reflexões sobre a noção de exclusão social

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XXIII ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓSGRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS - ANPOCS
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GT 0711 – CIDADE, METROPOLIZAÇÃO E GOVERNANÇA URBANA
Sessão I – Tendências da estrutura sócio-espacial: novas desigualdades?
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(Im)pertinências do uso da noção de exclusão social na análise empírica
das desigualdades no meio urbano: as cidades do Estado do Rio Grande do
Sul
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Rosetta Mammarella
Fundação de Economia e Estatística – Núcleo de Estudos Regionais e Urbanos (FEE/NERU)
20
19 a 23 de Outubro de 1999
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(Im)pertinências do uso da noção de exclusão social na análise empírica
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das desigualdades no meio urbano: as cidades do Estado do Rio
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Grande do Sul
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Introdução
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Em que pese a evidência que são apontados pela noção de exclusão, o fato é que
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quando se parte para a pesquisa empírica nos defrontamos com problemas no que diz
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respeito ao uso de indicadores capazes de efetivamente revelar essas dimensões
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ressaltadas pelos estudos. Via de regra os indicadores sociais continuam sendo os
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tradicionais utilizados nos estudos sobre pobreza, desigualdades e até marginalidade:
32
renda, saúde, educação, habitação... Assim mesmo, problemáticos, porque são
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desatualizados, imprecisos, etc....
34
Nesse paper não vou me preocupar em apontar os resultados dos estudos sobre a
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exclusão social urbana em cidades do RS, porque fundamentalmente nos deparamos
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com sérios problemas metodológicos e de obtenção de dados para perseguir (ou revelar,
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mostrar, apontar, ...) a idéia que a noção de exclusão aponta. As questões já descritas em
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outros estudos se confirmaram: no curso da década, até ondoeos indicadores permitiram
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avaliar, evidenciaram-se processos de empobrecimento genérico e permanente da
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população; desemprego, aumento da informalidade de baixa renda (biscateiros....) e
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precarização do trabalho; crescimento das periferias urbanas com falta de moradia,
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carência em termos de saneamento básico (“favelização”) , além das profundas
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limitações com que se defronta o poder público para enfrentamento dessas situação –
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como decorrência das medidas impostas de reformas do Estado. Esse quadro se altera
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em intensidade, mas conforma um padrão recorrente nas cidades gaúchas de diferentes
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portes e localização regional. Contudo, porque falar em exclusão? É o grau e intensidade
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com que esses processos ocorrem que os distingue?
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MAIS ALGUMAS PERGUNTAS.
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Então, porque exatamente, a noção de exclusão tem sido tão largamente
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utilizada? E, porque ela foi “ressuscitada” – já que não se constitui numa novidade no
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campo das ciências sociais – sendo tão indiscriminada e amplamente utilizada
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principalmente no discursos político? Mais especificamente, qual o conteúdo ideológico
53
que pode estar alimentando esse discurso, se levarmos em consideração que esse
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ressurgir caminha junto com os novos processos da economia mundial? Acho que vale a
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pena fazer algumas reflexões nesse sentido.
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Na literatura mais recente a noção de exclusão social inscreve-se no universo de
redefinições paradigmáticas associadas em grande parte dos estudos sobre a “nova
pobreza”. Contudo, se por um lado essa noção tem sido utilizada como importante
instrumental analítico para a análise e pesquisa do amplo espectro das desigualdades
sociais, por outro lado, tem se revelado problemática em termos operacionais na
determinação das diferenças sociais a partir dessa ótica. Essa dificuldade está
relacionada à sua indeterminação semântica que encerra, em si mesma, um conteúdo
ideológico. Com isto, embora amplamente utilizada nos últimos tempos, tanto por
pesquisadores, como por políticos e comunicadores sociais, essa noção permanece na
pauta das discussões, muito embora não se constitua em novidade no campo das ciências
sociais.
A evidência dos fenômenos não é suficiente para explicar a complexidade das
relações sociais nem essa problemática dicotomia. O que está em jogo para a
compreensão dos fenômenos, mais do que uma visão de sociedade, é uma perspectiva da
realidade. No meu modo de ver, a realidade deve ser pensada na sua dimensão histórica,
como totalidade dialeticamente articulada a partir das mediações que se estabelecem na
relação dos homens entre si e mundo. Em outros termos, como práxis histórica.
Nessa perspectiva, algumas questões se impõem para tematizar a noção de
exclusão social: como situar, ao nível de sua lógica interna, relação excluir-incluir no
contexto da realidade social? Significa o todo estar no conjunto social de modo
diferente? Significa uma parte estar fora e outra estar em outro conjunto? Essa lógica
nos faria recair no esquema SER-NÃO SER, cujo risco – pela sua própria ambiguidade –
seria a de enveredar em sistemas autoritários, quando não totalitários, sendo o
messianismo uma de suas expressões sociais.
Considerando, numa perspectiva histórica, que os “excluídos” estão incluídos no
mesmo circuito civilizatório, cujo princípio básico é que todos somos seres humanos,
que estabelecemos relações sociais a partir de determinações históricas (práxis), e que a
sociedade se estabelece em bases desiguais em termos estruturais a partir de interesses e
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relações de poder desiguais, será que a denúncia dos “excluídos” na sociedade moderna
não estaria revelando a existência de tarefas sociais – construções históricas – que ainda
não foram cumpridas, fazendo com que, no âmbito do capitalismo, a dicotômica forma
de ser-estar na sociedade de “incluído-excluído” lhe seja constitutiva?
Nesse paper vou me deter na consideração de dois aspectos: (a) sobre a origem
discursiva da noção de exclusão
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
Um primeiro ponto a considerar sobre o termo “exclusão social” é que
97

