A FACULDADE CATARINENSE DE FILOSOFIA:

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LIDERANÇAS POLÍTICAS E RELIGIOSAS E A FUNDAÇÃO DA
FACULDADE CATARINENSE DE FILOSOFIA
Celso João Carminati
Programa de Pós-Graduação em Educação – UDESC
E-mail: [email protected]
Palavras-chave: educação superior, lideranças e elite cultural
1. Introdução
O processo de constituição da Faculdade Catarinense de Filosofia - FCF1, na
década de 1950, ocorreu em um momento de mudanças significativas que, desde 1930,
impuseram transformações sobre a sociedade catarinense. Foi neste momento histórico
que se acentuou o processo de urbanização onde “em 1960 as cidades passaram a
concentrar 45% da população brasileira contra os 36% do ano de 1950” (KONDER,
1998, p. 357), e começaram a ser implantadas no país as primeiras fábricas de
automóveis e outros bens, aumentando a variedade e as vendas de produtos
industrializados. Naquele momento, de acordo com CASALECCHI (2002) e KONDER
(1998) as políticas convergiam para uma modernização industrial, através do
investimento em indústrias de base, com aumento considerável na produção e no
consumo, ampliando os estratos médios da população.
Com o fenômeno da urbanização e industrialização em ritmo um pouco mais
acelerado, em um período que assistiu a uma grande efervescência no conjunto das
atividades culturais, surgiram no país movimentos de expansão do sistema de ensino
nacional como a ampliação do ensino secundário e a criação de novas universidades.
Tal perspectiva foi fundamental a partir da promulgação da constituição de 1946, em
que a educação passou a ser considerada ao menos formalmente, um direito de todos, e
os estados, municípios e a união deveriam organizar, legislar e fomentar o sistema de
ensino. Neste período, o estado de Santa Catarina, expandiu de forma considerável sua
rede de escolas de ensino primário e ensino secundário, com a criação dos primeiros
1
A partir deste momento do texto, utilizarei a sigla FCF para referir-me à Faculdade Catarinense de
Filosofia.
2
estabelecimentos públicos de ensino secundário como o Instituto de Educação em
Florianópolis e o Ginásio Pedro II na cidade de Blumenau, ambos em 1946.2 A Igreja
Católica, por sua vez, expandia ainda mais sua rede de educandários.
Concomitantemente a essa expansão do sistema de ensino, as décadas de 1940 e
1950 foram de extrema importância no campo cultural e político, culminando na criação
de novos espaços de produção intelectual. Neste período foi criada a sub - comissão
catarinense de folclore, que em 1949, resultou no Circulo de Arte Moderna e na
fundação do Museu de Arte Moderna de Santa Catarina - MASC, assim como o
fortalecimento
de
outras
instituições.
“No
estado
de
Santa
Catarina,
a
institucionalização da cultura ocorreu a partir dos anos 1950, embora já nos anos de
1940 tivessem ocorrido fatos que colaboraram para um primeiro investimento na
valorização da cultura no estado” (SILVA, 2004, p. 63). Muitos desses ambientes
culturais foram freqüentados pelos mesmos intelectuais que, em meados da década de
1950, instituíram a Faculdade Catarinense de Filosofia, como nos destacou (FREITAS,
2004), criando um locus para a formação de uma “elite” cultural3 e professores para o
sistema de ensino médio.
Nesta perspectiva, a Faculdade Catarinense de Filosofia exerceria papel central na
formação de intelectuais e professores para o ensino secundário em expansão e ainda na
ampliação dos espaços para produção e circulação das idéias de uma elite cultural,
influenciando nas discussões para a fundação de uma futura universidade pública no
Estado e neste contexto, a participação de lideranças políticas e religiosas no processo
de sua fundação.
Levando em consideração “a cultura escolar como um conjunto de normas que
definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que
permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos;
normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas”
(JULIÁ, 2001, p.10), algumas personalidades da sociedade, originárias das classes
dominantes ou a elas articuladas, ocuparam certos espaços estratégicos na sociedade e
nas esferas governamentais para a criação da FCF.
2
Ler a este respeito: DALLABRIDA, Norberto; CARMINATI, Celso João. O Tempo dos Ginásios.
