Dedução Natural Liège Bauer Klüppel, Danilo Greco [email protected] [email protected] Novello, Alexandre de Souza Branco [email protected] Resumo Este trabalho tem por finalidade esclarecer o método de Dedução Natural. Tal método consiste em tirar conclusões a partir de premissas, chamadas regras de inferência. Existem quatro tipos de regras de inferência: as diretas, as hipotéticas, as derivadas e as de quantificadores. A partir da dedução natural, pode-se concluir que uma fórmula é conseqüência lógica (sintática) de uma outra fórmula ou um conjunto de fórmulas. Apresentando a dedução natural O método da prova de validade utilizando dedução natural permite mostrar a validade de um argumento de uma maneira muito mais prática e compacta em relação ao método da tabela-verdade. Basicamente, o procedimento consiste em aplicar um conjunto de regras de inferência ao conjunto de premissas, gerando conclusões intermediárias às quais aplicam-se novamente as regras, até atingir-se a conclusão final desejada. A esse processo dá-se o nome deduzir, derivar ou provar a conclusão a partir do conjunto das premissas, e a seu resultado, obviamente, uma dedução ou derivação ou prova. Uma dedução é construída da seguinte maneira: primeiro, faz-se uma lista das premissas que estão a dispor, colocando-se uma em cada linha, e escrevendo “P” ao lado, para indicar que se trata de uma premissa. Cada linha em uma derivação é numerada e deve-se ter uma “justificativa” para a fórmula que nela se encontra. Feito isto, aplica-se alguma regra de inferência que permita acrescentar uma nova linha a essa derivação, contendo uma fórmula que é o resultado da aplicação da regra a fórmulas anteriores. As regras básicas de inferência são postuladas (aceitas sem demonstração). Tais regras devem preservar a verdade: se as fórmulas às quais a regra se aplica são verdadeiras, a fórmula resultante também o será. Regras de inferência diretas “Em princípio, não há um limite quanto ao número de regras que se pode ter em um sistema” (MORTARI, 2001: 241). Há, naturalmente, um mínimo necessário – o conjunto de regras deve ser completo, isto é, idealmente elas devem ser capazes de mostrar a validade de todas as formas de argumento –, tendo, para cada operador, duas regras: uma que introduza o operador (ou seja, cujo resultado seja uma fórmula cujo símbolo principal é aquele operador), e uma que elimine o operador (ou seja, que, tomando como entrada uma fórmula cujo símbolo principal seja o operador, dê como resultado uma fórmula mais simples, de onde o operador tenha sido eliminado). De modo similar, para os quantificadores. No quadro abaixo estão algumas regras de inferência diretas: Dupla Negação (DN): Modus Ponens (MP): Conjunção (C): ¬¬ Separação (S): Expansão (E): Silogismo Disjuntivo (SD): ¬¬ Condicionais para Bicondicional (CB): Bicondicional para Condicionais (BC): Definição 1.1: Sejam um conjunto qualquer de fórmulas e uma fórmula. Uma dedução de a partir de é uma seqüência finita 1,...,n de fórmulas, tal quen = e cada i, 1 < i < n, é uma fórmula que pertence a ou foi obtida a partir de fórmulas que aparecem antes na seqüência, por meio da aplicação de alguma regra de inferência. Esclarecendo: tem-se uma dedução de uma fórmula a partir de algum conjunto se há, primeiro, uma seqüência 1,...,n de fórmulas – portanto, uma seqüência de comprimento finito. Segundo, o último elemento da seqüência, n, é a própria . Terceiro, cada uma das fórmulas nessa seqüência – cada i, 1 < i < n – tem que ter uma boa razão para estar nela. Assim, ou i é uma das fórmulas de – ou seja, uma premissa – ou foi obtida de fórmula(s) que aparecia(m) antes, por meio da aplicação de uma regra de inferência. Tendo, então, precisado melhor o que é uma dedução, pode-se definir conseqüência lógica do ponto de vista do método de dedução natural: Definição 1.2: Sejam um conjunto qualquer de fórmulas e uma fórmula. Diz-se que , o que se denota por ‘├ ’’, se há uma dedução de a partir de . Regras de inferência hipotéticas O conjunto de regras de inferência visto até agora permite demonstrar a validade de um grande número de argumentos. Contudo, esse conjunto de regras não é completo, pois existem formas de argumento que são válidas no CQC (cálculo quantificacional clássico, o cálculo de predicados de primeira ordem), mas cuja validade não pode ser demonstrada apenas com essas regras. Em primeiro lugar, ainda faltam regras para os quantificadores. Em segundo lugar, foram mostradas apenas oito regras – quando se deveria ter ao menos dez (duas para cada operador). Este tópico tratará das regras