Anísio Teixeira e a revolução dentro da implementação da Universidade do Distrito Federal. ordem na Rachel Aguiar Estevam do Carmo. Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Professora da Rede Municipal de Niterói. Email: [email protected] 1- Introdução: O presente artigo analisa, brevemente, a história do Brasil nos anos de 1930. Escolhemos começar por 1870 pelo fato de que as grandes remessas de capital produzirem também a exportação de uma determinada sociabilidade, tendo a educação um papel central na conformação dessa nova sociabilidade nos países não-capitalistas. A intenção do artigo é compreender o pensamento educacional de Anísio Teixeira para o ensino superior nos anos de 1930 no Brasil. Utilizamos como interlocutores Lênin, Luxemburgo e Trotsky para caracterizar que a fase imperialista do capital – de origem nos países centrais do capitalismo – trouxe para os países coloniais uma nova forma de sociabilidade, visto nos aspectos sócio-político-econômicos e culturais. A força como o imperialismo penetrou no Brasil representa um viés constitutivo da chamada dupla articulação, conceito usado por Fernandes (1975) para designar a forma que os países subordinados a ordem central capitalista articulam dominação interna compósita. A dupla articulação constitui-se: [...] internamente, através da articulação do setor arcaico ao setor moderno ou urbano comercial; externamente, através da articulação do complexo econômico agrário-exportador às economias capitalistas centrais1. A influência do imperialismo no Brasil incidiu no surgimento do padrão compósito de hegemonia burguesa, favorecendo uma nova forma de organização social, repercutindo, portanto em organizações de ensino até então inexistentes. Padrão compósito de hegemonia burguesa seria, para Fernandes (1975), uma forma de organização por meio da qual a classe dominante mantém-se no poder, combinando as frações arcaicas com o imperialismo. A complexidade das relações intra-classe em um país capitalista dependente é percebida na obra de Fernandes em análises complexas e com infinitos desdobramentos de estudo. 1 Ibidem. p. 241. 1 A importância desse debate para entender o pensamento educacional de Teixeira, para o ensino superior, está exatamente na forma pela qual a organização sócio-política brasileira se configurou a ponto de existir a relação mútua entre o moderno e o arcaico. Tal forma de sociabilidade, recente no país, gerou críticas profundas manifestadas nas obras de Teixeira e a sua resposta a este padrão foi justamente a necessidade de transformar o país em um ritmo de desenvolvimento ascendente para o capital, o que o fez criar a Universidade do Distrito Federal projeto no qual visava à formação de cientistas brasileiros. A proposta anisiana está imersa nas configurações da realidade histórica no Brasil, por isso, compreender qual é a realidade brasileira nos anos de 1930 é central para entendermos o papel sócio-político de Anísio Teixeira. A interlocução com Florestan Fernandes na compreensão histórico-sociológica da realidade brasileira nos faz necessária pela instigante e ousada interpretação acerca da inserção dos países subordinados à ordem capitalista. No primeiro momento, faz-se necessário introduzir na pesquisa o debate que está na obra do sociólogo, representando um dos núcleos centrais do artigo: revolução dentro da ordem e revolução contra a ordem. 2- Introduzindo o debate: revolução dentro da ordem e revolução contra a ordem. O debate acerca da revolução dentro da ordem e da revolução contra a ordem tem origem nas pesquisas produzidas por Florestan Fernandes, com o intuito de entender a situação na qual se encontrava a classe trabalhadora no Brasil nos marcos do capitalismo dependente. O processo contra-revolucionário da burguesia é um elemento central para compreendermos o mecanismo da luta de classe nos países capitalistas dependentes. O conceito de contra-revolução burguesa é entendido pelos marxistas como o papel revolucionário da burguesia, no momento da tomada do poder político, superando, com isso a ordem medieval, porém a burguesia transforma-se em contrarevolucionária, pelo fato de reproduzir as estruturas de exploração e dominação, determinando a cada crise novos padrões de sociabilidade. (Lima, 2005). Fernandes apropria-se desse conceito e o utiliza para compreender a posição contra-revolucionária da burguesia em países capitalistas dependentes. A relevante releitura de Lima (2005) acerca dos conceitos de Fernandes sobre o papel contra-revolucionário da burguesia e a função política da revolução dentro da 2 ordem e contra a ordem será exposta no nosso trabalho com o intuito de apresentarmos as diferentes visões que permeiam o tema. Florestan Fernandes em seu livro Brasil: em compasso de espera (1980) criou os conceitos revolução dentro da ordem e revolução contra a ordem para designar o movimento de organização e de insurreição da classe trabalhadora contra dois momentos da história brasileira: um momento seria o rompimento com a forma compósita da organização da classe dominante brasileira. A gênese da burguesia brasileira deve ser concebido a partir do que Fernandes denomina de congérie social, impulsionado pelas transformações advindas da fase imperialista do capital. Todavia, não foi o suficiente para que a tomada do poder pela burguesa ocorresse de forma a liquidar o sistema que regia o país; agrário-exportador. A burguesia surge no Brasil o suficiente para assumir sua posição perante o sistema capitalista com a participação ativa das elites que compuseram o sistema anterior e não como uma classe revolucionária que transformasse a realidade agrária em urbano-industrial, relatados nos exemplos franceses e ingleses. O capitalismo torna-se dependente no Brasil e se constitui por meio da dupla articulação com as estruturas internas dominantes no país e com os países centrais capitalistas, no atual contexto da fase imperialista do capital. Tal realidade revela um Brasil entrelaçado com o novo e com o velho manifestando o fenômeno social que nas palavras de Fernandes foi denominado como arcaização do moderno e modernização do arcaico (1981). Essa realidade provoca uma atrofia cultural e uma dificuldade em implementar modernizações radicais no sistema sócio-político-econômico e cultural brasileiro. Tudo isso pela vinculação da burguesia com as estruturas sociais dominantes anteriores à implantação do sistema burguês. O segundo momento seria a ruptura com o sistema capitalista e a implantação do sistema socialista. Fernandes apropria-se das teses marxistas, sobretudo as teses leninistas e trotskistas sobre revolução socialista para elaborar suas análises. Sua releitura das teses dá origem a um plano revolucionário chamado de “política revolucionária2” (FERNANDES, 1980, p. 25). A política revolucionária, acreditamos, está contida em todas as obras do autor relacionadas à organização da classe trabalhadora e nos estudos sociológicos do Brasil, especialmente nas obras Revolução Burguesa no Brasil, Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América Latina e Podemos encontrar também no livro de Fernandes o termo “política