PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS INTRODUÇÃO À BÍBLIA (Pe. Fernando Aguinaga, E.P.) CURSO DE TEOLOGIA PARA LEIGOS E LEIGAS COM ORIENTAÇÃO PASTORAL TEMA 1: APRESENTAÇÃO DO CURSO “Quanto a você permaneça firme naquilo que aprendeu e aceitou como certo; você sabe de quem o aprendeu. Desde a infância você conhece as Sagradas Escrituras; elas têm o poder de lhe comunicar a sabedoria que conduz à salvação pela fé em Jesus Cristo. Toda Escritura é inspirada por Deus e é útil para ensinar, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem seja perfeito, preparado para toda boa obra. Rogo a você... Proclame a Palavra, insista no tempo oportuno e inoportuno, advertindo, reprovando e aconselhando com toda paciência e doutrina” (2Timóteo 3, 14-4,2) 1. ASPECTOS GERAIS A Bíblia faz parte fundamental da vida cristã, tanto no nível pessoal como comunitário. Na celebração da eucaristia, dos outros sacramentos, na oração oficial da Igreja (Liturgia das Horas), no convite à oração pessoal de todos os fiéis... a Sagrada Escritura está presente em nosso quotidiano. Ela se encontra nas casas, nas igrejas, nas diversas reuniões, grupos de reflexão, nas catequeses, movimentos, pastorais, nas celebrações e em muitos outros eventos e situações. A partir do Concílio Vaticano II e, especialmente no Brasil, ganhou em importância e uso como base da vida espiritual e pastoral. Sem dúvida que as Comunidades Eclesiais de Base infundiram por todas partes o amor e uma maior sensibilidade em relação à Bíblia. Precisamos reconhecer também que muitas vezes não sabemos entender a mensagem que os textos sagrados apresentam para nós assim como também nos faltam critérios para interpretar muitas leituras bíblicas, principalmente do Antigo Testamento (Primeira Aliança). Existe uma distância cultural e histórica (tempo e espaço) entre o povo que viveu os acontecimentos que relata a Bíblia e nós. Participamos da mesma fé, a linguagem, porém, é diferente. Necessitamos de uma orientação básica para poder compreender o conjunto da Bíblia de um forma coerente e lógica, de acordo com a fé que vivemos. Este é o um dos objetivos principais deste curso. Aprendemos a caminhar engatinhando e é por isso que a leitura constante pessoal e comunitária é o melhor meio para descobrir as riquezas da mensagem divina. A leitura diária, a participação ativa em grupos de reflexão e na liturgia dominical sem dúvida que ajudam muito para adquirir uma compreensão amadurecida dos livros sagrados. A condição básica é, com certeza, a sinceridade na vida da fé, procurando diariamente descobrir e obedecer a vontade de Deus para nós. O desejo efetivo de colaborar com Deus na história humana para que venha a nós o seu Reino e se faça a sua vontade é a terra fértil que acolhe a semente da Palavra e produz frutos evangélicos. O verdadeiro conhecimento bíblico é mais espiritual do que técnico. Mas necessitamos da ciência literária para esclarecer melhor o significado dos textos. A santidade de vida que significa o aperfeiçoamento no amor cristão é o ambiente natural da compreensão da Bíblia. Mas também o pecador recebe do Senhor a luz interior que precisa para compreender que a misericórdia divina não tem limites e que a vida da graça é superior aos valores que propõe o mundo. A leitura bíblica pode ser às vezes difícil para nós, mas precisamos acreditar que Deus se aproxima de nós de forma que possamos descobrir a sua presença e experimentar, na fé, o seu amor de Pai. Buscai e encontrareis! Nos últimos séculos as ciências humanas avançaram muito na compreensão da literatura antiga e das culturas da época da Bíblia. O estudo da história e das línguas antigas do Oriente Próximo facilitou muito a compreensão do significado dos textos bíblicos. O Concílio Vaticano II aceitou formalmente em nome de toda a Igreja o diálogo destas ciências com a nossa fé e aprovou a nova forma de interpretar as Escrituras. A Bíblia não é um livro de ciência mas de fé. A biologia e a física tem seu próprio método para conhecer a origem e a evolução da vida, a forma e o movimento dos astros, etc. A Bíblia pode nos trazer relatos que usam expressões próprias da física (“o sol parou”) ou da biologia (“Deus fez da lama uma figura humana e soprou nela seu espírito”)... mas o que interessa para nós é a mensagem espiritual que nos transmite o projeto amoroso de Deus. Deus se revela na história humana. Isto significa que é na vida concreta das pessoas que encontramos a Deus, porque Ele não está longe mas perto de todos. Ainda mais a partir de Jesus de 2 Nazaré, Filho eterno do Pai, que se encarnou para se fazer nosso irmão e caminha conosco todos os dias até o fim dos tempos. A Bíblia dos cristãos tem seu eixo na pessoa de Jesus Cristo. A Primeira Aliança (Antigo Testamento) vai preparando o caminho para Jesus. A Nova Aliança (Novo Testamento) nos revela que na pessoa humana de Jesus de Nazaré nos encontramos com o Filho Eterno de Deus Pai... e é o Espírito Santo quem nos revela esta mensagem de salvação e nos coloca em comunhão com Jesus com quem caminhamos rumo ao Pai. Neste estudo bíblico refletiremos sempre alguns aspectos históricos da vida do Povo de Deus que nos ajudem a compreender melhor a mensagem que Deus revela inserida nessa mesma história... para assim podermos compreender melhor o significado da Palavra em nossa própria história atual. A mensagem bíblica foi elaborada em estreita relação com a história do povo. Nós vamos descobrir de forma geral qual é essa relação entre história e texto sagrado... para depois tentar fazer a ligação entre o texto sagrado e a nossa própria história. Assim, estudando alguns textos significativos da Bíblia poderemos adquirir uma comprensão global da mensagem dela e assimilar as chaves principais de interpretação para o nosso tempo. É claro que o instrumento principal do nosso estudo vai ser a própria Bíblia. 2. CRITÉRIOS PARA COMPREENDER MELHOR A BÍBLIA 2.1. A BÍBLIA SE INTERPRETA A SI MESMA Interpretar ao pé da letra não é, normalmente, a melhor opção. A própria Bíblia nos mostra como o Povo de Deus se sente no direito de interpretar um texto do passado de acordo com as necessidades do presente. O mais fácil é interpretar ao pé da letra mas nem sempre é o mais correto. Existem algumas orientações para interpretar melhor a Bíblia. Nós cristãos interpretamos a partir de Jesus Cristo, que é a Palavra viva de Deus para nós. O Novo Testamento (Nova Aliança) é uma interpretação do Antigo Testamento (Primeira Aliança) a partir da vida e da mensagem de Jesus de Nazaré, principalmente a partir da Páscoa de Jesus Cristo (morte e ressurreição). Vejamos alguns exemplos: PRIMEIRA NOVA ALIANÇA ALIANÇA Jeremias 31, 31-34 Hebreus 8, 6-13 Eclesiástico 21,26 Probérbios 30, 7-9 Isaías 61, 1-2 Jonas 3,1-4 Levítico 24, 19-20 SIGNIFICADO A Nova Aliança que Deus faz em Jesus Cristo é superior à Primeira Aliança feita por Moisés Romanos 10, 8-13 A verdadeira sabedoria é acreditar no coração e confessar com a boca que Jesus Cristo é o Senhor. Mateus 6, 9-13 A primeira oração é individual e pede coisas boas: nem riqueza e nem miséria. A oração de Jesus é mais completa: é um pedido solidário (nós) e coloca o projeto do Pai antes do projeto humano. Lucas 4, 18-21 O profeta anuncia que virá a salvação por meio da vingança contra os inimigos. Jesus anuncia que HOJE acontece já o projeto de Deus para os pobres, mas vem pelo amor. Marcos 1,14-15 O profeta anuncia a conversão seguida da ameaça de destruição da cidade pecadora. Jesus anuncia a conversão à Boa Nova da misericórdia de Deus. Mateus 5, 38-40 A Primeira Aliança permite a vingança proporcionada, a Nova Aliança propõe o perdão para vencer o mal com a força do bem. È impossível estudar neste curso todos os livros e textos bíblicos... mas podemos aprender a compreender cada texto a partir de critérios básicos. Vamos apresentar os critérios que a Igreja pratica inspirada no próprio Novo Testamento, segundo a prática de Jesus e dos primeiros cristãos. 3 2.2. A VIDA. (Dt. 6, 4-9; Lv. 19,18; Lc. 10, 25-28; João 15,12) Como dizia Santo Agostinho: a primeira Palavra de Deus é a VIDA e a segunda é a BÍBLIA, que vem para iluminar a VIDA. Quando nós lemos um texto bíblico não o fazemos como se fosse meramente um texto de literatura ou de história. Nós procuramos no texto uma Palavra de Deus que ilumine a nossa história, uma mensagem de salvação para o ser humano atual. Quando falamos da vida é claro que a natureza toda é palavra de Deus e nos convida a viver em comunhão de amor com tudo e com todos. Dentro da vida a Revelação nos diz que a pessoa humana é especial, porque é criado à imagem e semelhança de Deus, nascido para viver em comunhão plena de amor com Deus e com todos. 2.3. JESUS CRISTO. (Hb. 1,1-4) Nós, católicos e a maioria das igrejas cristãs que são apostólicas, quer dizer, que respeitam a tradição dos primeiros cristãos e seguem a linha histórica das primeiras comunidades (apóstolos – bispos) até hoje, interpretamos a Bíblia a partir de Jesus Cristo: a sua vida e mensagem, a sua Páscoa (morte em cruz e ressurreição). Jesus é a Palavra viva de Deus para nós. O Antigo Testamento é uma preparação para chegar a Jesus. O Novo Testamento é a experiência que as primeiras comunidades tiveram de Jesus e que nos convidam a atualizar em nossa história. Quando lemos ou escutamos um texto bíblico com fé é o próprio Jesus que fala para nós uma Palavra de Salvação. Jesus aceita e assume a Aliança de Deus com o seu povo, ora a partir das Escrituras fazendo a ligação com a vida do povo, especialmente dos mais pobres. Mas também Ele faz uma escolha dentro da Bíblia, uma interpretação que marca duas atitudes fundamentais para nós: - A salvação é para todos os seres humanos e não só para um povo determinado. Ama a todos com uma preferência: os pobres que são marginalizados. - Deus é ABBA, papai-mamãe querido: não castiga, não se vinga. Perdoa e acolhe sempre. Não impõe, propõe; não manda, pede com amor; não obriga, oferece propostas e caminhos de vida. 2.4. O PLANO DE DEUS (O REINADO DE DEUS / ALIANÇA) (Mt. 6,31-34; 2Pe.3,11-13; Ap. 21,1-7) Nós entendemos os textos bíblicos a partir do Projeto de Deus para nós: O Reino de Deus. Deus tem um projeto de vida feliz para todos, que se revela na história humana, especialmente na história da salvação do Povo de Deus. Jesus nos revela plenamente qual é este Plano de Deus para cada um e para o mundo. Nós entendemos cada texto bíblico a partir deste Plano de Deus e não de forma isolada ou, ainda menos, contrária. Na Bíblia aparecem personagens com nome e identidade definida. Na Bíblia aparecem muitos rostos anônimos, sujeitos dos quais desconhecemos detalhes históricos. É importante destacar que os personagens históricos com nome são chamados por Deus para servir aos sujeitos anônimos. Ao contrário do que acontece na história humana, onde o povo serve de enfeite para as lideranças do poder. 2.5. RELACIONANDO: TEXTO – VIDA – COMUNIDADE. (2Tm. 3,14-17; 2 Pe. 1, 19-21) A Bíblia em si mesma é um texto literário que se compõe de muitos livros e diversos escritos que foram elaborados em épocas e situações muito diferentes. O texto sozinho, desligado da realidade, não faz sentido. O texto nasceu da história do povo para ajudar a compreender melhor o plano de Deus na própria história... porque o povo compreendeu que sem Deus fica perdido, enganado pelo pecado. A Bíblia nasceu em mutirão, respeitando bem a dinâmica pessoal e comunitária, em equilíbrio e harmonia. Hoje a tendência é só olhar o lado individual, sem relação com os semelhantes. A Bíblia foi escrita e precisa ser compreendida a partir de uma imagem do ser humano como pessoa aberta às relações: consigo mesma, com Deus, com os outros e com a natureza. Interpretação aberta e relacional, não fechada. 