que sistema econômico queremos - Corecon

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O PROGRESSO DA ECONOMIA NÃO ESTÁ EM AUMENTAR A
RIQUEZA, MAS SIM EM DIMINUIR A POBREZA
Marcus Eduardo de Oliveira
Nos dias de hoje, uma questão se coloca como crucial na vida do homem
moderno: se há o interesse desse em continuar evoluindo, desfrutando de um
ambiente mais saudável e fraterno para se viver, tal premissa somente terá
sentido quando as gritantes desigualdades sociais e econômicas foram
diminuídas substancialmente.
Conquanto, é a esse homem dos dias atuais que cabe a principal tarefa
do momento, caso queira, de fato, tornar válida a condição necessária de se
habitar um lugar melhor para a continuidade da vida. Essa tarefa consiste em
buscar alternativas para pôr fim a maior de todas as perversidades: a fome. Essa
chaga atinge 1 bilhão de pessoas e ceifa 40 mil vidas todos os anos, em pontos
diferentes da Terra. E por que cabe aos Homens essa tarefa de pôr fim a essa
ignomínia? Simplesmente, porque são os Homens (no sentido amplo que esse
termo carrega) os únicos responsáveis pela construção das sociedades que não
param de apresentar mudanças. “Nós devemos ser a mudança que queremos
ver no mundo”, afirmou Gandhi.
E a Economia – enquanto ciência social que também estudo o
comportamento do homem moderno – pode ser o começo dessa mudança. Em
especial no que toca ao uso do cabedal teórico da economia, uma situação
específica precisa ser definida, uma vez que um falso argumento, desde as obras
que marcam o início dessa disciplina, insiste em permanecer e se afirmar como
válida: não é aumentando a riqueza daqueles que já auferem elevados ganhos
que se conseguirá diminuir a pobreza, a miséria e a fome daqueles que tanto
carecem de ajuda.
Em outras palavras, essa premissa ressalta que não se pode pensar de
forma antecipada nos caminhos que conduzem ao aumento da riqueza, se antes
persistirem os modos de se fazer política pública que continue ignorando as
possibilidades de se buscar a redução dos índices vexatórios de pobreza em
escala mundial. A pobreza está muito próxima de todos nós. Os pobres e a
pobreza (relativa e absoluta) estão em todos os cantos. Vejamos essa questão
especificamente em termos de América Latina.
Onde estão e quantos são os pobres na América Latina
De acordo com relatório divulgado pelo ONU-Habitat (Programa de
Assentamentos Humanos, da ONU) o Brasil é o país mais desigual da América
Latina, onde os 10% mais ricos concentram 50,6% da renda. Na outra ponta, os
10% mais pobres ficam com apenas 0,8% da riqueza brasileira. O problema da
má distribuição de renda afeta a América Latina como um todo, conclui o
relatório. Ainda de acordo com esse documento, os 20% latino-americanos mais
ricos concentram 56,9% da riqueza da região. Os 20% mais pobres, por sua vez,
recebem apenas 3,5% da renda, o que faz da América Latina a região mais
desigual do mundo. "O país com menor desigualdade de renda na América
Latina é mais desigual do que qualquer país da OCDE [Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico] e inclusive do que qualquer país
do Leste Europeu" atesta o relatório.
O México é o segundo país mais desigual da América Latina, já que os
10% mais ricos da população recebem 42,2% da renda, enquanto os 10% mais
pobres ficam com apenas 1,3%. Na Argentina, situada em terceiro lugar, 41,7%
da renda está concentrada nas mãos dos 10% mais ricos, enquanto os 10% mais
pobres têm apenas 1,1%. A Venezuela é o quarto país mais desigual da região, já
que os 10% mais ricos têm 36,8% da renda e os 30% mais ricos controlam 65,1%
dos recursos, enquanto os 10% mais pobres sobrevivem com apenas 0,9% da
riqueza.
