Ventilação não-invasiva no cardiopata grave Eduardo Corrêa Meyer, Geraldo Lorenzi Filho, Guilherme de Paula Pinto Schettino, Roberto Ribeiro de Carvalho CTI-Adultos UTI Respiratória do Endereço — Hospital Hospital das Clínicas Israelita da Universidade para Albert de Einstein São Paulo correspondência: Hospital Israelita Albert Einstein — Av. Albert Einstein, 627 — CEP 05651-901 — São Paulo — SP Introdução Insuficiência cardíaca esquerda aguda leva a aumento na água extravascular pulmonar, redução do volume e da complacência pulmonar, e aumento da resistência pulmonar, resultando em aumento do trabalho respiratório e aumento do consumo de oxigênio por volume ventilado (custo de oxigênio da ventilação)(1, 2). Em muitos casos, a combinação entre insuficiência cardíaca esquerda e insuficiência respiratória gera um ciclo vicioso que culmina no edema agudo dos pulmões, situação clínica na qual o risco de vida é iminente, a menos que medidas apropriadas e imediatas sejam adotadas. No edema pulmonar cardiogênico, apesar da suplementação de oxigênio e da administração de drogas que têm como finalidade reduzir a quantidade de água extravascular e melhorar o desempenho miocárdico, muitos pacientes caminham para insuficiência respiratória aguda(3). A utilização de ventilação mecânica invasiva restabelece a oxigenação, alivia o trabalho respiratório e diminui a sensação de dispnéia, porém essa modalidade ventilatória pode acarretar complicações hemodinâmicas e respiratórias(4). Porém, hoje sabemos que os mesmos objetivos também podem ser alcançados, em pacientes selecionados, com o uso da ventilação não-invasiva com pressão positiva(5), sem os riscos inerentes ao uso do tubo traqueal, e com a facilidade de descontinuação da ventilação não-invasiva sempre que necessário. Ventilação mecânica não-invasiva — Conceito A ventilação não-invasiva é definida como uma técnica de ventilação mecânica onde não é empregado qualquer tipo de prótese traqueal (tubo orotraqueal, nasotraqueal, ou cânula de traqueostomia), sendo a conexão entre o ventilador e o paciente feita através do uso de uma máscara. Dessa forma, diversas modalidades ventilatórias podem ser aplicadas utilizando-se essa técnica(6, 7). Segundo Chatburn e Branson(8, 9), quando a ventilação é iniciada e/ou finalizada exclusivamente pelo ventilador, sem qualquer interferência do paciente, é chamada de mandatória. A ventilação mandatória pode ser assistida (disparo por pressão ou fluxo), controlada (disparo por tempo), ou assistida/controlada (o ciclo é deflagrado de forma mista, predominando o primeiro sinal que surgir). Ventilação espontânea é aquela em que o paciente de alguma maneira determina o início e o final da ventilação. A ventilação espontânea pode ter um suporte pressórico a cada inspiração (por exemplo, modo pressão de suporte) ou não (por exemplo, pressão positiva contínua nas vias aéreas). A forma mais estudada de ventilação mecânica não-invasiva no cardiopata é a pressão positiva contínua(10). Essa razão deve-se principalmente à facilidade de instalação do mesmo, bem como à simplicidade de utilização dos equipamentos que fornecem pressão positiva contínua. Histórico A partir da década de 1930, surgiram trabalhos pioneiros, publicados por Motley e colaboradores(11) e Barach e colaboradores(12, 13), que descreveram a técnica e os benefícios do uso da ventilação com pressão positiva, oferecida através de uma máscara, para pacientes com insuficiência respiratória de variadas etiologias. O uso de pressão positiva contínua fornecida através de máscara facial, em pacientes com edema pulmonar, foi primeiramente descrito por Poulton, há mais de 60 anos(14). Muitas dessas observações e recomendações referentes ao uso da ventilação não-invasiva permanecem absolutamente atuais, apesar de passado mais de meio século. A década de 1960 trouxe novos horizontes para a ventilação mecânica com pressão positiva. A utilização dos conhecimentos de mecânica desenvolvidos durante a Segunda Guerra Mundial, os avanços tecnológicos, principalmente da eletrônica, provenientes da corrida espacial, e a incorporação de microprocessadores tornaram os ventiladores