para operadores que ainda faltam. Elas se diferenciam das regras diretas do tópico anterior por exigirem o uso de hipóteses. Exemplo: Se Miau é um gato típico, ele não gosta de nadar. Se não gosta de nadar, então não pratica pesca submarina. Logo, se Miau é um gato típico, Miau não pratica pesca submarina. Usando G, N e P para simbolizar, respectivamente, ‘x é um gato típico’, ‘x gosta de nadar’, e ‘x pratica pesca submarina’, e usando m para representar Miau, tem-se o seguinte: Gm ¬Nm, ¬Nm ¬Pm ├ Gm ¬Pm. Não há nenhuma maneira, usando as regras de inferência do tópico anterior, de mostrar que Gm ¬Pm é uma conseqüência das premissas dadas. Assim, são necessárias algumas regras adicionais. A conclusão do argumento acima é um condicional. Uma estratégia usual é supor que o antecedente condicional é verdadeiro. Isto é, supor que Miau é um gato típico e acrescentar isso à dedução: 1. Gm ¬Nm P 2. ¬Nm ¬Pm P 3. | Gm ?Gm ¬Pm H ?¬Pm A proposição ‘Miau é um gato típico’ foi acrescentada como hipótese (H): isso serve para diferenciá-la das premissas, cuja verdade não é, no contexto do argumento, colocada em dúvida. Uma hipótese adicional numa derivação é apenas uma suposição temporária, que não mais existirá no fim. A linha vertical colocada à esquerda da fórmula Gm serve para indicar que as fórmulas que ocorrem à direita desta linha têm caráter hipotético. Fórmulas que forem derivadas nesse contexto só podem ser empregadas dentro dele. Feita a hipótese, é necessário derivar o conseqüente do condicional – isto foi assinalado na linha 3, escrevendo ?¬Pm. Usando MP: 1. Gm ¬Nm P 2. ¬Nm ¬Pm P ?Gm ¬Pm 3. Gm H ?¬Pm 4. ¬Nm 1, 3 MP 5. ¬Pm 2, 4 MP 6. Gm ¬Pm 3-5 RPC A linha vertical que marcava o uso da hipótese auxiliar Gm terminou, pois a hipótese foi descartada. A justificativa para a linha 6 é ‘3-5 RPC’, o que significa que Gm ¬Pm foi obtida a partir das linhas 3 a 5 pela regra de prova condicional, cuja formulação é: : Isto é, se, a partir de uma hipótese se deriva uma fórmula , então se pode descartar e introduzir na derivação. Além da derivação condicional existe outra estratégia que pode ser usada, chamada derivação indireta ou redução ao absurdo. Se existe uma proposição que se deseja demonstrar, a estratégia consiste em supor, em primeiro lugar, que não é o caso, ou seja, é introduzido ¬ como hipótese. Se dessa hipótese deriva-se uma contradição – a conjunção de uma fórmula e sua negação, ¬ – então a hipótese ¬ deve ser falsa. Assim, uma vez que se trata de lógica clássica, deve ser verdadeira. A regra de redução ao absurdo (RAA) tem a seguinte formulação: : ¬ ¬ ¬ é derivada, então se pode r¬ hipóteses no caso de RPC aplicam-se aqui também. “Em princípio, qualquer fórmula pode ser introduzida como hipótese em uma derivação. (Obviamente, a hipótese deve ser descartada depois.)” (MORTARI, 2001: 258) De fato, não há nenhuma maneira única e preestabelecida de fazer uma derivação. Achar um caminho é muitas vezes uma questão de engenhosidade e habilidade. Regras derivadas Regras derivadas, como o próprio nome diz, são regras que foram obtidas a partir das outras regras que já foram mostradas anteriormente. Regras derivadas servem para abreviar parte de uma dedução; tudo o que se pode fazer com elas pode também ser feito sem elas, usando-se apenas as regras iniciais. Assim, regras derivadas são regras de abreviação. No quadro abaixo, estão algumas regras de inferência derivadas: Modus Tollens (MT): Dupla Negação(DN): Silogismo Hipotético(SH): ¬¬ ¬ ¬ Contradição (CTR): Contraposição (CT): Leis de De Morgan (DM): ¬() ¬( ) ¬ ¬ ¬ ¬ ¬ ¬ ¬ Os dois traços que separam a premissa da regra de sua conclusão em DN, CT e DM significa que são regras de inferência reversíveis: funcionam nas duas direções. Existem, claro, outras regras derivadas. Na verdade, pode-se introduzir tantas regras derivadas quanto desejar, pois cada forma de argumento provada válida corresponde a uma regra. As regras derivadas usuais vão corresponder àquelas formas de argumento mais comumente empregadas, apenas isso. O que determina se uma regra é primitiva ou derivada é, basicamente, uma questão de convenção. Regras para quantificadores O quantificador universal A primeira das regras de inferência para o quantificador universal chama-se eliminação do universal e segue a idéia de que se alguma fórmula vale para todos os indivíduos, então vale para um certo indivíduo em particular. A regra tem a seguinte formulação: Eliminação do Universal (E): x [x/c] onde [x/c] é o resultado da substituição, em , de todas as ocorrências livres da variável x por uma constante c