No caso da Colômbia, 49,1% da renda do país vai parar no bolso dos 10%
mais ricos, contra 0,9% que fica do lado dos mais pobres. No Chile, 42,5% da
renda local está concentrada nas mãos dos 10% mais ricos, enquanto 1,5% dos
recursos vai para os mais pobres. Os países menos desiguais da região são
Nicarágua, Panamá e Paraguai. Mesmo assim, nos três, a disparidade entre ricos
e pobres continua abissal, já que os 10% mais ricos consomem mais de 40% dos
recursos. Também consta no referido relatório que a urbanização não
contribuiu para diminuir a pobreza na América Latina, já que o número de
pessoas na miséria aumentou muito nas últimas décadas, basicamente a partir
de 1970. Justamente em 1970, havia 41 milhões de pobres nas cidades da
região da América Latina - 25% da população de 40 anos passados. Em 2007, a
pobreza aumentou em 4%, considerando os dados de 1970: os pobres em áreas
urbanas eram 127 milhões, portanto, 29% da população urbana.
No entanto, a “ONU-Habitat” alertou no relatório que "é nas cidades
menores e, certamente, nas áreas rurais da América Latina, onde a população é
mais pobre". Assim, a pobreza rural no Brasil alcança 50,1% da população; na
Colômbia, 50,5%; no México, 40,1%; e, no Peru, 69,3%. A grande exceção é o
Chile, com um índice de pobreza rural de 12,3% - número inferior inclusive ao
das zonas urbanas.
Mais números dessa desigualdade: em 2004, cerca de 980 milhões de
pessoas viviam com menos de um dólar por dia nos países em desenvolvimento.
Dados do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento)
mostram que as taxas de mortalidade de bebês e crianças até cinco anos caíram
em todo o mundo, mas o progresso foi muito desigual. Quase 11 milhões de
crianças ao redor do mundo ainda morrem todos os anos antes de completar
cinco anos. A maioria dessas mortes decorre por doenças evitáveis ou tratáveis:
doenças respiratórias, diarréia, sarampo e malária.
O fato mais triste é que todos os dias 6,8 mil pessoas são infectadas pelo
vírus HIV e 5,7 mil morrem em conseqüência da AIDS - a maioria por falta de
prevenção e tratamento. De um tratamento, por sinal, que não é muito
custoso. No entanto, os países pobres (os que mais sofrem as chagas da
desigualdade) continuam pagando a cada dia o equivalente a US$ 100 milhões
em serviço da dívida para os países ricos.
Conquanto, uma vez especificado onde estão e quantos são os pobres de
nossa região, cabe retomar ao ponto em que anteriormente focalizamos a
ciência econômica como parâmetro de análise um tanto quanto inconsistente
no ato de atenuar os focos dessa desigualdade. Há um conceito dominante nas
ciências econômicas de que riqueza e pobreza devam ser medidas pelo mesmo
padrão, ou seja: o produto interno bruto (PIB) e sua conseqüente renda per
capita.
É fundamental, contudo, que se tenha a lucidez conceitual para verificar
que crescimento econômico (elevação do PIB) não significa queda da pobreza,
até mesmo porque o PIB, visto como forma de medir riqueza trata-se, na
essência, de um ledo engano.
Uma vez mais queremos contextualizar aqui a idéia que dá conta que
crescimento da economia (elevação do produto) não representa (nunca
representou) melhora na qualidade de vida das pessoas. É certo que não se
acaba com a pobreza crônica gerando apenas empregos e fazendo com que o
produto interno se expanda. Pobreza, entendida nos termos da depreciação de
vidas humanas, se acaba, por exemplo, a partir da melhoria substancial nos
sistemas de saúde pública. Acaba-se com a pobreza crônica quando a educação
é tratada com qualidade, para, assim, poder-se oferecer educação com
qualidade. Índices de pobreza (tanto crônica quanto relativa) reduzem-se
melhorando, substancialmente, as condições de higiene e alimentando melhor
os
mais
pobres;
portanto,
atenuar
os
índices
de
pobreza
passa,
indiscutivelmente, ao proporcionar aos mais necessitados as necessárias
condições básicas que conduz, na prática, ao bem-estar social.