artificiais mais sofisticados, confiáveis e acessíveis. A crescente experiência com o uso das cânulas de traqueostomia e dos tubos orotraqueais tornou a utilização dessas próteses o procedimento padrão para a ventilação mecânica em Unidades de Terapia Intensiva(4). Os tubos traqueais, com os respectivos balonetes para oclusão da traquéia, mostraram-se de grande utilidade para a manutenção da permeabilidade da via aérea superior e para a garantia do volume corrente ofertado durante o suporte ventilatório no atendimento de pacientes graves. Por outro lado, não tardaram a surgir as descrições de complicações diretamente relacionadas ao uso dessas próteses artificiais(15, 16). Hoje sabemos que, além da lesão local, secundária à isquemia da mucosa da via aérea superior, a agressão aos mecanismos de defesa pulmonar facilita a ocorrência de pneumonia nosocomial, sendo esta, atualmente, a mais temida complicação relacionada à intubação traqueal(17, 18). O sucesso obtido por Sullivan e colaboradores(19) com o uso da pressão positiva contínua para o tratamento da apnéia obstrutiva do sono foi um passo importante para o retorno da ventilação não-invasiva ao ambiente hospitalar. Esse fato levou ao aperfeiçoamento das máscaras, tornando-as cada vez mais confortáveis, assim como dos ventiladores, que passaram a ser desenhados especialmente para a ventilação não-invasiva. Diversos relatos de sucesso no emprego da ventilação não-invasiva, principalmente com o uso da pressão positiva contínua, para o tratamento da insuficiência respiratória tornaram-se freqüentes(20-22). Bersten e colaboradores(3) atenderam 39 pacientes consecutivos com insuficiência respiratória por edema pulmonar cardiogênico que foram, após randomização, tratados segundo a rotina clínica (20 casos), ou esta associada ao uso da pressão positiva contínua não-invasiva (19 casos). Dos sete pacientes que necessitaram de intubação traqueal, todos pertenciam ao grupo submetido exclusivamente ao tratamento clínico, e nenhum dos pacientes do grupo tratado com pressão positiva contínua necessitou de ventilação mecânica invasiva. Neste trabalho, não houve diferença na mortalidade entre os grupos. Um número crescente de trabalhos, criando casuística consistente, foi sucessivamente publicado, enaltecendo o poder de a ventilação não-invasiva evitar a intubação, e diminuir a freqüência de complicações relacionadas à ventilação mecânica e o tempo de permanência nas unidades de cuidados intensivos para os pacientes com insuficiência respiratória(23-26). Recentemente, um estudo multicêntrico europeu(27), no qual 43 pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica agudizada foram randomizados para o tratamento clínico "convencional" comparado com este associado à ventilação não-invasiva (pressão de suporte através de máscara facial), demonstrou redução da mortalidade hospitalar no grupo tratado com ventilação não-invasiva, consolidando essa forma de suporte ventilatório na descompensação aguda da doença pulmonar obstrutiva crônica. Com relação à insuficiência respiratória aguda, de origem cardiogênica, ainda não há evidência de redução da mortalidade nesses pacientes, porém vários trabalhos demonstram inequivocamente os benefícios agudos do uso de pressão positiva contínua na insuficiência cardíaca congestiva(1-3, 10, 28, 29) . Efeitos fisiológicos do uso da pressão positiva contínua Efeitos hemodinâmicos Sabe-se que a pressão intratorácica é capaz de interferir no desempenho cardíaco(30). Para a melhor compreensão dos efeitos fisiológicos da pressão positiva contínua, iniciaremos esta exposição pelos efeitos fisiológicos da pressão negativa intratorácica. Durante a realização voluntária de pressão negativa intratorácica, o aumento da capacitância venosa pulmonar diminui o enchimento do ventrículo esquerdo e concomitantemente aumenta também o volume sistólico final do ventrículo esquerdo, refletindo em redução do desempenho cardíaco(30). Essa explicação encontra-se na sugestão de que a pós-carga do ventrículo esquerdo relaciona-se mais fielmente à pressão transmural do ventrículo esquerdo do que à pressão na raiz da aorta. Durante esforço inspiratório