Campinas: Mercado de Letras/UDESC, 2007.
3
“Por teoria das Elites ou elitista – de onde também o nome de elitismo – se entende a teoria segundo a
qual, em toda a sociedade, existe, sempre e apenas, uma minoria que, por várias formas, é detentora do
poder, em contraposição a uma maioria que dele está privada”. (BOBBIO et all, 1993, p. 385).
3
Neste sentido, destacamos a importância desta faculdade no âmbito cultural e
social de Santa Catarina e pelo lugar que tal instituição ocupou na institucionalização e
na expansão da educação superior no estado. Assim, procuramos olhar a história das
instituições escolares, cuja trajetória foi “construída com a participação de sujeitos
sociais, que não são figurantes, mas atores que empreenderam um fazer histórico.”4
2. Demandas sociais e o desafio de novas culturas
Desde o final do Estado Novo, Santa Catarina se voltava para a expansão de sua
rede secundária de ensino, quando ocorreu a fundação de novos colégios confessionais,
estendendo-se também para o interior do estado e a instituição dos primeiros
estabelecimentos públicos de ensino secundário, dentre eles, o Instituto Estadual de
Educação e o Colégio Pedro II.5 Sendo assim, de acordo com CARVALHO (2001) este
período pode ser compreendido como o início da implantação de um sistema de ensino
publico, e também uma continuidade nos processos de estruturação orgânica da rede
escolar no Estado e, uma pretensa universalização da educação escolar no país iniciada
nos anos 1930. Porém, do ponto de vista econômico,
o desenvolvimento tomou amplitude e trouxe transformações na estrutura
sócio-econômica do Brasil, mas o mesmo não se verificou em Estado da
federação como Santa Catarina. Ao contrário dos Estados vizinhos, Santa
Catarina continuava, após a Revolução de 30, desintegrado nas diversas
regiões e dominado politicamente por famílias oligárquicas. Preocupadas com
seus interesses políticos e econômicos, as autoridades governamentais
mantiveram-se omissas na fundação das primeiras Faculdades no chão
Catarinense (MORETTI, 1984, p. 41).
Era evidente no período, o esforço para afirmação da educação como alavanca
para colocar o país no caminho do progresso e desenvolvimento científico, e o
momento, da industrialização e urbanização de importantes cidades do estado, impôs à
educação um papel preponderante não só entre as camadas elitizadas, mas também nas
camadas populares e trabalhadoras. Nas palavras de SOUZA (2005), a escola teria o
papel de preparar o “novo” operariado e uma sociedade baseada nos princípios cristãos
4
FILHO, Geraldo I. SANTOS, Maria de Lurdes leal dos. Luzes na formação docente humanista: a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Santo Tomas de Aquino. Trabalho apresentado na IV Semana
de Educação: Educar e aprender: formação, percursos e projetos. São Paulo, 2006. Disponível em
http://www3.fe.usp.br/secoes/semana06/insc/comunic.asp. Acesso em 27/02/2007.
5
A este respeito, ler: DALLABRIDA, Norberto; CARMINATI, Celso J. O tempo dos Ginásios. Mercado
de Letras/UDESC, 2007.
4
em condições de guiar o país para o desenvolvimento material e social. “Santa Catarina,
1956, contava com apenas seis faculdades: Faculdade de Direito (1932), Ciências
Econômicas (1943), Farmácia e Odontologia (1947), Filosofia e Medicina, fundadas em
1955. Antes de ser uma iniciativa dos poderes públicos, estas faculdades, na verdade,
foram criadas graças à iniciativa e abnegação de professores idealistas” (MORETTI,
1984, p. 17). Assim, aos poucos, a questão do ensino foi sendo tratada como importante,
não obstante os desmandos das oligarquias, principalmente com relação à formação de
professores tanto para as séries primárias quanto secundárias. Desde fins da década de
1940 as discussões acerca da institucionalização do ensino superior, e particularmente a
fundação de uma faculdade de filosofia, permeou a mentalidade dos intelectuais e parte
da elite política e cultural.