por um lado constitui-se numa noção porque indica um caminho a ser percorrido,
98
uma problemática a ser pensada. A questão é como avançar nela, ou através dela,
99
para compreender como anda, o que significa, no que implica, em termos históricos,
o “estado de mal-estar-social” em que vive a nação.
100
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
por outro lado, ao nível de seu significado intrínseco, expressa uma dicotomia,
102
uma dualidade maniqueista, cuja ausência de ambiguidade nos coloca diante de
103
alguns dilemas (o excluído é o que - ou quem - não é incluído; por derivação, o que
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está dentro não é o que está fora; o que é ser não é não-ser, e assim por diante – na
105
indagação do prof. Enno D.Liedke “incluir-excluir significa, na perspectiva da teoria
106
do conjunto, estar no conjunto, estar fora do conjunto ou fazer parte de outro
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conjunto?”) cujas conseqüências se refletem no plano político (quais os passos, as
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possibilidades, o caminho da superação? Qual o projeto de sociedade? Quem o
109
define?)
110

um segundo ponto, impele a definir quem é excluído do quê – ou – quem exclui
111
quem do quê. Ou seja, quais são os sujeitos sociais do que se poderia chamar de
112
“processo de exclusão” visto que implica em processo relacional (ninguém se auto-
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exclui, pelo menos deliberadamente). Nesta dimensão da relação que se faz presente
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um outro elemento de reflexão – o conteúdo ideológico que a noção de exclusão pode
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estar encerrando (como chamou atenção o Prof. Carlos B. Vainer) uma vez que
116
implica a perspectiva de sujeitos sociais, de projetos históricos
117

Um terceiro ponto que é importante tocar diz respeito às dificuldades que a
118
pesquisa empírica enfrenta para operacionalizar as diferenças sociais a partir dessa
119
ótica, tendo em vista a relativa provisoriedade concentual que essa noção encerra em
120
si mesma, se levarmos em conta que seu conteúdo está em processo de discussão.
121

Essas preocupações e indagações não surgiram de modo fortuito.
122

Elas foram se impondo junto com a pesquisa empírica, realizada na FEE-NERU e
123
que resultou em dois relatórios sobre o RS: (Espacialização da exclusão social, cujo
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propósito foi o de estabelecer e mapear situações relativamente homogêneas de
125
exclusão urbana a partir unicamente de dados secundários; e Manifestações da
126
exclusão social, que visou explicitar a dimensão excludente das desigualdades
127
sociais, numa escala local, com o estudo de 8 municípios do RS.)
128

Além do substrato empírico, existe todo um caminho de reflexão que estou
129
procurando fazer, embora nem tão sistematicamente, a partir do que tem sido
130
produzido sobre a problemática. Essas leituras, portanto, estão presentes nessas
131
minhas considerações.
132

O que vou fazer: (1) identificar quem são os considerados excluídos?; (2) refletir
133
sobre alguns problemas que envolvem a natureza do termo; (3) e fazer algumas
134
colocações, no estágio inicial, que questionam a eficácia da noção de exclusão social
135
enquanto força de transformação social .
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I - QUEM SÃO OS EXCLUÍDOS?
6
139

Empiricamente considerados, os excluídos dos tempos atuais são facilmente
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identificáveis no Brasil, sem grandes distinções dos de outros países: são as
141
pessoas que vivem e moram nas ruas (crianças, jovens, adultos, idosos, homens e
142
mulheres), são os economicamente desqualificados (analfabetos, ou semi-
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alfabetizados, desempregados de longa duração, sub-empregados, “flenelinhas”,
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biscateiros, catadores de lixo), os socialmente carentes (os sem-terra, os sem-teto,
145
os favelados os que não tem acesso ao conhecimento, à alimentação, à moradia, ao
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lazer, aos direitos políticos de cidadania) e os socialmente “inadequados”
147
(doentes desassistidos, índios aculturados miserabilizados, grupos específicos
148
como os delinqüentes, as prostitutas, os homossexuais, ou mesmo os imigrantes,
149
como na Europa). Ou seja, o termo é eivado de conotações referidas às dimensões
150
econômica, social e moral e étnica.
151

