O sujeito do conhecimento Guilherme Santinho Jacobik (Mestre em Educação – USP- Professor da UNIBAN) Que grande dilema vive a escola contemporânea, campo de nossa atuação como educadores, imersa na chamada “sociedade da informação” e perdida nas inúmeras rotulações que lhe são impostas: tradicionalista, atrasada, arcaica, chata etc. Um grande número de “especialistas” e articulistas de jornais, revistas, rádios e canais de televisão, enfim, da mídia, apontam seus dedos críticos à instituição Escola e, por conseguinte, ao seu maior representante, o professor. Acusam tanto os que atuam quanto os em formação inicial pelo estado precário em que se encontra o ensino no país. De tempos em tempos listas e dados estatísticos, ora do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) ora da UNESCO (Órgão da Organização das Nações Unidas ligado às questões educacionais), entre outros, alimentam as críticas e, sem analisar a macroconjuntura política, econômica e social, encontram facilmente o “bode expiatório” ideal: o professor. E surgem expressões que, de tão repetidas, já ecoam entre nossos próprios pares, entre os próprios educadores: “Os professores pararam no tempo”; “Os professores não querem inovar”; “Sua formação é péssima”; “O professor perdeu sua vocação”, entre tantas outras. Este é um registro sintomático, não da condição da Escola e de seus Educadores, mas de uma histórica falta de reflexão conjuntural daqueles que analisam o ensino formalizado. É fato que em termos quantitativos de informação e tecnologia, muito se mudou socialmente. A quantidade de meios de exposição à informação é imensa: internet, T.V., rádio, periódicos, livros etc. Mas será que todo esse contato permitiu a formação de sujeitos com opiniões críticas sustentadas? Terão estes estímulos tornado-se conhecimento a serviço da melhoria social, seja ela individual ou coletiva? Obviamente que não, é o que a realidade nos mostra e a culpa não é somente da Escola Hoje é lugar comum apontar a defasagem tecnológica de nossas escolas como ponto forte do fracasso da formação do aluno. Pergunto: abastecer a escola (essa mesma criticada) de computadores resolverá essa defasagem? A mudança necessária às escolas, para que estas formem alunos capacitados à vida social, passa apenas pela substituição material? Não pretendo neste artigo defender ou refutar as inovações materiais na escola, mas sim, levantar mais questões do que as pretensiosas certezas daqueles que criticam o professor, entre elas, duas iniciais: A formação do aluno, tão duramente questionada, deve servir a quê e a quem? Em que outro espaço social há a possibilidade de reflexão sobre o papel dos sujeitos na sociedade, do que a escola? Apesar de comumente a escola ser analisada, de forma unilateral por aqueles que se encontram fora dela, como um espaço estéril à mudança, é ela mesma que tem enfrentado o desafio de reconhecer seus limites e é dela que ecoam movimentos de mudanças que superam os anseios do mercado, porque a escola não surgiu como instituição social para satisfazer apenas “mão de obra” e sim para acolher sujeitos no seu pleno significado. Em primeiro lugar, é bom lembrar o que parece obviedade: é a escola, qualquer escola, que sistematiza e instrumentaliza o sujeito para ler as diversas facetas do mundo real sob a ótica da ciência, o que não significa um olhar melhor, mas é um dado irrefutável, o de que é o primeiro, e para muitos o único, espaço social que aproxima o sujeito da ciência. Como bem descreveu Arnay (2002, p.38): O fato de o sistema cognitivo humano atuar naturalmente para interpretar o mesomundo (Delbrück, 1989) e elaborar teorias populares sobre essa dimensão faz com que uma das características das aprendizagens escolares seja situar os alunos, desde o início da sua escolarização, diante de tarefas e problemas que não podem ser resolvidos com modelos elaborados mediante a percepção imediata ou os conceitos naturais aprendidos de maneira informal na interação social. A aprendizagem formal, entre outras coisas, tenta transformar a maneira como habitualmente se situa a análise das dimensões intermediárias da realidade e situar quem aprende diante dos processos de indagação sobre dimensões às quais não se pode ter acesso sem instrumentos técnicos adequados. Com isso não se renega a importância do olhar não científico sobre as interações com o mundo, nem se privilegia a ciência como única verdade, como mito acabado, e sim como fruto de suas