Justamente no preciso momento em que o Ensino Superior do nosso país passa
por uma real e inteligente reestruturação e vive a data mais importante e
decisiva de toda a sua história, pois ao jovem brasileiro estão sendo abertas, no
presente, as portas de uma Universidade verdadeiramente do futuro,
justamente quando todas as nações do globo, apreensivas e absorvidas pelo
vital problema do desenvolvimento, canalizam para as Universidades a grande
parcela dos seus recursos e o total das suas esperanças. (SCHROEDER apud
CARMINATI; FASOLO, 2006, p. 2)
Referindo-se a criação da Faculdade de Direito, por idealistas como José
Boiteux no ano de 1932, MORETTI (1984), destaca que, “agora, portanto, havia
oportunidades aos poucos catarinenses com condições de cursar o ensino superior,
freqüentar uma faculdade na própria região, pois até então isto só era possível em
centros de outros Estados”.
No país, as universidades, particularmente naquele momento, passaram a ser
consideradas prioritárias para a preparação de intelectuais, de técnicos de nível superior
para a iniciativa privada, profissionais para a burocracia pública e professores para o
ensino secundário e superior. A fundação de uma Faculdade Catarinense de Filosofia,
juntamente com outros cursos superiores em outras faculdades isoladas já existentes,
significaria o primeiro passo para a constituição da primeira universidade pública no
estado de Santa Catarina.
3. Lideranças políticas e religiosas: redes e articulações
5
Foi no dia 08 de setembro de 1951, em reunião no salão nobre da Faculdade de
Direito, que lideranças como o Desembargador Henrique da Silva Fontes, que fora
presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Oswaldo Bulcão
Viana, Victor da Luz Fontes, Monsenhor Frederico Hobold, Pe. João Alfredo Rohr diretor do Colégio Catarinense, Pe. Alvino Braun e, Oswaldo Rodrigues Cabral criaram
oficialmente a faculdade de Filosofia em Santa Catarina cuja intenção está ratificada no
artigo primeiro de seu estatuto:
A Faculdade Catarinense de Filosofia, fundada em Florianópolis, onde tem sua
sede, a 8 de setembro de 1951, por iniciativa de professores de Direito de
Santa Catarina e da Diretoria do Colégio Catarinense, é um instituto livre de
ensino superior, destinado a ministrar, nos termos da legislação federal, o
ensino de filosofia, ciências e letras, orientando-se pelos princípios da
filosofia cristã6. (grifo nosso)
Vê-se que o movimento pela criação de uma Faculdade de Filosofia, esteve
inicialmente articulado às estruturas e funcionamento do colégio dos padres jesuítas, e
tinha como princípio formativo, as bases da filosofia cristã, ou melhor, católica,
indicando assim, o importante espaço ocupado pelos católicos, no âmbito da
constituição e consolidação de instituições educativas, e neste caso, universitárias. Em
nível nacional, a igreja católica diferentemente de diversos países europeus, e cito como
exemplo a Itália, não criou somente instituições educativas para a formação primária,
mas investiu também muitos esforços para a educação universitária. Isto culminou em
resultados importantes em nível nacional, como pode ser visto na rede da Pontifícia
Universidade Católica, situada em todas as principais capitais brasileiras. Contudo, em
Florianópolis, embora houvesse uma significativa participação de padres jesuítas, a
constituição da Faculdade Catarinense de Filosofia não resultou em uma instituição
predominantemente católica de ensino superior. Figuraram com decisivas participações,
os já idealizadores e fundadores da Faculdade de Direito, onde se destacou o
desembargador José Arthur Boiteax, haja vista que a reunião de fundação da Faculdade
Catarinense de Filosofia foi realizada na sua sede, sito à rua Esteves Junior, no Centro
de Florianópolis.
Embora os esforços tivessem sido de religiosos e autoridades católicas, podemos
observar na justificativa lida em discurso na assembléia de fundação da FCF, pelo então
diretor do Colégio Catarinense, o Pe. João Alfredo Rohr, que havia a necessidade de
6
Estatuto da Faculdade Catarinense de Filosofia – p. 1 – Cap. 1, artigo primeiro. (grifo nosso).
6
uma faculdade de Filosofia em Florianópolis decorrente do grande número de
candidatos dos quais já se tinha conhecimento e que, além disso, “era tal faculdade
imprescindível para preparar o professorado dos cursos secundários e superior” (Souza,
2005, p. 197).
