Uma entrevista-bomba

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Uma entrevista-bomba
Corre pela internet uma entrevista dada pelo Marcola, líder da organização
criminosa PCC. Não sei se é verdadeira. Mas mesmo se não for quem a criou encontrou
um meio instigante de chamar a atenção do país para o grave problema dos grandes
centros urbanos. É uma aula sobre o Brasil real. Associado a filmes como Cidade de
Deus, Cidade dos Homens e Tropa de Elite a suposta entrevista vai na jugular do
problema.
O título da matéria já é uma pancada: “estamos todos no inferno”. O Marcola, um
cara com inteligência acima da média, diz que antes era fácil diagnosticar e resolver o
problema da miséria. Cita a migração, educação e renda. Não se fez nada. Ela cresceu.
Que os pobres só apareciam nos noticiários sobre desabamentos. Eram “invisíveis”,
nunca eram olhados. Apareciam também em músicas que cantavam as “belezas” dos
morros e das favelas.
Ele diz que não há mais solução para o enorme imbróglio social das favelas.
Somente no Rio são 560 favelas. Seriam necessários bilhões de reais para resolver a
situação. Somente um governo sério, tocado por “um tirano esclarecido” para passar por
cima da burocracia do Legislativo e do Judiciário “que impede punições”. Que mesmo
assim haveria roubo de parte do dinheiro para ser investido nas favelas.
O Exército poderia ajudar? Ele responde que a corporação não tem dinheiro nem
para o rancho dos recrutas. Fala ainda que deveria funcionar um serviço de inteligência
entre as policias e haver uma reforma radical nas leis penais e na educação.
Tudo isso, porém, implica em mudanças no comportamento do país. E que isso não
ocorreria nunca. Diz que eles resolvem os problemas de forma rápida. Que o mundo cá
de fora é lento e burocrático. Que eles lutam em terreno próprio e o outro lado em terra
estranha.
Ele vai em frente em sua fala. Diz que pode mandar matar os daqui de fora, isso
gera medo. Que teriam mais de 100 mil homens-bombas. Que temos medo da morte.
Que ela para nós é um drama cristão. Não é o caso deles, pela própria vida que levam. É
somente mais um presunto. Diz ainda que os intelectuais pregavam que o povo fosse
marginal, fosse herói. Cumpriram o pedido.
Há, segundo ele, um mundo de brasileiros criados na lama, analfabetos e
diplomados na cadeia. Ele chama isso de a “nova cultura” ou a da pós-miséria. Diz ainda
que são “formigas devoradoras, escondidas nas brechas, no ataque e vocês na
defensiva”. Acabar com eles? “Só bomba atômica nas favelas”.
Ao ser perguntado o que mudou na periferia para ela está tão indócil. “Grana”,
responde As drogas consumidas por quem tem dinheiro é que sustenta a luta deles. Que
o mundo daqui de fora é freguês e até “fazemos vocês de palhaços”. Diz ainda que isso é
uma “mina de ouro que policial nenhum vai queimar”.
Que a grana e o tráfico os transformaram em globais, nós somos ainda
provincianos. Ele diz que são ajudados pelos favelados por amor e ódio. Que os de cá de
fora são odiados por eles.
Na suposta entrevista o jornalista insiste com a questão de como resolver a situação.
Marcola rebate outra vez que não tem jeito. Que o país está quebrado, paga juros de 20%
ao ano e, mostrando está por dentro das notícias, diz ainda que “o Lula aumentou os
gastos públicos e empregou 40 mil picaretas”.
Diz ainda que o Brasil é uma coisa insolúvel, “uma merda e estamos dentro dela”.
Que eles nasceram e vivem dessa situação. E arremata, “não há solução porque vocês
não entendem o tamanho do problema. Percam todas as esperanças”.
Não sei, repito, se a entrevista é verdadeira ou se foi inteligentemente montada por
alguém como uma estratégia para chamar a atenção do Brasil para uma bomba quase
atômica que existe nos grandes centros urbanos. Dá até um frio na espinha para o
tamanho da encrenca que o país um dia vai ter que enfrentar.
Alfredo da Mota Menezes escreve em A Gazeta. E-mail : [email protected]
Novembro 2007
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