intenso e prolongado, criam-se pressões negativas intratorácicas de grande magnitude, que modificam o volume sistólico final do ventrículo esquerdo, correlacionado diretamente à magnitude de pressão transmural do ventrículo esquerdo. De fato, a pressão transmural do ventrículo esquerdo pode ser traduzida na fórmula pressão transmural (PTM) = pressão do ventrículo esquerdo (PVE) - pressão pleural (PPL). Por meio dessa fórmula podemos perceber que a pós-carga do ventrículo esquerdo depende não apenas da pressão da raiz da aorta, como também das variações da pressão pleural. Na Figura 1, pode-se observar como uma diminuição da pressão pleural (manobra de Müller) pode provocar o mesmo efeito sobre a pós-carga que o aumento de pressão na raiz da aorta provocado pela infusão de uma droga vasopressora. Figura 1. Aumento da pressão transmural (PTM) do ventrículo esquerdo com uso de vasopressor e com redução da pressão pleural. Em contrapartida, a manobra de Valsalva, que é oposta à manobra de Müller, provoca diminuição do gradiente de pressão transmural do ventrículo esquerdo, tendo efeito de redução da pós-carga desse ventrículo. Na verdade, esses efeitos da pressão intratorácica sobre a função cardíaca são mais acentuados no paciente com insuficiência cardíaca congestiva. A aplicação de pressão positiva contínua, através de máscara facial ou nasal, em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva descompensada pode provocar aumento agudo no débito cardíaco ou aumento do desempenho do ventrículo esquerdo(1, 2, 10, 29) . Os efeitos positivos da pressão positiva contínua sobre o desempenho cardíaco podem ser traduzidos como redução da pré-carga, por meio da redução do retorno venoso, e de redução da pós-carga, por meio de redução da pressão transmural do ventrículo esquerdo. Efeitos crônicos sobre a melhora da fração de ejeção do ventrículo esquerdo também foram relatados após a aplicação noturna diária de pressão positiva contínua em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva e, concomitantemente, apnéia obstrutiva do sono(31). Os efeitos hemodinâmicos agudos da pressão positiva contínua no cardiopata estável são controversos, principalmente o efeito sobre o débito cardíaco, que pode aumentar, diminuir, ou ficar inalterado(2). Essas diferenças refletem as variadas populações de cardiopatas estudadas. Pacientes que respondem à pressão positiva contínua com aumento de débito cardíaco apresentam, como efeito predominante da pressão positiva contínua, a redução da pós-carga, ao passo que nos que não respondem o efeito principal da pressão positiva contínua concentra-se na redução do retorno venoso(10). Admite-se que, na insuficiência cardíaca congestiva, o débito cardíaco seja mais sensível às modificações da pós-carga do que da pré-carga. Apesar dessas controvérsias sobre a modificação do débito cardíaco induzidas pelo pressão positiva contínua, há unanimidade sobre os efeitos benéficos da pressão positiva contínua quando aplicada no paciente com edema agudo dos pulmões de origem cardiogênica(2), especulando-se, ainda, a colaboração de mecanismos reflexos para a melhora do desempenho cardíaco(32). Efeitos respiratórios O edema pulmorar cardiogênico causa deterioração da mecânica respiratória, ocorrendo aumento da resistência de vias aéreas e diminuição da complacência pulmonar(2). Esses efeitos somados aumentam o trabalho respiratório e o gasto de oxigênio pela ventilação e provocam uma necessidade de geração de pressões intratorácicas mais negativas para a manutenção da ventilação. Esse aumento de trabalho respiratório e redução da pressão pleural submete o paciente a aumento da pós e da pré-carga, bem como a aumento do consumo de oxigênio, submetendo o paciente cardiopata a sobrerga adicional a seu sistema circulatório. Já está bem documentado que a aplicação de pressão positiva contínua nesses pacientes reduz a freqüência respiratória, a PaCO2, a pressão transpulmonar e o trabalho respiratório(1-3, 33) . Quando o trabalho respiratório foi mensurado utilizando-se medidas da pressão esofágica, pôde-se observar redução nos componentes resistivos e elásticos do sistema