revolucionária socialista” (Idem, p.25) 2 3 Subdesenvolvimento e Classes Sociais. A posição de classe na qual se encontrava Fernandes o fez elaborar obras elucidativas acerca dos seguintes temas: Caráter da classe dominante brasileira especialmente o lugar da burguesia no contexto sócio-político-econômico brasileiro, Capitalismo Dependente; Organização da classe trabalhadora. Sua visão marxista permitia revelar a contradição da sociedade capitalista e o nível da luta de classe no qual se encontravam a burguesia e o proletariado brasileiro. Esses três elementos gerais compõem o conjunto teórico da fundamentação da “política revolucionária” elaborada por Fernandes. A grande característica da política revolucionária que engloba a revolução dentro da ordem e a revolução contra a ordem está na principal tese que fundamenta os conceitos revolução dentro e contra a ordem: a tese marxista da imprevisibilidade histórica. Fernandes na obra Brasil: em compasso de espera (1980) procura estabelecer um panorama da política brasileira pós-ditadura civil-militar, questionando seu discurso democrático e apontando para a classe trabalhadora os enganos e fracassos que tal discurso pode causar na luta por uma sociedade socialista. O objetivo do autor é analisar o “refluxo da contra-revolução”, nos marcos do capitalismo dependente, realizando, com isso, um desdobramento singular de análise. Fernandes considera que “os riscos que levaram à contra-revolução não ensinaram nada a essa burguesia, que se mantém impavidamente cega diante da necessidade de optar ou destruir-se” (FERNANDES, 1980, p.1). Para o sociólogo, a burguesia não propõe nem revolução nacional nem revolução democrática. As “vantagens relativas” da associação com as nações capitalistas centrais são vitais para a manutenção do padrão compósito e para o andamento da contra-revolução. “Todas as vezes que as elites se viram na necessidade de criar, elas se retraíram e confundiram seus interesses particulares e imediatos com os interesses da nação e do futuro”3. Fernandes defende que devemos repelir o suposto espírito de conciliação e de reforma, cabendo romper com o “egoísmo exorbitante que nos levou ao beco sem saída do capitalismo dependente”. No entanto, o impasse do poder burguês aniquilou uma saída nacionalista e democrática e também impediu uma saída socialista4. 3 4 Ibidem. Ibidem, p.2 4 Fernandes afirma que as nações socialistas não podem exportar e universalizar a mudança social revolucionária. Elas só podem ajudar as nações da periferia que evoluem de modo consistente e irreversível, por suas condições e recursos internos, naquela direção5. A estratégia socialista de reflexão e de ação política exige duas investidas: A análise objetiva da situação atual6. Uma análise objetiva das perspectivas da revolução nacional e democrática em uma conjuntura de curto prazo7. O sociólogo faz um balanço de que as classes trabalhadoras não possuem, no momento, condições objetivas e subjetivas para provocar uma mobilização revolucionária contra a ordem existente. No entanto, Fernandes atenta que é crucial e urgente escolher rumos políticos que não fiquem presos apenas à questão da democracia, mas que levem em conta, também, as tarefas políticas que as classes trabalhadoras podem conquistar para si e, principalmente, se já não chegou o momento de uma luta política mais profunda pela autonomia do movimento operário através de palavras de ordem especificamente socialistas. O autor alerta para a dispersão das questões teóricas e práticas tratadas e que exigem uma complementação dialética, que nem sempre é visível, tendo como pauta os seguintes temas: Uma avaliação política socialista das marchas e contramarchas do regime ditatorial vigente. Um balanço sumário da viabilidade e conseqüências de uma maior impregnação do movimento sindical e operário pelo socialismo. Um questionamento socialista do “problema da democracia”, tão mal colocado quando se fica dentro dos parâmetros de uma burguesia que não pode abrir a democracia sem destruir-se8. Fernandes (1980) afirma que o desgaste político que a contra-revolução provocou na sociedade causou nos estrategistas do sistema a planejarem o que denominou de “reconversão à normalidade”, chegando a estabelecer qual deveria ser a normalidade. 5 Idem Idem, p.6 7 Ibidem, p.7. 8 Idem, 1980, p.7 6 5 Nas análises de Fernandes, os estratos dominantes da classe burguesa fazem alianças especialmente com o proletariado, com o objetivo de manter o sistema capitalista sob controle e produzindo o rendimento político máximo9. A burguesia, afirma o sociólogo, só poderá reabrir a ordem à luta de classes, depois de ter estabelecido novos controles econômicos, sociais e políticos, que impeçam o esfacelamento do seu poder de classe, levando a uma democracia burguesa que submete a luta de classes ao controle direto e indireto burguês. Essa realidade mostra o lado pernicioso das ilusões constitucionais. Elas “brecam” as lutas de classes e a concretização das tarefas políticas das classes trabalhadoras, de uma perspectiva socialista revolucionária. E aonde repousa o interesse político especificamente socialista desta discussão? Fernandes aponta dois pontos importantes: O primeiro ponto é o significado da democracia burguesa: como forma política da república democrática, “uma ditadura de classe dissimulada com fundamento na repressão, na divisão de poderes e nos direitos fundamentais dos cidadãos; como forma política dos regimes burgueses de exceção. Essa democracia burguesa sempre foi restrita (...) e a nossa esquerda absorveu uma tradição cultural nociva: a de esperar que as frações internas da burguesia e as contradições do sistema produzam frutos democráticos de modo automático. (...) Os socialistas não podem, portanto, ao atacar o regime ditatorial vigente e ao defender a democracia, ficar cegos diante da realidade ou paralisados por falsas palavras de ordem burguesas”10. O segundo ponto é ainda mais importante. As elites das classes burguesas procuraram impedir, enquanto puderam a mobilização política dos trabalhadores e das massas populares. A ditadura foi “o tampão que paralisou esse processo”. O que nos interessa no momento é o significado estratégico dessa política burguesa, que é: a. Deprimir os ritmos e as potencialidades do processo contraposto, o do fluxo da revolução; b. Imantar o radicalismo burguês e o inconformismo operário pela lealdade aos princípios da ordem, pela 9 Ibidem Ibidem, pp. 14-15 10 6 crença de que a república democrática trará todas as soluções, a superação de todas as misérias e a eliminação gradual, mas certa de todas as iniqüidades11. Segundo Fernandes, a condição social a qual a classe trabalhadora e o setor de ponta do proletariado se encontram seria a grande redução exercida pelo sistema capitalista. A grande marginalização fruto da exclusão dos membros das classes despossuídas provoca o isolamento de classe e facilitam o “esmagamento calculado das vanguardas operárias, do movimento sindical e das tentativas mais arrojadas de organização do conflito de classe12”. A grande questão para os trabalhadores não é a luta pela democracia, mas