INTEIRO TEOR DA DELIBERAÇÃO 43ª SESSÃO ORDINÁRIA DA PRIMEIRA CÂMARA REALIZADA EM 14/06/11 PROCESSO TC Nº 1101048-4 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO INTERPOSTOS PELOS SRS. JOSÉ HUMBERTO CAVALCANTI E KENNYS BONATI MAZIERO, RESPECTIVAMENTE SECRETÁRIO DE SERVIÇOS PÚBLICOS E DIRETOR DA SECRETARIA DE SERVIÇOS PÚBLICOS DA PREFEITURA DO RECIFE, CONTRA A DECISÃO TC Nº 0054/11 RELATOR: CONSELHEIRO EM EXERCÍCIO MARCOS NÓBREGA PRESIDENTE EM EXERCÍCIO: CONSELHEIRA TERESA DUERE RELATÓRIO Os autos do processo em epígrafe cuidam de Embargos de Declaração interpostos pelo Sr. José Humberto Cavalcanti e Kennys Bonati Maziero contra a Decisão TC nº 0054/11, proferida nos autos do processo TC n° 0903328-2, prolatada pela Primeira Câmara desta Corte, que julgou irregulares a Auditoria Especial referente a dispensas de licitação em favor da MULTISET ENGENHARIA. No caso concreto, os Interessados alegam a existência de vícios de omissão e contradição na decisão prolatada, requerendo a supressão daqueles. Ademais, ora solicita que a decisão embargada seja pela regularidade da Auditoria Especial, ora que seja anulada. Os autos foram instruídos com o Parecer MPCO nº 260/2011, da lavra do Procurador Dr. Gustavo Massa, que realizou a seguinte análise dos argumentos do embargante: 1. “DA ADMISSIBILIDADE 1.1. Tempestividade e Legitimidade De acordo com a Lei 12.600/04 (Lei Orgânica do TCE-PE), os embargos de declaração devem ser interpostos dentro do prazo de 5 (cinco) dias contados a partir da publicação da decisão recorrida (art. 81, §1º da lei). No caso em tela, a decisão T.C. nº 0054/11 foi publicada no dia 1 de fevereiro de 2011, sendo o recurso, ora em análise, interposto no dia 7 de fevereiro de 2011. Como o prazo final assinalado se deu em um domingo (06/02/2011), ficou para o primeiro dia útil o fim do prazo para protocolização do recurso. Dentro do prazo agiu a parte. Como o presente embargo de declaração foi dentro do qüinqüídio especificado na lei, mostra-se tempestivo. A parte interessada possui legitimidade ad causam. Portanto, estes requisitos para o manejo dos Embargos de Declaração foram atendidos. 2. PRELIMINAR DE MÉRITO: INEXISTENCIA DE OMISSÃO NO JULGADO 1 Ab initio, é importante notar que os embargos de declaração somente são cabíveis, segundo art. 81, incisos I e II da LOTCE, quando a deliberação impugnada “contiver obscuridade ou contradição” ou quando houver omissão em relação ao “ponto sobre o qual deveria ter se pronunciado”. A defesa menciona a existência duas omissões no julgado, alegando que não houve: Análise pormenorizada dos fundamentos e documentos, visto que, caso tivesse havido, fatalmente não restaria dúvida quanto à ausência de ilegalidade. Qualquer menção à responsabilização individual de cada gestor nem detalhamento de que irregularidade cada um teria cometido. Quanto à primeira omissão alegada pela parte, mostra-se imperioso atentar ao Princípio do Livre Convencimento Motivado do Juiz. De acordo com este princípio, o juiz tem liberdade de solucionar os litígios da maneira que lhe pareça mais adequada, embora sempre motivando suas decisões, dentro dos limites impostos pela lei e pela Constituição. Isto significa que o julgador é livre para escolher as provas e argumentos que serviram de base para o seu convencimento, justificando a sentença ou decisão. Este é o entendimento perfilhado pelo STF e STJ, conforme se depreende dos seguintes julgados: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SECRETÁRIO DE FAZENDA DO DISTRITO FEDERAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO. MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA ABSOLUTA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Não se configura omissão, tampouco negativa de prestação jurisdicional, quando o Tribunal de origem, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adota fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia. (...) 9. Recurso ordinário desprovido. (RMS 21.809/DF, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/11/2008, DJe 15/12/2008) ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃOOCORRÊNCIA. REVALORAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS DESCRITOS NA ORIGEM. POSSIBILIDADE. ART. 11 DA LEI 8.429/92. PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DOLO. EXIGÊNCIA. VIOLAÇÃO CONFIGURADA. PENALIDADES. APLICAÇÃO ALTERNATIVA. MULTA. ADMISSIBILIDADE. 2 1. Cuida-se de ação de improbidade ajuizada contra o ex-Prefeito de Acaiaca/MG, por ter contratado, sem procedimento licitatório, juntamente com seu irmão, a compra de materiais - toras, estacas de madeira e madeiras de escoramento - no valor aproximado de R$ 4.200, 00. 2. Os embargos de declaração não servem para a reapreciação do mérito da demanda, já que o ordenamento pátrio destina fim específico para tal recurso, qual seja, a integração de decisão judicial, em que tenha ocorrido eventual negativa de prestação jurisdicional, sendo desnecessário que o magistrado se oponha a cada um dos argumentos expendidos pelo recorrente, bastando que a querela tenha sido solucionada de forma integral, rejeitando-se logicamente as teses contrárias. Precedentes. (...) 