4 Em comunhão com a Igreja: uma leitura que é pessoal e comunitária, para não cair em interpretações individualistas e interesseiras. Desde as primeiras comunidades cristãs até hoje, a Igreja sempre cuidou para que a interpretação da Bíblia fosse em comunhão eclesial. É muito importante também que o Povo de Deus participe ativamente com a sua própria experiência na leitura e interpretação da Bíblia para que o texto escrito continue vivo e trazendo vida nova para o nosso povo. É necessário que os cristãos, tanto a nível pessoal como em grupos, façamos leituras meditadas da Bíblia, aprendendo a interpretar no texto uma Palavra de amor que Deus nos diz hoje. 3. EXEMPLO PRÁTICO DE INTERPRETAÇÃO (Ler a Carta a Filemon) - Situação que provocou a necessidade da carta. A realidade da escravidão no império romano. Onésimo era um escravo de Filemon na cidade grega de Colossas. Ele fugiu, como às vezes acontecia por motivos diversos. O escravo não tinha nenhum direito no Império Romano. Era tratado como um objeto, uma máquina de trabalho. Se um escravo fugia era-lhe aplicada a pior condena de todas: a morte na cruz. Porque a economia e o sistema social da época dependia diretamente do trabalho escravo e a elite social não podia permitir que os seus privilégios fossem ameaçados pela fuga dos escravos. Quando um escravo fugia se escondia nas periferias das grandes cidades onde às vezes era acolhido. Quem acolhia arriscava muito porque podia também ser condenado por colaborar com o escravo rebelde. A metade da população da época pertencia à classe social dos escravos. O povo vivia constantemente aqueles sofrimentos e humilhações, situações de fugas, de conflitos sociais, julgamentos e condenações em contra dos pobres. Os cristãos costumavam arriscar e acolher estes escravos. Onésimo encontrou acolhida, provavelmente, entre os cristãos da grande cidade de Éfeso onde parece que Paulo estava prisioneiro. Lá se converteu e se tornou colaborador de Paulo. O Apóstolo, aproveitando com certeza a Carta aos Colossenses a enviou com Onêsimo com um bilhete... a Carta a Filemon. Neste bilhete apresenta a doutrina evangélica em relação à escravidão: não existe escravo nem livre... somos todos iguais em Jesus Cristo. Paulo disse a Filemon que se antes perdeu um escravo quando Onéssimo se fugou, agora ganha um irmão com a volta dele. - Resposta a partir da fé: Nas Cartas de Paulo normalmente encontramos três níveis que se dirigem à nossa vida de fé. Nível da mensagem – novo pensamento (Doutrina: sobre o Plano de Deus). Como é a sociedade que Deus quer: fraterna e solidária Todos os seres humanos somos iguais perante Deus Jesus Cristo, enviado pelo Pai, vem criar um mundo novo, do jeito que Deus quer. Em Jesus Cristo não há escravo nem senhor, somos todos irmãos Nível das atitudes humanas – novos sentimentos: Perante a realidade cruel e de sofrimento provocado pela sociedade injustamente estruturada entre livres e escravos, senhores e servos... a mensagem do Evangelho nos anima a praticar o acolhimento, o perdão, a ajuda mútua e a fraternidade. Nível do compromisso – novo agir. Dentro de uma sociedade rígidamente cosntituída em classes sociais bem diferenciadas, a comunidade de Jesus foi criando caminhos alternativos de amor e de solidariedade, dentro das possibilidades limitadas daquela época. O Evangelho nos anima a buscar as mudanças que são possíveis e que nos aproximam do plano de Deus. A prática do Evangelho vai além do que a justiça dos homens. Mas é importante que a justiça humana se assemelhe ao Projeto de Deus. - Interpretar o texto bíblico hoje: Existem hoje situações semelhantes à situação que descreve o texto bíblico? Quais? O que o texto bíblico nos convida a fazer: Nos níveis do pensamento (opinião pública, ideologia dominante, etc.), das atitudes e do agir. O que eu posso fazer? E a comunidade? 5 TEMA 2: PROMESSA DE DEUS AOS PAIS 1. ASPECTOS HISTÓRICOS: A época de Abraão. A história do Povo de Deus (os judeus ou israelitas) começa propriamente com o Éxodo do Egito, aproximadamente no ano 1.250 antes de Cristo. Mas como todos os povos, também os israelitas lembravam histórias, lendas, cantos e mitos antigos, que falavam sobre os seus antepassados. Estes relatos eram narrados de pais para filhos de forma oral (tradição oral). Naquela época que apenas se conhecia a comunicação escrita, o povo sentia necessidade de cuidar as suas tradições orais, conservando as mensagens recebidas pelos pais com muita fidelidade. O pai do povo israelita é Abraão, que viveu, aproximadamente 1.850 anos antes que Jesus Cristo. Abraão nasceu na cidade de Ur de Caldéia, na Mesopotâmia (região que abrange as terras entre os dois grandes rios: Eufrates e Tigre). Abraão teve de sair de lá, provavelmente porque aquelas terras eram muito cobiçadas e tinha muita violência pela propriedade delas. Eram freqüentes os conflitos pela terra e Abraão foi um “sem terra” daquela época, peregrino (nômade) que procurava um lugar para se estabelecer definitivamente. Abraão viveu de uma terra para outra, sem casa, sem terra... confiando muito em Deus e na sua promessa: uma terra e um povo. Caminhou entre as duas grandes nações poderosas daquele tempo: Mesopotâmia e Egito. Quando Abraão iniciou a sua caminhada, ao seu redor existiam grandes e antigas civilizações. Lembremos alguns dados: - A humanidade existia, quando menos, 600.000 anos antes que Abraão. Nas contas do Livro do Gênesis, desde Adão até Abraão se passaram 1.946 anos. É claro que se trata de cifras simbólicas, não reais. - Destes 600.000 anos da humanidade, 590.000 anos o ser humano viveu em grutas ou árvores, caçando animais com pedras e recolhendo frutas no mato. Não existia a agricultura, nem as cidades. - 6.000 anos antes que Abraão começaram a existir as primeiras cidades conhecidas para nós, como Jericó. - Na Mesopotâmia, terra rica para se cultivar pela água dos dois grandes rios, os Sumérios já tinham inventado a comunicação escrita 3.500 anos antes que Jesus Cristo, quer dizer, 1.700 anos antes que Abraão. Aquele povo conhecia o calendário de 12 meses, dividiam o dia em 24 horas e cada hora em 60 minutos. Conheciam a roda. - No Egito, terra do grande rio Nilo, excelente para a lavoura, as grandes pirâmides (Keops, Kefrén e Mikerinos) foram construídas, quando menos, 600 anos antes que Abraão, quer dizer, faz 4.500 anos. A grande pirâmide de Keops tem 147 metros de altura, foi feita com 2 milhões e 300 mil blocos de pedra lavrada; cada bloco pesa 2.500 quilogramas. Já naquela época! Os egípcios conheciam a escritura e as matemáticas bem antes da existência de Abraão. Possuíam uma organização social bem avançada. O povo de Israel ainda nem tinha começado a existir! O que nos revelam estes dados? Nos dizem que quando o Povo de Jesus iniciou a sua história (Abraão, Isaac e Jacó), naquela região do mundo que hoje chamamos de Oriente Meio (Hoje Egito, Arábia, Irak, Iran, Israel, Líbano, Jordânia, Síria, etc.) existiam civilizações humanas muito antigas e bem evoluídas. Quando Abraão começou a procurar uma terra para ele e seus filhos, as terras melhores já tinham dono (Egito e Mesopotâmia) e estavam nas mãos de povos e famílias muito poderosas, com séculos de história e culturas evoluídas. 6 2. PALAVRA DE DEUS: Abraão, o homem da fé, amigo de Deus 2.1. VOCAÇÃO E MISSÃO DE ABRAÃO (Gn. 12,1-4) Deus, no seu projeto de salvação, quer contar com a colaboração humana. Vai preparando aos poucos um povo, o Povo de Deus, para o nascimento do seu Filho, o Messias. Abraão é o amigo de Deus a quem é confiada a promessa da Aliança. Esta Aliança vai sendo revelada aos poucos, na própria história do povo, até chegar a Jesus de Nazaré, que é a própria revelação plena do Pai para toda a humanidade. Abraão é o pai do povo das promessas sagradas, escolhido por Deus para preparar o caminho do Cristo. No meio de povos poderosos e de culturas evoluídas Deus escolheu um “sem terra”, um excluído do sistema social da época, para ser o seu representante, o pai do seu povo escolhido, do qual nasceria o Libertador do Mundo. Abraão, por sua parte, acreditou na promessa e obedeceu a Deus, se tornando o amigo de Deus. Naquela época a fama de um deus (não esqueçamos que cada povo, cada cidade tinha o seu “deus”) dependia do poder do povo ao qual protegia. Um deus era poderoso quando o povo que o adorava era rico e poderoso. Deus surpreende a humanidade escolhendo um povo pobre, peregrino e analfabeto, que tem que se cuidar das grandes nações da época: Egito e Mesopotâmia. Abraão não acreditou nos deuses daqueles povos ricos, mas no Deus da promessa, que ama os pobres e humildes. 2.2. ALIANÇA:PROMESSA DE DEUS E FÉ DE ABRAÃO (Gn. 15, 1-6; 17,1-8) As religiões da época imaginavam os deuses como seres cruéis que enviavam o bem ou o mal à terra. O homem devia procurar o favor dos deuses por meio de ritos mágicos, sacrifícios e rezas misteriosas. Abraão muda radicalmente o relacionamento humano com Deus: ele acredita em Deus como Pai, com confiança e amor. Não é o homem quem procura primeiramente a Deus... mas é Deus quem se aproxima do ser humano para caminhar com ele. Na maioria das religiões o ser humano procura agradar aos deuses por meio de sacrifícios e ritos. O homem quer chegar até deus. Na realidade Abraão descobre que é o próprio Deus quem vem até o homem por amor, para estabelecer com ele uma aliança eterna. O homem aceita pela fé esta aliança de amor e corresponde por meio de uma vida de obediência ao plano de Deus. Nasce assim a História de Salvação. 2.3.UMA LITURGIA NOVA QUE GERA VIDA. (Gn. 22,1-19). No desejo de agradar aos deuses, que são considerados como rivais e indiferentes da causa humana, o ser humano chegou a sacrificar o melhor de si mesmo: os próprios filhos. Em diferentes culturas e épocas da história encontramos, às vezes, esta prática. Na realidade é fruto do medo do homem para um deus cruel e poderoso. Abraão descobre que o Deus verdadeiro é o Deus da vida e parceiro amigo da humanidade. O culto se torna uma festa para celebrar com gratidão o mistério da vida que vem de Deus e renovar a Aliança de amor que nos anima a construir a história a partir do sonho de Deus que quer vida feliz para todos. 