Esta é uma dimensão interessante, pois havia indicativos, tanto dos padres
jesuítas, quanto dos professores e diretores da Faculdade de Direito de que a formação
superior de professores, embora se possa inferir que necessitavam também de
professoras para as escolas primárias e secundárias de Florianópolis para o Estado de
Santa Catarina. Este comprometimento dos fundadores da FCF com a criação de uma
universidade pública em Santa Catarina já se encontrava reiterado no artigo 26 do
estatuto: “a Faculdade, que se extinguirá de acordo com o previsto no art 21, do Código
Civil, terá duração ilimitada, sendo seu patrimônio entregue ao Estado ou à
Universidade de Santa Catarina, se já existir, conforme decidir a maioria dos membros
da congregação.”7 Tal perspectiva dá-nos a indicação do compromisso público dos seus
fundadores com a futura universidade pública para Santa Catarina, consolidada a partir
do ano de 1960.
Após sua fundação, o desafio seria requerer a autorização prévia de
funcionamento do estabelecimento como era previsto pela legislação federal. Porém, de
acordo com os decretos – leis nº 421/1938 e 2.976 de março de 1940, para obter a
autorização de funcionamento o estabelecimento deveria cumprir alguns requisitos
mínimos, tais como:
I) Capacidade financeira da instituição, para manter os padrões mínimos
exigidos por lei; II) Edifícios e instalações propícias, sob o ponto de vista
pedagógico e sanitário, ao ensino a ser ministrado; III) um aparelhamento
administrativo regular, principalmente nas questões financeiras; IV) uma
organização administrativa e burocrática que obedeça às exigências mínimas
fixadas em lei federal; V) capacidade moral e técnica do corpo docente que o
estabelecimento pretende utilizar; VI) fixação do limite de matrícula para cada
série do curso levando em consideração as acomodações do estabelecimento;
VII) instalação da faculdade em localidade que possua condições culturais
necessárias ao funcionamento; VIII) real necessidade para o meio. 8
Fica claro a partir destas exigências que o processo de inspeção e supervisão dos
cursos seria realizado pelo Ministério da Educação e Cultura, uma vez que no capítulo
7
Idem 3. Art 26, p. 17.
Relatório concernente à verificação para efeito de reconhecimento da Faculdade Catarinense de
Filosofia. Requerimento para autorização de funcionamento da FCF – 16 de julho de 1952. Volume II
8
7
II, título “Da educação e cultura”, artigo 170 da constituição de 1946, “a União
organizará o sistema federal de ensino e dos territórios.”9 A intenção de uma rede de
ensino una e homogênea em seu currículo e funcionamento privilegia o controle do
estado na formação cultural e social dos que viriam a ser os condutores do progresso do
país.
No ano de 1952 foi requerido o início do funcionamento da FCF, vindo a ser
autorizada somente em 24 de dezembro de 1954. Foi também neste período que se
acentuou a discussão acerca de uma identidade cultural catarinense e, com isso, a
formação de uma base cultural sólida no estado. Fica evidente neste requerimento, a
preocupação da elite catarinense em demonstrar aos órgãos do Governo Federal, além
da necessidade da formação de professores secundários, a emergência de uma faculdade
de filosofia para a construção de uma base cultural e identitária no estado. Isto se
encontra explícito no item VIII do requerimento de autorização para o funcionamento
da FCF, em que:
Uma faculdade de filosofia está sendo, de há muito, almejada em
Florianópolis, mormente pelos que, tendo concluído o curso normal, se
dedicam ao magistério. É mesmo imperiosa necessidade para o meio,
porquanto completará o bem organizado aparelhamento escolar catarinense,
preparando-lhes professores para o ensino secundário e superior, além de
dar oportunidade de estudos cientificamente orientados para os que, até
aqui, só como autodidatas atingem as esferas da alta cultura. (Grifo
nosso)10
O referido documento, além de assinalar que a FCF “dará suas aulas à tarde,
porquanto no período da manhã se desenvolvem as do Colégio Catarinense”,11 atestava
ainda as condições financeiras da instituição, asseguradas por apólices da dívida pública
estadual, doadas pelo governo do estado assim como as condições físicas e estruturais
garantidas que teria “à sua disposição no Colégio Catarinense, as salas e dependências
que forem necessárias para as aulas e para a administração (...).”12
É claro que a permissão de funcionamento nas instalações do Colégio
Catarinense tinha um preço, ainda que não declarado. E foi assim, com o recebimento
de “um auxilio federal, contemplado no orçamento de 1949 e conseguido por
9
Constituição de 1946. Disponível em: http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Brazil/brazil46.html.