respiratório(2). No edema pulmonar cardiogênico, a oxigenação encontra-se afetada pelo aumento de "shunt" pulmonar. A utilização de pressão positiva contínua melhora a oxigenação desses pacientes reduzindo o "shunt"(1). Esse efeito é explicado pela capacidade da pressão positiva contínua de recrutar unidades alveolares colapsadas(34). A combinação dos efeitos sobre a mecânica respiratória, a oxigenação e o sistema circulatório resulta em melhora no balanço entre a oferta e o consumo de oxigênio nos pacientes com insuficiência cardíaca congestiva. A soma desses efeitos pode ser demonstrada na redução da necessidade de ventilação mecânica nos pacientes que se submeteram ao tratamento com pressão positiva contínua(3). Teoricamente, o uso de outras modalidades de ventilação não-invasiva, que utilizem ventilação assistida (como, por exemplo, pressão de suporte associada a pressão positiva contínua), no cardiopata agudo traria redução ainda maior do trabalho respiratório, podendo ter efeitos adicionais no tratamento da insuficiência respiratória aguda de origem cardiogênica. O único trabalho que explora o suporte ventilatório não-invasivo através de ventilação em dois níveis de pressão (BIPAP) em pacientes com edema agudo dos pulmões demonstra melhora mais rápida dos parâmetros ventilatórios na população que utilizou BIPAP, quando comparada a outra população que utilizou a pressão positiva contínua. O tempo de permanência hospitalar, a mortalidade e a necessidade de ventilação mecânica não foram diferentes entre esses dois grupos, porém a incidência de infarto agudo do miocárdio na população que utilizou BIPAP foi de 71%, contra 31% do grupo que utilizou pressão positiva contínua(35). Essa incidência elevada de infarto agudo do miocárdio (mais elevada inclusive que o controle histórico) ressalta a necessidade de novos estudos para a elucidação da influência de outros modos de ventilação assistida sobre a hemodinâmica e sobre as taxas de infarto. Efeitos crônicos da pressão positiva contínua em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva O uso crônico noturno de pressão positiva contínua tem papel importante em pacientes com concomitância de insuficiência cardíaca congestiva e distúrbios respiratórios do sono, os quais incluem apnéia obstrutiva do sono e respiração de Cheyne-Stokes com apnéias centrais. A apnéia obstrutiva do sono é caracterizada por perda do tono da musculatura inspiratória das vias aéreas superiores durante o sono, que é superimposta a uma faringe estreita e altamente complacente. Como resultado, a faringe colaba durante o sono, levando a apnéias obstrutivas. A respiração de Cheyne-Stokes é uma forma de respiração periódica, caracterizada por apnéias centrais, que se alternam com períodos regulares de ventilação, ocorrendo de forma crescente-decrescente. Portanto, a maior diferença entre apnéia obstrutiva do sono e respiração de Cheyne-Stokes é a caracterização da natureza das apnéias. Enquanto durante a apnéia obstrutiva do sono o paciente, na tentativa de respirar contra uma via aérea superior fechada, gera pressão negativa intratorácica, durante a respiração de Cheyne-Stokes não existe geração de esforço respiratório, o que permite classificar as apnéias como centrais. A prevalência de apnéia obstrutiva do sono em populações de indivíduos normais, entre os 30 e os 60 anos de idade, é relativamente alta (aproximadamente 9% em homens e 4% em mulheres)(36). Em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, além de alta incidência de apnéia obstrutiva do sono, grande número apresenta respiração de CheyneStokes (em torno de 30% de pacientes com insuficiência cardíaca congestiva grave). Quando somados, os distúrbios respiratórios do sono em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva são extremamente comuns, chegando a 45%(37). Apesar desses números extremamente altos, o diagnóstico de distúrbios respiratórios do sono em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva é baixo. O principal fator está provavelmente relacionado ao pequeno reconhecimento da importância dos distúrbios respiratórios do sono pela comunidade