3. ESQUEMA DO GÊNERO LITERÁRIO: VOCAÇÃO – MISSÃO Situação de sofrimento para o povo. O povo reclama a Deus por causa dos seus problemas. Deus chama alguém para colaborar com Ele. Acontece uma experiência mística de fé. Relação com o Mistério. A pessoa se resiste, acha que não tem condições de aceitar o chamado. Deus insiste, esclarece as coisas, promete presença e ajuda A pessoa chamada aceita e vai... O Projeto de Deus acontece e traz vida e alegria para o povo. O povo louva a Deus. 7 TEMA 3: ÊXODO 1. ASPECTOS HISTÓRICOS A história do povo de Israel inicia-se, propriamente, com o Êxodo do Egito,ao redor do ano 1.250 antes de Jesus Cristo. A história universal nos diz que nessa época o império egípcio, depois de vários séculos de decadência, teve um momento de glória e restauração. Dominou os pequenos povos asiáticos que habitavam em suas terras e as tribos nômades que habitavam perto das fronteiras (hapiru, hebreus, etc.) fazendo-lhes escravos, obrigando-os a trabalhar na construção de fortalezas nas fronteiras do país. Depois o Egito fez a guerra contra os povos mais poderosos da Ásia (Hicsos), se tornando a primeira potência militar da área. Na fronteira leste do Egito do lado da Ásia, existem umas lagoas entre o Mar Mediterrâneo e o Mar Vermelho, que fecham o caminho de entrada e de saída para a Península do Sinaí. É onde atualmente existe o Canal de Suez que comunica os dois mares. É nesse lugar que os israelitas foram obrigados a trabalhar como escravos na construção de fortalezas que fechavam a fronteira. Conduzidos por Moisés, o povo de Israel fugiu do Egito. Moisés trabalhava como pastor nas montanhas do Sinaí e sentia dor pela situação do seu povo. Animado por uma fé firme em Deus e por uma sede sincera de justiça em favor dos seus irmãos oprimidos, liderou o processo que tirou o povo da escravidão. Primeiramente convenceu os dirigentes do povo sobre a possibilidade da saída. Depois preparou tudo para a caminhada. Aproveitando a primeira lua cheia da primavera e o conhecimento que ele possuía do lugar, guiou o povo para o deserto do Sinaí. Naquela região de lagoas e deserto, quando a maré é baixa e o vento do sul sopra forte, criam-se vários pontos de passagem entre as águas. O povo de Israel (nem todas as tribos juntas, nem todos ao mesmo tempo) fugiu de noite do Egito entre aquelas lagoas, caminhando por areias molhadas. Os soldados do Faraó os perseguiram com armas pesadas. Quando parecia que a fuga não ia dar certo, a natureza ajudou decisivamente. O vento colaborou em favor dos israelitas. Quando as horas passavam, a maré tornou a subir, ligando umas lagoas com outras... e as águas fechavam o caminho. Só que os israelitas já tinham passado e o exército egípcio ficou atolado na metade do caminho, atrapalhado pelo peso das armaduras que dificultava a caminhada, morrendo afogados apesar do seu poderio. O povo que se viu numa situação delicada agradeceu sempre a Deus por aquela ação. Este fato se converteu no acontecimento principal da história de Israel e deu origem à festa da Páscoa que, ainda hoje, os judeus celebram com toda solenidade. A Páscoa é a prova maior do amor de Deus pelo seu povo. 2.PALAVRA DE DEUS 2.1.DEUS PROCURA COLABORADORES (Ex.3,1-12) Deus quer levar o seu projeto de amor pela humanidade contando com a colaboração do ser humano. Ele chama por meio das situações históricas, especialmente por meio da dor dos irmãos. Toda injustiça é um clamor que grita aos céus procurando uma atuação divina que traga ao mundo vida e fraternidade. Deus ouve o clamor do povo oprimido e desce para libertá-lo. Só que a libertação de Deus conta, necessariamente, com o compromisso humano. Deus chama Moisés, que vivia tranqüilamente nas montanhas de Madiã apascentando os rebanhos. A situação de sofrimento do seu povo irmão era como uma chama no seu peito que não se apagava. Moisés acredita no Deus da vida e da justiça. Desce da montanha e se compromete com seu povo oprimido lutando pela sua libertação. O Deus dos pobres procura parceiros para levar em frente o seu projeto de igualdade para o mundo. 2.2. DEUS LIBERTADOR DOS POBRES (Êxodo 14,15-31) As religiões daquela época eram religiões dos poderosos e dos reis. O prestígio de um deus era valorizado pelo poder do povo que o adorava. As religiões justificavam a divisão das classes sociais, favoreciam o status-quo, nada questionavam, nada transformavam. O Deus de Israel é um 8 Deus que entra na história humana para valer! Pela primeira vez na história da humanidade aparece um Deus que se preocupa pelos pobres e oprimidos e que se coloca a seu favor para libertar. Nas tradições do povo existem diferentes versões sobre o mesmo acontecimento. Uma tradição, chamada Yhawista, das mais antigas na memória popular, enxerga os fatos de uma forma mais natural: é o vento e a nuvem, o mar e a lua cheia da noite que acompanham e ajudam o êxodo do povo. Deus ajuda por meio dos acontecimentos naturais. Outra tradição, chamada levítica (sacerdotal), coloca a sua atenção na intervenção direta de Deus: manda Moisés tocar com a vara o mar e este se abre. Esta tradição nasceu na Babilônia, no cativeiro. Região de grandes rios que traziam enchentes que matavam e prejudicavam o povo. Deus salva separando as águas da terra (como no relato primeiro da Criação que é desta tradição). Num momento histórico que o povo não tem condições objetivas de sair da Babilônia pela sua luta, colocam a esperança na intervenção divina. Os dois relatos: mais humano e mais divino, vem nos ensinar que Deus e o homem devem trabalhar unidos. Sem Deus o povo não teria saído do Egito (levítico), sem a caminhada do povo que arriscou a sua vida também nada teria acontecido. Deus e o homem vão juntos construindo uma história nova de libertação. Deus não é neutral, toma partido pelos fracos e oprimidos. Não porque sejam melhores que os ricos... mas porque estão em situação de sofrimento. Deus faz opção preferencial pelos pobres. Esta verdade da fé bíblica é um dos pontos que os profetas vão reivindicar constantemente do povo quando este se estabeleceu na terra. Os pobres, representados pelas viúvas, órfãos e estrangeiros, são os prediletos de Deus. Ele quer que todos vivam com dignidade, com liberdade e justiça. Deus não quer um mundo dividido em opressores e oprimidos, mas uma terra fraterna e justa, onde todos os povos constroem em harmonia a justiça e a paz. 2.3.TRADIÇÕES QUE TRANSMITEM O ACONTECIMENTO (13,17-14,31) O que nós vamos fazer agora é um pouco complicado. Mas vale a pena se concentar porque desta análise podemos aprender muitas coisas para o dia de hoje, para aprender a integrar em nossas vidas dimensões que parecem diferentes mas que, na realidade caminham unidas, como são a fé e as obras, a oração e a ação, a mística e o compromisso. Em nossas comunidades às vezes encontramos receios entre grupos de oração e de ação social. O segredo é saber integrar a todos os grupos e pessoas em comunhão fraterna e saber encaixar o dom de cada um no projeto de Jesus Cristo que é a Evangelização. A partir de um ACONTECIMENTO (como foi o Êxodo do povo israelita do Egito) nascem relatos sobre o mesmo que o povo vai contando de pais para filhos. Por muitos séculos estes relatos eram orais, ainda não estavam escritos. Cada tribo foi criando seus próprios relatos sobre o mesmo assunto. Depois foram se juntando e foram se escrevendo em épocas diferentes. A Bíblia que nós temos recolheu e misturou relatos diferentes sobre o mesmo acontecimento. Só que nós sabemos que cada um conta as coisas a partir da sua própria experiência de vida, de sua sensibilidade e personalidade. Cada relato nos revela uma parte da verdade da vida que Deus quer nos mostrar. Vamos analisar um texto bíblico que está misturando tradições diferentes e vamos descobrir por que cada um deles insiste em dimensões diferentes da nossa fé e qual é a verdade que cada relato quer nos transmitir. Vamos também descobrir como é importante saber integrar as diversas dimensões da nossa fé, tanto em nossa vida pessoal como em nossas comunidades. YAVISTA – ELOHISTA (ANTIGA) 13, 17 Quando o Faraó deixou o povo partir, Deus não o guiou pelo caminho da Palestina, que é o mais curto, porque Deus achou que, diante dos ataques, o povo se arrependeria e voltaria para o Egito. 13, 18 Então Deus fez o povo dar uma volta pelo deserto até o mar Vermelho. Os filhos de Israel SACERDOTAL (NOVA) 9 saíram do Egito bem armados. 13, 19 Moisés levou consigo os ossos de José, pois este havia feito os filhos de Israel jurar solenemente: “Quando Deus intervier em favor de vocês, levem meus ossos daqui”. 13, 20 Partiram de Sucot e acamparam em Etam, à beira do deserto. 13, 21 Javé ia na frente deles: de dia, numa coluna de nuvem, para guia-los; de noite, numa coluna de fogo, para ilumina-los. Desse modo, podiam caminhar durante o dia e a noite. 13, 22 De dia, a coluna de nuvem não se afastava do povo, nem de noite a coluna de fogo. 14, 1 Javé falou a Moisés: 14, 2 “Diga aos filhos de Israel que voltem e acampem em Piairot, entre Magdol e o mar, diante de Baal Sefon; aí vocês acamparão, junto ao mar. 14, 3 O Faraó irá pensar que os filhos de Israel andam errantes pelo país e que o deserto os bloqueou. 14, 4 Eu endurecerei o coração do Faraó, que os perseguirá. Então eu mostrarei a minha honra, derrotando o Faraó e todo o seu exército; e os egípcios saberão que eu sou Javé”. E os filhos de Israel assim fizeram. 14, 5 Quando comunicaram ao rei do Egito que o povo tinha fugido, o Faraó e seus ministros mudaram de opinião sobre o povo e disseram: “O que é que nós fizemos? Deixamos partir nossos escravos israelitas! 14, 6 O Faraó mandou aprontar seu carro e levou consigo suas tropas: 14, 7 seiscentos carros escolhidos e todos os carros do Egito, com oficiais sobre todos eles. 14, 8 Javé endureceu o coração do Faraó, rei do Egito, e este perseguiu os filhos de Israel, que saíram ostensivamente. 14, 9 Perseguindo com todos os cavalos e carros do Faraó, os cavaleiros e o exército os alcançaram quando estavam acampados junto ao mar, em Piairot, diante de Baal Sefon. 14, 10 Quando o Faraó se aproximou, os filhos de Israel levantaram os olhos e viram que os egípcios avançavam atrás deles. Cheios de medo, clamaram a Javé, 14, 11 e disseram a Moisés: “Será que não havia sepulturas lá no Egito? Você nos trouxe ao deserto para morrermos! Por que nos tratou assim, tirando-nos do Egito? 14, 12 Não é isso que nós dizíamos a você lá no Egito:`Deixe-nos em paz, para que sirvamos aos 10 egípcios`? O que é melhor para nós? Servir aos egípcios ou morrer no deserto?” 14, 13 Moisés respondeu ao povo: “Não tenham medo. Fiquem firmes, e verão o que Javé fará hoje para salvar vocês. Nunca mais vocês verão os egípcios, como estão vendo hoje. 14, 14 Javé combaterá por vocês. Podem ficar tranqüilos. 14, 15 Javé disse a Moisés: “ Por que você está clamando por mim? Diga aos filhos de Israel que avancem. 14, 16 Quanto a você, erga a vara, estenda a mão sobre o mar e divida-o pelo meio para atravessalo a pé enxuto. 14, 17 Eu endureci o coração dos egípcios, para que eles persigam vocês. Assim eu mostrarei a minha honra, derrotando o Faraó e seu exército, com seus carros e cavaleiros. 14, 18 Quando eu derrotar o Faraó com seus carros e cavaleiros, os egípcios ficarão sabendo que eu sou Javé” 14, 19 O anjo de Deus, que ia na frente do exército de Israel, se retirou para ficar na retaguarda. A coluna de nuvem também se retirou da frente deles e se colocou atrás, 14, 20 ficando entre o acampamento dos egípcios e o acampamento de Israel. A nuvem se escureceu, e durante toda a noite a escuridão impediu que um se aproximasse do outro. 14, 21 a Moisés estendeu a mão sobre o mar, 14, 21 b e Javé fez o mar se retirar com um forte vento oriental, que soprou a noite inteira: o mar ficou seco 14, 21 c e as águas se dividiram em duas. 14, 22 Os filhos de Israel entraram pelo mar a pé enxuto, e as águas formavam duas muralhas, à direita e à esquerda. 14, 23 Na perseguição, os egípcios entraram atrás deles com todos os cavalos do Faraó, seus carros e cavaleiros, e foram até o meio do mar. 14, 24 De madrugada, Javé olhou da coluna de fogo e da nuvem, viu o acampamento dos egípcios e provocou uma confusão no acampamento: 14, 25 emperrou as rodas dos carros fazendo-os andar com dificuldade. Então os egípcios disseram: “Vamos fugir de Israel, porque Javé combate a favor deles”. 14, 26 Javé disse a Moisés: “Estenda a mão sobre o mar, e as águas se voltarão contra os egípcios, seus carros e cavaleiros”. 14, 27 a Moisés estendeu a mão sobre o mar. 11 14, 27 b . e de manhã, o mar voltou para o seu leito. Os egípcios, ao fugir, foram ao encontro do mar, e Javé atirou-os no meio do mar. 14, 28 As águas voltaram, cobrindo os carros e os cavaleiros de todo o exército do Faraó, que os haviam seguido no mar; nem um só deles escapou. 14, 29 Os filhos de Israel, porém, passaram pelo meio do mar a pé enxuto, enquanto as águas se erguiam em forma de muralhas, à direita e à esquerda. 