Acesso em 12/03/2007.
10
Relatório concernente à verificação para efeito de reconhecimento da Faculdade Catarinense de
Filosofia. Requerimento para autorização de funcionamento da FCF – 16 de julho de 1952. Volume II.
11
Relatório concernente à verificação para efeito de reconhecimento da FCF. Requerimento para
autorização de funcionamento da FCF. Volume II Doc nº 2.
12
Idem.
8
intermédio do presidente do Senado Federal e vice-presidente da República, Nereu
Ramos” (SOUZA, 2005, p.193-4). A justificativa para receber o auxílio, porém
contemplava a ampliação das suas estruturas para abrigar, além da FCF, “um curso de
preparação para sargentos, cursos de alfabetização de adultos (...), cursos de inglês, um
curso de extensão e formação moral dos alunos da Escola Industrial, cursos de
datilografia e um pré-ginasial (...),” (Ibid), que certamente seriam abertos ao público.
No requerimento de julho de 1952, o desembargador Henrique da Silva Fontes
comenta que “uma faculdade de Filosofia está sendo, há muito tempo, almejada em
Florianópolis, mormente pelos que, tendo concluído o curso normal,13 se dedicam ao
magistério”14 e, declara a capacidade administrativa de seus fundadores e necessidade
para o meio cultural do estado, de uma Faculdade de Filosofia, já que no país, além da
formação de professores, “desde a década de 1930, as faculdades de Filosofia, Ciências
e Letras tiveram a incumbência de se tornarem o pólo aglutinador das universidades
brasileiras” (FILHO, 2002, p. 162).15
Nesse sentido, o requerimento16 assinado pelo diretor Henrique da Silva Fontes
indicava o atendimento de todos os itens exigidos pelo governo federal. Tendo como
base o apoio financeiro do governo estadual em forma de apólices da dívida pública, a
estrutura física, pedagógica e administrativa do Colégio Catarinense, não foi difícil
conseguir tal autorização para o funcionamento da Faculdade de Filosofia, sendo esta
expedida em 24 de dezembro de 1954 pelo decreto de nº 36.658. Assim, o então
Presidente da Republica João Café Filho, pelas atribuições que lhe compete, decretou:
“Artigo único: É concedida autorização para o funcionamento dos cursos de Filosofia,
Geografia e História, Letras Clássicas, Letras Neolatinas e Letras Anglo-Germânicas, da
Faculdade Catarinense de Filosofia, com sede em Florianópolis, Estado de Santa Catarina.” 17
Embora a FCF recebesse recursos financeiros públicos, tanto estaduais quanto
federais e se declarasse defensora dos valores da filosofia cristã, mas não pertencendo a
igreja católica, a mesma tinha um caráter privado, ou seja, seu ensino era pago, como
consta no artigo 16, cap. V do estatuto da FCF, que diz respeito ao patrimônio, rendas e
13
A este respeito, ler: TEIVE, Gladys Mary Ghizoni Teive. Uma vez normalista, sempre normalista.
Florianópolis: Insular, 2009.
14
Relatório concernente à verificação para efeito de reconhecimento da FCF. Requerimento para
autorização de funcionamento da FCF. Volume II.
15
Ver também: CARMINATI, Celso J.; FASOLO, Camila. História e Políticas de Formação de
Professores em nível Universitário: a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Trabalho apresentado no
XI Encontro Estadual de História: mídia e cidadania. Florianópolis, 2006.
16
Relatório concernente à verificação para efeito de reconhecimento da FCF. Requerimento para
autorização de funcionamento da FCF. Volume II, doc nº 2.
17
Autorização para o funcionamento da FCF. Relatório Volume II.