médica. Adicionalmente, em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, sintomas como dificuldades para manter o sono, dispnéia noturna, sonolência e fadiga diurna superpõem-se aos sintomas relacionados à insuficiência cardíaca, tornando o diagnóstico desses distúrbios ainda mais difícil. Durante o sono, em condições normais, existe redução do metabolismo basal, da atividade nervosa simpática, da freqüência cardíaca, do débito cardíaco e da pressão arterial sistêmica. A resultante de todas essas alterações fisiológicas é uma redução do trabalho imposto ao miocárdio. Em contraste, nos pacientes com apnéia obstrutiva do sono, os múltiplos episódios de apnéias obstrutivas desencadeiam uma complexa cadeia de eventos fisiopatológicos que incluem geração de pressão intratorácica negativa com aumento da póscarga imposta ao ventrículo esquerdo, hipoxia, retenção de CO2, freqüentes despertares, ativação do sistema nervoso simpático (desencadeada por todos os mecanismos citados) e aumento cíclico da pressão arterial sistêmica. Todos os elementos descritos são potencialmente deletérios para o sistema cardiovascular, em especial nos pacientes que já apresentam disfunção cardíaca. O tratamento da apnéia obstrutiva do sono em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva é similar ao tratamento quando na ausência de insuficiência cardíaca congestiva. O objetivo principal é a manutenção da patência das vias aéreas superiores e a prevenção da apnéia e suas conseqüências. Algumas medidas gerais, como perder peso e evitar o uso de álcool e de medicamentos sedativos, podem ajudar a evitar o fechamento das vias aéreas durante a noite. O tratamento específico de eleição na maioria dos casos de apnéia obstrutiva do sono é o uso de pressão positiva contínua. A pressão positiva contínua elimina as apnéias obstrutivas ao atuar como uma "tala pneumática" que previne o colapso das vias aéreas superiores. Malone e colaboradores(31) demonstraram melhora significativa da fração de ejeção durante o dia em associação com melhora da classe funcional após o tratamento por um mês em pacientes com cardiomiopatia dilatada e apnéia obstrutiva do sono concomitante. Adicionalmente, a retirada por apenas uma semana da pressão positiva contínua foi suficiente para determinar o retorno da fração de ejeção para valores prétratamento(31). A respiração de Cheyne Stokes pode existir como conseqüência de disfunção cardíaca grave ou de doenças neurológicas. O elemento fisiopatológico principal envolvido na gênese da respiração de Cheyne-Stokes em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva é a congestão pulmonar, que, por meio da estimulação vagal, determina hiperventilação e hipocapnia, que, por sua vez, desencadeia apnéias centrais. A respiração de Cheyne-Stokes não é somente um marcador de mau prognóstico em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, como também existem evidências de que uma vez estabelecida a respiração de Cheyne Stokes, esta participa de um ciclo vicioso que contribui para rápida deterioração cardiovascular. Os elementos fisiopatológicos que podem estar envolvidos na deterioração cardíaca em pacientes com respiração de Cheyne-Stokes incluem despertares freqüentes, hipoxia recorrente, oscilações da pressão arterial, e freqüência cardíaca e ativação do sistema nervoso simpático. Ao contrário da apnéia obstrutiva do sono, onde o tratamento com pressão positiva contínua elimina as apnéias quase que imediatamente, o tratamento de respiração de Cheyne-Stokes com pressão positiva contínua é mais lento e envolve mecanismos que não são completamente conhecidos. Entre eles incluem-se diminuição da pré e da pós-carga do ventrículo esquerdo, diminuição do trabalho respiratório e melhora da função cardíaca com diminuição da congestão pulmonar e sua conseqüente hiperventilação. A pressão positiva contínua também funciona como uma resistência expiratória que pode elevar o CO 2 e estabilizar o sistema respiratório. Vários trabalhos demonstraram que a aplicação de pressão positiva contínua noturna em pacientes clinicamente estáveis sob terapia máxima para a insuficiência cardíaca congestiva, por períodos de um a três