14, 30 Nesse dia Javé salvou Israel das mãos dos egípcios, e Israel viu os cadáveres dos egípcios à beira-mar. 14, 31 Israel viu a mão forte com que Javé atuou contra o Egito. Então o povo temeu a Javé e acreditou nele e no seu servo Moisés. PARA REFLETIR E ORAR: Encontramos o texto em duas colunas correspondendo às três tradições ou relatos (Yavista, Elohista e Sacerdotal). Para facilitar estão juntas a Yavista e a Elohista, que são as mais antigas (900 anos antes de Cristo). A Sacerdotal se escreveu na Babilônia, 500 anos antes de Cristo. Yavista-Elohista: É a tradição mais antiga, que se escreveu em Jerusalém ao redor do ano 900 antes de Cristo, na época do rei Salomão. É um relato mais natural e popular. Deus age com suas mãos e pede a colaboração do povo para realizar o seu projeto de libertação. Quem é o protagonista? Que faz, o que procura. Qual é o projeto dos egípcios? Qual é a atitude dos israelitas. Como se desenvolvem os acontecimentos? Como termina o relato? Nos versículos 14, 10 e 13 existe medo; no versículo 14, 31 existe temor. Qual é a diferença? Sacerdotal: É uma tradição mais nova que se escreveu no cativeiro da Babilônia, 500 anos antes de Cristo. É um relato mais intelectual, Deus age pela sua palavra. Na realidade Deus faz tudo e o ser humano parece que é só um assistente dos milagres de Deus. Quando se escreveu este relato o povo não tinha, objetivamente falando, chances humanas de fugir do cativeiro... era difícil reproduzir a fazanha do Êxodo do Egito. Então o povo faz uma nova leitura da história na qual o grande protagonista é Deus... Assim alimenta a fé do povo: se Deus libertou o povo do Egito naquela época que passou, também hoje Ele vai dar um jeito para nos libertar de novo. Deus só pede a nossa fé. Quem é o protagonista? Qual é o projeto dele? Como se desenvolvem os acontecimentos? Comparar com Ezequiel 36, 23-26. Que significa “Santificado seja o teu nome”? Comparar com Gênesis 1, 9. Que significa: separar as águas? Que significa a expressão: Deus cria e salva separando, separando as águas? 3. PARA A NOSSA VIDA O Povo de Deus descobriu que Deus quer o ser humano livre e feliz para poder participar da sua vida divina. Existem circunstâncias que atrapalham a vida digna do povo. Deus não gosta e entra na história para libertar o povo de quaisquer escravidão. Chama colaboradores para participar na sua obra. Sem Deus o ser humano não consegue se libertar das amarras do mal. Mas o ser humano precissa colaborar também com Deus para a história poder mudar trazendo vida em abundância para os sofredores. A história da salvação é uma grande parceria entre Deus e o povo. Qual é nossa experiência de fé hoje? O que esperamos de Deus e como colaboramos com Ele? Como integramos a oração e a ação em nossa história? 12 TEMA 4: ALIANÇA 1.A CAMINHADA DO POVO PELO DESERTO Depois da saída (páscoa é passagem, saída de uma situação para outra) tudo parecia mais fácil... Só que as primeiras tentativas de entrar na sonhada “Terra Prometida” (Canaã ou Palestina) fracassaram, porque os povos que habitavam lá (cananeus) eram mais fortes do que aquele grupo de escravos fugitivos mal alimentados e, ainda, pouco organizados. Foram obrigados a sobreviver no deserto do Sinaí, sem poder voltar para o Egito e sem poder entrar em Canaã. O deserto do Sinaí é muito difícil para a vida humana. A união de todos é essencial para superar as condições terríveis do clima e da falta de água. Foi lá que no período de 40 anos (data simbólica, aproximativa) aquelas tribos se tornaram um povo organizado. Moisés e o povo aprenderam a se estruturar como povo: instituições, leis, história comum, projeto comum. A fé em Deus foi o eixo essencial que deu consistência ao povo. Foi lá, no meio do deserto, que o povo fez Aliança com Deus. Aquele povo fortalecido e unido, bem organizado, entrou na terra de Canaã. Às vezes, de forma pacífica, outras por meio da luta. A terra é promessa de Deus e conquista do povo, ela não vem de graça. O povo israelita aprendeu no deserto o valor da terra para garantir o direito à vida. Aprendeu também o valor da fé para viver unidos e em aliança com o Deus que dá a vida no deserto. Os povos daquela época costumavam fazer alianças com os reis das cidades importantes. A aliança era um pacto por meio do qual um povo se comprometia a pagar impostos ao rei e a não reconhecer outro senhor além dele. A aliança obrigava também a respeitar os outros povos aliados ao mesmo rei. O rei se comprometia a defender o povo das violências dos outros reis ou assaltantes. Assim como as alianças que se realizavam humanamente tinham dois planos: 1- do povo para o rei e 2- entre os membros do povo; também acontece com a ALIANÇA de Deus e o Povo de Israel: o povo se compromete a reconhecer como Senhor só a Deus. O povo se compromete a reconhecer a todo israelita como irmão (próximo). COMO FUNCIONAVA A ALIANÇA ENTRE OS POVOS ANTIGOS REI (Davi) Povo 1 (Moab) Povo 2 (Edom) REI DIREITOS Receber impostos DEVERES Proteger o povo POVO Ser protegido Pagar impostos ALIADOS Ser ajudado Ajudar Aliados COMO FUNCIONA A ALIANÇA NO POVO DE DEUS DEUS ISRAELITA ISRAELITA próximo A Aliança era um pacto ou contrato social que implicava duas dimensões: vertical e horizontal. Vertical é entre o rei e o povo. Horizontal entre os membros do povo. Deus aproveita este esquema humano para fazer Alianza com seu povo. O povo só reconhece que Deus é o seu único Senhor. Os membros do povo são irmãos (próximos) entre eles. Na época de Jesus tinha um debate: quem é o meu próximo? E hoje: quem é meu próximo? 13 2. PALAVRA DE DEUS 2.1. DEUS PROTEGE SEU POVO NO DESERTO (Êxodo 15, 22-16, 1-20: Bebida e Alimento) Naquelas circunstâncias tão horríveis o povo lembrou para sempre os favores de Deus. Apesar das murmurações e reclamações Deus atende o povo porque tem necessidade. Os pássaros tem a sua época de passagem ainda hoje por essa região, quando migram do sul para o norte e vice versa. Quando o vento sopra no sentido contrário, as aves mais fracas caem nas areias do deserto. O maná é provavelmente uma espécie de farinha de uma flor de espinheiros típica do deserto... Mesmo não oferecendo um sabor agradável tem propriedades nutritivas. O fato mais interessante é que no deserto todos são iguais e precisam se unir muito para sobreviver. Lá o povo entendeu que o projeto de Deus é de igualdade e de fraternidade, aprender a conviver em harmonia e solidariedade. O DESERTO: Um lugar tão difícil para a vida humana, se tornou um lugar privilegiado para o ENCONTRO com Deus e com os irmãos. Os desertos da vida trazem para nós fontes fecundas de espiritualidade e de compreensão do Plano de Deus. 2.2. DEUS FAZ ALIANÇA COM SEU POVO (Dt. 6,4-6; Dt.5,1-22) Não é suficiente o povo sair da escravidão! Necessita construir um projeto válido de vida. O fracasso histórico inicial, quando tentaram entrar na terra de Canaã e não conseguiram, ficando 40 anos no deserto, foi uma oportunidade para o povo se organizar e se estruturar. Moisés aproveitou muito bem esta chance. Hoje ninguém duvida que, humanamente, aquela situação foi chave para a constituição do povo. O povo de Israel ainda sobrevive como povo graças àquele período do deserto. A Aliança do Sinaí, que todos conhecemos como o Decálogo, tem duas dimensões: uma olhando para Deus (Os 3 primeiros mandamentos) e outra olhando para os homens ( do 4º ao 10º mandamento). O povo se compromete a não aceitar nenhum ídolo como deus. Só adorarão ao Senhor Yhawéh, Deus Criador e Libertador. Escutarão a sua palavra e obedecerão os seus preceitos. Cada israelita considerará os outros israelitas como os seus irmãos, pois todos sofreram a mesma escravidão e todos conviveram no mesmo deserto aprendendo a solidariedade, único caminho para sobreviver naquelas condições. O israelita se compromete a viver fraternalmente com seus concidadãos. Assim como o Êxodo do Egito é o acontecimento principal do povo de Israel, a Aliança na montanha do Sinaí vai ser o ponto de referência, a Lei sagrada da fraternidade para todo o povo. 1Coríntios 10, 1-13. Paulo interpreta a caminhada do povo e tira ensinamentos para a nossa própria caminhada de fé. A vida do cristão é uma passagem pelo deserto, é uma Páscoa: passar da morte para a vida nova em Jesus Cristo. Mas, ainda nesta terra, somos peregrinos. Deserto é deserto: dificuldades, tentações... e lugar privilegiado de Encontro com Deus e com os irmãos. Jesus Cristo é Deus e é irmão. Ele nos acompanha constantemente. Sigamos seus passos e a sua palavra e a Páscoa dele já é realidade em nós. Ler também: João 5, 35-51. 3. DIMENSÃO PASTORAL DA ALIANÇA 3.1. CELEBRAÇÃO DA ALIANÇA (LITURGIA) (Êxodo 24, 1-11; 12,1-20) Quando um rei ou senhor fazia uma aliança com uma cidade ou um povo se fazia uma grande festa para comemorar o acontecimento. A celebração constava de duas partes: 1- Leitura dos termos da aliança, o compromisso que os dois lados assumiam. 2- O banquete ou comida. Se sacrificavam os animais e se partiam ao meio. Se assavam e comiam em sinal de comunhão e amizade entre todos. O povo de Israel também faz assim para celebrar a Páscoa do Senhor. Se prepara o jantar (o cordeiro imolado, as ervas amargas, os pães sem fermento) na véspera. Antes da refeição se proclama a memória solene da Páscoa, para lembrar os acontecimentos. Se cantam os salmos no 14 início, no meio e no final. Se come a ceia da páscoa: cordeiro imolado (Deus poupou os filhos de Israel e tirou o povo do Egito), ervas amargas (a história humana tem seus sofrimentos e dificuldades, mas Deus está perto), os pães sem fermento (nasce uma nova sociedade fraterna, sem opressão) e o vinho (alegria, festa, aliança, comemoração). Este rito é familiar, se realiza nas casas. Relacionado com este rito doméstico, na véspera da páscoa, acontece também outro rito no templo. O sumo sacerdote sacrifica um cordeiro em nome do povo, asperge o sangue no povo e no Santo dos Santos do templo. É para o perdão dos pecados do povo. Jesus é a Nova Páscoa, o Novo Templo (o véu se rasgou ao meio), a Nova Aliança, o perdão dos pecados e a Vida Nova. É isto que celebramos na EUCARISTIA. 3.2. COMPROMISSO SOCIAL DA ALIANÇA. QUEM É HOJE O MEU PRÓXIMO? (Deuteronomio 5, 1-22; 6,4-9; Levítico 19,18; Lucas 10, 25-37) Aceitando a Deus como único Senhor da histório o Povo de Deus assume um compromisso muito sério e firme de não aceitar outros senhores nem deuses. Assume também o compromisso de viver em fraternidade com os outros membros do povo. A fraternidade vai ser o grande sinal da presença de Deus e da sua força no meio do povo. Quando o povo foi crescendo em número as relações foram se enfraquecendo e apareceu o problema de definir quem é o meu próximo, de saber até onde chega a obrigação de prestar ajuda, de viver como irmão. Jesus respondeu com a parábola do Bom Samaritano, que é o reflexo da sua própria vida. Jesus se fez e se faz próximo e irmão de cada ser humano... especialmente daquele que caiu à beira do caminho da história humana. 4.COMO NASCERAM OS RELATOS DO ÊXODO PRIMEIRO MOMENTO: O ACONTECIMENTO ano 1.250 Antes de Cristo, no Egito. SEGUNDO MOMENTO: OS RELATOS TRADIÇÃO ORAL O povo lembra os fatos e conta de pais para filhos Nascem diferentes relatos orais sobre o mesmo acontecimento Cada relato tem a sua própria teologia, o seu jeito de compreender a ação de Deus. Tradições: Yavista, Eloista, Deuteronômio, Levítico (Sacerdotal) TERCEIRO MOMENTO: OS RELATOS TRADIÇÃO ESCRITA Yavista: ano 900 antes de Cristo, em Jerusalém, com o rei Salomão. (2 Samuel 7,8-17) Deus abençoa o povo e este cumpre a Lei. Se o povo desobedece, Deus castiga. O rei representa a Deus para proteger o povo . É o primeiro a cumprir a Aliança. Deus age por meio da natureza e com as mãos. Ele é o Pastor. Eloista: ano 800 antes de Cristo, na Samaria, no Reino do Norte. (Números 27, 1-11) Critica muito a idolatria e a falta de respeito dos poderosos contra os pobres. Deuteronômio: ano 600 a. de Cristo. Apareceu no templo de Jerusalém. (Deut. 26,16-19) Destaca a lei do coração sobre a lei externa, por causa da influência dos profetas. Não adianta querer agradar a Deus cumprindo a Aliança só por fora. Levítico (Sacerdotal): 500 anos a. de Cristo, no cativeiro da Babilônia. (Levítico 19,1-4). No momento que se escreveu, no cativeiro da Babilônia, o povo vive uma situação de perda de tudo (terra, templo, reino) que lhe faz duvidar da sua fé em Deus. Este escrito faz uma re-leitura da história do povo mostrando que Deus sempre esteve e continua estando perto do povo. Deus salva pela palavra, presença misteriosa e real. Insiste no poder de Deus, que age quando o homem já nada pode fazer. QUARTO MOMENTO: TEXTO ATUAL 400 anos A.C. (época de Esdras e Neemias) Reúnem-se as quatro tradições em um único relato que vai misturando-as. Nasce assim a Torá (Livro da Lei). Em nossa Bíblia é o Pentateuco (cinco livros): Gênesis, Êxodo, Números, Levítico e Deuteronômio. 