8. Recurso especial provido em parte. (RESP 200901748780, CASTRO MEIRA, STJ - SEGUNDA TURMA, 08/09/2010) Já quanto à segunda omissão, como citado pelo embargante, ao julgar as contas irregulares, o Tribunal deverá definir a responsabilidade individual pelo ato de gestão. Como o ato em questão, ou seja, a dispensa indevida de licitação, lastreada em ausência de planejamento por parte dos gestores, foi de responsabilidade dos Srs. João da Costa, José Humberto Cavalcanti, e Kenys Bonnati, em conjunto, mostra-se ilógico repetir, tendo em vista que se trata do mesmo ato, a responsabilidade individual de cada um. Ademais, cabe aqui ressaltar o entendimento de Barbosa Moreira acerca do que se deve considerar omissão para fins de interposição de embargos: "Há omissão quando o tribunal deixa de apreciar questões relevantes para o julgamento, suscitadas pelas partes ou examináveis de ofício..."1. Somente há que se falar em omissão quando o julgador não considera questões indispensáveis para fundamentar suas decisões, ou seja, não é necessário que rebata, um a um, os argumentos apresentados pela defesa. Neste mesmo sentido destaca-se Martins: "Os embargos não poderão ser utilizados como meio de reexame da causa, ou como forma de consulta ou questionário quanto a procedimentos futuros. O juiz não é obrigado a rebater todos os argumentos trazidos pela parte, bastando apenas decidir fundamentadamente, ainda que se utilize apenas de um fundamento jurídico. O mesmo 1 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. Vol V, 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. 3 ocorre em relação a questões novas que anteriormente não foram ventiladas"2. Portanto, o julgador não é obrigado a enumerar todos os pontos e argumentos levantados no curso do processo, principalmente quando não foram suficientes para convencer o juiz da tese esboçada Diante do exposto, não caberia falar em omissão do julgado, já que o tema, bem como a documentação até então anexada ao processo original, foram amplamente apreciados. 3. PRELIMINAR DE MÉRITO: INEXISTENCIA DE CONTRADIÇÃO NO JULGADO Quanto à existência de contradições, a defesa alega que: A relatora teria reconhecido a inexistência de irregularidade no processo de dispensa de licitação, bem como a inexistência de outras irregularidades. Isso porque colocou que “o argumento fático, qual seja, o indício de irregularidade no processo de dispensa de licitação que ensejou a representação interna não encontra esteio na realidade”. Desta forma, segundo a parte interessada, não haveria irregularidade para a relatora, o que se mostra contraditório com aplicação de multa pecuniária. Trata-se de uma interpretação descontextualizada do embargante. Este extraiu uma parte da decisão sem atentar aos argumentos que vinham sendo levantados. É sabido que o parecer MPCO nº 410/10 foi acatado integralmente na análise do presente processo. Desta forma, o aduzido pela parte foi colocado por este Parquet de Contas, que esclarece: o excerto “O argumento fático, qual seja, o indício de irregularidades no processo de dispensa de licitação, que ensejou a representação interna não encontra esteio na realidade” remete ao fato de que, inicialmente, havia indícios que as sucessivas dispensas de licitação tinham sido feitas em favor da mesma prestadora de serviços, ou seja, a mesma empresa teria sido contratada para manutenção do edifício-sede da Prefeitura. Posteriormente, foi verificado que diferentes empresas sucederam-se na realização das obras, afastando a irregularidade de escolha de prestador do serviço, levantada inicialmente. Entretanto, subsistiu o fato que as dispensas vinham sendo feitas por falta de planejamento da administração. Este fato configura irregularidade outra, a que deu ensejo a rejeição das contas na auditoria especial. Isso porque não há motivos para as contratações sucessivas por meio de dispensa, mesmo considerando que os serviços não possam ser interrompidos, tendo em vista que houve tempo suficiente para a realização da licitação. 2 MARTINS, Sérgio Pinto, Direito Processual do Trabalho, 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 433 4 Este MPCO reafirma que o caso em tela trata-se de grave irregularidade: a reiterada prática de dispensa de licitação pó falta de planejamento do órgão. Ao contrário do particular, a administração pública não pode contratar livremente. A Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso XXI, determina que: “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações” A determinação de realização de procedimento licitatório para a contratação na Administração Pública está insculpida tanto na Constituição Federal, quanto na lei nº 8666/93. Portanto, o administrador público, ao seu alvedrio, não pode deixar de cumprir tais exigências normativas. Desde o exercício de 2007, conforme se verifica no conjunto probatório