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Anísio Teixeira e a revolução dentro da
implementação da Universidade do Distrito Federal.
ordem
na
Rachel Aguiar Estevam do Carmo.
Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense.
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
Professora da Rede Municipal de Niterói.
Email: [email protected]
1- Introdução:
O presente artigo analisa, brevemente, a história do Brasil nos anos de 1930.
Escolhemos começar por 1870 pelo fato de que as grandes remessas de capital
produzirem também a exportação de uma determinada sociabilidade, tendo a educação
um papel central na conformação dessa nova sociabilidade nos países não-capitalistas.
A intenção do artigo é compreender o pensamento educacional de Anísio
Teixeira para o ensino superior nos anos de 1930 no Brasil. Utilizamos como
interlocutores Lênin, Luxemburgo e Trotsky para caracterizar que a fase imperialista do
capital – de origem nos países centrais do capitalismo – trouxe para os países coloniais
uma nova forma de sociabilidade, visto nos aspectos sócio-político-econômicos e
culturais. A força como o imperialismo penetrou no Brasil representa um viés
constitutivo da chamada dupla articulação, conceito usado por Fernandes (1975) para
designar a forma que os países subordinados a ordem central capitalista articulam
dominação interna compósita.
A dupla articulação constitui-se:
[...] internamente, através da articulação do setor arcaico ao setor
moderno ou urbano comercial; externamente, através da articulação
do complexo econômico agrário-exportador às economias capitalistas
centrais1.
A influência do imperialismo no Brasil incidiu no surgimento do padrão
compósito de hegemonia burguesa, favorecendo uma nova forma de organização social,
repercutindo, portanto em organizações de ensino até então inexistentes. Padrão
compósito de hegemonia burguesa seria, para Fernandes (1975), uma forma de
organização por meio da qual a classe dominante mantém-se no poder,
combinando as frações arcaicas com o imperialismo. A complexidade das relações
intra-classe em um país capitalista dependente é percebida na obra de Fernandes em
análises complexas e com infinitos desdobramentos de estudo.
1
Ibidem. p. 241.
1
A importância desse debate para entender o pensamento educacional de
Teixeira, para o ensino superior, está exatamente na forma pela qual a organização
sócio-política brasileira se configurou a ponto de existir a relação mútua entre o
moderno e o arcaico. Tal forma de sociabilidade, recente no país, gerou críticas
profundas manifestadas nas obras de Teixeira e a sua resposta a este padrão foi
justamente a necessidade de transformar o país em um ritmo de desenvolvimento
ascendente para o capital, o que o fez criar a Universidade do Distrito Federal projeto no
qual visava à formação de cientistas brasileiros. A proposta anisiana está imersa nas
configurações da realidade histórica no Brasil, por isso, compreender qual é a realidade
brasileira nos anos de 1930 é central para entendermos o papel sócio-político de Anísio
Teixeira.
A interlocução com Florestan Fernandes na compreensão histórico-sociológica
da realidade brasileira nos faz necessária pela instigante e ousada interpretação acerca
da inserção dos países subordinados à ordem capitalista. No primeiro momento, faz-se
necessário introduzir na pesquisa o debate que está na obra do sociólogo, representando
um dos núcleos centrais do artigo: revolução dentro da ordem e revolução contra a
ordem.
2- Introduzindo o debate: revolução dentro da ordem e revolução contra a
ordem.
O debate acerca da revolução dentro da ordem e da revolução contra a ordem
tem origem nas pesquisas produzidas por Florestan Fernandes, com o intuito de
entender a situação na qual se encontrava a classe trabalhadora no Brasil nos marcos do
capitalismo dependente. O processo contra-revolucionário da burguesia é um elemento
central para compreendermos o mecanismo da luta de classe nos países capitalistas
dependentes. O conceito de contra-revolução burguesa é entendido pelos marxistas
como o papel revolucionário da burguesia, no momento da tomada do poder político,
superando, com isso a ordem medieval, porém a burguesia transforma-se em contrarevolucionária, pelo fato de reproduzir as estruturas de exploração e dominação,
determinando a cada crise novos padrões de sociabilidade. (Lima, 2005). Fernandes
apropria-se desse conceito e o utiliza para compreender a posição contra-revolucionária
da burguesia em países capitalistas dependentes.
A relevante releitura de Lima (2005) acerca dos conceitos de Fernandes sobre o
papel contra-revolucionário da burguesia e a função política da revolução dentro da
2
ordem e contra a ordem será exposta no nosso trabalho com o intuito de apresentarmos
as diferentes visões que permeiam o tema.
Florestan Fernandes em seu livro Brasil: em compasso de espera (1980) criou os
conceitos revolução dentro da ordem e revolução contra a ordem para designar o
movimento de organização e de insurreição da classe trabalhadora contra dois
momentos da história brasileira: um momento seria o rompimento com a forma
compósita da organização da classe dominante brasileira. A gênese da burguesia
brasileira deve ser concebido a partir do que Fernandes denomina de congérie social,
impulsionado pelas transformações advindas da fase imperialista do capital. Todavia,
não foi o suficiente para que a tomada do poder pela burguesa ocorresse de forma a
liquidar o sistema que regia o país; agrário-exportador. A burguesia surge no Brasil o
suficiente para assumir sua posição perante o sistema capitalista com a participação
ativa das elites que compuseram o sistema anterior e não como uma classe
revolucionária que transformasse a realidade agrária em urbano-industrial, relatados nos
exemplos franceses e ingleses. O capitalismo torna-se dependente no Brasil e se
constitui por meio da dupla articulação com as estruturas internas dominantes no país e
com os países centrais capitalistas, no atual contexto da fase imperialista do capital.
Tal realidade revela um Brasil entrelaçado com o novo e com o velho
manifestando o fenômeno social que nas palavras de Fernandes foi denominado como
arcaização do moderno e modernização do arcaico (1981). Essa realidade provoca uma
atrofia cultural e uma dificuldade em implementar modernizações radicais no sistema
sócio-político-econômico e cultural brasileiro. Tudo isso pela vinculação da burguesia
com as estruturas sociais dominantes anteriores à implantação do sistema burguês.
O segundo momento seria a ruptura com o sistema capitalista e a implantação do
sistema socialista. Fernandes apropria-se das teses marxistas, sobretudo as teses
leninistas e trotskistas sobre revolução socialista para elaborar suas análises. Sua
releitura das teses dá origem a um plano revolucionário chamado de “política
revolucionária2” (FERNANDES, 1980, p. 25). A política revolucionária, acreditamos,
está contida em todas as obras do autor relacionadas à organização da classe
trabalhadora e nos estudos sociológicos do Brasil, especialmente nas obras Revolução
Burguesa no Brasil, Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América Latina e
Podemos encontrar também no livro de Fernandes o termo “política revolucionária socialista”
(Idem, p.25)
2
3
Subdesenvolvimento e Classes Sociais. A posição de classe na qual se encontrava
Fernandes o fez elaborar obras elucidativas acerca dos seguintes temas:
 Caráter da classe dominante brasileira especialmente o lugar da
burguesia no contexto sócio-político-econômico brasileiro,
 Capitalismo Dependente;
 Organização da classe trabalhadora.