No contexto da reestruturação produtiva e da globalização, numa economia
152
dominada pela revolução científico-tecnológica que necessita cada vez menos de
153
trabalhadores, existe um contingente de pessoas a quem está inviabilizada a
154
inserção no mercado de trabalho, que se constitui como excedente sem perspectiva
155
de ser absorvido nem pelo setor terciário - que também tem um tamanho-limite.
156

Portanto, o primeiro traço empírico do fenômeno da exclusão está relacionado a
157
processos, com a existência de um grande contingente de pessoas cujas condições
158
de vida estão deterioradas e estão alijados do processo produtivo e do circuito
159
econômico tradicional de tal modo que se tornam economicamente irrelevantes,
160
desnecessários e supérfluos até mesmo como mercado podendo ser considerados
161
como "pingentes da História" (HOUAISS, AMARAL, 1995 p.33).
162

Com relação a isso, temos que ter em mente que já em Marx a perspectiva do
163
surgimento do que hoje se denomina excluído já está presente na gênese do
164
capitalismo, visto que o crescimento da riqueza produz, necessariamente o seu polo
165
oposto, ou seja, o crescimento do pauperismo, como bem lembra Luciano Oliveira
7
166
(1997). Citando Marx: “a acumulação capitalista sempre produz, e na proporção
167
de sua energia e de sua extensão, uma população supérflua relativamente, isto é,
168
que ultrapassa as necessidades médias da expansão do capital, tornando-se, desse
169
modo, excedente” (Marx, O Capital, Livro I,citado por L.Oliveira). No entanto,
170
essa população excendente teria um efeito de retorno, funcional à acumulaçào
171
capitalista, ao se constituir “um exército industrial de reserva disponível”. A
172
condição no atual estágio de acumulação capitalista é que "tradicional" exército
173
industrial de reserva ultrapassa às suas necessidades de reprodução (Houaiss e
174
Amaral).
175
176

segundo traço empírico da exclusão é o estigma de caráter mais existencial e
177
éticoque se abate sobre esse contingente de pessoas cujas consequências, segundo
178
Elimar do Nascimento, é que estariam sujeitos à expulsão da própria órbita da
179
humanidade, passando a ser percebidos como indivíduos socialmente ameaçantes,
180
por isso mesmo passíveis de ser eleminados. Nesse sentido, por não encontrarem
181
referenciais de reconhecimento no plano das representações sociais, "é como se os
182
excluídos não existissem" (Xiberras, apud Escorel, 1995, p.13). As trajetórias
183
humanas e sociais de estigmatização e rupturas vêm-se marcadas pela indiferença
184
social, numa sociedade permeada por uma lógica de relações sociais sem
185
alteridade, expressa numa normatividade na qual alguns grupos sociais não são
186
reconhecidos sendo expulsos das regras igualitárias de reciprocidade (Escorel,
187
1995, p.13-14)
188

(cite-se como exemplo, a forte discriminação feita aos homossexuais no período
189
inicial de disseminação do vírus da AIDs. Outros exemplos são muito cotidianos: o
190
medo que sentimos na rua quando uma criança ou jovem moradores de rua cruzam
191
por nós; pessoa em situação de extrema pobreza ou miséria - em especial se for
192
negro(a) - associada com violência; e assim por diante).
8
193

Escorel (1995) traça ainda um panorama em que a situação de vida das pessoas
194
em condicão de extrema precariedade e abandono e, de exclusão, atinge a
195
dimensão humana no seu âmago, representando um “fenômeno sócio-cultural
196
totalitário”. Nesse sentido denuncia a gravidade de situação a que estão expostos os
197
grupos de indivíduos excluídos da economia, da política, ou do ponto de vista
198
ético-valorativo, pela sua condição de supérfluos e desnecessários, posto que
199
passam a não ter direitos a ter direitos e cuja condição humana encontra-se no
200
limite da animalidade. Por isto podem ser eliminados das mais diferentes formas,
201
ostensivas ou opacas e ninguém os reclamará. Não esqueçamos dos crimes de que
202
foram vítimas as crianças da Candelária, os prisioneiros de Carandirú, os sem-terra
203
de Eldorado dos Carajás exterminados pelas forças operantes da sociedade. E,
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junto com estes, todos os outros que cotidianamente ‘vivem e morrem sem deixar
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vestígio algum’. Desumanizados à raiz de sua essência, os assim excluídos ‘passam
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a pertencer à raça humana da mesma forma como animais pertencem a uma dada
207
espécie de animais’”.
208