do processo, o Executivo Municipal vem procedendo à dispensa com a escusa de se tratar de serviços que não podem ser interrompidos. De fato, os serviços de manutenção do edifício-sede da Prefeitura não podem cessar. Como tais serviços têm caráter contínuo e não podem ser interrompidos, depois das sucessivas prorrogações, não há o surgimento de fato inesperado ou imprevisível para justificar a necessidade da dispensa de licitação. A administração consciente do prazo de vigência do contrato anterior deveria ter planejado um novo procedimento licitatório, e não alegar, posteriormente, situação emergencial para a contratação direta. A essencialidade desse serviço não impede que se realize a licitação, ao contrário, a dispensa de licitação, em casos como este, visa à continuidade dos serviços enquanto a Administração Pública providencia os trâmites licitatórios e por fim realize a contratação. O MPCO esposa entendimento no sentido de que não restou comprovado o favorecimento de uma empresa na dispensa de licitação. Entretanto, apesar de não se verificar tal favorecimento, a própria prática reiterada de dispensa de licitação, em razão do considerável lapso temporal (desde o exercício de 2007) e da ausência de procedimento licitatório configura grave irregularidade. O interesse público é prejudicado pela malversação dos recursos e pela desídia do administrador público. Além desta contradição, a defesa alega que: 5 A multa aplicada mostra-se em desconformidade com o entendimento jurisprudencial do TCU que, não comprovando dano ao erário ou má-fé dos gestores, não aplica multa nos casos de mera falha formal. Primeiramente, o presente caso não se trata de mera falha formal. Repetidas dispensas de licitação, alicerçadas em falta de planejamento por parte dos gestores, configuram grave irregularidade visto que, repita-se, ao contrário do particular, a administração pública não pode contratar livremente. Ademais, neste aspecto, quem parece contraditório é o embargante, ao trazer jurisprudências que tratam da não aplicação de multa em caso de mera falha formal. Ora, por que razão traria tais jurisprudências se nega a existência de qualquer tipo de irregularidade, pautando-se em sua conduta diligente e tenaz? Além disso, traz jurisprudências que não se assemelham ao caso concreto. Não só por este não se tratar de mera falha formal, como também porque são casos, por exemplo, de baixa materialidade das irregularidades. O que em nada se assemelha à situação analisada, visto que o valor do serviço contratado sem a observância do devido processo licitatório foi de R$ 618.734,04. Por fim, o embargante alegou que em nenhum momento a relatora, ao proferir seu voto, fundamentou-se em qualquer dispositivo legal. Também não teria havido qualquer menção à Lei Orgânica do Tribunal de Contas de Pernambuco, o que dificultaria a defesa. Por fim, acresce que o julgador do Tribunal de Contas, ainda que não faça parte do Poder Judiciário, deve observar o “Princípio do livre convencimento motivado”. Uma vigilante leitura do Inteiro Teor da decisão proferida revela momentos variados de argumentos respaldados em dispositivos legais, à exemplo de artigos da Constituição Federal, da Lei Orgânica do Tribunal de Contas de Pernambuco, como também referência à Lei 8.666/93. Argumenta a parte que os julgadores devem fundamentar suas decisões sob pena de nulidade, obedecendo assim aos ditames do Princípio do Livre convencimento motivado. Ora, por clara observância ao referido principio que o julgador do presente processo não pormenorizou cada aspecto levantado pela defesa. É suficiente que levante os aspectos que foram considerados em sua decisão e fundamente-os, mostrando-se desnecessário exaurir o processo tendo em vistas a própria celeridade e economia processual. Reitere-se aqui que o juiz tem liberdade de solucionar os litígios da maneira que lhe pareça mais adequada, embora sempre motivando suas decisões, dentro dos limites impostos pela lei e pela Constituição. Isto significa que o julgador é livre para escolher as provas e argumentos que serviram de base para o seu convencimento, justificando a sentença ou decisão. Desta forma, mostra-se descabida a alegação por parte do embargante que o “presente processo se encontra com vícios 6 intransponíveis e insanáveis”, não havendo razões para que a referida decisão seja anulada. Pelo contrário, eivado de vícios está o processo de dispensa de licitação de responsabilidade do embargante. Não prospera, dessarte, o aduzido pela parte.” É o relatório. VOTO DO RELATOR Acolho opinativo do Ministério Público de fazendo dele as minhas razões de julgar. CONSIDERANDO o Parecer MPCO nº 260/2011; CONSIDERANDO a inocorrência de contradição, ou obscuridade a ser sanada, CONHEÇO dos presentes Embargos de Declaração, atendidos os pressupostos de admissibilidade, e, no NEGO-LHES PROVIMENTO. A CONSELHEIRA TERESA DUERE ACOMPANHOU O VOTO DO PRESENTE O PROCURADOR DR. GILMAR SEVERINO DE LIMA. Contas, omissão uma vez mérito, RELATOR. PAN 7