9
orçamento desta faculdade. O referido artigo esclarece que o “custeio do funcionamento
da faculdade, será constituído pelo rendimento do patrimônio (...)” – e – “pelas taxas e
emolumentos escolares ou administrativos (...).”18 Isto fica evidenciado no relatório final
de verificação prévia, sobretudo no ítem II denominado “Capacidade financeira” que
enumera detalhadamente os recursos para a manutenção desta instituição. Como
leremos a seguir,
(...) cobra a faculdade diversas taxas, sendo as principais as de matriculas que
é de Cr$ 100,00 (cem cruzeiros), as de mensalidades, que é de Cr$ 120,00
(cento e vinte cruzeiros) e as de inscrição em exame final, que é de Cr$ 30,00
(trinta cruzeiros) por matéria. Cada aluno, somadas todas as taxas, paga
anualmente cerca de Cr$ 1.450,00 (mil quatrocentos e cinqüenta cruzeiros) 19
Seu estatuto previa o ingresso gratuito de candidatos que não possuíssem recursos
financeiros para o pagamento das taxas, porém não podemos afirmar se este princípio
era cumprido, pois não há registros de rendas das famílias nos documentos de matrícula.
Sabe-se que o ingresso das classes populares nos cursos só ocorria mediante
comprovação de “apreciável capacidade intelectual e superiores qualidades de
caráter,”20 perpetuando dessa forma o fosso ainda existente entre as classes mais
abastadas e as classes populares.
Outro fator interessante que podemos perceber é o enfoque dado à estrutura física
e pedagógica no requerimento de autorização de funcionamento a ser colocada à
disposição da FCF, tais como “salas especiais”, laboratórios de Química e Física,
Ciências Naturais, museu e demais gabinetes do Colégio Catarinense. “A Faculdade,
para iniciar seu funcionamento, terá a sua disposição, no Colégio Catarinense, as salas e
dependências que forem necessárias para as aulas e para a administração, bem como a
biblioteca do mesmo Colégio e os laboratórios, museus e gabinetes que devem ser
utilizados em trabalhos práticos e em pesquisas.”21
Esses laboratórios e gabinetes eram utilizados com o intuito de “mostrar” aos
alunos o funcionamento in loco dos diversos aspectos do ensino, sejam eles geográficos,
históricos ou técnico-científicos de Santa Catarina. De acordo com (SOUZA, 2005), o
conhecimento prático–científico seria, então, uma das características da história da
18
Relatório concernente à verificação para efeito de reconhecimento da FCF. Volume II. Estatuto da
FCF. Cap. V, artigo 16.
19
Relatório concernente à verificação prévia para efeito de reconhecimento da FCF. Volume I. Relatório
final de verificação prévia. 15de outubro de 1957, Florianópolis.
20
Relatório concernente à verificação para efeito de reconhecimento da FCF. Volume II. Estatuto da
FCF, Capítulo IV, artigo 13.
21
Idem
10
educação deste período onde o fenômeno da urbanização e industrialização no país
criou a emergência de uma nova relação produtiva e novas necessidades para o mercado
de trabalho e práticas sociais. Além desses espaços ocupados no Colégio Catarinense, a
FCF ainda utilizava mais três prédios, sendo que,
no primeiro prédio alugado, que fica à Rua Esteves Junior, nº 179, foi
instalado a administração – Diretoria, Secretaria e Tesouraria -, a biblioteca e o
laboratório de Reproduções fotográficas, sendo ainda aproveitados quatro salas
para aulas e duas para gabinetes de professores (...). no segundo prédio
alugado, que fica na Praça Lauro Muller, nº 2, foi instalado o Departamento de
Geografia, nele havendo um salão para conferencias e gabinetes do trabalho
dos professores. No prédio concedido pelo estado, sito à Rua Ferreira Lima,
s/n estão instalados os cursos de língua e Literatura francesa, Língua e
Literatura Espanhola, Literatura Hispano-americana, Língua e Literatura
italiana e língua e literatura alemã. 22
No final deste mesmo documento fica explícito ainda que a utilização destes
prédios para o funcionamento da FCF seria provisória, tendo em vista que “a faculdade
vai ter instalação definitiva na Cidade Universitária de Santa Catarina, que já tem terras