sim pela “conquista das precondições que tornam a democracia possível”. Para Fernandes, a classe trabalhadora permanece no ponto zero ou próximo desse limite no que tange a luta de classes. O nível da luta de classe não só ocorre no plano político. Mas quando ocorre é o primeiro “patamar” da idéia do proletariado na condição de “classe em si” e para o avanço da consciência de “classe para si”. Essa deveria ser a luta do proletariado brasileiro: buscar o plano político da consciência da luta de classes. Com isso, reduzirse-ia o despotismo burguês (plano privado) e a “monopolização do poder político e do controle sobre o aparato estatal” (plano público). O proletariado (brasileiro) perde a oportunidade histórica de “desencadear a necessária consciência de classe revolucionária”, devido à fragilidade “das bases perceptivas e cognitivas do comportamento coletivo de classe” e da solidariedade de classe13. A perda dessa oportunidade histórica não propicia a tensão às condições objetivas para a luta de classe e reduz as formas de consciência de classe proletária, abrindo margem para a classe dominante usar o despotismo burguês contra toda a nação especialmente contra o proletariado. Despotismo burguês, para Fernandes, é uma variável histórica. No que se refere à situação dos países capitalistas dependentes, o imperialismo dita os dinamismos internos de auto-afirmação da classe dominante. Nesse sentido, a burguesia local, a partir do momento do pacto com a burguesia internacional não aprofunda a sua consciência de classe em “si e para si”, impedindo também o aprofundamento de consciência da classe proletária. A burguesia usa dessa debilidade para proteger-se de dois fatores: 11 Ibidem. Idem., 1980, p.18 13 Ibidem. 12 7 Reduz o espaço político das classes trabalhadoras; As burguesias centrais fortalecem a dominação de classe e as estruturas de poder das burguesias nativas, fragilizando, ao mesmo tempo, o poder da classe trabalhadora.14 A classe trabalhadora precisa adquirir consciência de classe: Primeiro saber quais as articulações que entorpecem a revolução nacional e a revolução democrática dentro e através do capitalismo; Segundo, organizar-se como e enquanto classe. Para Fernandes, depois da segunda guerra em que há consolidação do imperialismo e do capitalismo monopolista, o proletariado tem a incumbência de acumular forças revolucionárias para transformar algo que deveria ser a burguesia a grande protagonista do processo, fato que ocorreu nas clássicas revoluções na França e na Inglaterra. A burguesia da “periferia” esvazia a ordem social competitiva exatamente para não conduzir o seu papel histórico revolucionário. Nesse sentido, o proletariado tem a tarefa de realizar a revolução para [...] impedir a deterioração do sistema capitalista de poder e cortar o caminho das forças conservadoras e contra-revolucionárias, que implantam e fortalecem uma ampla conexão fascista no coração e nos nervos do estado capitalista15. Consciência de classe nas sociedades periféricas exige um nível de abstração que vai além da realidade empírica, ou seja, que vai além “do imediatismo ou particularismo de classe”. Como, então, provocar a consciência de classe? “Como no passado remoto ou recente, elas devem sair das condições de vida e de luta que são fomentadas e impostas pela situação de classe dos trabalhadores”16. De nada adianta o socialismo de conciliação de classe, puramente reformista: “Somente o socialismo revolucionário responde às exigências da situação histórica, o que conferiu ao marxismo a incrível e inesperada importância que ele ganhou em escala mundial”17. A classe trabalhadora precisa saber quais são as duas revoluções – dentro da ordem e contra a ordem – que devem ser realizadas e que tal classe tem o engajamento objetivo para lutar pelas duas18. 14 Idem, p.20 15 Idem, p.22. 16 Idem, p.23 Idem, ibidem 18 Idem, p.24 17 8 A revolução dentro da ordem, considera Fernandes, não significa um pacto com “os patronos do nacionalismo, da democracia”19. Só se realiza uma revolução (dentro e contra a ordem) quando há [...] uma consciência rigorosa da relação entre os meios e permitirá estabelecer uma tática que não leve ao isolamento classes trabalhadoras e que proteja, ao mesmo tempo, eufeudamento aos interesses econômicos, sociais, e políticos classes dominantes20. fins das do das E ainda indaga: “O que representa a luta de classes para o proletariado?” Essa questão deve atravessar todo o percurso em busca da efetivação das duas revoluções. O proletariado “precisa preparar-se para enfrentar suas tarefas políticas diante das duas revoluções e não condenar-se a uma paralisia permanente [...]21”. A grande questão é a necessidade de difundir “a doutrina socialista entre os trabalhadores, do campo, da cidade, dentro do movimento sindical e entre todos os operários22”. O que não pode ser difundido são as duas variantes do socialismo: a pequeno-burguesa e a burguesa. Outra grande questão é a ocupação do poder do Estado pelos setores revolucionários, “como se a esquerda devesse ser um órgão ou uma função do estado capitalista23”. Na etapa de implantação do socialismo deve haver uma “socialização socialista dos quadros das bases e das massas24”. Não se pode começar no primeiro momento a partir de setores da esquerda no poder. Isso seria começar pelo fim é nesse sentido não possuir fim algum25, na perspectiva do proletariado. A busca pelo socialismo é diária e “travada sempre dentro e através da identidade do proletariado com caráter socialista de sua afirmação como classe.26” 3- A imprevisibilidade histórica na revolução dentro da ordem: Fernandes apropria-se das fundamentações de Marx27 ao elaborar sua visão acerca da revolução e da história no Brasil. Vimos que a estratégia da política revolucionária – socialista – requer uma revolução dentro da ordem e uma contra a 19 Idem, 1980. 20 Id. op.cit. 21 Ibidem. Ibidem, p.25 23 Ibidem. 24 Ibidem. 25 Ibidem. 26 Ibidem. 27 As teses sobre história em Marx encontram-se nos livros: Ideologia Alemã, o Capital e Manuscritos Econômicos e Filosóficos. 22 9 ordem (não como uma lógica “etapista”) por acreditar que o padrão compósito de hegemonia burguesa trava as potencialidades de mudanças democráticas. A imprevisibilidade histórica é a chave para compreendermos que a revolução dentro da ordem pode acontecer ou não no momento em que a classe trabalhadora (amadurecida e consciente de suas tarefas) se opuser contra a autocracia-burguesa brasileira. De acordo com Bensaïd (1999), Marx desconstrói a idéia de História universal, pois acredita que a realidade oportuniza uma variabilidade de desenvolvimentos possíveis (BENSAÏD, 1999). Em outras palavras, a história universal crê na ordem cronológica linear, na causalidade seguida da conseqüência, sendo esses elementos as bases constitutivas da teoria. Contudo, Marx acredita que a história seria uma multiplicidade de eventos sociais potencialmente concretizados, seja por circunstâncias pensadas pelos seres humanos – teleológico – seja pela força das condições sociais objetivas. Lessa (2009) considera com base em Lukács que a grande descoberta de Marx seria: [...] uma