Sua visão marxista permitia revelar a contradição da sociedade capitalista e o
nível da luta de classe no qual se encontravam a burguesia e o proletariado brasileiro.
Esses três elementos gerais compõem o conjunto teórico da fundamentação da “política
revolucionária” elaborada por Fernandes.
A grande característica da política revolucionária que engloba a revolução
dentro da ordem e a revolução contra a ordem está na principal tese que fundamenta os
conceitos revolução dentro e contra a ordem: a tese marxista da imprevisibilidade
histórica.
Fernandes na obra Brasil: em compasso de espera (1980) procura estabelecer
um panorama da política brasileira pós-ditadura civil-militar, questionando seu discurso
democrático e apontando para a classe trabalhadora os enganos e fracassos que tal
discurso pode causar na luta por uma sociedade socialista.
O objetivo do autor é analisar o “refluxo da contra-revolução”, nos marcos do
capitalismo dependente, realizando, com isso, um desdobramento singular de análise.
Fernandes considera que “os riscos que levaram à contra-revolução não
ensinaram nada a essa burguesia, que se mantém impavidamente cega diante da
necessidade de optar ou destruir-se” (FERNANDES, 1980, p.1). Para o sociólogo, a
burguesia não propõe nem revolução nacional nem revolução democrática. As
“vantagens relativas” da associação com as nações capitalistas centrais são vitais para a
manutenção do padrão compósito e para o andamento da contra-revolução. “Todas as
vezes que as elites se viram na necessidade de criar, elas se retraíram e confundiram
seus interesses particulares e imediatos com os interesses da nação e do futuro”3.
Fernandes defende que devemos repelir o suposto espírito de conciliação e de
reforma, cabendo romper com o “egoísmo exorbitante que nos levou ao beco sem saída
do capitalismo dependente”. No entanto, o impasse do poder burguês aniquilou uma
saída nacionalista e democrática e também impediu uma saída socialista4.
3
4
Ibidem.
Ibidem, p.2
4
Fernandes afirma que as nações socialistas não podem exportar e universalizar a
mudança social revolucionária. Elas só podem ajudar as nações da periferia que
evoluem de modo consistente e irreversível, por suas condições e recursos internos,
naquela direção5.
A estratégia socialista de reflexão e de ação política exige duas investidas:
 A análise objetiva da situação atual6.
 Uma análise objetiva das perspectivas da revolução nacional e
democrática em uma conjuntura de curto prazo7.
O sociólogo faz um balanço de que as classes trabalhadoras não possuem, no
momento, condições objetivas e subjetivas para provocar uma mobilização
revolucionária contra a ordem existente. No entanto, Fernandes atenta que é crucial e
urgente escolher rumos políticos que não fiquem presos apenas à questão da
democracia, mas que levem em conta, também, as tarefas políticas que as classes
trabalhadoras podem conquistar para si e, principalmente, se já não chegou o momento
de uma luta política mais profunda pela autonomia do movimento operário através de
palavras de ordem especificamente socialistas.
O autor alerta para a dispersão das questões teóricas e práticas tratadas e que
exigem uma complementação dialética, que nem sempre é visível, tendo como pauta os
seguintes temas:
 Uma avaliação política socialista das marchas e contramarchas do regime
ditatorial vigente.
 Um balanço sumário da viabilidade e conseqüências de uma maior
impregnação do movimento sindical e operário pelo socialismo.
 Um questionamento socialista do “problema da democracia”, tão mal
colocado quando se fica dentro dos parâmetros de uma burguesia que não
pode abrir a democracia sem destruir-se8.
Fernandes (1980) afirma que o desgaste político que a contra-revolução
provocou na sociedade causou nos estrategistas do sistema a planejarem o que
denominou de “reconversão à normalidade”, chegando a estabelecer qual deveria ser a
normalidade.
5
Idem
Idem, p.6
7
Ibidem, p.7.
8
Idem, 1980, p.7
6
5
Nas análises de Fernandes, os estratos dominantes da classe burguesa fazem
alianças especialmente com o proletariado, com o objetivo de manter o sistema
capitalista sob controle e produzindo o rendimento político máximo9.
A burguesia, afirma o sociólogo, só poderá reabrir a ordem à luta de classes,
depois de ter estabelecido novos controles econômicos, sociais e políticos, que impeçam
o esfacelamento do seu poder de classe, levando a uma democracia burguesa que
submete a luta de classes ao controle direto e indireto burguês. Essa realidade mostra o
lado pernicioso das ilusões constitucionais. Elas “brecam” as lutas de classes e a
concretização das tarefas políticas das classes trabalhadoras, de uma perspectiva
socialista revolucionária.
E aonde repousa o interesse político especificamente socialista desta discussão?
Fernandes aponta dois pontos importantes:
 O primeiro ponto é o significado da democracia burguesa: como forma
política da república democrática, “uma ditadura de classe dissimulada
com fundamento na repressão, na divisão de poderes e nos direitos
fundamentais dos cidadãos; como forma política dos regimes burgueses
de exceção. Essa democracia burguesa sempre foi restrita (...) e a nossa
esquerda absorveu uma tradição cultural nociva: a de esperar que as
frações internas da burguesia e as contradições do sistema produzam
frutos democráticos de modo automático. (...) Os socialistas não podem,
portanto, ao atacar o regime ditatorial vigente e ao defender a
democracia, ficar cegos diante da realidade ou paralisados por falsas
palavras de ordem burguesas”10.
 O segundo ponto é ainda mais importante. As elites das classes
burguesas procuraram impedir, enquanto puderam a mobilização política
dos trabalhadores e das massas populares. A ditadura foi “o tampão que
paralisou esse processo”. O que nos interessa no momento é o
significado estratégico dessa política burguesa, que é:
a. Deprimir os ritmos e as potencialidades do processo
contraposto, o do fluxo da revolução;
b. Imantar o radicalismo burguês e o inconformismo
operário pela lealdade aos princípios da ordem, pela
9
Ibidem
Ibidem, pp. 14-15
10
6
crença de que a república democrática trará todas as
soluções, a superação de todas as misérias e a eliminação
gradual, mas certa de todas as iniqüidades11.
Segundo Fernandes, a condição social a qual a classe trabalhadora e o setor de
ponta do proletariado se encontram seria a grande redução exercida pelo sistema
capitalista. A grande marginalização fruto da exclusão dos membros das classes
despossuídas provoca o isolamento de classe e facilitam o “esmagamento calculado das
vanguardas operárias, do movimento sindical e das tentativas mais arrojadas de
organização do conflito de classe12”. A grande questão para os trabalhadores não é a
luta pela democracia, mas sim pela “conquista das precondições que tornam a
democracia possível”. Para Fernandes, a classe trabalhadora permanece no ponto zero
ou próximo desse limite no que tange a luta de classes.