doadas pelo Governo do Estado, e cujo plano de urbanização, elaborado por professores
da Universidade de São Paulo, já foi aprovado pelo Governo de Santa Catarina.”23
O período de organização institucional e burocrática da FCF, que vai de 08 de
setembro de 1951 a 15 de outubro de 1957, foi permeado por sobressaltos na área
financeira, haja vista vários pedidos de aumento das apólices da dívida pública estadual
e relatórios para o Diretor de Ensino Superior do Ministério da Educação e Saúde
comentando as dificuldades para manter os serviços oferecidos pela FCF. Em uma
dessas ocasiões, o diretor da Faculdade em exercício, Pe. Werner José Soell, em oficio
endereçado ao professor Jurandyr Lodi - Diretor do ensino superior do Ministério da
Educação e Saúde - em 11 de fevereiro de 1956 explica que,
A Faculdade Catarinense de Filosofia cuja importância cultural já está sendo,
quer pelos seus trabalhos de ensino, quer pelos cursos e conferencias que
promova, quer pelo desenvolvimento de sua biblioteca franquiada ao público,
quer pelos trabalhos de professores já editados, plenamente reconhecidos no
Estado, afronta, apesar de todo auxilio prestado pelas instâncias
governamentais, dificuldades que podem não só diminuir o seu esforço de
ação educativa, como também impedir seu desenvolvimento que seria de
fundamental utilidade, sobretudo neste momento, em que o Governo de Santa
22
Relatório concernente à verificação para efeito de reconhecimento da FCF. Volume I. Relatório final de
reconhecimento emitido ao Ministério da Educação e Cultura, Diretoria de Ensino Superior.
23
Idem.
11
Catarina elaborou e põe em execução um plano de melhoramento do ensino
secundário e primário.24
Ainda nesse mesmo oficio, o diretor da FCF declara que efetivamente, os
salários dos professores, são tão diminutos que nem oferecem qualquer estímulo ao
trabalho, e ainda que havia interesse da FCF para instalar em regulares condições de
trabalho o centro de estudos filológicos, e o laboratório de psicologia. 25 Em fevereiro de
1957, exatamente um ano após ter enviado o oficio citado acima denunciando os baixos
vencimentos dos professores, o diretor Henrique da Silva Fontes, em documento de nº
19/57, esclarece que “o orçamento desta faculdade para o corrente exercício se
apresenta grandemente deficitário em razão do aumento que, muito justamente, foi feito
nos vencimentos dos professores federais de ensino superior (...).”26 Mesmo sendo
diversos os ofícios explicitando o déficit nos recursos para manter e ampliar os serviços
e a estrutura da FCF é interessante destacar que tal faculdade nunca paralisou ou
interrompeu seu funcionamento desde sua fundação.
Em oficio nº 149 datado de 24 de setembro de 1957, o diretor Henrique da Silva
Fontes explicando as razões do grande déficit e propondo soluções, menciona o desejo
da FCF de requerer a autorização para o funcionamento dos cursos de Didática e
Pedagogia27. Contudo, é importante ressaltar que o desejo da diretoria da FCF em
colocar em funcionamento esses dois cursos se concretizou parcialmente, uma vez que
apenas o curso de didática foi oferecido pela FCF, enquanto que o primeiro curso de
Pedagogia só entrou em vigor na já criada Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), no ano de 1960.
4. Considerações finais
Naquele período, houve um acelerado processo de modernização capitalista no
país. Em Santa Catarina, as lideranças políticas nos anos de 1930 a 1950, de um lado,
provenientes de famílias de fazendeiros do planalto Catarinense, pouco contribuíram
para tirar o Estado de sua estagnação sócio-econômica e pobreza educacional. Somente
24
Relatório concernente à verificação para efeito de reconhecimento da FCF. Volume II. Oficio 20/56.
Idem.
26
Relatório concernente à verificação para efeito de reconhecimento da FCF. Volume II. Oficio nº 19/57
de 18 de fevereiro de 1957.
27
Relatório concernente à verificação para efeito de reconhecimento da FCF. Volume II. Oficio nº 149/57
de 24 de setembro de 1957.