conexões históricas e sociais (Cortella, 2000, p.101). Algumas das críticas à escola são, infelizmente, verdadeiras, mas também têm emanado dela a necessidade e a busca por mudanças. Das tantas questões fundamentais que a escola vem refletindo, a distância entre o desejo de alunos e professores em vivenciar saberes necessários à vida e a lenta mudança dos saberes escolares tradicionais são algumas das mais contundentes. Morin (2001, p. 35) destaca a dicotomia existente entre os saberes ensinados na escola atual, desunidos, divididos e compartimentados e os problemas que são cada vez mais multidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais e planetários. Para encontrar a devida pertinência é, segundo ele, necessário tornar evidente (visível): o contexto; o global; o multidimensional e o complexo. O contexto. Morin afirma a importância de situar as informações e os dados no seu contexto, assim como as palavras dentro do texto. O conhecimento de informações ou dados isolados é insuficiente. O global (as relações entre o todo e as partes). É preciso ver o todo, o global é mais do que o contexto, é o conjunto da diversidade. Por exemplo, uma sociedade é o todo organizado de que fazemos parte. O multidimensional. O ser humano é uma unidade complexa e como tal multidimensional. É ao mesmo tempo biológico, psíquico, social, afetivo e racional. A sociedade, por conseguinte, comporta as dimensões históricas, econômicas, sociológicas, religiosas etc. O conhecimento deve levar em conta essa visão conjuntural, evitando isolar uma parte do todo, e as partes umas das outras. O complexo. O conhecimento pertinente deve aceitar os desafios da complexidade, da inseparabilidade entre os elementos constitutivos do todo, que pode ser econômico, político, psicológico etc e suas partes, as partes e o todo, as partes entre as partes e assim sucessivamente. Segundo Penséss (Apud Morin, 2001, p.37): “sendo todas as coisas causadas e causadoras, ajudadas ou ajudantes, mediatas e imediatas, e sustentando-se todas por um elo natural e insensível que une as mais distantes e as mais diferentes, considero ser impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tampouco conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes”. Creio que a busca das soluções para os problemas da escola contemporânea é em si a maior conquista possível neste momento. Há uma enorme possibilidade de que o cerne das questões para a mudança esteja dentro da própria escola! No sujeito, ou melhor, nos sujeitos! Poderíamos falar do sujeito em suas múltiplas categorias, mas aqui nos interessa enfatizar um sujeito múltiplo em si, o sujeito do conhecimento, ou melhor, os sujeitos do conhecimento escolar, professores e alunos. Retomando o início deste artigo, não é possível avançar nas discussões sobre a mudança da Escola para que atenda melhor seu público, se estas não estiverem embasadas numa análise mais aprofundada, conjuntural. Permita-me aprofundar a idéia de sujeito múltiplo. Sabemos que, como humanos, estamos sujeitos e ao mesmo tempo sujeitamos o outro. Ou seja, a cada ação nossa, cabem inúmeras cadeias de reações e novas ações, justamente porque há inúmeros elos dentro do complexo sistema sócio-interacionista. Desde cedo aprendemos a ser múltiplos, a nos condicionar, nos adaptar, nos sujeitarmos aos diferentes ambientes, e cedo também aprendemos a modificá-los e adaptá-los às nossas conveniências. Como ambiente falo do todo, vivo ou não vivo, inclusive do ser humano. Um claro exemplo dessa precoce interação vem da observação de crianças pequenas, entre três ou quatro anos, que são capazes de agir de acordo com a devida conveniência. Em uma creche onde as crianças conviviam diariamente mais de 12 horas acontecia um interessante fato: no primeiro período, duas educadoras as acompanhavam, e a relação criança/adulto era diferente com cada uma delas. Uma dessas educadoras, resignada, dizia que não era prontamente atendida pelas crianças, ao passo que a outra os tinha “nas mãos”. Fato mais interessante é que ao fim de cada período, tanto as educadoras da manhã, quanto as duas outras da tarde, escreviam um relatório detalhado do dia e da análise do grupo. O resultado era, olhando externamente, a aparente composição de dois grupos distintos, o que não era realidade, pelos menos fisicamente falando. O que leva crianças tão pequenas a “perceber” tão complexo jogo de relações? A resposta é demasiado longa para este artigo, mas é fato que