nova, revolucionária e inovadora concepção da relação entre essência, fenômeno e continuidade – fundamentalmente para o mundo dos homens, mas também com ressonâncias e indicações decisivas para a esfera da natureza. Seria de Marx a descoberta da substância como radicalmente histórica –- a historicidade passa a ser a categoria ontológica decisiva. Com isso, a substância humana, particularizada e generalizada pela evolução das formações sociais ao longo do tempo, passa a ser fruto exclusivo da síntese, em tendências históricas genéricas, da ação dos indivíduos concretos, historicamente determinados. O caráter revolucionário do pensamento marxiano se afirmaria, antes de tudo, por esse reconhecimento de que os homens são os únicos e exclusivos demiurgos de sua história; os únicos responsáveis pelo seu destino (LESSA, 2009, p. 2) As afirmações de Lessa, apoiando-se em Luckács, são centrais para balizarmos a revolução dentro da ordem como um instrumento de luta da classe trabalhadora. A história para Marx não é vista em etapas por meio do progresso e desenvolvimento. Como nos alerta Bensaïd (2009), a idéia de progresso em Marx é relativa e depende da configuração das classes sociais, sobretudo do papel da classe trabalhadora. Como nos lembra o autor, Marx acreditava que de nada adiantaria a Inglaterra levar progresso para as suas colônias “se a humanidade não vier a revolucionar as relações sociais na Ásia”, por exemplo. O papel político da classe trabalhadora é central para organizar a revolução socialista. 10 Bensaïd afirma que a revolução é um sinal “daquilo que a humanidade pode historicamente28 resolver”29 e prossegue Na incorforme conformidade da época, elas – revoluções – são um poder e uma virtualidade do presente, simultaneamente de seu tempo e a contratempo, muito cedo e muito tarde, entre já mais e não ainda. Um talvez cuja última palavra não está dita.30 A citação acima representa um exemplo da revolução e seu caráter imprevisível. Isso não significa que a revolução por ser imprevisível é feita de forma aleatória. Pelo contrário. O preparo do proletariado deve ser denso, entendendo as contradições das relações sociais de produção com as forças produtivas e promovendo o debate para fomentar o espírito revolucionário. Um talvez cuja última palavra não está dita significa reafirmar não colocando um determinismo histórico, mas construí-la no tempo dialético e sob finalidades socialistas. O pensamento de Fernandes ao colocar a função da classe trabalhadora no país capitalista dependente afirma que O proletariado tem de avançar no sentido de saturar o vazio histórico resultante, não como ‘pilares da ordem social competitiva’ ou ‘campeões do liberalismo’: não se trata apenas de defender ou de lançar para frente a democracia burguesa. Trata-se de impedir a deterioração do sistema capitalista de poder e cortar o caminho das forças conservadoras e contra-revolucionárias, que implantam e fortalecem uma ampla conexão fascista no coração e nos nervos do estado capitalista (FERNANDES, 1980, p.22). A revolução dentro da ordem não significa pacto com a burguesia nem tampouco lutas temporariamente a favor do sistema capitalista. A revolução dentro da ordem seria um avanço para recuperar pautas31 necessárias para a transição socialista ocorrer de forma a satisfazer a totalidade da população. Tais pautas seriam implementadas ainda no regime burguês: Fortalecimento das instituições públicas sociais; Fortalecimento das políticas sociais; Fortalecimento da democracia com ampla participação popular Retrocesso gradativo da contra-revolução burguesa Ruptura da autocracia-burguesa; Fim do padrão compósito de hegemonia burguesa e da heteronomia cultural. 28 29 Grifo do autor. Idem, p.85. 30 Ibidem. 31 Grifo nosso. 11 Esses seis elementos designam a nossa visão acerca da necessidade da revolução dentro da ordem. Como nos lembra Fernandes, a revolução contra a ordem pode ocorrer sem a necessária premissa da revolução dentro da ordem “se as classes trabalhadoras, graças ao seu movimento político, forem bastante fortes para provocar o desmoronamento do capitalismo e a transição para o socialismo.”32 A ausência de premissa é o principal indicativo de que a revolução dentro da ordem não segue princípios etapistas nem deterministas para a sua existência e execução, porém não deixando de secundarizar sua importância histórica em um país capitalista dependente. O papel dentro da ordem não diz respeito ao proletário aburguesado. Acreditamos que a conscientização da revolução dentro da ordem é um movimento fundamental da noção da consciência em si33 da classe trabalhadora. A função política de tal movimento nos indica grandes desestruturações no padrão compósito de hegemonia burguesa. Fernandes tinha conhecimento da complexidade da revolução em um país que não realizou as transformações típicas para concretizar um sistema capitalista de fato. As estruturas de poder mudam da mesma maneira que o modo de ser, o comportamento da população também. A revolução dentro da ordem foi seguida, acreditamos, na condução de Anísio Teixeira nas políticas de educação superior e na sua luta pelo fim imediato do atraso no país. Mesmo que Teixeira não tenha sido um intelectual socialista, acreditamos que sua ousada conduta política contribui para o processo de “descoberta da classe trabalhadora” enquanto classe social. A imprevisibilidade histórica admite a luta pela transformação da história. A liberdade quanto ao momento de deferir a revolução rumo ao socialismo depende dos fatores já mencionados por Fernandes na presente pesquisa. Acreditamos que Teixeira tinha um conhecimento de que sua teoria iria contribuir para a “elevação cultural” da população, um nível de descoberta de si perante o todo, isso graças aos estudos e à universidade, por meio da qual a ciência e o conhecimento desinteressado proporcionariam um ambiente de estudo e de produção 32 Ibidem, p.25 Para o aprofundamento do fenômeno da consciência da classe trabalhadora ler: IASI, Mauro. O Dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência. São Paulo: Viramundo, 2002 33 12 capaz de se alastrar como um vento no meio social brasileiro. Tal investida circunscreve Teixeira como um relevante revolucionário dentro da ordem da história social do Brasil. 