O nível da luta de classe não só ocorre no plano político. Mas quando ocorre é o
primeiro “patamar” da idéia do proletariado na condição de “classe em si” e para o
avanço da consciência de “classe para si”. Essa deveria ser a luta do proletariado
brasileiro: buscar o plano político da consciência da luta de classes. Com isso, reduzirse-ia o despotismo burguês (plano privado) e a “monopolização do poder político e do
controle sobre o aparato estatal” (plano público). O proletariado (brasileiro) perde a
oportunidade histórica de “desencadear a necessária consciência de classe
revolucionária”, devido à fragilidade “das bases perceptivas e cognitivas do
comportamento coletivo de classe” e da solidariedade de classe13. A perda dessa
oportunidade histórica não propicia a tensão às condições objetivas para a luta de classe
e reduz as formas de consciência de classe proletária, abrindo margem para a classe
dominante usar o despotismo burguês contra toda a nação especialmente contra o
proletariado. Despotismo burguês, para Fernandes, é uma variável histórica.
No que se refere à situação dos países capitalistas dependentes, o imperialismo
dita os dinamismos internos de auto-afirmação da classe dominante. Nesse sentido, a
burguesia local, a partir do momento do pacto com a burguesia internacional não
aprofunda a sua consciência de classe em “si e para si”, impedindo também o
aprofundamento de consciência da classe proletária. A burguesia usa dessa debilidade
para proteger-se de dois fatores:
11
Ibidem.
Idem., 1980, p.18
13
Ibidem.
12
7
 Reduz o espaço político das classes trabalhadoras;
 As burguesias centrais fortalecem a dominação de classe e as estruturas
de poder das burguesias nativas, fragilizando, ao mesmo tempo, o poder
da classe trabalhadora.14
A classe trabalhadora precisa adquirir consciência de classe:
 Primeiro saber quais as articulações que entorpecem a revolução nacional
e a revolução democrática dentro e através do capitalismo;
 Segundo, organizar-se como e enquanto classe.
Para Fernandes, depois da segunda guerra em que há consolidação do
imperialismo e do capitalismo monopolista, o proletariado tem a incumbência de
acumular forças revolucionárias para transformar algo que deveria ser a burguesia a
grande protagonista do processo, fato que ocorreu nas clássicas revoluções na França e
na Inglaterra. A burguesia da “periferia” esvazia a ordem social competitiva
exatamente para não conduzir o seu papel histórico revolucionário. Nesse sentido, o
proletariado tem a tarefa de realizar a revolução para
[...] impedir a deterioração do sistema capitalista de poder e cortar o
caminho das forças conservadoras e contra-revolucionárias, que
implantam e fortalecem uma ampla conexão fascista no coração e nos
nervos do estado capitalista15.
Consciência de classe nas sociedades periféricas exige um nível de abstração que
vai além da realidade empírica, ou seja, que vai além “do imediatismo ou particularismo
de classe”. Como, então, provocar a consciência de classe? “Como no passado remoto
ou recente, elas devem sair das condições de vida e de luta que são fomentadas e
impostas pela situação de classe dos trabalhadores”16. De nada adianta o socialismo de
conciliação de classe, puramente reformista: “Somente o socialismo revolucionário
responde às exigências da situação histórica, o que conferiu ao marxismo a incrível e
inesperada importância que ele ganhou em escala mundial”17.
A classe trabalhadora precisa saber quais são as duas revoluções – dentro da
ordem e contra a ordem – que devem ser realizadas e que tal classe tem o engajamento
objetivo para lutar pelas duas18.
14
Idem, p.20
15
Idem, p.22.
16
Idem, p.23
Idem, ibidem
18
Idem, p.24
17
8
A revolução dentro da ordem, considera Fernandes, não significa um pacto
com “os patronos do nacionalismo, da democracia”19. Só se realiza uma revolução
(dentro e contra a ordem) quando há
[...] uma consciência rigorosa da relação entre os meios e
permitirá estabelecer uma tática que não leve ao isolamento
classes trabalhadoras e que proteja, ao mesmo tempo,
eufeudamento aos interesses econômicos, sociais, e políticos
classes dominantes20.
fins
das
do
das
E ainda indaga:
“O que representa a luta de classes para o proletariado?” Essa questão
deve atravessar todo o percurso em busca da efetivação das duas
revoluções. O proletariado “precisa preparar-se para enfrentar suas
tarefas políticas diante das duas revoluções e não condenar-se a uma
paralisia permanente [...]21”.
A grande questão é a necessidade de difundir “a doutrina socialista entre os
trabalhadores, do campo, da cidade, dentro do movimento sindical e entre todos os
operários22”. O que não pode ser difundido são as duas variantes do socialismo: a
pequeno-burguesa e a burguesa. Outra grande questão é a ocupação do poder do Estado
pelos setores revolucionários, “como se a esquerda devesse ser um órgão ou uma função
do estado capitalista23”. Na etapa de implantação do socialismo deve haver uma
“socialização socialista dos quadros das bases e das massas24”. Não se pode começar no
primeiro momento a partir de setores da esquerda no poder. Isso seria começar pelo fim
é nesse sentido não possuir fim algum25, na perspectiva do proletariado. A busca pelo
socialismo é diária e “travada sempre dentro e através da identidade do proletariado
com caráter socialista de sua afirmação como classe.26”
3- A imprevisibilidade histórica na revolução dentro da ordem:
Fernandes apropria-se das fundamentações de Marx27 ao elaborar sua visão
acerca da revolução e da história no Brasil. Vimos que a estratégia da política
revolucionária – socialista – requer uma revolução dentro da ordem e uma contra a
19
Idem, 1980.
20
Id. op.cit.
21
Ibidem.
Ibidem, p.25
23
Ibidem.
24
Ibidem.
25
Ibidem.
26
Ibidem.
27
As teses sobre história em Marx encontram-se nos livros: Ideologia Alemã, o Capital e
Manuscritos Econômicos e Filosóficos.
22
9
ordem (não como uma lógica “etapista”) por acreditar que o padrão compósito de
hegemonia burguesa trava as potencialidades de mudanças democráticas.
A imprevisibilidade histórica é a chave para compreendermos que a revolução
dentro da ordem pode acontecer ou não no momento em que a classe trabalhadora
(amadurecida e consciente de suas tarefas) se opuser contra a autocracia-burguesa
brasileira.
