, ou que John e Bernard, em Admirável Mundo Novo, não se identificam
com a sociedade que habitam. É por força do desejo que Alex, em Laranja
Mecânica, dissemina sua ultraviolência que não consegue ser, num primeiro
momento, capturada pelos procedimentos estatais, e é também pelo desejo
que abandona sua vida de crimes. E, finalmente, Tyler Durden, em Clube da
Luta, com o desejo que permanece irredutível a produção capitalista e que,
sobretudo, se opõe a ele, quando coloca sua invenção, o Projeto Desordem e
Destruição, no caminho das instituições que asseguram e reproduzem o Corpo
do capital.
Se a distopia é real, a resistência nômade também é. É o momento em
que Deleuze e Guattari afirmam outro jogo de tabuleiro, diferente do jogo
platônico. Se no jogo de xadrez platônico o que importa é fazer triunfar a figura
do rei, o que torna as outras peças um meio para vitória, no jogo de go, cada
peão tem sua singularidade e cada movimento pode por em questão a
organização e a estrutura do tabuleiro, a vida.
Conclusões
Por mais que as distopias nos mostrem os perigos inerentes a
capacidades de controle dos Estados, elas também nos mostram que existe
sempre uma capacidade de resistência, uma via que não passa pela captura
estatal. Sempre há um buraco para ser cavado, uma linha de fuga a ser
seguida, uma produção que não se resume ao referencial da forma Estado.
Quando evocamos novamente, na terceira parte de nosso trabalho, os
personangens das cinco literaturas que utilizamos ao longo da pesquisa,
tínhamos, como principal intuito, evidenciar que mesmo as distopias mais
severas não deixam de retratar a existência de personagens e modos de
resistência ao Estado de coisas.
Unindo o gênero distópico e a filosofia política de Deleuze e Guattari,
vemos como a distopia não é apenas uma questão de ficção, mas que já se
encontra muito bem instalada na malha social e nos corpos. O capitalismo é a
distopia do real. Não deixa de ser nosso Estado Terminal. É a distopia mais
refinada, porque soube exterminar os limites externos e manter apenas o seu
limite interno: produção de capital. Como se esquivar das condições dessa
máquina mundial? Quando Deleuze e Guattari, em O Anti-Édipo, tratam da
política pelo viés do desejo, afirmam o desejo como força motriz. No caso
capitalista, vemos como o corpo do dinheiro condiciona o desejo e o a
reorganiza para que não passe de produção de capital. Em Mil Platôs tratam da
resistência nômade e de como os nômades conjuravam a existência estatal,
como precisavam ser inventivos para lidar com as adversidades oriundas das
forças estatais. Não seria o caso de afirmar o nomadismo diante do capital?
Resistir ao Estado capitalista e ao fascismo parece estar diretamente ligado ao
desejo como pura produção e não produção de capital. Desconectar o desejo
do axioma capitalista parece ser a condição para a existência nômade
contemporânea. Do mesmo modo, a filosofia, a arte e a ciência nômades
precisam se esquivar do axioma capitalista, produção de capital, para que
possam efetuar outras produções e modos de vida.
O nomadismo como procedimento de produção, que se esquiva de
referenciais e que se põe a produzir e metamorfosear-se sempre, é um dos
maiores legados de Deleuze e Guattari. Política pensada por um viés não
somente jurídico, mas que se passa em todas as relações e conexões, que não
se resume aos gabinetes e assessorias dos congressos, mas que se efetua
também com o desejo dos bandos e maltas que subvertem a ordem estatal,
que não precisam de sua autorização para criar um espaço de indeterminação
onde os referenciais perdem sua força. Afirmamos, como um desejo e também
uma crença, que sempre haverá um nomadismo que combate não somente o
Estado capitalista, mas toda a forma de segregação e exclusão dos modos de
vida. Sempre uma resistência ao Estado Terminal.
Agradecimentos
À Ester Maria Dreher Heuser, pela dedicada e atenta orientação, mas,
sobretudo, pela amizade e pela maneira afirmativa e alegre de me apresentar à
filosofia. Serei sempre grato.
Aos professores Wilson Frezzatti e Silvio Gallo, pela participação na
banca de defesa.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES, pelo apoio financeiro recebido.
Referências
Bradbury, R. (2003). Fahrenheit 451. Tradução de Cid Knipel. São Paulo:
Globo.
Burgess, A. (2012). Laranja Mecânica. Tradução de Fábio Fernandes. São
Paulo: Aleph.
Deleuze, G. & Guattari, F. (2011a). Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2,
vol. 1. Tradução de Ana Lúcia de Oliveira, Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto
Costa. São Paulo: Ed. 34, 2011a.
_______________. (2012a). Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2, vol
3.Tradução de Aurélio Guerra Neto et al. São Paulo: Ed. 34.
_______________. (2012b). Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2, vol 5.
Tradução de Peter Pál Pelbart e Janice Caiafa. São Paulo: Ed. 34.
_______________. (2011b). O Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia 1;
Tradução de Luiz. B. Orlandi. São Paulo: Ed. 34.
Huxley, A. (2014). Admirável Mundo Novo. Tradução de Lino Vallandro e Vidal
Serrano. São Paulo: Globo.
Orwell, G. (2009). 1984. Tradução de Alexandre Hubner e Heloísa Jahn. São
Paulo: Companhia das letras.
Palahniuk, C. (2012). Clube da Luta. Tradução de Cassius Medauar. São
Paulo: Leya.
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