os sujeitos, mesmo tão pequenos, lêem e interpretam seu mundo. Certamente as crianças referidas não aprenderam tudo o que sabiam apenas pelas vias da creche, visto que se trata, apenas, de mais um dos ambientes sociais onde convivem. Nas relações familiares esse agir é muito comum, a criança distingue modos de interagir e adaptar com diferentes variáveis: Com a mãe, quando sozinha com ela; Com o pai; Com ambos juntos; Com seus irmãos; Dentro e fora de sua casa; Etc. Podemos denotar desse exemplo que ao se desenvolver o sujeito vai ampliando sua capacidade, sua rede de relações e, por conseguinte, a complexidade de fatores e ações. Assim, podemos supor suas ações diferenciadas em outros inúmeros ambientes sociais, entre eles a Escola, espaço que para muitas crianças, acaba sendo o segundo ambiente social após a família. Eis um dos motivos de tamanho choque entre a linearidade da tradição escolar, descrita anteriormente por Morin, e este sujeito múltiplo, que lê o mundo em rede. Será necessário nos valermos de uma metáfora, a da Rede de Conhecimento para que se compreenda a concepção de multiplicidade do sujeito, aluno e professor. O filósofo Adorno (Apud Machado, 1999, p. 121) ressalta que: O conhecimento se dá numa rede onde se entrelaçam prejuízos, intuições, inervações, autocorreções, antecipações e exageros, em poucas palavras, na experiência, que é densa, fundada, mas de modo algum transparente em todos os seus pontos. Também o matemático Rosenstiehl (Ibid) destaca que: A nossa época será marcada pelo ‘fenômeno rede’. Como todos os fenômenos morfológicos profundos, de carácter universal, o fenómeno rede pertence não só à ciência mas também à vida social. Cada um de nós se situa em redes, correspondendo cada rede a um tipo de comunicação, de freqüência, de associação simbólica. Quando no futuro se fizer o elenco das abstracções que marcaram mais profundamente o espírito humano no decorrer desta segunda metade do século, ter-se-á certamente a cifra lógica (a escolha binária ou o furo no mapa que se combina com outros furos), mas, também, quase tão importante como aquela, ter-se-á o objecto “rede”. Somos todos, como humanos, embebidos dos estímulos do ambiente, e somos, ao mesmo tempo, o próprio ambiente. Como tal estimulamos e somos estimulados, refletimos nossas heranças e somos refletidos. Adaptamos-nos aos lugares sociais que freqüentamos e, como professores, “vestimos a camisa das instituições onde trabalhamos”, como alunos também. Assim o ser humano é ao vestir as inúmeras camisas que o guarda-roupa social fornece: marido/mulher; namorado/namorada; pai (mãe)/filho (filha); aluno (a)/professor (a) etc. Fazemos nossas leituras do mundo também pela ótica do outro, porque “todo ponto de vista é a vista de um ponto”. Somos humanos, e a condição humana é a interdependência social, o homem é, de fato, um “animal social”. O aluno chega à escola não como uma folha em branco a ser preenchida, ou, como mais uma das clássicas metáforas educacionais, como um balde, em que o conhecimento será vertido e ao transbordar preencherá majestosamente a vida com realizações. O aluno traz o que temos chamado de conhecimentos prévios e, acrescento, o professor/educador também traz. Desse contato, e não do choque, poderia nascer uma nova relação, quem sabe daí uma nova Escola, mais fiel às necessidades verdadeiramente sociais? Obviamente, todo período de transição consiste na perda da identidade anterior e na busca de sua reconstrução sobre outras bases, há, em certa etapa, a convivência entre formas divergentes e mesmo contraditórias. Há uma evidente naturalidade na contradição entre as metáforas e as práticas, ou, como afirma Machado (1999, p.122): Naturalmente, tal compreensão é condição sine qua non para a passagem do discurso à ação, embora não a garanta. Evidencia tal ausência de garantia o fato de que a substituição de certas metáforas fundadoras não conduz automaticamente à alteração das ações correspondentes, sendo freqüente um período em que teoria e prática relacionam-se de forma até certo ponto esquizofrênica. Um exemplo candente é a sobrevivência da prática da avaliação como um processo de medida, apesar de a metáfora do conhecimento como um balde que se enche não se apresentar mais como atraente nos discursos pedagógico e epistemológico. Algumas escolas têm compreendido que o conhecimento é construído com base em redes de conhecimento, portanto, consideram que não é mais possível conceber uma