25
12
mais tarde, já “durante o ano de 1959 e parte de 1960, Santa Catarina foi sacudida pela
realização do Seminário Sócio-econômico, efetivado sob patrocínio da Federação das
Indústrias do Estado de Santa Catarina” (MORETTI, 1984, p. 19). Dele, resultou de um
lado uma plataforma desenvolvimentista, conhecida como Plano de Metas do Governo
Celso Ramos – PLAMEG, que viria a atender as reivindicações dos setores políticos e
empresariais, surgidas no seminário sócio-econômico, e de outro lado, as lideranças
católicas, articuladas em sua maioria às forças políticas oligárquicas, esforçavam-se
para inovar diante de novas necessidades sociais, sobretudo, decorrentes das metas
propostas pelo Governo Celso Ramos.28
A criação da Faculdade Catarinense de Filosofia foi, então, importante para a
formação de professores para a educação primária e secundária no estado. Seu início foi
marcado pela idealização de um projeto cultural de maior alcance como a fundação, em
1960, da Universidade Federal de Santa Catarina, apoiada por setores da elite política e
econômica do estado, congregando as diversas faculdades isoladas existentes.
Os esforços, sobretudo do prof. Henrique da Silva Fontes para sua constituição,
culminaram em 1954, com a autorização para o seu funcionamento. Neste período o
estado de Santa Catarina atravessava um momento de consolidação de suas instituições
culturais, sendo por esta razão recorrente nos documentos a menção da emergência de
uma universidade no estado para a produção e valorização de uma cultura
intelectualizada. Algumas lideranças que participaram efetivamente da fundação da FCF
circulavam em outros espaços culturais importantes no estado como, por exemplo, o
Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina - IHGSC, a Academia Catarinense de
Letras e a Sub-comissão de Folclore, como foi o caso do Desembargador Henrique da
Silva Fontes, fundador, primeiro diretor da FCF e o médico Oswaldo Rodrigues Cabral
que “com a criação da Faculdade Catarinense de Filosofia (...), inicia a formação de um
grupo de pesquisadores universitários (...).” (SACHET apud FREITAS, 2004. p. 57-8).
A fundação da FCF foi determinante também para concretizar o primeiro passo para a
criação de uma Universidade Federal em Santa Catarina, como previa o artigo 24 das
disposições constitucionais transitórias e também o plano urbanístico da cidade de
Florianópolis com a criação de um futuro centro universitário.
Sua autorização para funcionamento - decreto nº 36.658 de 24 de dezembro de
1954, foi importante no processo de formação de professores para as redes de ensino do
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Ler a este respeito: MICHELS, Ido Luiz. Crítica ao modelo catarinense de desenvolvimento. Campo
Grande: UFMS, 1998.
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Estado, principalmente, por iniciar com os cursos de Filosofia, Geografia e História,
Letras Clássicas, Letras Neolatinas e Letras Anglo-germânicas, e contribuído
diretamente para a formação de diversas lideranças acadêmicas e políticas. O
funcionamento dos cursos, em sedes diferentes no centro de Florianópolis, era
constantemente acompanhado pelos órgãos governamentais do Ministério da Educação
e Saúde, como se pode observar nos relatórios encaminhados às autoridades
ministeriais.
Embora não explicitado, mas sempre presente, as relações entre a igreja católica
e o Estado se revelaram intensas no processo de criação e de funcionamento da FCF.
Certamente, partes destes interesses estiveram relacionados à necessidade de oferecer à
todos os egressos do curso secundário a formação em cursos superiores nas áreas de
letras e ciências humanas.
Na década de 1940 a 1950, a intelectualidade local deu indicativos de formação
de um laicato católico, porém, não autônomo e com ideologia própria, mas ainda ligado
à igreja, não se caracterizando enquanto uma vanguarda política, mas apenas com um
movimento renovador, ainda marcado pelas articulações com as forças da tradição
católica. Além disto, parece ter sido pouco crítica em relação ao modelo econômico e às
classes dominantes no Estado, incorporando pela via da formação de uma sociedade de
classes, a preservação de seus privilégios.
Os esforços para concretização de uma universidade em Santa Catarina, dão-nos
indicativos de que aos poucos, o caminho trilhado pelo grupo dirigente da FCF para
constituir uma universidade pública no Estado resultaria no afastamento das lideranças
religiosas das atividades de formação superior, permanecendo, porém, e com forte
controle por mais de duas décadas na chefia do Departamento do curso de graduação em
Filosofia, o padre Francisco Bianchini.
Referências
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