De acordo com Bensaïd (1999), Marx desconstrói a idéia de História universal,
pois acredita que a realidade oportuniza uma variabilidade de desenvolvimentos
possíveis (BENSAÏD, 1999). Em outras palavras, a história universal crê na ordem
cronológica linear, na causalidade seguida da conseqüência, sendo esses elementos as
bases constitutivas da teoria. Contudo, Marx acredita que a história seria uma
multiplicidade de eventos sociais potencialmente concretizados, seja por circunstâncias
pensadas pelos seres humanos – teleológico – seja pela força das condições sociais
objetivas.
Lessa (2009) considera com base em Lukács que a grande descoberta de Marx
seria:
[...] uma nova, revolucionária e inovadora concepção da relação entre
essência, fenômeno e continuidade – fundamentalmente para o mundo
dos homens, mas também com ressonâncias e indicações decisivas
para a esfera da natureza. Seria de Marx a descoberta da substância
como radicalmente histórica –- a historicidade passa a ser a categoria
ontológica decisiva. Com isso, a substância humana, particularizada e
generalizada pela evolução das formações sociais ao longo do tempo,
passa a ser fruto exclusivo da síntese, em tendências históricas
genéricas, da ação dos indivíduos concretos, historicamente
determinados. O caráter revolucionário do pensamento marxiano se
afirmaria, antes de tudo, por esse reconhecimento de que os homens
são os únicos e exclusivos demiurgos de sua história; os únicos
responsáveis pelo seu destino (LESSA, 2009, p. 2)
As afirmações de Lessa, apoiando-se em Luckács, são centrais para balizarmos a
revolução dentro da ordem como um instrumento de luta da classe trabalhadora. A
história para Marx não é vista em etapas por meio do progresso e desenvolvimento.
Como nos alerta Bensaïd (2009), a idéia de progresso em Marx é relativa e depende da
configuração das classes sociais, sobretudo do papel da classe trabalhadora. Como nos
lembra o autor, Marx acreditava que de nada adiantaria a Inglaterra levar progresso para
as suas colônias “se a humanidade não vier a revolucionar as relações sociais na Ásia”,
por exemplo. O papel político da classe trabalhadora é central para organizar a
revolução socialista.
10
Bensaïd afirma que a revolução é um sinal “daquilo que a humanidade pode
historicamente28 resolver”29 e prossegue
Na incorforme conformidade da época, elas – revoluções – são um
poder e uma virtualidade do presente, simultaneamente de seu tempo e
a contratempo, muito cedo e muito tarde, entre já mais e não ainda.
Um talvez cuja última palavra não está dita.30
A citação acima representa um exemplo da revolução e seu caráter imprevisível.
Isso não significa que a revolução por ser imprevisível é feita de forma aleatória. Pelo
contrário. O preparo do proletariado deve ser denso, entendendo as contradições das
relações sociais de produção com as forças produtivas e promovendo o debate para
fomentar o espírito revolucionário. Um talvez cuja última palavra não está dita
significa reafirmar não colocando um determinismo histórico, mas construí-la no tempo
dialético e sob finalidades socialistas. O pensamento de Fernandes ao colocar a função
da classe trabalhadora no país capitalista dependente afirma que
O proletariado tem de avançar no sentido de saturar o vazio histórico
resultante, não como ‘pilares da ordem social competitiva’ ou
‘campeões do liberalismo’: não se trata apenas de defender ou de
lançar para frente a democracia burguesa. Trata-se de impedir a
deterioração do sistema capitalista de poder e cortar o caminho das
forças conservadoras e contra-revolucionárias, que implantam e
fortalecem uma ampla conexão fascista no coração e nos nervos do
estado capitalista (FERNANDES, 1980, p.22).
A revolução dentro da ordem não significa pacto com a burguesia nem
tampouco lutas temporariamente a favor do sistema capitalista. A revolução dentro da
ordem seria um avanço para recuperar pautas31 necessárias para a transição socialista
ocorrer de forma a satisfazer a totalidade da população. Tais pautas seriam
implementadas ainda no regime burguês:
 Fortalecimento das instituições públicas sociais;
 Fortalecimento das políticas sociais;
 Fortalecimento da democracia com ampla participação popular
 Retrocesso gradativo da contra-revolução burguesa
 Ruptura da autocracia-burguesa;
 Fim do padrão compósito de hegemonia burguesa e da heteronomia
cultural.
28
29
Grifo do autor.
Idem, p.85.
30
Ibidem.
31
Grifo nosso.
11
Esses seis elementos designam a nossa visão acerca da necessidade da revolução
dentro da ordem. Como nos lembra Fernandes, a revolução contra a ordem pode ocorrer
sem a necessária premissa da revolução dentro da ordem “se as classes trabalhadoras,
graças ao seu movimento político, forem bastante fortes para provocar o
desmoronamento do capitalismo e a transição para o socialismo.”32
A ausência de premissa é o principal indicativo de que a revolução dentro da
ordem não segue princípios etapistas nem deterministas para a sua existência e
execução, porém não deixando de secundarizar sua importância histórica em um país
capitalista dependente.
O papel dentro da ordem não diz respeito ao proletário aburguesado.
Acreditamos que a conscientização da revolução dentro da ordem é um movimento
fundamental da noção da consciência em si33 da classe trabalhadora. A função política
de tal movimento nos indica grandes desestruturações no padrão compósito de
hegemonia burguesa.
Fernandes tinha conhecimento da complexidade da revolução em um país que
não realizou as transformações típicas para concretizar um sistema capitalista de fato.
As estruturas de poder mudam da mesma maneira que o modo de ser, o comportamento
da população também.
A revolução dentro da ordem foi seguida, acreditamos, na condução de Anísio
Teixeira nas políticas de educação superior e na sua luta pelo fim imediato do atraso no
país. Mesmo que Teixeira não tenha sido um intelectual socialista, acreditamos que sua
ousada conduta política contribui para o processo de “descoberta da classe
trabalhadora” enquanto classe social.
A imprevisibilidade histórica admite a luta pela transformação da história. A
liberdade quanto ao momento de deferir a revolução rumo ao socialismo depende dos
fatores já mencionados por Fernandes na presente pesquisa.
Acreditamos que Teixeira tinha um conhecimento de que sua teoria iria
contribuir para a “elevação cultural” da população, um nível de descoberta de si perante
o todo, isso graças aos estudos e à universidade, por meio da qual a ciência e o
conhecimento desinteressado proporcionariam um ambiente de estudo e de produção
32
Ibidem, p.25
Para o aprofundamento do fenômeno da consciência da classe trabalhadora ler: IASI, Mauro. O
Dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência. São Paulo: Viramundo, 2002
33
12
capaz de se alastrar como um vento no meio social brasileiro. Tal investida circunscreve
Teixeira como um relevante revolucionário dentro da ordem da história social do Brasil.
4- As bases da proposta de Anísio Teixeira para as universidades
brasileiras: A criação da Universidade do Distrito Federal.