4- As bases da proposta de Anísio Teixeira para as universidades brasileiras: A criação da Universidade do Distrito Federal. Anísio Teixeira construiu sua trajetória de vida marcada pelos estudos dos fenômenos sociais. Essa história de vida34 é marcada por esforços para se tornar um relevante lutador e cientista da educação. Nesse sentido, Teixeira desenvolveu seus estudos, centrando-se principalmente na relação entre Educação e desenvolvimento social; Ciência e progresso; Estado e políticas sociais. Anísio Teixeira atribui à sociedade brasileira a ausência desses elementos articulados e a necessidade das frações dominantes sobreviverem por causa da manutenção do status quo. Tal ordem social se deve ao fato de os sujeitos políticos dominantes, especialmente a burguesia pactuar com a oligarquia agrária como estratégia de consolidação da ordem burguesa no Brasil. Analisamos no capítulo anterior, que o padrão compósito de hegemonia burguesa, consolidado a partir da revolução getulista criou mecanismos de dominação não somente em aspectos econômicos e políticos. Os aspectos denominados por Fernandes de psicossociais e culturais atuam para desmobilizar a população. Fernandes (1981) denominou de heteronomia cultural o fenômeno social que atua para neutralizar qualquer tipo de força social dentro da ordem e/ou contra a ordem capitalista, impedindo, com isso, que a luta de classe seja favorável à classe trabalhadora. A heteronomia, termo de origem weberiana, ajuda-nos a compreender o processo de controle social por meio da consciência. A forma de apaziguamento social, em decorrência da organização social estar de maneira compósita, favoreceu, ao processo de manutenção da ordem por meio das políticas sociais “atrasadas” a adequação à ordem. Teixeira (2007) afirmava que o grande problema educacional estava inscrito na ausência de espírito contemporâneo. Em uma passagem o autor provoca-nos a uma reflexão: Os grandes problemas humanos, que aliam à complexidade uma vasta e profunda importância na própria vida dos povos, sempre foram 34 Para maiores estudos sobre a trajetória da vida de Anísio Teixeira ler NUNES, Clarice. Anísio Teixeira: a poesia da ação. São Paulo: EDUSF, 2000. 13 perturbados em suas soluções pela emoção dos que deles esperam libertar-se com a impaciência irrefletida de uma ação tumultuária e cega. (TEIXEIRA, 2007, p.41). Anísio Teixeira traz a filosofia para o problema da educação brasileira afirmando que a educação nacional tem se fortalecido mais pelo “lado patriótico” do que pelo “lado lúcido” (TEIXEIRA, 2007), ou seja, estamos usando a emoção, o patriotismo, mais do que a razão, que seria a elaboração de sérias políticas educacionais a fim de desenvolver a sociedade, torná-la moderna nos moldes burgueses. Teixeira acreditava que o modo pelo qual estava sendo tratada a educação aumentava, sendo mais os problemas educacionais, trazendo inúmeras conseqüências concretas para o ensino de qualidade. Segundo o autor, uma das conseqüências seria a falta de liberdade ou de autonomia institucional. Para Teixeira, é essencial a liberdade de formar e de direcionar o pensamento humano e a educação seria o motor que permitiria a liberdade de conduzir e de pensar livremente. Essa idéia vai de encontro com as políticas sociais, especialmente as educacionais dirigidas pelos varguistas. A centralidade do governo federal é uma de suas fortes características, impondo uma direção na condução de um tipo de pensamento, aceito pelo grupo dominante. Essa forma de compreender as instituições educacionais tira a liberdade de pensar. Por isso é função do Estado para Teixeira: [...] manter os serviços educacionais, defendendo-os das influências imediatistas dos governos, ou da influência profunda de ideologias partidárias35. Preservar a autonomia institucional é tarefa do Estado, pois os governos direcionando a organização de maneira autocrática impedem que novas formas de gestão escolar possam ser desenvolvidas. Teixeira sabia que o problema educacional não estava na sua estrutura interna da educação, mas sim nas esferas sociais constitutivas de um Estado democrático como a esfera política, social e cultural. Teixeira, em se tratando de democracia brasileira, afirma que a democracia é um ensaio no país, tornando-se um êxito se for incentivada a execução de instituições sociais de forma perfeita e segura36, ou seja, se seguirem as diretrizes de uma sociedade burguesa moderna. A forma pela qual as políticas sociais, especialmente as educacionais, são denominadas pelo autor merece a nossa alusão. O “governo da educação” significa o 35 36 Idem, ibidem. Idem, ibidem. 14 debruçar de um governo, supervisionado pelo Estado, para a atuação de planos e projetos que consistem na qualidade do sistema educacional. É importante lembrar que a obra de Anísio Teixeira não deve ser vista compartimentalizada em níveis de ensino, mas sim pelo entendimento que a educação consegue potencializar o desenvolvimento da sociedade37, conforme a visão de Teixeira sobre desenvolvimento exposto na introdução do capítulo III. O governo da educação tem como objetivo somente a garantia de fomentar ainda mais o progresso social. Para isso, o Estado deve promover o governo da educação impedindo, protegendo e defendendo a escola “contra todo e qualquer predomínio exclusivista” (TEIXEIRA, 2007, p.57). A idéia de governo da educação é uma comprovação de que a análise educacional percorrida ao longo dos anos por Teixeira não é concebida de forma endógena, isto é, por dentro da estrutura do ensino. O movimento que o autor faz é o oposto, exógeno, aprecia os fenômenos sociais e insere a educação como uma das instituições sociais que necessita de total fiscalização e cuidado por parte do Estado e estando sempre aos cuidados dos governos, entendido o governo como um tempo histórico mais fugaz em comparação com a permanente estrutura do Estado. A liberdade de educação vem, portanto, para garantir o crescimento, visto como escala ascendente, ao máximo. Acreditamos que o almejo de Teixeira não era estar ao lado de países desenvolvidos, apesar de inspirar-se em toda a sua trajetória no desenvolvimento norte-americano. A sua perspectiva era do Brasil buscar logo “o seu caminho”, tentando institucionalizar as instituições e procurando desenvolver a reflexão e fornecer os altos estudos à toda a população. A proposta anisiana procura pautar-se na autonomia como um caminho para o desenvolvimento criativo e livre da ciência e da descoberta. E mais do que isso: a autonomia vinha da tentativa de deixar livre a criação de instituições capazes de formar com qualidade os estudantes e futuros profissionais. A autonomia ia de encontro com a proposta centralizadora das políticas educacionais varguistas. Um exemplo é a reforma Francisco Campos que por meio de um decreto institucionaliza as universidades brasileiras. Passemos a uma análise do referido projeto nos principais pontos que explicitam o caráter centralizador do documento. Francisco Campos, o elaborador da Reforma do Ensino Superior, trazia uma “dívida” quanto ao entrelaçamento que procurou ter com a Igreja antes da revolução 37 Não vemos na obra de Anísio Teixeira uma perspectiva redentora na educação. 