Em síntese, pode-se dizer que a idéia de exclusão tem sido referida a partir de três
209
grandes concepções: 1) mundo produtivo, 2) que denota fragmentação e dualização
210
social, no sentido do apartheid de que fala Cristóvão Buarque, 3) que contém a
211
idéia de discriminação social a partir de critérios normativos não se restringindo ao
212
mundo produtivo.
213

De qualquer modo, a noção de exclusão social na perspectiva que vem sendo
214
largamente utilizada na literatura,aponta para a brutalidade de um sistema que
215
sustenta práticas desumanizantes. Porém, como o “apontar” não significa des-velar
216
as contradições estruturais do sistema, contribui para que as situações de exclusáo
217
tendam a naturalizar-se, banalizar-se e trivializar-se.
218
219

(Anos atrás os excluídos foram tema de bloco carnavalesco no Rio de Janeiro
ensejando o "turismo sociológico": sob o título "Europeu faz 'tour sociológico' em
9
220
favela", a reportagem da Folha de São Paulo de 24 mar. 1996 relata como turistas
221
franceses vêm conhecer o "Brasil real" em favela no Rio de Janeiro (EUROPEU...,
222
1996, p.3-5.)
223

Assim tratada, a situação desumana em que vivem milhares de pessoas no País
224
tende a naturaliza-se, cotidianiza-se, podendo inclusive a noção de exclusão ser
225
utilizada indistintamente – como chavão – inclusive por expertos setores da direita
226
(imprensa, políticos, etc.): são equivalentes e falaciosos as declarações de uma
227
leitora da Revista Isto É (4/8/93), com relação à execução de crianças na
228
Candelária dizendo “Não quero saber onde está a causa. Os pivetes me
229
incomodam e prefiro viver sem eles”, e os argumentos para concessão de altos
230
incentivos para instalação da Ford na Bahia como medida que vai enfrentar /
231
resolver o problema da exclusão.
232
233
II – DA NATUREZA DO TERMO
234
235

Traçado rapidamente a descrição do fenômeno é necessário refletir/buscar o traço
236
ideológico que perpassa a noção de exclusão, no sentido que contém elementos que
237
des-velam e outro que ocultam, falseiam a realidade. Vou apontar sinteticamente
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dois pontos que considero importante serem estudados: a identicação da origem
239
discursiva dessa noção e da sua lógica interna.
240

Primento ponto: a origem discursiva
241

Luciano Oliveira, num texto em que se pergunta se os excluídos “existem” ou não
242
(1997) refletir sobre o assunto apontando para o debate que se trava no meio
243
intelectual sobre a antinomia dualismo vs antidualismo a partir no contexto da crise
244
do paradigma marxista – sendo o ‘individualismo metodológico’ a corrente de
245
maior expressão que sugere a postura dualista da sociedade. Não é esse o caminho
246
que vou traçar.
10
247

A questão é: as implicações ideológicas – portanto com reflexos na prática
248
efetiva e na construção social de projetos históricos - do uso reiterado do termos
249
exclusão a partir de uma concepção normativa, fortemente valorativa, que evoca
250
respostas negativas, em contraste com a imagem positiva de inclusão ou integração
251
(Gerry Rodgers, em trabalho para o Instituto Internacional para Estudos sobre o
252
Trabalho. 1994:3) como está presente na maior parte dos estudos e pesquisas sobre
253
as desigualdades sociais.
254

No estudo realizado por Rodgers para o Instituo Internacional para Estudos sobre o
255
Trabalho há a referência ao estudo de Silver, segundo o qual a origem discursiva da
256
idéia de exclusão situa-se no "paradigma da solidariedade", tendo em Rousseau e
257
Durkheim os pensadores originais. A idéia básica é a de que existiria na sociedade
258
um núcleo de direitos e valores socialmente compartilhados a partir do pressuposto
259
da existência de uma comunidade moral em torno da qual a ordem social seria
260
construída. Neste sentido, a exclusão representaria um corte desse laço social, uma
261
falha da relação entre a sociedade e o indivíduo, refletindo o fracasso das
262
instituições sociais representando uma situação de risco para o corpo social. Assim,
263
para não ficar na iminência de constante situação de risco, o seja, de conflito, a
264
sociedade deve encontrar alternativas de integração. – E, aqui estão postos os
265
termos que fundamentam a leituras dualistas da realidade: inscrita ao nível
266
discursivo na teoria contratualista de Rousseau e na tradição sociológica a partir de
267
Durkheim.
268

Na visão contratualista, a origem da sociedade está fundamentada no acordo
269
tácito ou explícito entre os indivíduos que, renunciando ao seu primevo estado de
270
natureza estabelecem um contrato social, base legítima para uma comunidade que
271
deseja viver de acordo com o pressuposto da liberdade humana.
272

