Segunda-feira, 25 de outubro de 2004 - O Estado de são Paulo Caderno: Vida & Aids: jovens desconhecem contágio Tese com alunos daUSP revela que eles se preocupam mais em evitar filhos e boa parte desconhece formas comuns de transmissão DST Adriana Dias Lopes Nunca se falou tanto em doenças sexualmente transmissíveis como agora. É cada vez mais comum ver a discussão de seus riscos em novelas, filmes e anúncios publicitários do governo. Para se ter idéia, a aids é a única doença que recebe atenção individualizada do governo de São Paulo: a cada ano, a Secretaria Estadual de Saúde investe R$ 25 milhões não só em divulgação, mas também em programas de prevenção, assistência e pesquisa sobre a doença. Mesmo assim, 39% dos universitários de três cursos da Universidade de São Paulo (USP) não sabem que a aids pode ser transmitida por relação sexual vaginal. Esta foi uma das impressionantes constatações da dissertação de mestrado que acaba de ser defendida no Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP pela ginecologista Maria Eugenia Caetano. Com o objetivo de estudar o comportamento sexual e o conhecimento sobre doenças sexualmente transmissíveis (principalmente a aids) de estudantes universitários, Maria Eugênia entre vistou, de 30 de junho a 12 de setembro do ano passado, 447 estudantes dos cursos de Direito, Comunicação e Artes e Medicina da USP, com idades de 17 a 24 anos. A maioria (87,7%) cursava o primeiro ano da faculdade e apenas 2,7% deles havia tido relação homossexual. Das 38 perguntas apresentadas ao grupo, uma trazia a relação de possíveis maneiras de se contaminar pela aids. A relação sexual vaginal foi apontada como forma de contágio por 61% deles (veja quadro). Ou seja, 39% descartaram tal forma de contaminação. “É possível que o fato de ter aparecido a palavra ‘vagina’ tenha confundido os participantes”, justifica Naila Santos, gerente da divisão de prevenção do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids (CRT), programa do governo do Estado. “Além disso, ainda existe o mito de que sexo é assunto exclusivo de homossexuais, principalmente entre os homens. Assim, muitos deles acreditam que não vão se infectar se tiverem relação com mulheres.” De fato, entre os que sabiam que o sexo vaginal é uma forma de transmissão, 63,8% eram mulheres.● 45%não sabem de transmissão por relação heterossexual Com28% das respostas, confiança no parceiro ainda é a principal argumento para os jovens não usarem preservativo Confiança no parceiro ainda é o principal argumento para os jovens não usarem preservativo. Esse foi o item mais citado pelos estudantes entrevistados na Universidade de São Paulo (USP) na pesquisa feita pela ginecologista Maria Eugenia Caetano como justificativa para não usar a camisinha. Dos jovens entrevistados para a tese, 45,2% não sabiam que se pega aids por meio de relação heterossexual e 46,8%, por meio de relação homossexual. “O argumento (de confiança no parceiro) não saiu do inconsciente das pessoas desde que se começou a se falar de aids, há 20 anos”, diz Naila Santos, gerente da divisão de prevenção do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids (CRT). “É como se a pessoa dissesse que a doença não tem nada a ver com seu meio.” De acordo com Naila, é possível afirmar que não existe um grupo de risco específico. Há comportamento de risco. “Os jovens de maneira geral são mais vulneráveis”, garante ela. A maioria dos entrevistados respondeu que fuma maconha, por exemplo – foram 66%.Quanto ao álcool, a minoria – correspondente a 15,1% – disse não consumi-lo. “São hábitos perigosos, porque baixam a guarda, facilitando o envolvimento sexual sem proteção”, lembra Naila. Apesar do número relativamente pequeno, o estudo aponta outro dado alarmante: 2,9% responderam que se pega aids em vasos sanitários. O obstetra Abes Mahmed