15 varguista. Conforme vimos no capítulo anterior, Campos prometeu que o governo atenderia às exigências do movimento religioso, dando a sua palavra. Ao assumir a pasta de Educação e Saúde Pública Campos garantiu o pedido religioso. O autoritarismo de Campos, característica dada por autores como Antônio Paim (1982), ou mesmo a ambigüidade nas posições do ministro, como se refere Fávero (1980), significa a controvérsia da condução das políticas educacionais no país. Acreditamos que a posição tomada por Campos é pelo fato do acordo firmado entre os religiosos. O ministro precisou do apoio da Igreja, fragilizada na Primeira República, a fim de concretizar a Revolução de 1930. Por isso, a centralização e o limite de autonomia institucional serviram para conter qualquer manifestação ousada e criativa na gestão do ensino. Essas duas características – centralização e limite da autonomia institucional – significaram um controle que favorecia aos ideais católicos contra as posições revolucionarias dentro da ordem e, principalmente, as posições contra a ordem capitalista. O projeto para a Reforma do Ensino Superior elaborado por Campos, em abril de 1931, está dividido em três partes. A primeira é o documento Exposição de Motivos sobre a Reforma do Ensino Superior, a segunda parte trata da Reorganização da Universidade do Rio de Janeiro e por último é relativo à criação do Conselho Nacional de Educação. Analisamos no documento somente as duas primeiras partes que apresentam as características da centralização e do limite da autonomia institucional. Logo no segundo parágrafo da primeira parte do referido documento, o ministro afirma a busca pelo consenso entre os diferentes projetos em disputa: [...] de maneira a não determinar uma brusca ruptura com o presente, o que o38 tornaria de adaptação difícil ou improvável, diminuindo, assim, os benefícios que dele poderão resultar de modo imediato (CAMPOS, Francisco apud FÁVERO, 1980) Percebemos a difícil conciliação de projetos, principalmente entre as forças da ABE e do movimento religioso, tornando-as impossível de qualquer consenso. Por isso, Campos afirmava o “distanciamento parcial” do presente, isto é, a possibilidade de uma “ruptura com o presente”, significando o não atendimento das exigências feitas sobretudo pela ABE e ABC. Atender ao presente significava garantir um avanço perigoso para o governo, por conta da possível ruptura com o padrão compósito de hegemonia burguesa. Esse risco Campos não podia correr e, com isso, procurou 38 O ministro refere-se ao projeto para a Reforma do Ensino Superior. 16 conciliar as forças, tendendo mais para o conservadorismo do que ao possível progresso. Campos na primeira parte do documento cria regras para o sistema universitário. Percebemos que o padrão dependente de ensino superior, conforme analisa Fernandes identificando o atraso brasileiro no investimento em pesquisa e em ensino superior no Brasil dos anos de 1960, teve origem na forma como o sistema universitário foi criado. Por isso, defendemos que a Reforma Francisco Campos consolidou o padrão dependente de universidade por ter coadunado tal padrão à organização social conduzido pelas frações dominantes de forma compósita e subordinada à ordem mundial. O padrão dependente de universidade aparece no documento quando trata da autonomia integral e autonomia relativa nos aspectos didáticos e administrativos. Nas palavras de Campos a autonomia total seria [...], porém, de todo ponto inconveniente e mesmo contraproducente para o ensino, que de subido, por uma integral e repentina ruptura com o presente, se concedesse às Universidades ampla e plena autonomia didática e administrativa. Autonomia requer prática, experiência e critérios seguros de orientação. Ora, o regime universitário ainda se encontra entre nós na sua fase nascente, tentando os primeiros passos e fazendo os seus ensaios de adaptação. Seria de mau conselho que, nesse período inicial e ainda embrionário e rudimentar da organização universitária, se tentasse, com risco de graves danos para o ensino, o regime de autonomia integral39. Esse longo trecho nos permite entender a argumentação do governo varguista para qualquer manifestação contra a ordem ou mesmo dentro da ordem. O perigo, como dissemos, está na fragilidade em que se constituiu o regime burguês. O padrão compósito de hegemonia burguesa necessitava do passado, do regime anterior, escravocrata-colonial para a sua existência. Rompê-lo seria a execução da ordem social. Por isso, Campos impede que a autonomia integral valha juridicamente, alegando que o pais não estava preparado para tal fato. A ABE e a ABC, conforme mostramos, encamparam uma luta em defesa da universidade concebida como o lócus da ciência, o espaço eleito por unanimidade para a produção e formação da ciência e de cientistas no país. As associações afirmavam por meio de Inquéritos, como foi o caso da ABE ou por meio de textos e palestras como foi o caso da ABC que para que surja uma universidade de qualidade era necessário atender a todas as exigências da contemporaneidade. Abster-se disso seria manter o ensino frágil e disfuncional para o desenvolvimento da democracia capitalista. Anísio Teixeira foi um dos grandes defensores do ensino de 39 Idem, ibidem. 17 qualidade40 por meio do qual enfrentaria todas as exigências impostas pela realidade. Segundo Teixeira, “democracia sem educação e educação sem liberdade são antinomias, em teorias, que desfecham, na prática, em fracassos inevitáveis” (TEIXEIRA, 2007, p.59). Tal idéia converge com as posições de educadores e cientistas de que era necessário reformar para contemporaneizar o ensino com o objetivo tornar a sociedade democrática nos padrões burgueses, portanto, desenvolver a sociedade. Campos afirma que a reforma do ensino não deve estar totalmente abraçada com o presente dando uma resposta direta aos favoráveis à mudança educacional. Para Campos a autonomia vinha de forma processual com o passar do desenvolvimento do próprio espírito de universidade. Transcrevemos a sua argumentação: Este o motivo pelo qual o projeto preferiu a orientação prudente e segura da autonomia relativa41, destinada a exercer uma grande função educativa sobre o espírito universitário, que na sua prática adquirirá a experiência e o critério indispensáveis a uma autonomia mais ampla, seja no terreno administrativo, seja no domínio didático. Com a experiência poderá o quadro da autonomia ir se alargando de maneira gradual e progressiva até que, finalmente, com o desenvolvimento da capacidade e da envergadura do espírito universitário, este venha a reunir sob a sua autoridade todos os poderes do governo do grande agrupamento administrativo, técnico e didático que constitui a Universidade42. A justificativa explícita baseia-se na implantação da autonomia relativa como um mecanismo progressivo na administração universitária. Alcançando a maturidade, pois sua criação era recente, a universidade teria poderes maiores que na época de sua criação. Só que a justificativa implícita está no impedimento de qualquer criação de universidade que ferisse o limite imposto pelo governo Vargas. A autonomia integral nunca há de chegar pela via da gradualidade processual. A idéia era impedir o rompimento do padrão dependente de universidade por parte dos críticos e pesquisadores da educação. Destacamos a visão de Campos acerca do polêmico debate sobre o modelo a ser seguido da Universidade do Rio de Janeiro. A sua história, já mencionada no capítulo anterior, limitava-se nos cursos de Direito, Engenharia e Medicina. Segundo Campos, faltava dar à universidade um curso que voltasse para os estudos das artes em geral 40 Ensino escolar de qualidade para Teixeira seria a difusão do saber acumulado da humanidade a todas as camadas sociais do Brasil. 41 Grifos do autor. 42 Idem, ibidem. 