Citando Rosseau: “enquanto os homens se contentaram com suas cabanas rústicas,
273
enquanto se limitaram a costurar com espinhos ou com cerdas suas roupas de
274
peles ... a cortar com pedras agudas algumas canoas de pescador ... enquanto só
11
275
se dedicavam a obras que um único homem podia criar e a artes que não
276
solicitavam o concurso de várias mãos, viveram tão livres, sadios, bons e felizes
277
quanto o poderiam ser por sua natureza ... mas, desde o instante em que um
278
homem sentiu a necessidade do socorro de outros, desde que se percebeu ser útil a
279
um só contar com as provisões para dois, desapareceu a igualdade, instroduziu-se
280
a propriedade, o trabalho tornou-se necessário e as vastas florestas
281
transformaram-se em campos aprazíveis que se impôs regar com o suor dos
282
homens e nos quais logo se viu a escravidão e a miséria germinarem e crescerem
283
com as colheitas”
284

Rousseau demonstra assim, que com a propriedade se introduz a desigualdade
285
entre os homens, a diferenciaçào entre o rico e o pobre, o poderoso e o fraco, o
286
senhor e o escravo, até a predominância da lei do mais forte.  Para tornar
287
possível a convivência entre desiguais e livrar os homens de seus grilhões, torna-se
288
necessário o estabelecimento de um contrato que seja legítimo, ou seja, oriundo do
289
livre consentimento de todos.
290

Nesse contrato, todos com unanimidade se alienam integralmente, abdicando sem
291
reserva de todos os seus direitos em favor da comunidade. Como é um ato livre, a
292
obediência às leis estabelecidas é o reestabelecimento próprio da liberdade. O
293
papel do governante é assegurar o cumprimento das leis. A integração social (aqui
294
referida por mim), então, se daria quando o homem cumprisse seu duplo e
295
simultâneo papel: de cidadão, enquanto ativo fazendo as leis, e enquanto a elas se
296
submetendo, como súdito.  O não cumprimento às leis, a não submissão como
297
súdito, exclui/afasta o homem do convívio social.
298

O problema é:  como, a partir de lugares desiguais, se estabelecem condições
299
iguais para ser cidadão e súdito?  É uma visão romântica e nostálgica do estado
300
feliz do ‘bom selvagem’.
12
301

Mas, é na tradição sociológica, representada por Durkheim, que a idéia de
302
integração, que tem o sentido de adesão e submissão a uma sociedade em que as
303
leis sociais dominam os homens por absoluta necessidade, tem seu aporte mais
304
significativo para a referência da origem discursiva da noção de exclusão.
305

Para Durkheim é a exterioridade dos fatos sociais que revela as formas de
306
integração social e a sociedade é concebida como um conjunto de ideais
307
constantemente alimentados pelos homens que fazem parte dela. A harmonia social
308
se formaria, portanto, na base da solidariedade orgânica, baseada na divisão social
309
do trabalho, uma das bases fundamentais da ordem social.
310

A relação indivíduo-sociedade é tomada de forma dicotomizada e, os indivíduos,
311
por si, não passarim de abstração estando submersos a grupos que por sua vez
312
estariam subordinados à sociedade, cuja forma mais acabada é o Estado. Tomada
313
como um dado anterior às relações que se estabelecem no seu interior, a sociedade
314
estaria previamente estabelecida através de conjuntos de normas, valores e códigos
315
coletivamente instituídos, hipostasiando-se, assim, aos indivíduos. A sociedade, na
316
sua condição de verdadeira criadora do indivíduo seria uma entidade "omnimoda",
317
"sui generis". Como mostra Zeitlin (1973:290), para Durkheim "um indivíduo
318
chega a ser humano no processo de interação com os outros: a sociedade implanta
319
em cada indivíduo um aspecto de si mesma, de modo que, de fato, o cria". Assim,
320
Durkheim remete à idéia de sociedade como um todo integrado no qual cada
321
indivíduo desempenha, como imperativo categórico da consciência moral, sua
322
função particular para manutenção do todo: "Ponha-se em condições de cumprir
323
utilmente uma função determinada", nas palavras de Durkheim (1973:42).
324

Tendo como preocupação central a ordem social a qualquer custo, Durkheim
325
propugna a necessidade de determinar a melhor maneira de o indivíduo adaptar-se
326
à sociedade, de prepará-lo para adequá-lo às suas forças irresistíveis e a
327
desempenhar sua "função" específica de tendo em vista o consenso moral vigente.
328
A submissão do indivíduo deve ser, no entanto, por plena vontade (tal como no
13
329
pacto social de Rousseau), vontade esta conformada com as razões inteligíveis
330
da subordinação, sendo-lhe exigindo os sentimentos de adesão e respeito que o
331
hábito gravou em seu coração (Zeitlin, 1973:305). Portanto, os indivíduos seriam
332
conduzidos à sociedade como um todo pela adesão e pela educação moral,
333
elementos fundamentais que conduziriam à solidariedade superior (=orgânica).
334