Amed, chefe do setor DST/ Aids na Gestação do Núcleo de Patologias Infecciosas na Gestação (Nupaig), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), não se impressionou tanto com os números da pesquisa. “Como foram as primeiras vítimas da doença, os homossexuais e os hemofílicos estão hoje muito mais informados que os heterossexuais”, diz. “Entre os heteros, os jovens são os que estão mais se contaminando. Só aqui, no Nupaig, os jovens são maioria. E, se são infectados, é porque não estão informados.” FONTES Quando questionados sobre quais seriam as fontes mais “confiáveis” para tirar dúvidas sobre sexo, a televisão ficou em primeiro lugar. Em segundo, vieram os jornais e as revistas. Em terceiro, cartazes e folhetos. A pesquisa apontou ainda que 72% dos jovens moram com os pais e a maior parte vive da renda familiar – 73,2% deles não trabalham. ● A.D.L. Opinião de estudantes da USP dos cursos de Direito, Medicina e Comunicação e Artes Compartilhando seringas 99,5% Transfusão de sangue 97,8% Relação sexual vaginal 61,0% Relação sexual heterossexual 54,8% Relação sexual homossexual 53,2% Mãe para o feto 48,5% Consultório do dentista 30,4% Aleitamento materno 29,3% Consultório médico 17,4% Vaso sanitário 2,9% Piscina 0,4% Motivos para não usar camisinha 28,6% Confiança no parceiro 21,1% Usa outro método anticoncepcional 12,6% Diminui a sensibilidade 10,7% Não tem preservativo 8,5% Desconforto 1,7% Difícil para colocar 1,2% Sugere infidelidade *A soma é superior a 100% porque havia a possibilidade de mais de uma resposta ‘Confio na Mariana’, diz Thiago, de 21 anos Paula, outra estudante, nunca ouvir falar que bebê pode pegar o HIV pelo leite da mãe. DST Uma das formas de contágio mais desconhecidas pelo grupo de alunos da USP entrevistados para a tese foi o aleitamento materno. Apenas 29,3% responderam que o bebê pode ser contaminado pela amamentação. A estudante do primeiro ano de Relações Públicas da universidade, Paula Marcondes, de 20 anos, por exemplo, nunca ouviu falar que o bebê pode contrair o HIV através do leite materno. “Para mim, não havia relação entre uma coisa e outra”, conta ela. O vírus, na verdade, passa não só pelo leite materno. Também pode ser transmitido para o bebê pelo colostro, que é a secreção que antecede o leite. A transmissão de mãe para o feto, isto é, ainda durante a gravidez, também foi pouco citada – apenas 48,5%. A forma de contágio mais apontada pelos entrevistados é o compartilhamento de seringas: 99,5%. FILHOS A maneira de prevenção também foi pesquisada no grupo da USP. O uso de camisinha em relações vaginais foi apontado por 78,2%. Já no sexo anal – a principal forma de transmissão sexual de doenças – a prevenção foi lembrada por apenas 40,8%. “Os dados provam que os jovens se preocupam mais em evitar filhos do que doenças”, explica a ginecologista Maria Eugenia Caetano, autora da pesquisa. Metade não Sabia que mãe pode passar o HIV para o feto, ainda na gravidez Thiago Ariki, de 21 anos, aluno do primeiro ano do curso de Relações Públicas da USP, tem uma relação estável há um ano e seis meses. Ele não usa camisinha desde que a namorada passou a tomar anticoncepcional. “Confio na Mariana ”, diz Thiago, referindo-se à parceira. “Ela era amiga do meu primo e tem o oposto do estereótipo de mulher que apresenta algum tipo de perigo.” Além da confiança no parceiro, que representa 28,6% dos motivos para não usar camisinha, os jovens apontam ainda o uso de outro método anticoncepcional para evitar gravidez. Dos entrevistados, 21,1% deram essa justificativa para não usar preservativo em suas relações sexuais. Outro item apontado é a diminuição da sensibilidade durante a relação que o preservativo provoca, de acordo com os jovens. Para 12,6% dos entrevistas, esse foi o motivo para que prefiram manter relações sexuais sem essa proteção .● A.D.L.