aprendizagem passiva na relação professor/aluno, mas que esta é dialógica, cabendo a confluência de outras conexões. É como um neurônio, ou melhor, uma rede deles, em que cada um representa uma multiplicidade de sujeitos e, ao mesmo tempo, representam a potencialidade de uma conexão em rede. Segundo Pagels (Apud Machado, 1999, p.125): (...) a organização do cérebro em neurônios, ligados por axônios e dendrites, serve de modelo aos conexionistas na concepção de cérebros (eletrônicos). Os neurônios correspondem às “unidades” e os axônios e dendrites correspondem às ligações... a aprendizagem refletese na alteração das ligações, tal como as propriedades químicas das ligações neurais se alteram durante o processo de aprendizagem de um organismo. Em poucas palavras, são as ligações, a própria concepção de uma rede, as responsáveis pelo seu funcionamento, e não um programa qualquer do tipo dos que aparecem num computador convencional (...) o conhecimento é distribuído pela totalidade da rede. Tomemos muito cuidado com nossas “definições definitivas” porque, de fato, algumas escolas têm se modificado e percebido a importância dos sujeitos, todos eles, no processo de ensino, mas isso não significa, em absoluto, que encontraram as respostas para os problemas. Não se abandonam velhos paradigmas rapidamente. O risco de modismos e arranjos passageiros é enorme, o que explica a atual convivência de teorias educacionais consideradas retrógradas com as “novas”. Segundo Mosterin (Ibid, 1999, p.135): Somos como pescadores e nossas teorias são como redes. E não deixamos de lado de bom grado as redes com as quais algumas vezes pescamos pelo mero fato de que não servem para certos peixes ou em determinados mares, mas continuamente inventamos e tecemos novas redes e distintas e as lançamos à água, para ver o que pescamos com elas. Não desprezamos rede alguma e em nenhuma confiamos excessivamente, ainda que prefiramos carregar o barco com as redes mais eficazes e deixar no porto as de menos uso. E assim vamos navegando, renovando continuamente nosso arsenal de redes em função das características da pesca. Mas o que significaria, afinal, organizar o conhecimento em rede, se opondo à idéia clássica de linearidade e de conteúdos pré-concebidos à revelia da realidade? Para Machado (1999): Compreender é aprender o significado; Aprender o significado de um objeto ou de um acontecimento é vê-lo em suas relações com outros objetos ou acontecimentos; Os significados constituem, pois, feixes de relações; As relações entretecem-se, articulam-se em teias, em redes construídas social e individualmente e em permanente estado de atualização; Em ambos os níveis individual e social - a idéia de conhecer assemelha-se à de enredar. Para o autor, a idéia de rede se opõe à maneira tradicional de organizar o ensino. (...) Neste ponto, não se pode perder de vista que a metáfora da rede contrapõe-se diretamente à idéia da cadeia, de encadeamento lógico, de ordenação necessária, de linearidade na construção do conhecimento, com as correspondentes determinações pedagógicas relacionadas com os pré-requisitos, as seriações, os planejamentos e as avaliações. Na prática, como fica a rede na escola? Falamos, é claro, da escola atual, historicamente situada num momento de mudança. Creio que algumas pistas foram dadas nos últimos anos quando alguns educadores se deram conta de que é impossível colocar, pela lógica da transmissão de conhecimento, do emissor/receptor, todo conhecimento produzido pela humanidade dentro da escola. Fernando Hernández nos lembra que toda possibilidade de informação da vida de um sujeito no século XVII caberia em um periódico de domingo. Vivemos uma efervescência de conhecimento e informação que não pode ser simplesmente despejada na escola. Na etapa atual, trata-se de enorme avanço a possibilidade de selecionar (aluno, professor e comunidade escolar) conceitos, procedimentos e atitudes chaves a serem trabalhados, formalizados, como afirma Machado (1999, p. 154): Neste caso, planejar as atividades a serem desenvolvidas, por exemplo, em um bimestre letivo, aproximar-se-ia muito mais da escolha, em cada disciplina, de alguns poucos temas - um, talvez: no máximo três ou quatro - para funcionar como germes da rede de significados a ser tecida. Os temas escolhidos são pretextos, não são conteúdos a serem esmiuçados e desenvolvidos analiticamente; o valor de cada um deve ser estimado a partir de suas possibilidades de