Anísio Teixeira construiu sua trajetória de vida marcada pelos estudos dos
fenômenos sociais. Essa história de vida34 é marcada por esforços para se tornar um
relevante lutador e cientista da educação. Nesse sentido, Teixeira desenvolveu seus
estudos, centrando-se principalmente na relação entre
 Educação e desenvolvimento social;
 Ciência e progresso;
 Estado e políticas sociais.
Anísio Teixeira atribui à sociedade brasileira a ausência desses elementos
articulados e a necessidade das frações dominantes sobreviverem por causa da
manutenção do status quo. Tal ordem social se deve ao fato de os sujeitos políticos
dominantes, especialmente a burguesia pactuar com a oligarquia agrária como estratégia
de consolidação da ordem burguesa no Brasil. Analisamos no capítulo anterior, que o
padrão compósito de hegemonia burguesa, consolidado a partir da revolução getulista
criou mecanismos de dominação não somente em aspectos econômicos e políticos. Os
aspectos denominados por Fernandes de psicossociais e culturais atuam para
desmobilizar a população. Fernandes (1981) denominou de heteronomia cultural o
fenômeno social que atua para neutralizar qualquer tipo de força social dentro da ordem
e/ou contra a ordem capitalista, impedindo, com isso, que a luta de classe seja favorável
à classe trabalhadora. A heteronomia, termo de origem weberiana, ajuda-nos a
compreender o processo de controle social por meio da consciência. A forma de
apaziguamento social, em decorrência da organização social estar de maneira
compósita, favoreceu, ao processo de manutenção da ordem por meio das políticas
sociais “atrasadas” a adequação à ordem.
Teixeira (2007) afirmava que o grande problema educacional estava inscrito na
ausência de espírito contemporâneo. Em uma passagem o autor provoca-nos a uma
reflexão:
Os grandes problemas humanos, que aliam à complexidade uma vasta
e profunda importância na própria vida dos povos, sempre foram
34
Para maiores estudos sobre a trajetória da vida de Anísio Teixeira ler NUNES, Clarice. Anísio
Teixeira: a poesia da ação. São Paulo: EDUSF, 2000.
13
perturbados em suas soluções pela emoção dos que deles esperam
libertar-se com a impaciência irrefletida de uma ação tumultuária e
cega. (TEIXEIRA, 2007, p.41).
Anísio Teixeira traz a filosofia para o problema da educação brasileira
afirmando que a educação nacional tem se fortalecido mais pelo “lado patriótico” do
que pelo “lado lúcido” (TEIXEIRA, 2007), ou seja, estamos usando a emoção, o
patriotismo, mais do que a razão, que seria a elaboração de sérias políticas educacionais
a fim de desenvolver a sociedade, torná-la moderna nos moldes burgueses. Teixeira
acreditava que o modo pelo qual estava sendo tratada a educação aumentava, sendo
mais os problemas educacionais, trazendo inúmeras conseqüências concretas para o
ensino de qualidade. Segundo o autor, uma das conseqüências seria a falta de liberdade
ou de autonomia institucional. Para Teixeira, é essencial a liberdade de formar e de
direcionar o pensamento humano e a educação seria o motor que permitiria a liberdade
de conduzir e de pensar livremente. Essa idéia vai de encontro com as políticas sociais,
especialmente as educacionais dirigidas pelos varguistas. A centralidade do governo
federal é uma de suas fortes características, impondo uma direção na condução de um
tipo de pensamento, aceito pelo grupo dominante. Essa forma de compreender as
instituições educacionais tira a liberdade de pensar. Por isso é função do Estado para
Teixeira:
[...] manter os serviços educacionais, defendendo-os das influências
imediatistas dos governos, ou da influência profunda de ideologias
partidárias35.
Preservar a autonomia institucional é tarefa do Estado, pois os governos
direcionando a organização de maneira autocrática impedem que novas formas de
gestão escolar possam ser desenvolvidas. Teixeira sabia que o problema educacional
não estava na sua estrutura interna da educação, mas sim nas esferas sociais
constitutivas de um Estado democrático como a esfera política, social e cultural.
Teixeira, em se tratando de democracia brasileira, afirma que a democracia é um ensaio
no país, tornando-se um êxito se for incentivada a execução de instituições sociais de
forma perfeita e segura36, ou seja, se seguirem as diretrizes de uma sociedade burguesa
moderna.
A forma pela qual as políticas sociais, especialmente as educacionais, são
denominadas pelo autor merece a nossa alusão. O “governo da educação” significa o
35
36
Idem, ibidem.
Idem, ibidem.
14
debruçar de um governo, supervisionado pelo Estado, para a atuação de planos e
projetos que consistem na qualidade do sistema educacional.
É importante lembrar que a obra de Anísio Teixeira não deve ser vista
compartimentalizada em níveis de ensino, mas sim pelo entendimento que a educação
consegue potencializar o desenvolvimento da sociedade37, conforme a visão de Teixeira
sobre desenvolvimento exposto na introdução do capítulo III. O governo da educação
tem como objetivo somente a garantia de fomentar ainda mais o progresso social. Para
isso, o Estado deve promover o governo da educação impedindo, protegendo e
defendendo a escola “contra todo e qualquer predomínio exclusivista” (TEIXEIRA,
2007, p.57).
A idéia de governo da educação é uma comprovação de que a análise
educacional percorrida ao longo dos anos por Teixeira não é concebida de forma
endógena, isto é, por dentro da estrutura do ensino. O movimento que o autor faz é o
oposto, exógeno, aprecia os fenômenos sociais e insere a educação como uma das
instituições sociais que necessita de total fiscalização e cuidado por parte do Estado e
estando sempre aos cuidados dos governos, entendido o governo como um tempo
histórico mais fugaz em comparação com a permanente estrutura do Estado.
A liberdade de educação vem, portanto, para garantir o crescimento, visto como
escala ascendente, ao máximo. Acreditamos que o almejo de Teixeira não era estar ao
lado de países desenvolvidos, apesar de inspirar-se em toda a sua trajetória no
desenvolvimento norte-americano. A sua perspectiva era do Brasil buscar logo “o seu
caminho”, tentando institucionalizar as instituições e procurando desenvolver a reflexão
e fornecer os altos estudos à toda a população. A proposta anisiana procura pautar-se na
autonomia como um caminho para o desenvolvimento criativo e livre da ciência e da
descoberta. E mais do que isso: a autonomia vinha da tentativa de deixar livre a criação
de instituições capazes de formar com qualidade os estudantes e futuros profissionais. A
autonomia ia de encontro com a proposta centralizadora das políticas educacionais
varguistas. Um exemplo é a reforma Francisco Campos que por meio de um decreto
institucionaliza as universidades brasileiras. Passemos a uma análise do referido projeto
nos principais pontos que explicitam o caráter centralizador do documento.
Francisco Campos, o elaborador da Reforma do Ensino Superior, trazia uma
“dívida” quanto ao entrelaçamento que procurou ter com a Igreja antes da revolução
37
Não vemos na obra de Anísio Teixeira uma perspectiva redentora na educação.