qualquer. A segunda regra de inferência para o quantificador universal chama-se introdução do universal e faz o caminho inverso da regra anterior: do indivíduo para o todo. Tal regra tem a seguinte formulação: Introdução do Universal (I): (c) x[c/x] onde (c) é uma fórmula contendo alguma ocorrência de uma certa constante c, e [c/x] é o resultado da substituição em (c) de todas as ocorrências da constante c pela variável x. Desde que a constante c não ocorra em nenhuma premissa, e em nenhuma hipótese que esteja valendo na linha onde ocorre, e desde que c seja substituível por x em . O quantificador existencial A primeira regra chamada introdução do existencial afirma que se alguma fórmula vale para um indivíduo em particular, então existe alguém a cujo respeito essa fórmula é verdadeira. A regra tem a seguinte formulação: Introdução do Existencial (I): (c) x(c/x) onde (c) é uma fórmula contendo alguma ocorrência de uma constante c, e (c/x) é o resultado da substituição em de uma ou mais das ocorrências da constante c pela variável x – desde que c seja substituível por x em . Nota-se que ao contrário das regras para o quantificador universal, não se exige que todas as ocorrências da constante c sejam substituídas. A última regra, chamada eliminação do existencial é uma regra de caráter hipotético, como RPC e RAA. O ponto de partida é que existe algum indivíduo com alguma propriedade. Por exemplo, alguém é filósofo: xFx. Então se deveria poder concluir, de um indivíduo particular, que ele é um filósofo. Mas que indivíduo? Como não se sabe, ao eliminar o quantificador existencial deve-se introduzir uma constante nova. Ela denotará o indivíduo que tem a propriedade em questão. Essa regra tem, assim, a seguinte formulação: Eliminação do existencial (E): x [x/c] : : . onde é uma fórmula contendo alguma ocorrência da variável x, e [x/c] é o resultado da substituição em de todas as ocorrências da variável x por alguma constante c, com a seguinte restrição: a constante c não ocorre em nenhuma premissa, nem em nenhuma hipótese que esteja valendo na linha onde [x/c] foi introduzida, nem em , e nem em . Simplificando, tendo uma fórmula do tipo x, pode-se fazer uma hipótese que consiste em eliminar o quantificador x e substituir todas as ocorrências de x em por uma constante c, que, para todos os efeitos, não pode ter ocorrido em lugar nenhum. Se consegue-se concluir dessa hipótese alguma fórmula na qual c não mais ocorre, podese descartar a hipótese e reafirmar . Uma regra derivada para quantificadores Esta é uma regra que vem em duas versões e é reversível: a regra de intercâmbio de quantificadores (IQ). Cuja formulação é a seguinte: ¬x x¬ ¬x x¬ Teoremas Semanticamente, na conseqüência lógica, existe um tipo especial de fórmula, as fórmulas válidas, que são aquelas verdadeiras em toda e qualquer estrutura. Alternativamente, elas podem ser definidas como aquelas fórmulas que são conseqüência lógica de um conjunto vazio de premissas. Caracterizando conseqüência lógica de uma maneira sintática, como feito em dedução natural, obtêm-se algo similar: os teoremas. Definição 1.3: Uma fórmula é um teorema (do CQC) se há uma dedução de a partir do conjunto vazio de premissas. Assim, é um teorema do CQC se e somente se ├ , o que se abrevia escrevendo simplesmente ├ . Conseqüência sintática e conseqüência semântica A definição semântica de conseqüência afirma que uma fórmula é conseqüência lógica (semântica) de um conjunto de fórmulas se toda estrutura que for modelo de é um modelo de , o que se indica por ╞ . Já sintaticamente, um argumento é válido se sua conclusão puder ser produzida a partir das premissas por meio da aplicação de certas regras de inferência (dedução 1.2). Tendo definidas as duas noções de conseqüência, pode-se mostrar que, no CQC, as duas noções coincidem. Isto é, é uma conseqüência sintática de se e somente se é uma conseqüência semântica de , o que vale dizer que o método de dedução natural é um sistema de prova correto e completo para o CQC. Correto porque se uma conclusão pode ser deduzida de um conjunto de premissa, então ela de fato é conseqüência lógica (semântica) de . E completo porque, se uma fórmula é conseqüência lógica (sintática) de um conjunto de premissas, há uma dedução demonstrando isso. Isso tudo é sintetizado no seguinte teorema (Teorema de Correção e Completude), onde é um conjunto qualquer de fórmulas: ├ se e somente se ╞ . Referências Bibliográficas MORTARI, Cezar. Introdução à lógica. São Paulo: UNESP, 2001. BARROS, Dimas Monteiro de. Lógica para concursos. Araçatuba: Novas Conquistas, 2005.