15 TEMA 5: JUÍZES (DA CONQUISTA DA TERRA ATÉ A MONARQUIA) 1.ASPECTOS HISTÓRICOS O Povo de Israel, formado pelas 12 tribos, foi entrando na terra de Canaã (terra dos povos cananeus) de formas diferentes: umas vezes de forma pacífica, ocupando espaços livres existentes; outras vezes, porém, de forma violenta, fazendo guerra contra os povos que já estavam lá. A chamada “herem” ou guerra santa consistia em matar a todos os habitantes de uma cidade ou região, arrasando tudo... em nome de Yavé! É claro que isto hoje nos resulta incompreensível, principalmente a partir do Evangelho de Jesus. Mas não podemos esquecer que as próprias igrejas cristãs justificaram algumas vezes o uso da violência, tomando atitudes que não se correspondem em absoluto com a vida e a mensagem de Jesus Cristo. Se os cristãos erraram mesmo conhecendo os evangelhos, podemos compreender como 1.200 anos antes de Cristo os israelitas achavam que Deus queria o extermínio dos adversários. Ainda hoje existem alguns israelitas, alguns árabes e alguns cristãos que consideram lícita a “guerra santa”, quer dizer, a guerra em nome de Deus, contra os inimigos. A Aliança representava ainda um compromisso com Deus e com o próximo, entendendo que o próximo é aquele da minha família, da minha religião e do meu povo. “Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo” (Levítico 19,18; Eclesiástico 12, 4-7; Mateus 5, 43-44). Na compreensão da Aliança anterior a Jesus Cristo o inimigo não tem direitos. Jesus abre o horizonte do próximo para todos os seres humanos, também os inimigos. Próximo, especialmente, é aquela pessoa que precisa da gente, que está sofrendo (Lucas 10, 25-37). O que os escritos nos revelam é que existiu bastante união e solidariedade entre as tribos na hora de lutar e de distribuir a terra. A motivação principal para isto acontecer era a lembrança da Páscoa do Egito e da Aliança de todos com Yavé na montanha do Sinai. Os escritos sempre idealizam um pouco mas refletem uma realidade de fraternidade e ajuda mútua. Uma vez que o processo de se estabelecer na “Terra Prometida” foi-se consumando cada tribo vivia independente uma da outra, tendo em comum uma mesma fé no Deus Libertador da escravidão do Egito e uma Lei, a Aliança do Sinai. Cada tribo resolvia as próprias necessidades e criava as próprias instituições. É a época dos juízes. Os juízes eram lideranças naturais que o povo reconhecia espontaneamente para responder aos problemas que se apresentavam: internos e externos. Os internos, em relação a conflitos entre vizinhos. Externos, quando algum povo inimigo atacava alguma cidade. O juiz convocava o povo, às vezes pediam ajuda de outras tribos vizinhas, organizava a guerra e depois da vitória cada um vivia na realidade dele. Tinha também juízes mulheres, como Débora. Foi um tempo ideal, quase como um sonho de vida feliz que o povo viveu. Mas a história não é fácil para ninguém! Chegaram do mar (Mediterrâneo) povos novos mais fortes e com armas novas (carros de combate e armas de ferro). Aos poucos foram dominando as melhores terras e derrotando uma e outra vez os israelitas. O sistema dos juízes não era o bastante para enfrentar aqueles inimigos, chamados filisteus. (Palestina significa terra dos filisteus). Aí o povo foi cobrando uma nova instituição que respondesse aos novos problemas: a monarquia. Samuel, o último dos juízes, o maior deles, um homem de Deus e totalmente dedicado ao povo, não queria. Na tradição de Israel não tinha cabimento um rei humano. Só Yavé é o senhor do povo. Não podia existir outro rei nem outros deuses. O povo encontrou uma solução intermédia: escolheria um rei que deveria ser o primeiro a cumprir a Aliança com Deus, fazendo justiça aos pobres e cuidando pela vida feliz do povo. Seria como um instrumento de Yavé a serviço do povo. Samuel não queria mas perante o avanço dos filisteus cedeu às exigências do povo e escolheu a Saul. Como não dera certo escolheu a Davi... o povo sempre lembraria dele! 16 2.PALAVRA DE DEUS. 2.1. “A TERRA PROMETIDA”. Dom de Deus e fruto do trabalho humano. (Josué 1,1-15) O povo continua a sua caminhada histórica alicerçado na Aliança, animado pela fé em Yavé. Aparecem novos personagens, como Josué. A personagem está a serviço da Aliança, quer dizer, a serviço do povo dos sem nome, dos sem rosto. Assim como Moisés se entregou por inteiro pela causa da libertação do povo escravizado e depois para estruturar por meio da Lei aquela nação que se encontrava totalmente desarticulada, também Josué vai ser uma liderança que se coloca plenamente a serviço de Deus, dando continuidade ao projeto divino. Deus lhe pede coragem e firmeza (são as duas palavras que se repetem no texto). Para poder cumprir a sua missão necessita de uma referência para o discernimento: a Lei de Deus (a Palavra de Deus, os termos da Aliança). A Aliança será sempre a referência fundamental para todos os ministros de Deus. A “Terra Prometida” é um dom de Deus... mas também fruto da conquista do povo. Deus nos ensina que o ser humano recebeu também dons e qualidades naturais que devem se colocar em prática para a realização do Plano de Deus. É claro que todo o aspecto de violência que apresentam os chamados “Livros Históricos” reflete também as contradições de toda história humana, tantas vezes marcada com os sinais de morte. A partir de Jesus nós não aceitamos a violência como ferramenta válida para construir uma história que seja verdadeiramente humana, mas podemos aprender daquele povo o valor para lutar em favor de um ideal que trouxe vida feliz para um povo que não tinha terra. 2.2. OS JUÍZES DEFENDEM A ALIANÇA (Juízes 4, 1-10; Juízes 7,1-8; 1Samuel 3,1-14) Os juízes são personagens de coragem e de compromisso com o povo. São voluntários que além de se preocupar com o trabalho próprio e a família que tinham dedicam tempo e esforço em favor do povo, procurando sempre soluções positivas que ofereçam frutos de vida para todos. O Livro dos juízes tem sempre esta introdução a cada personagem que é apresentada: “O povo a cada dia pecava mais e Yavé os castigava entregando-o nas mãos dos seus inimigos”. Mas Yavé não se esquece da sua Aliança e se arrepende do castigo providenciando uma saída favorável para os israelitas. Deus cobra mais dos líderes: perdoa os pecados próprios das falhas e fraquezas humanas... mas não aceita a falta de compromisso, a desonestidade e o querer se aproveitar do cargo para se enriquecer. É o caso dos filhos de Eli ou dos filhos de Samuel: não seguem o bom exemplo dos pais e Deus procura outras personagens que lhe sejam fiéis. Deus não se importa com o número e sim com a fidelidade. 2.3. DEUS ACEITA O REI... COM CONDIÇÕES! (1Samuel 8, 1-9; 1Samuel 16, 1-13; 1Samuel 17, 48-54) Existem textos bíblicos que falam da época em que Israel passou do governo dos juízes à monarquia. Houve tensão e muito debate. Os mais tradicionais não queriam, porque achavam que a presença de um rei seria uma ofensa contra Yavé, o único senhor do povo. A maioria, por uma questão de prática e de sobrevivência, queriam um rei que defendesse de forma global, sistemática e organizada ao povo de Israel... porque o sistema dos juízes era espontâneo demais para enfrentar os filisteus. Samuel, que era contrário à monarquia, encontrou uma solução: o povo teria um rei. Mas o rei seria o primeiro a cumprir e garantir a Aliança com Yavé. O rei seria um instrumento em favor da Aliança: para impedir a idolatria e defender os pobres. Se não cumprisse bem a sua missão, Yavé lhe tiraria o poder! 3. DIMENSÃO PASTORAL. Hoje vivemos uma independência saudável entre o poder político e a Igreja. Cada um tem sua função específica. Existe, porém, um objetivo comum: o bem do povo, a vida digna para todos! Existem algumas igrejas que consideram o poder político sagrado, outras acham que é coisa do mal. A Bíblia nos convida a participar da política com espírito crítico, buscando sempre o bem comum. 17 TEMA 6. DAVI, SALOMÃO E DIVISÃO DO REINO. 1. ASPECTOS HISTÓRICOS 1.1. O REI DAVI. Das guerras constantes contra os filisteus surgiram lideranças fortes. Foi o caso de Saul e de Davi. Samuel, profeta e juiz em Israel, não queria rei. Perante a insistência do povo aceitou. Só que o rei em Israel era diferente aos outros reis. Ele tinha obrigação de respeitar e cumprir a Aliança e de favorecer a vida do povo. Quer dizer, era como se fosse um rei constitucional: não dono absoluto do povo, mas obediente à constituição do Sinaí. Saul foi o primeiro rei, escolhido e aclamado pelo povo. Samuel jamais gostou dele. Foi um líder que se queimou porque não tinha condições objetivas para governar: dependia o tempo todo do apoio das tribos que umas vezes participavam e outras não. Os filisteus eram muito poderosos e ele não sabia como enfrentá-los. Ele também não era muito esperto para dar conta do recado... Em definitiva, fracassou. E foi surgindo uma outra estrela que brilhava cada vez mais no coração do povo: Davi. Davi foi perseguido por Saul, por causa dos ciúmes. Ele reunia qualidades extraordinárias: homem de muita fé, corajoso, inteligente, hábil... Aproveitou todas as oportunidades (favoráveis e contrárias) para fortalecer o seu grupo. Organizou um exército particular, que não dependia das tribos. Perseguido por Saul fez aliança com os filisteus a quem enganou constantemente. Favorecia sempre aos povoados e cidades de Judá ganhando a simpatia de todos. Quando Saul morreu na batalha contra os filisteus o povo não tinha dúvidas para escolher a Davi como rei de todas as tribos. Com o rei Davi o povo encontrou a paz e a prosperidade. Ele derrotou os filisteus, no ano 1.000 antes de Cristo conquistou a cidade de Jerusalém, que será chamada “A Cidade de Davi”, favoreceu a união das tribos e possibilitou condições de uma vida melhor para o povo. No seu reinado Israel era o povo melhor organizado e próspero da região. O povo agradeceu sempre ao rei Davi o seu trabalho... e exigiu que os reis posteriores fossem como ele. Fiel a Deus e fiel ao povo: exemplo de liderança. Teve os seus pecados, como foi o caso que manteve com Betsabéia. O profeta Natã lhe denunciou o pecado e o rei reconheceu a sua falta e se arrependeu (Salmo 50-51). Globalmente, o seu mandato foi positivo. Daí que o povo sonhava sempre com um rei que fosse como Davi. Foi também um homem de muita fé e oração, criou muitos salmos para o povo cantar a Deus, embora nem todos os salmos que lhe são atribuídos sejam da sua autoria. 