No contexto da solidariendade social, a divisão do trabalho engendra normalmente
335
a cooperação e a solidariedade e, as formas patológicas ou anormais de relações
336
engendram conflitos. Assim, o conflito, a não adaptação, a quebra nas regras
337
sociais revela-se como anomia, que é a conseqüência das formas patológicas da
338
divisão do trabalho, e a solidariedade está assentada na ausência de conflitos.
339
Dentre as formas de anomia, a mais intensa seria a do conflito entre capital e
340
trabalho, cuja solução passaria pela consciência moral coletiva, tendo em vista que
341
a principal tarefa social a ser desenvolvida na sociedade seria de caráter moral -
342
estabelecer formas solidárias de convívio - e não estrutural - transformação pela
343
superação das contradições sociais (Zeitlin, 1973).
344

Esta digressão rápida especialmente pelo pensamento de Durkheim foi feita para
345
situarmos as implicações sociais e políticas de um modelo de integração social que
346
está na gênese do discurso da exclusão identificado por Silver (apud Rodgers). Em
347
assim sendo, fica evidenciado que, na perspectiva dualista, a idéia de integração –
348
em oposição à de exclusão - contém no seu cerne uma conotação essencialmente
349
moral e adesista. É pela adesão dos indivíduos às normas e instituições sociais
350
estabelecidos que ocorre a integração.
351

Portanto, se a idéia de integração tem conotação asesista, fica estabelecido o
352
gancho que transfere para as responsabiidades individuais a situação / condição de
353
exclusão, visto que na gênese de discursiva que alimenta a noção de exclusão não
354
se estabelece o referencial da contradição estrutural a ser superada coletivamente,
355
por sujeitos sociais que efetivamente constróem o mundo a partir do lugar social –
356
desigual - que ocupam na sociedade.
14
357

Para Marlene Ribeiro, em texto inédito (1999) o conceito que dá conta dessa
358
dimensão ainda é o de luta de classes – que se impõe na realidade efetiva -, que
359
merece ser restabelecido a partir do paradigma histórico-dialético.
360

Mesmo com o risco de ser recorrente, vale a pena citar Ribeiro que mostra, nos
361
seus estudos, que para dar conta dos problemas que surgem na atual fase da
362
acumulação capitalista as políticas neoliberais respondem à crise com estratégias
363
de minimização do Estado, com destruição das políticas de proteção ao trabalho e à
364
seguridade social. Os efeitos sociais perversos, com aumento contínuo e crescente
365
da pobreza que situa-se abaixo das condições mínimas e dos limites de dignidade
366
humana, nos países industrializados, instigou os cientistas sociais a repensarem a
367
sociedade, valendo-se do conceito de exclusão, a partir de dois enfoques principais:
368
”o marxista que remete a exclusão a processos históricos de constituição das
369
relações capital e trabalho e o funcionalista de Durkheim que percebe os limites da
370
adaptação/integração para a compreensão das ‘novas questões sociais’”.
371

Esse segundo enfoque “reelabora conceitos como ‘filiação / desfiliação’ (Robert
372
Castel, A metamorfose da questão social, 1997 e A dinâmica dos processos de
373
marginalização: da vulnerabilidade à desfiliação, 1998);
374
dessocialização’ (Hélene Thomas, La production des exclus, 1997); ‘in’(dentro) e
375
‘out’(fora) (Alain Touraine, Face à l’exclusion, 1991) para caracterizar a
376
fragmentação e mesmo a destruição dos processos de socialização, vivenciadas
377
pelas comunidades pobres e para denunciar a ameaça de segregação social”
378

socialização /
Ribeiro contesta “o uso do conceito exclusão social para a compreensão do que é
379
considerado como a ‘nova questão social’ porque, na versão funcionalista, presta-
380
se tanto à descrição do fenômeno identificado como ‘uma nova probreza’ quanto à
381
fundamentação de políticas assistencialistas; na interpretação marxista, não é
382
adequado”.
383
15
384

Segundo ponto: sua lógica interna
385

Essa imprecisão da noção exclusão deve ser pensada a partir do outro caminho que
386
permite avançar no seu estudo e indica a necessidade de refletir sobre a sua lógica
387
interna, ao nível do significado da dualidade integrar – excluir.
388

O prof. Enno Liedke, no comentário que fez sobre a pesquisa que se realizou na
389
FEE-NERU com o título ‘Espacialização da exclusão social urbana’ destacou o
390
fato que essa dualidade vem a significar, na teoria dos conjuntos três
391
possibilidades: estar no conjunto (tanto como excluído como integrado); um dos
392
termos estar no conjunto (o integrado) e outro (o excluído) estando fora, fazendo
393
parte ou não de outro conjunto. Sugiro essa possibilidade de análise, mas não vou
394
me deter nela. O gancho que fiz a partir dessa colocação é que o risco dessa lógica
395
é o de enveredar para o esquema da filosofia de Parmênides– equivalente e
396
fundante – o ser É, o não-ser NÃO É. Ou seja, colocar alguns elementos desde
397
uma perspectiva dicotômica de visão de mundo.
398