15
varguista. Conforme vimos no capítulo anterior, Campos prometeu que o governo
atenderia às exigências do movimento religioso, dando a sua palavra. Ao assumir a
pasta de Educação e Saúde Pública Campos garantiu o pedido religioso. O autoritarismo
de Campos, característica dada por autores como Antônio Paim (1982), ou mesmo a
ambigüidade nas posições do ministro, como se refere Fávero (1980), significa a
controvérsia da condução das políticas educacionais no país. Acreditamos que a posição
tomada por Campos é pelo fato do acordo firmado entre os religiosos. O ministro
precisou do apoio da Igreja, fragilizada na Primeira República, a fim de concretizar a
Revolução de 1930. Por isso, a centralização e o limite de autonomia institucional
serviram para conter qualquer manifestação ousada e criativa na gestão do ensino. Essas
duas características – centralização e limite da autonomia institucional – significaram
um controle que favorecia aos ideais católicos contra as posições revolucionarias dentro
da ordem e, principalmente, as posições contra a ordem capitalista.
O projeto para a Reforma do Ensino Superior elaborado por Campos, em abril
de 1931, está dividido em três partes. A primeira é o documento Exposição de Motivos
sobre a Reforma do Ensino Superior, a segunda parte trata da Reorganização da
Universidade do Rio de Janeiro e por último é relativo à criação do Conselho Nacional
de Educação. Analisamos no documento somente as duas primeiras partes que
apresentam as características da centralização e do limite da autonomia institucional.
Logo no segundo parágrafo da primeira parte do referido documento, o ministro
afirma a busca pelo consenso entre os diferentes projetos em disputa:
[...] de maneira a não determinar uma brusca ruptura com o presente, o que
o38 tornaria de adaptação difícil ou improvável, diminuindo, assim, os
benefícios que dele poderão resultar de modo imediato (CAMPOS,
Francisco apud FÁVERO, 1980)
Percebemos a difícil conciliação de projetos, principalmente entre as forças da
ABE e do movimento religioso, tornando-as impossível de qualquer consenso. Por isso,
Campos afirmava o “distanciamento parcial” do presente, isto é, a possibilidade de uma
“ruptura com o presente”, significando o não atendimento das exigências feitas
sobretudo pela ABE e ABC. Atender ao presente significava garantir um avanço
perigoso para o governo, por conta da possível ruptura com o padrão compósito de
hegemonia burguesa. Esse risco Campos não podia correr e, com isso, procurou
38
O ministro refere-se ao projeto para a Reforma do Ensino Superior.
16
conciliar as forças, tendendo mais para o conservadorismo do que ao possível
progresso.
Campos na primeira parte do documento cria regras para o sistema universitário.
Percebemos que o padrão dependente de ensino superior, conforme analisa Fernandes
identificando o atraso brasileiro no investimento em pesquisa e em ensino superior no
Brasil dos anos de 1960, teve origem na forma como o sistema universitário foi criado.
Por isso, defendemos que a Reforma Francisco Campos consolidou o padrão
dependente de universidade por ter coadunado tal padrão à organização social
conduzido pelas frações dominantes de forma compósita e subordinada à ordem
mundial. O padrão dependente de universidade aparece no documento quando trata da
autonomia integral e autonomia relativa nos aspectos didáticos e administrativos. Nas
palavras de Campos a autonomia total seria
[...], porém, de todo ponto inconveniente e mesmo contraproducente para o
ensino, que de subido, por uma integral e repentina ruptura com o presente,
se concedesse às Universidades ampla e plena autonomia didática e
administrativa. Autonomia requer prática, experiência e critérios seguros de
orientação. Ora, o regime universitário ainda se encontra entre nós na sua
fase nascente, tentando os primeiros passos e fazendo os seus ensaios de
adaptação. Seria de mau conselho que, nesse período inicial e ainda
embrionário e rudimentar da organização universitária, se tentasse, com risco
de graves danos para o ensino, o regime de autonomia integral39.
Esse longo trecho nos permite entender a argumentação do governo varguista
para qualquer manifestação contra a ordem ou mesmo dentro da ordem. O perigo, como
dissemos, está na fragilidade em que se constituiu o regime burguês. O padrão
compósito de hegemonia burguesa necessitava do passado, do regime anterior,
escravocrata-colonial para a sua existência. Rompê-lo seria a execução da ordem social.
Por isso, Campos impede que a autonomia integral valha juridicamente, alegando que o
pais não estava preparado para tal fato. A ABE e a ABC, conforme mostramos,
encamparam uma luta em defesa da universidade concebida como o lócus da ciência, o
espaço eleito por unanimidade para a produção e formação da ciência e de cientistas no
país. As associações afirmavam por meio de Inquéritos, como foi o caso da ABE ou por
meio de textos e palestras como foi o caso da ABC que para que surja uma universidade
de qualidade era necessário atender a todas as exigências da contemporaneidade.
Abster-se disso seria manter o ensino frágil e disfuncional para o desenvolvimento da
democracia capitalista. Anísio Teixeira foi um dos grandes defensores do ensino de
39
Idem, ibidem.
17
qualidade40 por meio do qual enfrentaria todas as exigências impostas pela realidade.
Segundo Teixeira, “democracia sem educação e educação sem liberdade são antinomias,
em teorias, que desfecham, na prática, em fracassos inevitáveis” (TEIXEIRA, 2007,
p.59). Tal idéia converge com as posições de educadores e cientistas de que era
necessário reformar para contemporaneizar o ensino com o objetivo tornar a sociedade
democrática nos padrões burgueses, portanto, desenvolver a sociedade. Campos afirma
que a reforma do ensino não deve estar totalmente abraçada com o presente dando uma
resposta direta aos favoráveis à mudança educacional.
Para Campos a autonomia vinha de forma processual com o passar do
desenvolvimento do próprio espírito de universidade. Transcrevemos a sua
argumentação:
Este o motivo pelo qual o projeto preferiu a orientação prudente e segura da
autonomia relativa41, destinada a exercer uma grande função educativa sobre
o espírito universitário, que na sua prática adquirirá a experiência e o critério
indispensáveis a uma autonomia mais ampla, seja no terreno administrativo,
seja no domínio didático. Com a experiência poderá o quadro da autonomia
ir se alargando de maneira gradual e progressiva até que, finalmente, com o
desenvolvimento da capacidade e da envergadura do espírito universitário,
este venha a reunir sob a sua autoridade todos os poderes do governo do
grande agrupamento administrativo, técnico e didático que constitui a
Universidade42.