1.2. A DIVISÃO EM DOIS REINOS: Israel e Judá (Norte e Sul). Depois de Davi veio Salomão, conhecido pela sua sabedoria. No início do seu governo ele continuou o exemplo do pai Davi. Construiu o templo de Jerusalém, o mais belo da idade antiga, favoreceu o comércio, os trabalhos especializados, as artes, a escritura... O povo vivia em paz. No final da sua vida perdeu a humildade e começou a desprezar o povo simples, se esqueceu de Deus e da Aliança. Depois dele, o povo estava revoltado e não agüentou a opressão que o seu filho queria continuar. O Reino rachou em duas partes: Duas tribos ficaram com o rei (Judá e Benjamim formaram o Reino de Judá) e dez tribos se separaram (Reino de Israel). O Povo de Deus se dividiu em dois reinos: Reino de Judá, no sul e Reino de Israel, no norte. O reino do norte (Israel) era mais rico, surgiram fazendeiros poderosos que dominavam os pobres. Os ricos esqueceram da Aliança e oprimiam os humildes. Tinham também vizinhos pagãos que adoravam muitos ídolos e parte do povo misturou a religião dos pais com as crenças pagãs. Então apareceram os profetas denunciando principalmente duas coisas: O esquecimento da Aliança contra Deus, ao aceitar outras religiões e adorar os ídolos. E a falha contra a Aliança ao se desprezar os pobres, aliados privilegiados de Deus. Na época de Salomão se escreveu pela primeira vez em Israel um texto sagrado que nós encontramos na Bíblia: o documento Yavista que relata desde a criação do mundo, passando pelo Êxodo, até a promessa de Deus a Davi. 18 2.A PALAVRA DE DEUS 2.1. O PODER DEVE SERVIR O POVO. (2 Samuel 7,1-17; Salmo 72-71). As funções que nascem no meio do povo não são um privilégio para se aproveitar do cargo mas uma responsabilidade para servir. Isto está muito claro na Bíblia toda. Quando Deus chama alguém pelo nome e lhe confia uma MISSÃO está acontecendo uma experiência de VOCAÇÃO, a pessoa chamada se torna uma PERSONAGEM. Toda pessoa, mulher e homem que é chamado/a por Deus é uma personagem para SERVIR a comunidade, em função daqueles que não tem nome conhecido na Bíblia, dos “nomes sem rosto”, dos “sujeitos anônimos”. A Bíblia apresenta listas de sujeitos anônimos, de rostos sem nome. A lista mais conhecida nos escrito do Antigo Testamento é: órfão, viúva e estrangeiro. A figura do rei, que nasceu como uma necessidade histórica, não podia ser diferente. O rei é escolhido por Deus para servir ao povo em relação à Aliança: ajudar o povo a ser mais fiel a Deus e a viver na fraternidade e na partilha. Ele deve fazer justiça aos pobres que não tem chance na sociedade, defender àqueles que ninguém defende porque não tem capacidade ou recursos. É por isso que Deus não gostou de Eli nem dos seus filhos, porque se aproveitavam do cargo para se enriquecer. Então aparece o profeta Samuel denunciando a situação e anunciando uma realidade diferente. O próprio Profeta (e também o último juiz de Israel) Samuel se resistiu a eleger um rei porque sabia que era muito perigoso. O que importava em Israel não era a família ou o dinheiro e sim a fidelidade à Aliança nas suas duas dimensões: divina e humana. O rei Davi agradou ao povo e ajudou todos a serem fiéis à Aliança. Por isso Deus lhe prometeu que os seus descendentes seriam reis para garantir a Aliança do povo com Deus. É isto que os profetas irão cobrar dos reis: fidelidade à Aliança. Na relação Deus – rei é Deus quem leva a iniciativa e define o projeto. O rei é instrumento nas mãos de Deus ao serviço do povo. Daí que Deus não aceita que Davi faça a casa para Deus, porque é ao contrário: é Deus quem faz a casa, Ele escolhe a família e prepara o rei para o seu povo. Deus preserva a sua própria liberdade, não gosta de ser manipulado, não gosta de ficar amarrado a um lugar, a um tempo, a um grupo de pessoas. Deus se faz presente em todo lugar, a toda hora e para todas a pessoas. De forma especial para os mais pobres. A imagem que melhor combina com o nosso Deus da Bíblia é Aquele que arma a sua tenda no meio de nós. “A Palavra se fez carne e armou a sua tenda no meio de nós” (João 1, 11). 2.2. O PECADO FERE A ALIANÇA MAS DEUS PERDOA. (2 Samuel 12, 1-14). Davi pecou traindo a confiança de Deus e o respeito pelo próximo. Urias era um estrangeiro ao serviço do rei. Davi achou que não tinha obrigação de respeita-lo. Não respeitou nem o soldado dele nem a esposa, porque era uma mulher. Achou que podia fazer com eles dois o que queria. Isso era pensamento comum entre os povos e reis da época. Mas Deus chama a atenção de Davi por meio do PROFETA NATÃ. Davi aceita a Palavra de Deus e pede perdão. Deus perdoa. Não castiga, mas, infelizmente, o pecado traz conseqüências negativas para si ou para os outros. 2.3. UM REI QUE PEDE SABEDORIA A DEUS. (1 Reis 3, 4-12; 1 Reis 3, 16-28) A verdadeira liderança a serviço do Povo de Deus não pode agir por conta própria... pois cairá nas armadilhas da opinião pública. Precisa procurar o discernimento na Palavra de Deus para agir corretamente. Não existem receitas prontas para levar em frente uma missão que Deus coloca em nossas mãos. Mas Deus também, junto com a missão, nos oferece as ferramentas necessárias para que possamos cumprir fielmente a sua vontade. É só procurar. 2.4. A DIVISÃO DO POVO É FRUTO DO PECADO. (1 Reis 12, 1-24) Salomão, na parte final do seu reinado, se esqueceu da Aliança. Praticou outras religiões e aumentou os impostos para o povo. O povo respeitou Salomão em atenção ao seu pai Davi e por medo... mas não gostou. Quando morreu Salomão o povo cobrou do filho dele, Roboão, que fosse fiel a Yavé e respeitasse mais o povo. Roboão não quis aceitar a exigência justa do povo e Israel se dividiu em dois reinos: o Norte (Israel) e o Sul (Judá). 19 TEMA 7: ELIAS (CONFLITO ENTRE REIS E PROFETAS NO REINO DO NORTE) 1. ASPECTOS HISTÓRICOS: O estado fundado por Davi se dividiu em dois: Reino do Norte (Reino de Israel) e Reino do Sul (Reino de Judá), no ano 931 antes de Cristo. O povo de Israel caiu na decadência em todos os sentidos: cultural, econômico, militar e religioso. A unidade conseguida por Davi durou pouco tempo e a divisão enfraqueceu a todos. O Reino do Sul (Judá) era formado por um povo mais homogêneo, de igual composição social. Isolado nas montanhas de Judá tinha pouco contato com outros povos e a fé em Yavé se conservou melhor. Todos reconheciam a família de Davi como uma liderança natural e não houve conflitos internos graves. A maioria das famílias vivia do cuidado do gado, principalmente das ovelhas (pastores). O Templo de Jerusalém representava um símbolo nacional de união e referência religiosa e política indiscutível. O Reino do Norte (Israel) era mais rico pela fecundidade agrícola dos vales. Os israelitas viviam em contato maior com outros povos vizinhos (cananeus, filisteus, etc.). Não existia uma capital estável, nem um templo que pudesse se comparar com o de Jerusalém. A população vivia da agricultura e do comércio. O perigo de misturar crenças e práticas religiosas próprias com as dos povos pagãos foi constante ameaça contra a fidelidade à Aliança. Rapidamente se expandiu a idolatria e o culto aos baales (deuses cananeus e fenícios). As aristocracias de cada cidade, orgulhosas do seu poder e riquezas, desprezavam os pobres e os oprimiam. Era freqüente o caso das pessoas humildes que pediam empréstimos a altos juros e, não podendo pagar, vendiam o pouco que tinham e se faziam escravos dos mais ricos. Os reis do norte não tinham muito poder e eles mesmos adoravam outros deuses e cometiam injustiças contra os humildes do povo. Foi-se criando um clima de hostilidades, ódios sociais e desejos de vingança. Os profetas enfrentam os reis em nome de Yavé, a sociedade fica dividida entre os fiéis à Aliança e os que queriam se assemelhar aos povos que marcavam a moda da época, como eram os fenícios (Tiro, Sidônia, Biblos, etc.). Entre os anos 1.000 ao 500 antes de Cristo, este conflito entre os reis e os profetas foi constante. O rei defendia, a maioria das vezes, os poderosos; os profetas defendiam os pobres. Os grandes profetas deste tempo foram: Elias, Eliseu, Oséias e Amós no Reino do Norte; Nata, Isaías e Jeremias no Reino do Sul. Muitas vezes ficavam sozinhos contra o poder e sofriam perseguições. A sua memória ficou viva na consciência do povo e graças à sua mensagem a fé de Israel sobreviveu nos tempos de crise. Um outro problema grave que trouxe a divisão do povo em dois reinos foi que as potências vizinhas de Egito e Assíria começaram a dominar a região fazendo incursões guerreiras que prejudicavam muito a vida do povo simples. Os reis do norte e do sul deviam pagar impostos pesados para as grandes nações e repassavam para o povo que se veia cada vez mais empobrecido. Os profetas, em nome do povo, reclamam também sobre a política externa dos reis que favorecia a aristocracia e prejudicava a economia da maioria do povo. O processo de decadência chegou ao ponto final para o Reino do Norte (Israel) quando os assírios, o povo mais cruel que se conhece na história da humanidade, invadiu a Samaria (721 antes de Cristo) e deportou toda a elite e pessoas principais do reino para Nínive. Lá acabou o reino do norte para sempre. Muitos fiéis fugiram para Jerusalém levando os escritos e tradições do norte (Documento Elohista) para Judá. Os assírios levaram para Samaria povoadores de outras regiões que se misturaram com aqueles que ficaram... dessa mistura nasceu o povo dos samaritanos, que adorava a Yavé, mas com mistura das crenças de outras religiões. Os judeus acharam que isso era uma heresia e jamais aceitaram mais os samaritanos como irmãos. 20 2.PALAVRA DE DEUS: 2.1.O PROFETA É FIEL A DEUS (1 Reis 19, 1-15) No reino do Norte ou de Israel os reis favoreciam o culto aos ídolos e os privilégios dos ricos. Os pobres do povo ficavam escandalizados porque não se guardava a Aliança e os seus direitos sociais eram desrespeitados. O profeta mais representativo do Norte foi, sem dúvidas, Elias (Ano 900 a.C.). Ficou sozinho na sua luta em favor da Aliança e jamais desistiu. Arriscou muitas vezes a própria vida e jamais calou a voz perante os reis. Quando Elias viu que o povo, com o rei na cabeça, se afastava de Deus trabalhou intensamente para virar a situação. Nada conseguia e ele se sentiu desanimado e sem forças. Então ele caminhou para o deserto do Sinaí, ao monte Horeb, onde Moisés se encontrara com Yahwéh para estabelecer a Aliança. Lá no deserto, Elias se encontrou de novo com Deus e retomou as forças da fé, renovou a Aliança e se comprometeu a trabalhar com o seu povo. Voltou e organizou toda uma revolução social, provocando a conversão do povo para Deus. 2.2.O PROFETA DEFENDE OS POBRES. (1 Reis 21, 1-16; Amós 2, 6-11; 4, 1-3) Em relação à justiça social, os profetas aprofundaram o sentido da opção preferencial de Deus pelos pobres. Esta opção perpassa a Bíblia toda e é fundamental à fé do povo israelita (e também, com maior motivo, para a fé cristã). Um caso muito significativo é o assassinato de Nabot. O rei queria a sua vinha, uma terra herdada dos pais. Era proibido vender uma terra herdada pelos pais, porque aquele pedaço de terra, embora pequeno, preservava um mínimo de independência econômica em relação aos poderosos. O rei armou um julgamento falso contra Nabot, o mandou matar e ficou com a sua vinha. Todos calaram a boca, mesmo sabendo dos crimes reais. Só Elias se apresentou perante o rei e lhe denunciou seus pecados. O profeta defende os pobres perante os poderosos. Assim, os profetas, se situam no lugar de Deus e assumem sua palavra e seus gestos. Nos textos do Antigo Testamento os pobres são apresentados numa lista que se tornou clássica: órfão, viúva e estrangeiro. Yavé cuida deles e quem os oprime se coloca em contra do projeto divino, ferindo gravemente a Aliança. 2.3.DEUS AMA O POVO APESAR DOS PECADOS. (Oséias 1, 2-3; 2, 16-25; 11) Primeiramente Deus faz e depois fala. Primeiro vem o ACONTECIMENTO DE SALVAÇÃO e depois vem a PALAVRA DA SALVAÇÃO. E como também uma imagem vale por mil palavras... os profetas fazem antes uma encenação da mensagem que depois irão proclamar. Mas a encenação é ao vivo! Oséias foi traído pela esposa. Mesmo assim ele continua amando-a . Que amor tão misterioso! Ele compreende que é assim o amor de Deus pelo seu povo. Ainda que o povo se desvia do Senhor, peca e esquece da ALIANÇA... Deus continua amando e protegendo. Dá para entender um amor tão louco? Graças aos profetas o povo foi compreendendo melhor quem é Deus. Que Ele não gosta de castigar mas de amar e perdoar. Os profetas descobriram que Deus tem um CORAÇÃO CHEIO DE AMOR PELO POVO. A Lei é importante e deve ser cumprida. Mas a partir da misericórdia. Os profetas nos revelam a ternura e o carinho de Deus pelo povo. 2.4.OS PROFETAS ENSINAM A PARTILHAR. (2 Reis 4, 42-44) Os profetas despertam na consciência do povo a necessidade de retomar a espiritualidade do deserto, de voltar para as raízes da Aliança. A partilha supera a esmola. No deserto não tinha nada individual, tudo era de todos. Ninguém passava necessidade. O deserto representa o ideal da espiritualidade do povo: vida de comunhão com Deus e vida de comunhão fraterna. As situações mudam e o povo cresce... Nasce o perigo de cada um querer acumular só para si e de se esquecer da vida do próximo. Os profetas chamam o povo para o espírito da doação e da partilha, para atitudes fraternas e de solidariedade. Quando o povo abre o coração e aprende a partilhar Deus está presente fazendo acontecer a fartura e a alegria comunitária. 