agregação, de articulação, de catálise. No que tange às disciplinas, a metáfora da rede nem de longe tende a mitigar sua importância. De fato, nos processos cognitivos, sempre serão necessários ordenamentos, procedimentos algorítmicos, hierarquias, ainda que o conhecimento não possa ser caracterizado apenas por estes elementos constitutivos, isoladamente ou em conjunto. Analogamente, afirmar-se a flexibilidade das fronteiras disciplinares não significa que as disciplinas tornam-se dispensáveis; seguramente elas não o são. Apesar das inúmeras mudanças educacionais nos últimos anos, a corrente dos que acreditam que o ensino se pauta na transmissão, de fora para dentro, como o já citado “balde” e, mais grave, que é o educador o único responsável pela transmissão do conhecimento, ainda prevalece. No entanto, se analisarmos mais de perto as práticas veremos que essa relação não ocorre exatamente desta forma. O aluno, ainda que não “oficialmente” estimulado a partilhar o que sabe, o faz à revelia, porque a curiosidade e a complexidade das suas redes de relações o permite. O mesmo se dá com o educador, que ao se dar conta, percebe que também aprendeu com seus alunos. Se ambos ganham com essas trocas, por que elas não se oficializam? Por que não se tornam a tônica da Educação de nossos tempos? Em primeiro lugar, porque a tradição é algo tão forte que se torna uma espécie de “inconsciente coletivo”, a idéia que se tem do que é ser professor é resumida na frase: O professor é aquele que ensina, e o aluno, o que aprende. Há muitas práticas escolares que, camufladas de inovadoras, mascaram a essência da frase anterior. Em segundo lugar, porque, contraditoriamente, embora a humanidade tenha avançado em transmissão de informações, isto não tornou o ser humano mais reflexivo. O que me leva a crer que ambos, professor e aluno, se tornaram meros receptores, ou melhor, o professor é apenas a “antena de captação” de informações que não lhe dizem respeito, e o aluno o “espectador passivo” e acrítico dos programas forjados por indivíduos sem rosto. Paulo Freire (1985, p.32) resume essa idéia de maneira brilhante ao dizer: Na verdade, para que a afirmação ‘quem sabe ensina a quem não sabe’ se recupere de seu caráter autoritário, é preciso que quem sabe saiba, sobretudo, que ninguém tudo ignora. O educador, como quem sabe, precisa reconhecer, primeiro, nos educandos em processo de saber mais, os sujeitos, com ele, deste processo e não pacientes acomodados; segundo, reconhecer que o conhecimento não é um dado aí, algo imobilizado, concluído, terminado, a ser transferido por quem o adquiriu a quem ainda não o possui. Infelizmente, vivemos um momento histórico pouco favorável à reflexão e à vontade de mudança, esta que era de ordem política ideológica deu lugar às pressões do mercado, da indústria dos vestibulares e dos conteúdos estéreis e pré-programados nas apostilas dos cursinhos. É a venda do sonho de sucesso individual que passou por cima da tão necessária e urgente visão coletiva, solidária e de organização social para o bem-estar comum. Creio que neste período de transição histórica que a escola passa, como instituição, os valores sociais deveriam ser resgatados. Gostaria de finalizar registrando, talvez até de forma defensiva, pois sou também educador, que a Escola tem sido responsabilizada por uma série de absurdos, no entanto, estou convicto ainda, apesar dos tantos anos de luta, que é dela que partem as idéias mais avançadas de mudança social. A rede de relações possíveis numa escola não deve refletir a selvagem relação do mercado, a instituição escola é ainda o campo fértil da reflexão e da ação para a mudança, para o melhor que há na natureza humana. Num momento em que a sociedade não crê mais na Educação como possibilidade de ascensão social, o que se tratava de mais um dos mitos em torno da escola, é ainda nela que se proporciona o convívio da diferença em níveis saudáveis, as trocas de pontos de vistas e a instrumentalização necessária para enfrentar a realidade. Bibliografia: ARNAY, J. Conhecimento Cotidiano, Escolar e Científico: Representação e Mudança. São Paulo: Ática, 2002. CORTELLA, M.S. A Escola e o Conhecimento. São Paulo: Cortez, 2000. FREIRE, P. R. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1985. MACHADO, N.J. Epistemologia e didática, as concepções de conhecimento e inteligência e a prática docente. São Paulo: Cortez, 1999. MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2001.