Stiglitz, Joseph. “Trocando a guarda no FMI” Rio de Janeiro: Valor Econômico, 12 de junho de 2001. Jel: F Trocando a guarda no FMI Joseph Stiglitz A saída de Stanley Fischer do cargo de vice-diretor gerente do FMI assinala o fim de uma era. Na verdade, todos os que dirigiram essa instituição durante as crises globais de 19971998 (Fischer, o diretor-gerente Michel Camdessus, e o diretor de pesquisa Michael Mussa) já se foram ou estão de saída. Fracassos de 1997 na Indonésia, Tailândia e Coréia foram seguidos de fracassos na Rússia e Brasil no ano seguinte: naqueles casos, as tentativas de manter as taxas cambiais em níveis supervalorizados deixaram os contribuintes daqueles países bilhões de dólares mais pobres. A preservação das taxas de câmbio, contudo, ofereceu tempo vital para que as pessoas com dinheiro se retirassem em condições mais favoráveis. Só a desvalorização conseguiu restabelecer o crescimento a esses países. A última gota foi representada pelas crises desse ano na Turquia e na Argentina. O pânico na Turquia veio no encalço de Fischer, que dizia que tudo parecia estar em ordem. A Argentina, há tempos considerada o menino prodígio do FMI, foi elogiada por reduzir a inflação e por estabilizar a sua taxa de câmbio. Nesse nevoeiro de louvores, o FMI ignorou o fato de que a taxa de crescimento da Argentina estagnara e que o desemprego em dois dígitos persistia por meia década. Sem crescimento, ficaria cada vez mais difícil para a Argentina restituir seus vultosos empréstimos. Em conseqüência desses fracassos, foi estabelecido um consenso, de que a crise financeira havia sido mal administrada e que é necessário promover reformas na arquitetura econômica global. Agora falta um consenso sobre o que deve ser feito. O FMI parece ter aprendido muito em função desses erros, e reconhece agora que a liberalização que provocou nos mercados de capitais ao redor do mundo causou enormes instabilidades e que representou um fator central na crise financeira global. Mas o FMI ainda deveria se questionar porque esses enganos ocorreram. Continua precisando transformar a nova retórica em política. A próxima equipe do FMI deve refletir sobre as seguintes questões e lições: - Ciência econômica não é ideologia, é apenas o emprego prático de evidência e teoria. Que evidência sugeriu, por exemplo, que liberalizar mercados de capitais em países pobres poderia levar a uma aceleração do crescimento? Antes de impor políticas com conseqüências devastadoras, fortes evidências devem indicar que as políticas funcionarão. Dizer que as taxas de juros cairão oportunamente não basta. Afinal, não se pode "desfalir" uma empresa arruinada por taxas de juros punitivas. - É preciso ter maior coerência intelectual. Porque alardear que os governos não devem intervir nos mercados, argumentando que estes são eficientes e, mesmo assim, intervir nos mercados cambiais? - Reformas econômicas podem acarretar sofrimento, mas o sofrimento que o pobre consegue suportar não pode ser menosprezado. Como é que bilhões de dólares foram colocados à disposição para se socorrerem bancos, mas uns poucos milhões de dólares para comida e subsídios para combustível não puderam ser destinados aos pobres da Indonésia? Como é que uns poucos oligarcas sangraram a Rússia, sugando bilhões de dólares através dos esquemas de privatização, mas não houve dinheiro suficiente para pagar pensões miseráveis aos idosos? O FMI, queira ou não, é uma instituição pública - apesar de sua retórica corporativa. No mundo do FMI, países membros são denominados cotistas. Mas as políticas do FMI afetam as vidas e as O desafio consiste em políticas economias como nenhuma outra instituição jamais conseguiu. Sendo elaborar baseadas na ciência uma instituição pública, deveria ser guiada por princípios econômica, não em democráticos. Quando o Banco Mundial procurou manter discussões ideologia, com atenção privadas com o FMI a respeito das implicações políticas da crise do leste da Ásia, ele foi sobejamente desprezado. Quando procurei especial aos pobres estabelecer uma discussão pública - mesmo depois que a crise já fora resolvida - houve resistência. Mesmo o debate sobre a reforma da arquitetura financeira global foi pomposo: parece que só os ministros das finanças e dirigentes de bancos centrais podem receber um assento à mesa do FMI. Agindo dessa maneira, o FMI passou por cima de princípios básicos econômicos e éticos. Sempre houve trocas ("trade-offs") entre políticas. Algumas são mais vantajosas para alguns grupos, enquanto outras representam riscos maiores. É preferível que as decisões a respeito das políticas a ser adotadas sejam deixadas a cargo dos sistemas políticos de cada país; elas não devem ser usurpadas pelos burocratas internacionais, independentemente de suas competências. Pois quando os economistas tentam descrever enganosamente as suas decisões políticas como se fossem meras questões técnicas, acabam violando preceitos ético-profissionais básicos. O governo Bush e a nova equipe no FMI têm uma oportunidade de se afastar das estratégias fracassadas relativas ao desenvolvimento, ao período de transição e das crises do passado. O desafio consiste em elaborar políticas baseadas na ciência econômica, não em ideologia, de modo aberto e democrático, dedicando atenção especial às conseqüências para os pobres. Infelizmente, pelo que temos visto ultimamente no plano da política interna dos EUA, não podemos ser muito otimistas. Joseph Stiglitz , ex-membro do gabinete do presidente americano Bill Clinton e ex-vice presidente sênior do Banco Mundial, é professor de economia na Universidade Stanford.