21 TEMA 8: ISAÍAS – JEREMIAS (CONFLITO ENTRE REIS E PROFETAS NO REINO DO SUL) 1.ASPECTOS HISTÓRICOS: O Reino do Sul, também chamado Reino de Judá, estava formado por duas das doze tribos de Israel: Judá e Benjamim. A situação geográfica favorecia o isolamento, pois são terras localizadas entre muitas montanhas e desertos. A maioria da população trabalhava tomando conta do gado, no pastoreio. População isolada, de interior, muito apegada às antigas tradições, com pouco contato com outras culturas. A capital Jerusalém pertencia à família de Davi e centralizava suas atividades comerciais, cívicas e religiosas no templo de Salomão. As peregrinações constantes e as festas religiosas marcavam o ritmo da Cidade Santa. Não existia perigo grave de idolatria porque o templo era referência muito forte da fé em Yavé. Por outro lado, todos aceitavam a liderança natural da casa de Davi (os reis eram descendentes de Davi) e acreditavam firmemente na promessa feita por Deus a Davi, de que alguém de sua descendência chefiaria o povo da Aliança. Tudo parecia tranqüilo e em paz: o povo tinha a sua terra, um templo para cultuar a Yavé e um rei da família de Davi, que dava ao povo garantia e segurança. Terra, templo e rei eram os eixos que seguravam a fé em Yavé e a fidelidade à Aliança no Sinai. Mas esta paz aparente era mais uma ilusão e escondia ainda uma religiosidade com elementos de magia. O culto se tornava muitas vezes ritualismo desligado da vida, achando que a oferta de sacrifícios de animais já agradava a Deus, independentemente do comportamento de cada um e do povo na história. O povo achava que pelo fato de ter um templo a cidade estava em segurança... descuidando gravemente da política externa perante povos mais poderosos e sedentos de ambição (Egito e Assíria). Os reis normalmente conviviam mais com a aristocracia da cidade favorecendo sempre a nobreza em detrimento da maioria da população que enxergava a figura do rei como um ser distante que não ligava para os problemas do povo mas cuidava só das suas mordomias. Como é que ficava a missão real de ser um bom pastor a exemplo de Davi? Em que se assemelhava o governo distante e elitista do rei com o carinho de Yavé pelo seu povo? As pessoas de bem se faziam estas perguntas e cada vez mais achavam que a Aliança não estava se cumprindo corretamente. Quem pior cumpria a Aliança era, precisamente, o rei! Isto escandalizava o povo simples. Com a divisão do Reino em dois o povo ficou muito enfraquecido e as nações vizinhas se cresceram... ao ponto de se tornar uma ameaça constante. Especialmente dois povos da Mesopotâmia: primeiramente Assíria, logo depois Babilônia. Ambos os povos irão agredir constantemente pelas armas os dois estados israelitas, exigindo o pagamento de impostos pesados ... que os reis, para preservar o seu status, pagavam e depois repassavam para o povo humilde, prejudicando seriamente a economia popular. Quando a Babilônia foi apertando a situação do Reino do Sul, as guerras se faziam constantes, a fome açoitava as famílias humildes, a insegurança reinava pelo país todo. A elite se refugiava em Jerusalém, ao redor do templo, achando que, de uma forma mágica, Yavé protegeria a cidade. No ano 598 antes de Cristo aconteceu a primeira deportação dos principais do Reino do Sul para a Babilônia. O pior viria no ano 587: a cidade seria destruída e o povo perdeu o templo, a terra e o rei. Foi a segunda deportação, maior do que a primeira e o templo de Jerusalém foi roubado e demolido por completo. Parecia o fim de toda a história da salvação, o desafio definitivo para a fé: Onde estava Yavé naquele dia? 22 2.PALAVRA DE DEUS 2.1.A PROMESSA DO MESSIAS (Is. 6, 1-8; 7,10-17; 9,1-6; 11,1-9; 12, 1-6; 25,6-12; 32,15-20) Às vezes imaginamos os profetas como adivinhos... Mas não tem nada a ver com isso. Profeta é a pessoa que conhece bem a história do seu povo, o projeto de Deus para os homens. Desde este conhecimento de fé ele analisa a atualidade e denuncia o pecado do povo, anuncia uma realidade nova, mais de acordo com o projeto de Deus, e cria gestos de que essa nova realidade já está acontecendo. Profeta é porta-voz da mensagem de Deus para a humanidade. No reino do sul ou de Judá, o maior dos profetas foi Isaías (ano 750 a.C.). Era um homem importante no governo do rei. Quando percebeu que o rei não era justo com os pobres e não se preocupava da Aliança passou para a oposição. Anunciou que o filho do rei seria a esperança para o povo. Só que o filho foi pior governante para o povo do que o pai... e aí, Isaías, decepcionado, anunciou que só um Messias, o próprio Deus vivendo com os homens (Emmanuel) seria a solução para o povo. Ele teve o mérito de anunciar a promessa de um futuro Messias que salvaria o povo dos pecados e opressões. “O povo que caminhava nas trevas viu uma luz...” Isaías é o profeta da esperança contra toda esperança. O projeto de Deus triunfará, o amor de Deus fará que se cumpram as Promessas da Aliança, apesar dos pecados do povo. As duas grandes características do reinado do Messias serão a justiça e a paz. O Messias vai ser o Rei dos Pobres, vai governar em favor dos oprimidos, trazendo para a terra o projeto de Yavé. Então o mundo irá acreditar que Yavé é Deus e reina para valer. A inspiração de Isaías é, como sempre no caso dos profetas, a experiência do povo escravo no Egito que foi “libertado por Yavé com braço forte e mão poderosa” e a Aliança que o povo livre fez com Yavé no deserto, onde aprendeu a viver o projeto de Deus na igualdade e na fraternidade. Isaías canta melhor do que ninguém a utopia de um novo tempo onde as coisas acontecerão do jeito que Deus quer trazendo consolação a todos os sofredores. Em Isaías encontramos também os grandes valores que foram descobertos pelos profetas do Norte e que definem como vai ser o reinado de Deus: liberdade, justiça, esperança, paz e amor (misericórdia). 2.2.A LEI DO CORAÇÃO. (Jeremias 1,4-7; 4,1-4; 7,1-15; 9,22-23; 15,10-21; 18,1-6; 20,7-18; 22,13-19; 23,1-8; 33,1-9) Jeremias se empenha em explicar ao seu povo que não é suficiente oferecer sacrifícios no templo para ser salvo dos inimigos. Os inimigos cercavam a cidade de Jerusalém e o povo se sentia falsamente em segurança achando que Yavé estava no templo o libertaria de forma milagreira. Jeremias insiste na prática de uma religião que nasce do coração: adorar a Deus com amor, praticar o direito e a justiça com os pobres. Ele que tanto amava o seu povo, as amizades, as festas... foi ficando sozinho por causa da Palavra que precisava anunciar. Tem vez que pensa em desistir, mas não pode, porque Deus é mais forte do que ele. No meio de um povo que não era fiel à aliança, para manifestar que Yavé se afastava do povo por um tempo, ele não se casou. Ficou sem amigos, perseguido, maltratado... desejando a morte antes de ver a ruína do povo que tanto amava. É o grande profeta do coração, quer dizer, o profeta que espera a salvação para o seu povo na fidelidade de uma minoria que guarda a Aliança com amor, como uma opção de vida. Não adianta se considerar israelita por tradição, pelo fato de estar circuncidado. É preciso tomar uma atitude firme na vida em favor de Yavé e da sua causa. Denuncia ao povo e ao rei a infidelidade à Aliança: culto vazio, sem conteúdo, sem coração. Injustiças contra os pobres. Anuncia que um resto voltará da Babilônia e dará continuidade histórica ao plano de Deus. Será o Resto de Israel, povo que acolhe e vive de coração a Aliança com Yavé. Cria gestos que animam à esperança, como o campo que comprou quando o inimigo estava entrando na cidade. Não desiste: deportado ao Egito, que ele sempre profetizou contra, denunciou as injustiças do Faraó e morreu assassinado. No exílio da Babilônia um pequeno resto do povo conservará e purificará a sua fé meditando as palavras de Jeremias. Irá nascer uma nova forma de viver a religião, do jeito de Jeremias: a fé que nasce do coração. 23 TEMA 9: O EXÍLIO DA BABILÔNIA 1.ASPECTOS HISTÓRICOS. 1ª Deportação: 598; 2ª: 587; Volta: 539. (Antes de Cristo). O Império da Babilônia, em duas campanhas diferentes (anos 598 e 587 antes de Cristo) conquistou Jerusalém, roubou todas as riquezas guardadas desde o rei Salomão e deportou os principais do povo para Babilônia. Os homens mais importantes da vida social, política, religiosa, cultural e econômica foram deportados, aproximadamente umas 15.000 pessoas. As cidades maiores ficaram arrasadas. A população que devia ser ao redor de 250.000 habitantes foi reduzida a uns 20.000. O povo que ficou continuou cultuando nas ruínas do templo... com saudades do anterior. O povo perdeu assim a terra, o templo e as suas instituições principais e ficou como ovelhas dispersas sem pastor. Aquele pensamento religioso que achava que Yavé jamais iria permitir a entrada dos inimigos na Cidade Santa e, ainda menos, a destruição do Templo, caiu por terra. A dinastia da Casa de Davi também fracassou. Foi a pior crise que o povo de Deus passou na sua história. Perderam as instituições principais que sustentavam a sua organização social: a terra prometida, o rei (que representava a Deus para garantir a Aliança) e o templo de Jerusalém construído por Salomão. Como ficavam as promessas de Deus? Era verdade que Deus protegia o seu povo? Como Deus permitiu que o seu povo perdesse tudo? Na Babilônia os israelitas, que consideravam a cidade de Jerusalém como a melhor do mundo, puderam comprovar cidades e civilizações mais avançadas do que a deles, com melhores condições de vida. Lá se dedicavam à agricultura (nos canais da Babilônia) ou ao comércio. Alguns conseguiram espaço importante na vida social e política. A experiência do Exílio da Babilônia enriqueceu a cultura judaica. No meio de religiões diferentes os israelitas tiveram que fortalecer a sua própria identidade cultural e religiosa, aprofundaram na sua história e nas suas tradições. Lá no Cativeiro o povo lembrou as palavras e escritos dos grandes profetas: Elias, Amós, Oséias, Isaías...e, principalmente, Jeremias. Antes desprezados e condenados, agora queridos e meditados. A voz dos profetas foi a luz que iluminou aquele povo sumido nas trevas de uma nova escravidão. É claro que muitos abandonaram a fé e o interesse pelo seu povo se misturando com todos os outros povos que encontraram na Babilônia. Mas uma minoria foi fiel. Lá nasceu um novo povo de Deus, um resto, o resto de Israel que daria continuidade histórica ao povo da Aliança. Outros povos como os israelitas perderam a identidade misturados ou assimilados pela situação. Israel conservou a identidade, pelo menos uma parte do povo, o Resto de Israel, iluminado pelas palavras dos profetas. Como acontecera no deserto do Sinai, o desterro da Babilônia foi uma oportunidade para conhecer melhor a Yavé, o seu projeto histórico e os seus caminhos. A história do povo de Deus nos ensina que, muitas vezes, os momentos difíceis, humanamente negativos, são oportunidades de purificação e crescimento. Os profetas do Desterro ajudaram o povo, junto com os sacerdotes, para se superar e continuar acreditando nas Promessas Sagradas. Isaías II (Isaías 40-55) e Ezequiel são os grandes animadores do povo. Antes do ano 539 apareceu no cenário político militar outro povo dominador: os persas. Liderados por Ciro vão conquistando tudo que Babilônia tinha anexado ao seu império. No final, quando ia se aproximando da mesma Babilônia, o povo de Israel teve a esperança de que poderia voltar de novo para Israel. Ciro tinha fama de liberal e de permitir a liberdade cultural e religiosa. As expectativas foram cumpridas: aqueles que quiseram encontraram permissão para voltar de novo a Jerusalém e reorganizar lá as suas vidas. Parece que o Resto de Israel que voltou exultava de alegria. Um rei estrangeiro era o braço de Yavé para um novo êxodo de libertação. É por isso que aquele povo insistia tanto nas suas tradições que a história humana está controlada por Yavé: Deus Criador e Deus Libertador. 