Uma outra razão me inspira para refletir nessa perspectiva. É a busca da alteridade
399
– ou da perda de de alteridade – dos ‘excluídos’ a que alguns autores remetem,
400
como por exemplo, Elimar do Nascimento e Sarah Escorel. Quem é o ‘outro’
401
excluído? Ele existe ou não existe. Se não existe, ‘justifica-se’ o extrmínio
402
silencioso dos miseráveis, pivetes, desajustados, e toda sorte de ‘excluídos’ que
403
fala Escorel.
404

A ontologia clássica se refugia no pensamento que exprime o SER.
405

Segundo Dussel, “a ontologia, o pensamento que exprime o ser – do sistema
406
vigente e central – é a ideologia das ideologias, é o fundamentodas ideologias do
407
império, do centro. (...) O pensamento que se refugia no centro termina por ser
408
pensado como a única realidade. Fora de suas fronteiras está o não-ser, o nada, o
409
bárbaro, o sem-sentido. O ser é o próprio fundamento do sistema ou a totalidade
410
de sentido da cultura e do mundo do homem do centro” (Dussel, 1980, p.11).
16
411

Essa filosofia, como ontologia e como base do lógos ou cógito pensante,
412
fundamento da civilizaçào ocidental, está assentada na enunciação radical de
413
Parmênides: “O ser é, o não-ser não é”. A afirmação dessa ontologia é a de que o
414
ser, o divino, o político..., e, por analogia o integrado, são uma e a mesma coisa.
415
Isso pode levar a refletir, erroneamente por exemplo, que estar inserido no mundo
416
do trabalho indicaria estar socialmente integrado, portanto, não excluído. E isso
417
não é assim, se se reatualiza a questão da alienação do trabalho.
418

Nesse horizonte ideológico, se ao excluído se aplicar a ‘característica’ do não-ser
419
desde o horizonte de uma totalidade ontológica fechada de que fala Dussel, tanto
420
ele pode ser eliminado, desconsiderados e espezinhado, como pode ser conduzido,
421
ser
422
desumanização, de ausência de alteridade no sentido do re-conhecimento da
423
proximidade do face-a-face, da ausência de identidade .
424

tutelado,
protegido.
Todas
essas
situações
apontam
processos
de
Assim, seguindo sua lógica interna o risco eminente da apropriação acritíca da
425
noção de exclusão – que passa a assumir o caráter de não-ser - é o de se criarem
426
situações autoritárias, pensando em termos de relações de poder, expressas pela
427
negação do outro-excluído se constituir como outro-alteridade histórica, portanto
428
capaz de se constituir em sujeito da práxis. Nesse caso, o outro tem a face de quem
429
lhes fala, não sua própria face. A distância não percebida – portanto prenhe de
430
ideologia enganadora - entre a fala e o conteúdo da fala (na velha discussão
431
conteúdo e forma) abre caminho para o surgimento de novos messianismos (de
432
direita e de esquerda).
433
434
III - A (IN)EFICÁCIA DA NOÇÃO DE EXCLUSÃO ENQUANTO FORÇA DE
435
TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
436
437

17
Me reporto ao que diz Ribeiro, numa aproximação das minhas inquitações: “Ao
438
mesmo tempo em que mostra com toda a crueza a realidade da pobreza
439
contemporânea, o termo exclusão tanto confere um papel passivo aos sujeitos
440
sociais camadas populares quanto ofusca a reação dos sujeitos sociais concretos
441
– os proprietários do capital e seus gestores – que deliberadamente restingem os
442
limites da sociedade, expelindo os resíduos não aproveitáveis da força de trabalho
443
(os ‘inempregáveis’) e zelando para que se mantenham fechadas as fronteiras de
444
modo a impedir o seu regresso. Portanto, a categoria exclusão, além de imprecisa
445
para responder às indagações acima, escamoteia as causas dos processos
446
geradores de exclusão”.
447

Nessa imprecisão, e no escamoteamento das causas dos processos de exclusão, essa
448
noção tem a capacidade de escamotear o fundamental, acima assinalado na citação
449
de Marx: a sociedade capitalista é constitutivamente excludente, tanto na sua base
450
produtiva, como na estruturação dos valores: alienação e mercantilização do
451
trabalho destituído de seu vigor como força vital dos seres humanos; o predomínio
452
de uma normatividade individualista e excludente, assentada numa ética
453
socialmente compartilhada a partir da qual não há responsabilidade nem culpa
454
diante da desigualdade, e com ausência de mediações sociais e históricas
455
(elementos integrantes do complexo de relação da vida social: trabalho, técnica e
456
linguagem; indissolúvel dialética cérebro-mãos; mundo constituído na/da mútua
457
dialética relação dos homens entre si mediados pelo mundo por eles construído 
458
isto é que se omite na ética da sociedade capitalista: a ética práxica). A superação
459
das contradições passa, nesse sentido, pela formação de uma consciência crítica.
460