meses, levou à melhora de grande número de parâmetros. Entre eles incluem-se: melhora da força da musculatura respiratória, redução da atividade nervosa simpática, redução de regurgitação mitral com concomitante redução dos níveis de fator natriurético atrial e aumento da fração de ejeção(38-40). Portanto, o reconhecimento e o tratamento adequado de distúrbios respiratórios do sono associados a insuficiência cardíaca congestiva por meio de pressão positiva contínua envolvem não só a melhora da qualidade do sono e sintomas de sonolência diurna, mas principalmente deve ser entendido como um tratamento não-farmacológico, que tem o potencial de melhorar a função cardíaca nos pacientes clinicamente estáveis, porém com insuficiência cardíaca grave. Conclusão A utilização da pressão positiva contínua em cardiopatas já faz parte do arsenal terapêutico não-farmacológico. O benefício da pressão positiva contínua no edema agudo dos pulmões sobre as condições respiratórias e hemodinâmicas é indiscutível. Está definido que a pressão positiva contínua melhora a oxigenação e diminui o trabalho respiratório e o esforço ventilatório, reduzindo a necessidade de intubação e de ventilação mecânica. A pressão positiva contínua reduz a pressão transmural do ventrículo esquerdo, sugerindo melhora do desempenho cardíaco. Os efeitos da utilização da pressão positiva contínua noturna em cardiopatas crônicos parecem promissores no tratamento do cardiopata estável, principalmente se este apresentar distúrbio do sono concomitante. Ainda faltam estudos que correlacionem esses efeitos benéficos (agudos e crônicos) com a influência sobre a mortalidade dos pacientes com insuficiência cardíaca grave. Referências 1. Räsänen J, Heikkilä J, Downs J, et al. Continuous positive airway pressure by face mask in acute cardiogenic pulmonary edema. Am J Cardiol 1985;55:296-300. 2. Lenique F, Habis M, Lofaso F, et al. Ventilatory and hemodynamic effects of continuous positive airway pressure in left heart failure. Am J Resp Crit Care Med 1997;155(2):500-5. 3. Bersten AD, Holt AW, Vedig AE, et al. Treatment of severe cardiogenic pulmonary edema with continuous positive airway pressure delivered by face mask. N Engl J Med 1991;325:1825-30. 4. Petty T. Historical perspective of mechanical ventilation. Crit Care Clinics 1990;6:489-504. 5. Keenan SP, Kernerman PD, Cook DJ, et al. Effect of noninvasive positive pressure ventilation on mortality in patients admitted with acute respiratory failure: a metaanalysis. Crit Care Med 1997;25:1685-92. 6. Elliott M, Moxham J. Noninvasive mechanical ventilation by nasal or face mask. In: Tobin MJ, ed. Principles and Practice of Mechanical Ventilation. New York: McGrawHill, 1994;pp.427-53. 7. Meduri GU. Noninvasive positive-pressure ventilation in patients with acute respiratory failure. Clin Chest Med 1996;17:513-53. 8. Chatburn RL. Classification of mechanical ventilators. Respir Care 1992;37:1009-25. 9. Branson RD, Chatburn RL. Technical description and classification of modes of ventilator operation. Respir Care 1992;37:1026-44. 10. Baratz DM, Westbrook PR, Shah PK, et al. Effect of nasal continuous positive airway pressure on cardiac output and oxygen delivery in patients with congestive heart failure. Chest 1992;102(5):1397-401. 11. Motley HL, Werko L, Cournand A, et al. Observations on the clinical use of intermittent positive pressure. J Aviation Med 1947;18:417-35. 12. Barach AL, Martin J, Eckman M. Positive-pressure respiration and its application to the treatment of acute pulmonary edema and respiratory obstruction. Proc Am Soc Clin Invest 1937;16:664-80. 13. Barach AL, Martin J, Eckman M. Positive-pressure respiration and its application to the treatment of acute pulmonary edema. Ann Intern Med 1938;12:754-95. 14. Poulton PE. Left-sided heart failure with pulmonary oedema: its treatment with the "pulmonary plus pressure machine". Lancet 1936;2:981-3. 15. Stauffer J, Silvestri RC. Complications of endotracheal intubation, tracheostomy and artificial airways. Respir Care 1982;27:417-34. 16. Zwilich CW, Pierson DJ, Creagh CE, et al. Complications of assisted ventilation: a prospective study of 354 consecutive episodes. Am J Med 1974;57:161-70. 