18 “[...] indispensável e obrigatório complemento de toda a cultura, que não aspira a formar apenas valores de utilidade econômica, senão que tende a ser, pelo seu conteúdo e a sua extensão, um autêntico sistema de valores espirituais, na mais ampla latitude da expressão como deve ser o organismo universitário” (CAMPOS, apud FÁVERO, 1980) Por conta da ausência da arte o ministro agregou a Faculdade de Ciências, denominada por ele de Faculdade de Educação, Ciências e Letras e ainda A Escola de Belas Artes e o Instituto de Música43. Campos centraliza a identidade da universidade na Faculdade de Educação, Ciências e Letras pelo motivo de acentuar “o caráter propriamente universitário” por conta da estrutura curricular de tal Faculdade aprofundar os estudos da alta cultura do saber. Ainda conforme o ministro, os estudos da alta cultura no nosso país não podem ser feitos de maneira integral e exclusivamente, isto é, de maneira a atender somente os aspectos do pensamento abstrato. O caráter prático e instrumental da Faculdade deve equilibrar o ensino abstrato. Acreditamos que a posição de Campos é contrária às posições de intelectuais da ABE e da ABC. Primeiramente, os membros da ABE e da ABC acreditavam que deveria se criar uma nova universidade e não o que o ministro fizera, pois estabeleceu uma unificação de Faculdades já existentes, tornando-a modelo para as vindouras. Esse aspecto foi duramente criticado por Anísio Teixeira por ferir à autonomia institucional. Segundo, que a Faculdade de Ciências e Letras ganhou um “sobrepeso” ao centralizar a função articuladora da universidade. Os membros da ABE, liderados por Fernando de Azevedo, criaram a USP em 1934, e catalisaram a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras como eixo articulador da universidade. No entanto, a diferença está no caráter instrumental que Campos destinou à referida Faculdade. Segundo o ministro, o objetivo está em formar educadores para atuarem no ensino secundário, nos ginásios oficiais e equiparados44. Tanto Teixeira como Azevedo defendiam um ensino que articulasse as faculdades, com o intuito de aprofundar o conhecimento científico capaz de potencializar o desenvolvimento da cultura científica nacional. Tal posição tende para o desenvolvimento progressivo do país, idéia explicitamente controlada por Campos. Vemos seu controle, por exemplo, na imposição da Universidade do Rio de Janeiro como modelo a ser seguido por universidades a serem criadas. Azevedo ao referir-se em defesa das reformas que realizou no Distrito Federal e em São Paulo afirmou que não [...] rompeu como cogumelo, sem raízes, aberto no monturo de decadências”, pelo contrário, elas – as reformas – se formaram a partir 43 44 Idem, ibidem Idem, ibidem. 19 “[...] de um sistema de idéias que constituíram uma política de educação, coerente e orgânica [...]” e que tiraram suas raízes dos debates e das idéias daquele inquérito45 (AZEVEDO, 1957, p. 27 apud SILVA, 2009). A fidelidade quanto à integração da ABE pôde caracterizar a marca diferencial entre as políticas educacionais proferidas pelo governo e as políticas propostas pelos membros da ABE. Teixeira também baseou sua análise pela fundamentação das idéias discutidas na ABE. Segundo o autor seu princípio de organização escolar está distribuído da seguinte maneira: [...] embora as instituições escolares tenham seus objetivos próprios, todas elas se articulam em um sistema contínuo de educação, em que os graus mais altos influem na organização e sentido dos menos altos, determinando isto que o ensino médio condicione o primário, e o superior condicione o médio. (TEIXEIRA, 1994, p. 66). A proposta acima defendida por Anísio Teixeira nos mostra o sentido de organização e de articulação entre os níveis de ensino que não estão presentes na Reforma Francisco Campos. Apesar de Paim (1982) mencionar que o Estatuto das Universidades Brasileiras está voltado para o aprimoramento do ensino secundário, não significa que se coadune com a proposta anisiana. Acreditamos que a Reforma Francisco Campos para o ensino superior concretizou o padrão dependente de ensino superior brasileiro e não uma tentativa ousada de mudança na educação. Por isso, a centralização por parte de Francisco Campos nos revela, como afirmava Teixeira, uma “fragilidade política”, que em nossa análise não seria uma fragilidade, mas uma posição política adotada pelo ministro. Era necessário centralizar a política educacional para que a estrutura social se mantivesse conforme consolidado. Defendemos, portanto, que o padrão compósito de hegemonia burguesa fomentou o terreno para a consolidação do padrão dependente de ensino superior no Brasil. Uma das principais obras que fundamentam a hipótese acima é a coletânea de textos escrita por Florestan Fernandes denominada Universidade Brasileira: reforma ou revolução. Escrita em 1968 no calor do debate sobre uma nova lei que substituísse o Estatuto das Universidades Brasileiras, Fernandes elabora uma criativa relação entre educação e desenvolvimento. Segundo o autor, os países capitalistas dependentes mantêm em estrutura produtiva um ensino que legitime a ordem social, dominada por frações compósitas. Acreditamos que suas análises nos ajudam a compreender o papel 45 Refere-se ao Inquérito de 1929. Maiores informações ver: Paim (1982). 20 embrionário da universidade nos anos de 1930. O fio condutor pelo qual atravessa a história das universidades no Brasil está marcado pela estrutura compósita, heteronômica, autárquica e dependente, termos usados para fundamentar conceitos centrais na obra teórica do mencionado sociólogo. Citamos um trecho da obra de Florestan Fernandes que se articula com época em estudo. “O ensino superior brasileiro, em particular, ajustou-se apenas aos requisitos de poder de uma estratificação social oligárquica, amolgando-se ao privilegiamento societário dos profissionais liberais.” (FERNANDES, 1968, p.115). Anísio Teixeira idealizou o projeto de criação de uma universidade capaz de formar pesquisadores e professores, em que a ciência fosse o lócus de formação com o objetivo de introduzir uma nova cultura no país, que seria a ruptura com o padrão compósito de hegemonia burguesa. A Universidade do Distrito Federal (UDF) foi instituída por um Decreto Municipal n° 5.513 em 4 de abril de 1935 e o primeiro reitor a administrar a universidade foi Afrânio Peixoto no qual considera: [...] A universidade não é uma Pallas, a sair inteira e perfeita de um decreto como uma idéia, de uma cabeça: a Universidade é e deve ser uma criação contínua. Não temos ainda todas as instalações, havemos de tê-las. Mas queremos, mesmo antes de definitivas instalações materiais, o espírito universitário46. (PEIXOTO apud FÁVERO, 2009, p.22). Notemos que a vontade de implementar a UDF vem pela certeza de ser um projeto ousado até então não visto. A nomeação de Anísio Teixeira em 15 de outubro 1931 como Diretor Geral de Instrução Pública do Distrito Federal foi o primeiro impacto de transformação vista na capital do país. Permanecendo como diretor geral até 1935, Teixeira procurou implantar o “espírito universitário” em todos os cursos de graduação. Elaborou projetos que foram respeitados pelo sucesso e ousadia. Não seria diferente no projeto de universidade. Afrânio Peixoto abraçou a criação da UDF. Durante a sua passagem pela Europa para representar o país na Inauguração do Instituto Luso-Brasileiro de Arte e Cultura, em Portugal e no Congresso Internacional de Educação, realizado na Inglaterra Peixoto pesquisou os melhores professores para ocuparem as áreas de conhecimento na futura UDF, por considerar a inexistência de profissionais nos padrões capitalistas no Brasil (FÁVERO, 2009). 