Na literatura está muito presente, implítica ou explicitamente, a idéia de que os
461
‘excluídos’ vivem de situações que ultrapassam suas vontades individuais o que os
462
torna destituídos de vontade; e que pela sobreposição de uma multiplicidade de
463
trajetórias de desvinculação, marcadas por situações de estigmatização e
464
discriminação, assumem sua condição como destino inexorável. Apesar de
18
465
permitir reconhecer que a dimensão de destino despolitiza as relações sociais,
466
remetendo a uma esfera intransponível sobre a qual os seres humanos não têm
467
controle, porquanto situada fora do domínio da história, aflorando com isso o
468
sentimento de fatalidade e de conformismo, a noção de exclusão não é capaz de
469
‘oferecer’ mediações históricas para ultrapassar essa condição assumida de
470
destino. Não implica, como necessidade constitutiva, na passagem da consciência
471
mágica para crítico-reflexiva. Tendo, antes, a reforçar a aceitação da fatalidade que
472
se traduz na inserção acrítica nos programas e projetos sociais (governamentais
473
e/ou não governamentais) eivados de medidas assistencialistas. A dimensão da
474
fatalidade significa a rendição do ser humano às determinações do acaso, significa
475
o ser humano ausentar-se de sua constitutiva dimensão histórica.
476

Desse modo, na passividade e na submissão a um destino arbitrário e fatal, diante
477
do qual a possibilidade de interferência humana é bloqueada por força das
478
imposições ideológicas e estruturais, a sociedade deixa de ser assumida e
479
reconhecida como produto do agir-pensar dos homens, inviabilizando-se projetos
480
de transformação social que exigem a participação consciente e ativa de sujeitos
481
sociais.
482

Portanto, quando se des-cobre (des-vela, tira o véu que encobre) o conteúdo
483
ideológico da noção de exclusão percebe-se que ela, apesar de útil em termos
484
descritivos e vigorosa no plano das representações, carece de conteúdo crítico
485
e prospectivo (no sentido de provocar a construção de projetos históricos que
486
emergem da correlação de forças de diferentes - quando não antagônicas – visões
487
de mundo e posições no mundo) e revolucionário (no sentido de re-volver, tornar
488
a mexer, transformar, dar nova forma) como se verifica no de luta de classe.
489
490
491
Considerações finais
19
492

Ao especificar o conteúdo da exclusão social vimos que a origem desta noção
493
está associada ao paradigma da solidariedade que vê a exclusão como um corte do
494
laço social, uma falha da relação indivíduo-sociedade, como uma anomia. As
495
instituições sociais é que forneceriam os mecanismos para integrar os indivíduos na
496
sociedade, e a exclusão refletiria o fracasso das instituições que não cumprem sua
497
função integrativa. Nesta perspectiva, as instituições assumem uma anterioridade
498
ontológica na sociedade e frente ao indivíduo de modo que se elas falham o corpo
499
social sofre as conseqüências. A perspectiva histórica de análise da realidade nega
500
qualquer anterioridade ontológica e a relação indivíduo-sociedade constitui-se na
501
dialética homem-natureza mediados pelo mundo significado numa totalidade em
502
que o todo e as partes estão articulados através da relação trabalho, linguagem e
503
representação significada.
504

É nesta perspectiva que a noção de exclusão tem força descritiva dos fenômenos
505
sociais mas carece de força explicativa das verdadeiras causas que produzem as
506
desigualdades sociais e as situações descritas. Carece, portanto, de conteúdo a
507
partir do critério da efetividade histórica e social. Revelando e ocultando a
508
realidade, enquanto totalidade dialética, não explicitando que a sociedade
509
capitalista se organiza a partir da tensão entre interesses distintos e conflitivos entre
510
diferentes grupos sociais, a noção de exclusão adquire conteúdo ideológico.
511

É como ‘excluídos’ que indivíduos ou grupos fazem parte da sociedade moderna,
512
cujo conflito básico passa pela luta de classes, e marcada pelo individualismo,
513
massificação, competição e exploração. A ruptura dos vínculos sociais,
514
representado pela estigmatização, discriminação, isolamento, traduzida pela
515
condição de apartheid social, confere a esta realidade uma conotação de fatalidade.
516
Mas, a fatalidade expressa a ideologia da submissão e deve ser superada, pois
517
pressupõe destinos previamente traçados, sem espaço para as decisões, para
518
liberdade constitutivamente humana.
519
20
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