17. Estes RJ, Meduri GU. The patogenesis of ventilator associated pneumonia: I. Mechanisms of bacterial transcolonization and airway inoculation. Intens Care Med 1995;21:365-83. 18. Campbell GD, Niederman M. Hospital-acquired pneumonia in adults: diagnosis assessment of severity, initial antimicrobial therapy and preventive strategies. A consensus statement. Am J Respir Crit Care Med 1996;153:1591-9. 19. Sullivan CE, Berthon-Jones M, Issa FG, et al. Reversal of obstructive sleep apneia by continuous positive airway pressure applied through the nose. Lancet 1981;1:862-5. 20. Sutter PM, Kobel N. Treatment of acute pulmonary failure by CPAP via face mask: when can intubation be avoided. Klin Wochenschr 1981;59:613-6. 21. Branson RD, Hurst JM, DeHaven CB. Mask setup: state of the art. Respir Care 1985;30:846-57. 22. Branson RD. PEEP without endotracheal intubation. Respir Care 1988;33:598-610. 23. Bott J, Carroll MP, Conway JH, et al. Randomised controlled trial of nasal ventilation in acute ventilatory failure due to chronic obstructive airways disease. Lancet 1993;341:1555-8. 24. Meduri GU, Abou-Shala N, Fox RC, et al. Noninvasive face mask mechanical ventilation in patients with acute hypercapnic respiratory failure. Chest 1991;100:445-54. 25. Kramer N, Meyer TJ, Meharg J, et al. Randomized, prospective trial of noninvasive positive-pressure ventilation in acute respiratory failure. Am J Respir Crit Care Med 1995;151:1799-806. 26. Wysocki M, Tric L, Wolff MA, et al. Noninvasive pressure support ventilation in patients with acute respiratory failure. A randomized comparison with conventional therapy. Chest 1995;107:761-8. 27. Brochard L, Mancebo J, Wysocki M, et al. Noninvasive ventilation for acute exacerbations of chronic obstructive pulmonary disease. N Engl J Med 1995;333:817-22. 28. Bradley TD, Holloway RM, McLaughlin PR, et al. Cardiac output response to continuous positive airway pressure in congestive heart failure. Am Rev Respir Dis 1992;145:377-82. 29. Naughton MT, Rahman MA, Hara K, et al. Effect of continuous positive airway pressure on intrathoracic and left ventricular transmural pressures in patients with congestive heart failure. Circulation 1995;91:1725-31. 30. Buda AJ, Pinsky MR, Ingels NB, et al. Effect of intrathoracic pressure on left ventricular performance. N Engl J Med 1979;301(9):453-9. 31. Malone S, Liu PP, Holloway R, et al. Obstructive sleep apnoea in patients with dilated cardiomyopathy: effects of continuous positive airway pressure. Lancet 1991;338:1480-4. 32. Genovese J, Huberfeld S, Tarasiuk A, et al. Effect of CPAP on cardiac output in pigs with pace-induced congestive heart failure. Am J Respir Crit Care Med 1985;152(6):1847-53. 33. Räsänen J, Vaisanen I, Heikkilä J, et al. Acute myocardial infarction complicated by left ventricular dysfunction and respiratory failure. Chest 1985;87:158-62. 34. Marini JJ, Amato MBP. Lung recruitment during ARDS. In: Vincent JL, Marini JJ, Evans TW, eds. Acute Lung Injury Update in Intensive Care and Emergency Medicine, vol. 30. Berlin/Heidelberg/New York: Springer-Verlag, 1997;pp.236-57. 35. Mehta S, Jay GD, Woolard RH, et al. Randomized, prospective trial of bilevel versus continuous positive airway pressure in acute pulmonary edema. Crit Care Med 1997;25:620-8. 36. Young TB, Palta M, Dempsey JA, et al. The occurrence of sleep-disordered breathing among middle-aged adults. N Engl J Med 1993;328:1230-5. 37. Javaheri S, Parker TJ, Wexler L, et al. Occult sleep-disordered breathing in stable congestive heart failure. Ann Intern Med 1995;122:487-92. 38. Naughton MT, Benard DC, Liu PP, et al. Effects of nasal CPAP on sympathetic activity in patients with heart failure and central sleep apnea. Am J Respir Crit Care Med 1995;152:473-9. 39. Naughton MT, Liu PP, Benard DC, et al. Treatment of congestive heart failure and Cheyne-Stokes respiration during sleep by continuous positive airway pressure. Am J Respir Crit Care Med 1995;151:92-7. 40. Bradley TD, Floras JS. Pathophysiologic and therapeutic implications of sleep apnea in congestive heart failure. J Card Fail 1997;2(3):223-40.