A justificativa explícita baseia-se na implantação da autonomia relativa como
um mecanismo progressivo na administração universitária. Alcançando a maturidade,
pois sua criação era recente, a universidade teria poderes maiores que na época de sua
criação. Só que a justificativa implícita está no impedimento de qualquer criação de
universidade que ferisse o limite imposto pelo governo Vargas. A autonomia integral
nunca há de chegar pela via da gradualidade processual. A idéia era impedir o
rompimento do padrão dependente de universidade por parte dos críticos e
pesquisadores da educação.
Destacamos a visão de Campos acerca do polêmico debate sobre o modelo a ser
seguido da Universidade do Rio de Janeiro. A sua história, já mencionada no capítulo
anterior, limitava-se nos cursos de Direito, Engenharia e Medicina. Segundo Campos,
faltava dar à universidade um curso que voltasse para os estudos das artes em geral
40
Ensino escolar de qualidade para Teixeira seria a difusão do saber acumulado da humanidade a
todas as camadas sociais do Brasil.
41
Grifos do autor.
42
Idem, ibidem.
18
“[...] indispensável e obrigatório complemento de toda a cultura, que não
aspira a formar apenas valores de utilidade econômica, senão que tende a
ser, pelo seu conteúdo e a sua extensão, um autêntico sistema de valores
espirituais, na mais ampla latitude da expressão como deve ser o organismo
universitário” (CAMPOS, apud FÁVERO, 1980)
Por conta da ausência da arte o ministro agregou a Faculdade de Ciências,
denominada por ele de Faculdade de Educação, Ciências e Letras e ainda A Escola de
Belas Artes e o Instituto de Música43. Campos centraliza a identidade da universidade
na Faculdade de Educação, Ciências e Letras pelo motivo de acentuar “o caráter
propriamente universitário” por conta da estrutura curricular de tal Faculdade
aprofundar os estudos da alta cultura do saber. Ainda conforme o ministro, os estudos
da alta cultura no nosso país não podem ser feitos de maneira integral e exclusivamente,
isto é, de maneira a atender somente os aspectos do pensamento abstrato. O caráter
prático e instrumental da Faculdade deve equilibrar o ensino abstrato.
Acreditamos que a posição de Campos é contrária às posições de intelectuais da
ABE e da ABC. Primeiramente, os membros da ABE e da ABC acreditavam que
deveria se criar uma nova universidade e não o que o ministro fizera, pois estabeleceu
uma unificação de Faculdades já existentes, tornando-a modelo para as vindouras. Esse
aspecto foi duramente criticado por Anísio Teixeira por ferir à autonomia institucional.
Segundo, que a Faculdade de Ciências e Letras ganhou um “sobrepeso” ao centralizar a
função articuladora da universidade. Os membros da ABE, liderados por Fernando de
Azevedo, criaram a USP em 1934, e catalisaram a Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras como eixo articulador da universidade. No entanto, a diferença está no caráter
instrumental que Campos destinou à referida Faculdade. Segundo o ministro, o objetivo
está em formar educadores para atuarem no ensino secundário, nos ginásios oficiais e
equiparados44. Tanto Teixeira como Azevedo defendiam um ensino que articulasse as
faculdades, com o intuito de aprofundar o conhecimento científico capaz de
potencializar o desenvolvimento da cultura científica nacional. Tal posição tende para o
desenvolvimento progressivo do país, idéia explicitamente controlada por Campos.
Vemos seu controle, por exemplo, na imposição da Universidade do Rio de Janeiro
como modelo a ser seguido por universidades a serem criadas. Azevedo ao referir-se em
defesa das reformas que realizou no Distrito Federal e em São Paulo afirmou que não
[...] rompeu como cogumelo, sem raízes, aberto no monturo de
decadências”, pelo contrário, elas – as reformas – se formaram a partir
43
44
Idem, ibidem
Idem, ibidem.
19
“[...] de um sistema de idéias que constituíram uma política de
educação, coerente e orgânica [...]” e que tiraram suas raízes dos
debates e das idéias daquele inquérito45 (AZEVEDO, 1957, p. 27 apud
SILVA, 2009).
A fidelidade quanto à integração da ABE pôde caracterizar a marca diferencial
entre as políticas educacionais proferidas pelo governo e as políticas propostas pelos
membros da ABE.
Teixeira também baseou sua análise pela fundamentação das idéias discutidas na
ABE. Segundo o autor seu princípio de organização escolar está distribuído da seguinte
maneira:
[...] embora as instituições escolares tenham seus objetivos próprios, todas
elas se articulam em um sistema contínuo de educação, em que os graus
mais altos influem na organização e sentido dos menos altos, determinando
isto que o ensino médio condicione o primário, e o superior condicione o
médio. (TEIXEIRA, 1994, p. 66).
A proposta acima defendida por Anísio Teixeira nos mostra o sentido de
organização e de articulação entre os níveis de ensino que não estão presentes na
Reforma Francisco Campos. Apesar de Paim (1982) mencionar que o Estatuto das
Universidades Brasileiras está voltado para o aprimoramento do ensino secundário, não
significa que se coadune com a proposta anisiana. Acreditamos que a Reforma
Francisco Campos para o ensino superior concretizou o padrão dependente de ensino
superior brasileiro e não uma tentativa ousada de mudança na educação. Por isso, a
centralização por parte de Francisco Campos nos revela, como afirmava Teixeira, uma
“fragilidade política”, que em nossa análise não seria uma fragilidade, mas uma posição
política adotada pelo ministro. Era necessário centralizar a política educacional para
que a estrutura social se mantivesse conforme consolidado. Defendemos, portanto, que
o padrão compósito de hegemonia burguesa fomentou o terreno para a
consolidação do padrão dependente de ensino superior no Brasil.
Uma das principais obras que fundamentam a hipótese acima é a coletânea de
textos escrita por Florestan Fernandes denominada Universidade Brasileira: reforma ou
revolução. Escrita em 1968 no calor do debate sobre uma nova lei que substituísse o
Estatuto das Universidades Brasileiras, Fernandes elabora uma criativa relação entre
educação e desenvolvimento. Segundo o autor, os países capitalistas dependentes
mantêm em estrutura produtiva um ensino que legitime a ordem social, dominada por
frações compósitas. Acreditamos que suas análises nos ajudam a compreender o papel
45
Refere-se ao Inquérito de 1929. Maiores informações ver: Paim (1982).
20
embrionário da universidade nos anos de 1930. O fio condutor pelo qual atravessa a
história das universidades no Brasil está marcado pela estrutura compósita,
heteronômica, autárquica e dependente, termos usados para fundamentar conceitos
centrais na obra teórica do mencionado sociólogo. Citamos um trecho da obra de
Florestan Fernandes que se articula com época em estudo. “O ensino superior brasileiro,
em particular, ajustou-se apenas aos requisitos de poder de uma estratificação social
oligárquica, amolgando-se ao privilegiamento societário dos profissionais liberais.”
(FERNANDES, 1968, p.115).