Dito isso, faz-se producente afirmar que o padrão de crescimento
econômico das sociedades modernas não pode ser praticado nos termos que
ora temos presenciado, ou seja, sob uma plataforma socialmente perversa. O
espetacular crescimento econômico das economias modernas a partir de 1945
tem se dado, por exemplo, sobre o conflito com o meio ambiente e num total
desrespeito às condições de vida. O progresso técnico-econômico verificado
desde o início do forte crescimento das economias não foi acompanhado de
crescimento social. É preciso, todavia, lançar-se um novo olhar para além desse
crescimento. Essa atitude, de fazer crescer a economia sem a contrapartida de
avançar a questão social, apenas contribui, sobremaneira, para o total
desrespeito ao indivíduo, que se vê privado de obter condições dignas de
trabalho e, por conseqüência, se vê cada vez mais longe do acesso às
possibilidades de melhoria do seu padrão de vida. Toda vez que esse indivíduo é
colocado à margem dos benefícios, mais distante fica do acesso aos bens
necessários. Assim, a economia contribui apenas para obstaculizar uma melhora
na vida daqueles que tanto carecem, ao passo que esse sistema econômico
continua, a bel-prazer de alguns poucos ganhadores, privilegiando somente
esses que se encontram nos patamares mais elevados da escala social. O
crescimento da riqueza, portanto, não faz gerar a diminuição da pobreza.
As palavras do economista indiano Amartya Sen são exemplares a esse
respeito: “Não se deve olhar o progresso de uma economia verificando o
aumento da riqueza dos que já são ricos, mas na diminuição da pobreza
daqueles que são muito pobres”.
A saída pode estar na prática da economia solidária
Conquanto, se realmente desejamos ver edificada uma sociedade melhor
do ponto de vista social, inequivocamente outro modelo econômico precisa ser
posto à serviço das comunidades mais carentes. Esse outro modelo econômico
pode ser a economia solidária.
O modelo de economia solidária que queremos ver ganhar dimensão
respeita, antes de tudo, a geração presente, priorizando, valorizando e
enaltecendo o ser humano, em lugar de centralizar esforços para a acumulação
de capital. Esse novo modelo econômico, solidário e participativo, mais ético e
menos mercantil, precisa emergir para assim criar todas as condições
necessárias a fim de diminuir a abissal lacuna existente entre o modo de viver
dos mais ricos em relação aos mais pobres.
Lembremos, nesse pormenor, que habitamos um mundo em que vinte
por cento da Humanidade não hesita em gastar três dólares por dia num
simples cappuccino; enquanto, no outro extremo da vida, quase 40% da
população mundial “tenta” (sobre) viver com menos de dois dólares por dia.
Habitamos um mundo em que para manter uma vaca em pé na Europa central
são gastos quatro dólares por animal a cada dia.
No entanto, por não receber nem mesmo dois dólares (menos da metade
que uma vaca “recebe” em forma de subsídio) por dia, 3 milhões de pessoas –
pobres, famintas e enfermas - morrem por causa de malária todos os anos na
África subsaariana.
Não é por outra razão então que a cada semana, a pobreza e suas
“conseqüências” matam, somente no continente africano, o mesmo número de
pessoas que foram dizimadas pelo tsunami que atingiu o sudeste asiático alguns
anos atrás.
Ou mudamos radicalmente essa história perversa ou continuaremos a
andar na contramão das condições que estabelecem as relações que moldam a
vida. A vida não nos foi dada para que tratássemo-la com menoscabo. A vida
nos foi oferecida para promovermos o bem-viver e o viver bem. Cabe a nós – a
todos nós – que escapamos da pobreza e da fome, juntarmos forças para a
construção da paz duradoura num mundo em que, pelo menos, não haja a
sandice da fome, uma vez que os alimentos são produzidos em excesso e, em
muitos lugares, chegam até mesmo a estragar e apodrecer em silos. Ao final,
desejamos aqui reiterar as palavras de Frei Betto: “Ter escapado da pobreza não
é prêmio, é responsabilidade para com aqueles que não tiveram igual sorte”.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor universitário.
Mestre pela Universidade de São Paulo (USP) em Integração da América Latina, é especialista
em Política Internacional (FESP). Possui curso de especialização pela Universidade de La
Habana (Cuba).
Autor dos livros “Conversando sobre Economia” e “Pensando como um Economista”.
Articulista do Portal Ecodebate, do site “OEconomista” e da Agência Zwela de Notícias
(Angola).
Contato: [email protected]
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