46 Grifos nossos. 21 Anísio Teixeira corroborando com as pesquisas do Afrânio Peixoto na Europa em busca de professores especializados afirmava que “a cultura brasileira se ressente, sobretudo, da falta de quadros regulares para a sua formação” (TEIXEIRA, 1935 apud FÁVERO, 2009). Esta afirmativa mostra a iniciativa de formar, com qualidade, os futuros profissionais. A idéia de Teixeira era convidar os professores estrangeiros temporariamente. Em discurso de inauguração da UDF, Teixeira afirmou que a universidade não possui verdade nenhuma a dar “a não ser a única verdade possível, que é a de buscá-la eternamente 47”. A grande temática da UDF era difundir o conhecimento, além de criar um espaço de pesquisa onde os professores passavam aos estudantes – futuros pesquisadores – os métodos científicos da época mais usados em todas as áreas de conhecimento. Para que houvesse a pesquisa seria necessário o exercício pleno da liberdade, da autonomia. Vimos que a Reforma Francisco Campos limitou a autonomia por afirmar que o espírito universitário ainda estava precoce no país. Ao contrário do que afirmava Peixoto, a UDF teve a iniciativa de potencializar tal espírito, porém sofrendo duras críticas com relação ao excesso de liberdade que a universidade propagava. As críticas que a UDF recebia eram contemporaneizadas por Pedro Ernesto, Interventor do Distrito Federal eleito em setembro de 1931 e Prefeito da capital da República após a Constituição de 1934, discriminado pelos próprios representantes políticos, sendo seus passos visados a todo o momento. Quanto mais Pedro Ernesto liberava verba para construir a estrutura da universidade, mais ganhava críticas de opositores, especialmente os sujeitos políticos vinculados à Igreja Católica. Uma breve análise da Fávero (1980) demonstra que tanto Teixeira como Ernesto sofriam retaliações: Nos últimos dias de 1935, Pedro Ernesto, prefeito da capital da república, viu-se discriminado por representantes do poder político. Embora resguardando-se, em virtude de seu cargo, mantinha simpatias pela Aliança Nacional Libertadora. Mesmo tendo grande relacionamento na área política oficial, estava marcado e havia, antes de tudo, como mostra Hermes Lima, um sacrifício ritual a executar: o afastamento de Anísio Teixeira. Desde 1931, este último vinha sendo alvo da campanha da liderança católica na discussão sobre a escola pública, o que se intensificou a partir de 1935, nos debates sobre a Universidade do Distrito Federal. Apesar de todas as pressões, o prefeito mantivera-o à frente da Secretaria da Educação por quatro 47 Idem, ibidem. 22 anos. No contexto dos acontecimentos Anísio Teixeira nesta secretaria não era visto com bons olhos por parte dos grupos ligados ao poder e pela ala de educadores conservadores, uma vez que muitos o encaravam como conselheiro político de Pedro Ernesto e elemento participante do movimento da insurreição comunista, embora não tivesse fundamento nenhuma coisa nem outra. (FÁVERO, 1980, p.72) As acusações recebidas por Teixeira aumentavam na medida em que o governo direcionava seu discurso contra o comunismo48. Apesar de Teixeira não ter posição política favorável ao comunismo, sua postura diante do necessário rompimento do padrão compósito de hegemonia burguesa e na instauração de um regime genuinamente burguês incomodavam as elites brasileiras e forçavam a saída de Teixeira do cargo de Diretor de Instrução Pública do Distrito Federal. Sua saída forçada acontece em 1936 e inicia-se um processo de desmantelamento da UDF chegando a sua extinção em 1939. 5- Conclusão: O trabalho analisou o percurso de Anísio Teixeira na implementação da Universidade do Distrito Federal, em 1935, afirmando que tal criação significou uma revolução dentro da ordem na história do ensino superior no Brasil. Utilizamos a fundamentação histórico-sociológica de Florestan Fernandes para contextualizar a trajetória de Teixeira na condução de políticas educacionais, pois acreditamos que tal iniciativa contribuiu para o processo de rompimento do padrão compósito de hegemonia burguesa no Brasil. 6- Bilbiografia: 1) BENSAÏD, Daniel. Marx, o intempestivo: Grandezas e misérias de uma aventura crítica (séculos XIX e XX). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. 2) FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994. 3) _____________. Trabalho urbano e conflito social. São Paulo: Difel, 1976. 4) _____________. Pequenos ensaios de história da república: 1889-1945. São Paulo: Cebrap, 1972. 5) FÁVERO Maria de L. Anísio Teixeira e a Universidade do Distrito Federal Revista Brasileira de História da Educação. Editora: Autores Associados, 2001. Em novembro de 1935, ocorreu a chamada “insurreição nacional-libertadora” conhecida como “intentona comunista”. Segundo Fávero, concordando com a visão de Hermes Lima, o levante de 1935 “envenenou a ambiência política do país e contribuiu para que o conceito de segurança nacional fosse reduzido à segurança contra o comunismo” (FÁVERO, 1980, p.71) 48 23 Disponível em: http://www.sbhe.org.br/novo/index.php?arq=arq_sociedade&titulo=Sociedade. Acesso: 15 de maio de 2009. 6) ___________________. A Universidade no Brasil: das origens à Reforma Universitária de 1968. Educar em Revista Disponível em: [email protected] Brasileira de Zootecnia Brasil, 2006. 7) ___________________. UDF: Uma concepção alternativa de Universidade. In: FÁVERO, M.; LOPES, S. (Org.) A universidade do Distrito Federal: um projeto além de seu tempo. Brasília: Liber livro 1999. 8) ____________________ Universidade e Poder. Análise crítica/fundamentos históricos: 1930-1945. Rio de Janeiro: Achiamé, 1980. 205 p. 9) FERNANDES. Florestan. A revolução burguesa no Brasil: um ensaio de interpretação sociológica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975a. 413 p. 10) __________________. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. 11) _____________________. Brasil: em compasso de espera. São Paulo: Hucitec, 1980. 12) _____________________. Sociedade de Classes e subdesenvolvimento. São Paulo: Editora Global, 2008. 13) _____________________. Memória viva da educação brasileira. Brasília: MEC-INEP, 1991. 14) LESSA, Sérgio. A Atualidade de Marx: a possibilidade da revolução. Quarteto Editora/UNEB, 2009. Disponível em: http://sergiolessa.com/CapLivros08_09/atualidademarx_2009.pdf. Acesso em 28 de janeiro de 2011 15) LIMA, Kátia. Reforma da educação superior nos anos de Contra-revolução neoliberal: de Fernando Henrique Cardoso a Luis Inácio Lula da Silva. Tese de doutoramento apresentado à Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, RJ, 2005. Disponível em: http://www.uff.br/pos_educacao/joomla/. Acesso: 11/ 03/2010. 24