Anísio Teixeira idealizou o projeto de criação de uma universidade capaz de
formar pesquisadores e professores, em que a ciência fosse o lócus de formação com o
objetivo de introduzir uma nova cultura no país, que seria a ruptura com o padrão
compósito de hegemonia burguesa.
A Universidade do Distrito Federal (UDF) foi instituída por um Decreto
Municipal n° 5.513 em 4 de abril de 1935 e o primeiro reitor a administrar a
universidade foi Afrânio Peixoto no qual considera:
[...] A universidade não é uma Pallas, a sair inteira e perfeita de um
decreto como uma idéia, de uma cabeça: a Universidade é e deve ser
uma criação contínua. Não temos ainda todas as instalações,
havemos de tê-las. Mas queremos, mesmo antes de definitivas
instalações materiais, o espírito universitário46. (PEIXOTO apud
FÁVERO, 2009, p.22).
Notemos que a vontade de implementar a UDF vem pela certeza de ser um
projeto ousado até então não visto. A nomeação de Anísio Teixeira em 15 de outubro
1931 como Diretor Geral de Instrução Pública do Distrito Federal foi o primeiro
impacto de transformação vista na capital do país. Permanecendo como diretor geral até
1935, Teixeira procurou implantar o “espírito universitário” em todos os cursos de
graduação. Elaborou projetos que foram respeitados pelo sucesso e ousadia. Não seria
diferente no projeto de universidade. Afrânio Peixoto abraçou a criação da UDF.
Durante a sua passagem pela Europa para representar o país na Inauguração do Instituto
Luso-Brasileiro de Arte e Cultura, em Portugal e no Congresso Internacional de
Educação, realizado na Inglaterra Peixoto pesquisou os melhores professores para
ocuparem as áreas de conhecimento na futura UDF, por considerar a inexistência de
profissionais nos padrões capitalistas no Brasil (FÁVERO, 2009).
46
Grifos nossos.
21
Anísio Teixeira corroborando com as pesquisas do Afrânio Peixoto na Europa
em busca de professores especializados afirmava que “a cultura brasileira se ressente,
sobretudo, da falta de quadros regulares para a sua formação” (TEIXEIRA, 1935 apud
FÁVERO, 2009). Esta afirmativa mostra a iniciativa de formar, com qualidade, os
futuros profissionais. A idéia de Teixeira era convidar os professores estrangeiros
temporariamente.
Em discurso de inauguração da UDF, Teixeira afirmou que a universidade não
possui verdade nenhuma a dar “a não ser a única verdade possível, que é a de buscá-la
eternamente 47”. A grande temática da UDF era difundir o conhecimento, além de criar
um espaço de pesquisa onde os professores passavam aos estudantes – futuros
pesquisadores – os métodos científicos da época mais usados em todas as áreas de
conhecimento. Para que houvesse a pesquisa seria necessário o exercício pleno da
liberdade, da autonomia. Vimos que a Reforma Francisco Campos limitou a autonomia
por afirmar que o espírito universitário ainda estava precoce no país. Ao contrário do
que afirmava Peixoto, a UDF teve a iniciativa de potencializar tal espírito, porém
sofrendo duras críticas com relação ao excesso de liberdade que a universidade
propagava.
As críticas que a UDF recebia eram contemporaneizadas por Pedro Ernesto,
Interventor do Distrito Federal eleito em setembro de 1931 e Prefeito da capital da
República após a Constituição de 1934, discriminado pelos próprios representantes
políticos, sendo seus passos visados a todo o momento. Quanto mais Pedro Ernesto
liberava verba para construir a estrutura da universidade, mais ganhava críticas de
opositores, especialmente os sujeitos políticos vinculados à Igreja Católica. Uma breve
análise da Fávero (1980) demonstra que tanto Teixeira como Ernesto sofriam
retaliações:
Nos últimos dias de 1935, Pedro Ernesto, prefeito da capital da
república, viu-se discriminado por representantes do poder político.
Embora resguardando-se, em virtude de seu cargo, mantinha simpatias
pela Aliança Nacional Libertadora. Mesmo tendo grande
relacionamento na área política oficial, estava marcado e havia, antes
de tudo, como mostra Hermes Lima, um sacrifício ritual a executar: o
afastamento de Anísio Teixeira. Desde 1931, este último vinha sendo
alvo da campanha da liderança católica na discussão sobre a escola
pública, o que se intensificou a partir de 1935, nos debates sobre a
Universidade do Distrito Federal. Apesar de todas as pressões, o
prefeito mantivera-o à frente da Secretaria da Educação por quatro
47
Idem, ibidem.
22
anos. No contexto dos acontecimentos Anísio Teixeira nesta secretaria
não era visto com bons olhos por parte dos grupos ligados ao poder e
pela ala de educadores conservadores, uma vez que muitos o
encaravam como conselheiro político de Pedro Ernesto e elemento
participante do movimento da insurreição comunista, embora não
tivesse fundamento nenhuma coisa nem outra. (FÁVERO, 1980, p.72)
As acusações recebidas por Teixeira aumentavam na medida em que o governo
direcionava seu discurso contra o comunismo48. Apesar de Teixeira não ter posição
política favorável ao comunismo, sua postura diante do necessário rompimento do
padrão compósito de hegemonia burguesa e na instauração de um regime genuinamente
burguês incomodavam as elites brasileiras e forçavam a saída de Teixeira do cargo de
Diretor de Instrução Pública do Distrito Federal. Sua saída forçada acontece em 1936 e
inicia-se um processo de desmantelamento da UDF chegando a sua extinção em 1939.
5- Conclusão:
O trabalho analisou o percurso de Anísio Teixeira na implementação da
Universidade do Distrito Federal, em 1935, afirmando que tal criação significou uma
revolução dentro da ordem na história do ensino superior no Brasil.
Utilizamos a fundamentação histórico-sociológica de Florestan Fernandes para
contextualizar a trajetória de Teixeira na condução de políticas educacionais, pois
acreditamos que tal iniciativa contribuiu para o processo de rompimento do padrão
compósito de hegemonia burguesa no Brasil.
6- Bilbiografia:
1) BENSAÏD, Daniel. Marx, o intempestivo: Grandezas e misérias de uma
aventura crítica (séculos XIX e XX). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
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5) FÁVERO Maria de L. Anísio Teixeira e a Universidade do Distrito Federal
Revista Brasileira de História da Educação. Editora: Autores Associados, 2001.
Em novembro de 1935, ocorreu a chamada “insurreição nacional-libertadora” conhecida como
“intentona comunista”. Segundo Fávero, concordando com a visão de Hermes Lima, o levante de 1935
“envenenou a ambiência política do país e contribuiu para que o conceito de segurança nacional fosse
reduzido à segurança contra o comunismo” (FÁVERO, 1980, p.71)
48
23
Disponível
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http://www.sbhe.org.br/novo/index.php?arq=arq_sociedade&titulo=Sociedade.
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10) __________________. Capitalismo dependente e classes sociais na América
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