24 2. PALAVRA DE DEUS 2.1. O DOCUMENTO LEVÍTICO OU SACERDOTAL. (Levítico 19, 1-19; Gn.9, 1-17; 1,1-2,4a; Ex.14). A preocupação das lideranças religiosas do povo na Babilônia foi preservar a fé do povo em terra estrangeira. Para conseguir este objetivo insistem em manter o povo de Israel separado dos outros povos: no aspecto do culto, o respeito pelo sangue e ritos litúrgicos; no aspecto da raça, cuidando de manter uma ordem nas relações sexuais e no aspecto da Aliança, adorando só a Yavé cuidando do dia do Sábado e se preocupando dos pobres. A essência da Aliança consiste em “Sede santos como Yavé é santo”. A imagem das águas é importante porque em Israel tem rios pequenos mas na Babilônia são imensos com perigos de enchentes que matam o povo. Na Babilônia construíam canais para controlar as águas dos grandes rios. Yavé separa as águas da terra e abre caminho pelas águas para salvar o seu povo. Os babilônios tinham mitos sobre dilúvios ou enchentes terríveis que consideravam como uma brincadeira dos deuses que não gostavam dos seres humanos. Os israelitas interpretam diferente: se houve dilúvio foi pelo pecado do povo mas Yavé perdoa e hão haverá mais. No Exílio da Babilônia irá nascer uma nova interpretação da história, mais espiritual, fundamentada não tanto no trabalho do homem mas no projeto divino. Uma nova comunidade de fé purificada pelo sofrimento histórico. Nascem elementos novos para expressar e simbolizar a Aliança: O Sábado, a circuncisão e as escrituras sagradas. Virão substituir a terra, o templo e o rei... 2.2. O PROFETA EZEQUIEL. (Ezequiel 34, 1-16; 37, 1-14) Seguindo as descobertas espirituais de Jeremias, no sentido da responsabilidade pessoal em relação à fé em Yavé, Ezequiel anuncia no Exílio da Babilônia que Yavé vai mudar a sorte do seu povo. Mas é preciso que cada um se prepare e seja fiel à Aliança. O povo como tal ficou desestruturado e é preciso que cada um assuma a sua responsabilidade. 2.3. O PROFETA ISAIAS II (Is. 40,1-11; 41,8-10; 42,1-9; 48,20-22; 41,1-7; 50,4-11; 52,13-53,12; 55,1-13) O povo cativo na Babilônia teve que começar tudo de novo. Misturados com os outros povos escravizados como eles tomaram consciência do valor da sua fé e da sua cultura. Se reuniam nas casas aos sábados para ler as Escrituras e interpretar os acontecimentos tristes do presente que estavam vivendo à luz da Aliança com Yhawéh. É nessas horas mais tristes do povo que surgiu o momento mais sublime da profecia judaica: os textos da criação do mundo (Gênesis 1), nova leitura da Páscoa e renovação das Promessas... Destaca nesta hora a figura do profeta Isaías II (Is. 40-55). Contra toda esperança ele escreveu o Evangelho do Antigo Testamento (Is.40-55) animando o seu povo a acreditar em Deus e a dar uma virada por cima da situação de morte que lhes era impunha. É o profeta que canta a volta a Jerusalém e a esperança em uma nova libertação. O povo é como um Servo Sofredor que paga as conseqüências dos pecados e falhas dos pais... Seu sofrimento é, porém, semente de libertação e de uma nova etapa de relações com Deus e entre os membros do povo. Ele é o consolador do povo nas suas aflições, o poeta que desperta uma consciência de vida nos seus irmãos. A sua mensagem constitui uma das páginas mais vivas e brilhantes de todo o Antigo Testamento. O povo sentiu aquelas palavras de amor que Deus lhe dirigia nas horas tristes... e soube corresponder com fé. Se preparou para a volta e se mentalizou para iniciar um novo projeto: reconstruir Jerusalém e a vida do povo desde umas bases novas, de acordo com a palavra dos seus grandes profetas. 25 TEMA 10: ESDRAS E NEEMIAS. (DEPOIS DA VOLTA DO EXÍLIO DA BABILÔNIA) 1.ASPECTOS HISTÓRICOS Depois dos longos anos do cativeiro os persas, liderados por Ciro, acabaram com o poder da Babilônia. Ciro era liberal e tolerante. Lá onde passava libertava os povos oprimidos e lhes permitia voltar às suas terras de origem. Era uma forma nova de fazer política, mais pacífica e duradoura. Na realidade, tanto os assírios (Nínive) como os babilônios (Babilônia) eram cruéis demais para que os respectivos impérios deles durassem muito tempo. O povo agüenta porque não tem outro jeito, mas na primeira oportunidade se rebela contra o opressor. Ciro era mais inteligente, como depois seriam também Alexandre o Grande e os romanos. Respeitam os costumes e religiões de cada povo, recolhem razoavelmente impostos e favorecem o comércio e as obras públicas... Desse jeito, os povos que fazem parte do império ficam mais tranqüilos e até que gostam da estabilidade e da proteção do imperador. Os israelitas acreditaram que Ciro, embora pagão, era um instrumento de Yavé para lhes ajudar a voltar à Terra Prometida. Ciro libertou o povo do cativeiro. Uma parte do povo ficou na Babilônia porque já tinham a vida organizada lá, alguns continuaram fiéis à fé da Aliança e fundaram as primeiras comunidades judaicas na diáspora (no estrangeiro), que se alicerçavam na estrutura familiar e na sinagoga. Outra parte do povo voltou para Jerusalém com a intenção de reconstruir o templo e as tradições antigas. A volta, apesar do deserto, foi uma alegria, como canta o profeta Isaías II. Só que quando chegaram tiveram que trabalhar duro. A terra estava de novo ocupada e não foram bem acolhidos. Com a destruição de Jerusalém a cidade mais importante da região era Samaria, com aquela mistura de raças e religiões. Também acreditavam em Yavé mas com uma religiosidade muito deteriorada pelos ritos e crenças de outros povos pagãos. Os samaritanos, naquele momento com uma posição social superior aos judeus, ficaram com medo de que Jerusalém fosse de novo o que já tinha sido anteriormente e pudesse ameaçar a liderança deles na região. Os samaritanos eram nesse momento mais ricos e afortunados economicamente que os israelitas recém chegados do cativeiro da Babilônia... e jogavam na cara deles onde que estava o seu Deus que permitia tais pobrezas e sofrimentos. Colocaram todos os impedimentos possíveis para atrapalhar a reconstrução dos israelitas. Estes não iriam perdoar jamais, como 500 anos depois podemos comprovar na rixa que aparece nos relatos dos Evangelhos entre judeus e samaritanos. No início a reconstrução foi difícil. Eles eram pobres e tudo foi bem devagar. Isaías III (Isaías 56-65) relata estes fatos e insiste no amor de Deus aos pobres de Yavé. O povo, porém, aprendeu a confiar só em Deus e a ficar mais unidos entre eles. Isto foi essencial para iniciar a nova etapa e superar as dificuldades históricas do momento. Aos poucos o povo foi levantando cabeça, se reorganizando e conseguindo prosperidade. Foram se espalhando por toda a região da Palestina, especialmente no Norte, ao redor do Lago de Genesaré (Galiléia) e no Sul, ao redor de Jerusalém. A região central, com as melhores terras da planície de Sharom, já estavam ocupadas pelos samaritanos. Entre os anos 539 (Volta do Exílio da Babilônia) até o ano 300 (Alexandre o Grande) Israel irá viver uma época de calma e de paz, prosperidade e grande amadurecimento espiritual. É nesta época que se escreveram a maior parte das narrações bíblicas tal como agora nós podemos ler. E, do mesmo jeito que tinha acontecido anteriormente com o período do deserto do Sinaí, o Exílio da Babilônia se tornou de novo um tempo de inspiração para a espiritualidade do povo israelita, uma referência chave para a fé do povo. Muitos textos bíblicos irão se inspirar no Exílio da Babilônia. Se trata como de um segundo momento de escravidão e de uma segunda libertação. O povo vai lembrar como nessa situação que humanamente era negativa despertaram no coração dos israelitas uma fé mais pura e uma comunidade mais unida e fraterna. Esta comunidade israelita na Babilônia se tornou um modelo 26 para as gerações posteriores. O povo descobre que Deus aproveita os momentos difíceis da história para aproximar as pessoas ainda mais do seu projeto de amor. É claro que nós sabemos que estes momentos difíceis não vem de Deus... é a própria história humana, impregnada também pelo pecado, que traz muitos sofrimentos e dissabores. Mas Deus é maior e sabe tirar um bem para nós. 2.A PALAVRA DE DEUS. 2.1. O PROFETA ISAIAS III (56-65) (Is.57,14-15; 58,1-12; 61, 1-3; 66,10-14) Foi discípulo e seguidor do Segundo Isaías e viveu depois da volta do Desterro da Babilônia. A ele correspondem os capítulos 56-66 do Livro de Isaías. Quando os judeus voltaram a Jerusalém se encontraram com muitas dificuldades e oposições, especialmente da parte dos samaritanos. Alguns dos que tinham voltado com tanto entusiasmo começavam a desanimar. Teria valido a pena tanto sacrifício para encontrar uma cidade destruída e uma população hostil? Isaías III anima a continuar reconstruindo e, principalmente, a não cair nos pecados antigos: idolatria e desprezo pelos pobres. Uma descoberta que o povo fizera lá na Babilônia foi o sentido universal da Aliança. Encontraram muitas pessoas de boa vontade que, pertencendo a outras religiões e culturas, viviam o espírito da Aliança nas relações humanas. Não seria que Yavé também os amava? Entenderam que o povo de Israel tinha uma missão em relação ao mundo todo: ser luz das nações, referência para levar a humanidade para Deus. O Terceiro Isaías destaca este aspecto na sua mensagem: a universalidade da Aliança. Todos os povos são chamados a viver em Aliança de amor com Deus e com seus irmãos. O próprio Jesus, na sinagoga de Nazaré, quando escolheu um texto para fazer a leitura, tomou do livro de Isaías (Is.61,1-2) para apresentar o significado da sua missão messiânica. Mas ainda também prevalece o desejo de vingança contra os vizinhos opressores... e como eles não podem dar o troco esperam que Yavé, o Senhor dos Exércitos, venha trazendo o “Dia da Vingança” para exterminar os inimigos. Parecem sentimentos contraditórios mas tem sua lógica: para os pagãos que são bons conosco Deus vai trazer também a sua bênção, mas para os pagãos que nos oprimem... chegará com o extermínio. E é isto que o povo esperava do Messias no tempo de Jesus! 2.2. A REFORMA DE ESDRAS E NEEMIAS (Esdras 1, 1-4; 7, 1-14) Autorizado pelo rei da Pérsia (da qual Palestina é província) Artaxerxes organizou o povo israelita em torno da Lei de Moisés. Mas como existiam diferentes tradições que já estavam escritas (Yavista e Elohista, Deuteronômio e Sacerdotal ou Levítico) fez juntar tudo numa única Lei... e daí nasceu a Tora, tal como nós podemos ler hoje na Bíblia: Gênesis, Êxodo, Números, Levítico e Deuteronômio. Os outros escritos colocou-os sob o título de Profetas. A maior descoberta do povo na Babilônia foi, sem dúvida, o valor das Escrituras para a fé do povo. A partir de lá a Escritura se considera como Palavra de Deus. As sinagogas seriam escolas para compreender e atualizar as Escrituras. 2.3. OUTROS ESCRITOS (Jonas 1, 1-4; 3, 1-4; 4, 1-11; Zacarias 9, 9s.; 12,10; Joel 3,1ss.) Neste período de calma e paz para o povo a fé irá despertar na consciência dos israelitas o compromisso de cumprir a Aliança nos âmbitos naturais da vida: na família, no trabalho, nas relações com os outros povos, etc. Começam a aparecer na literatura bíblica os escritos sapienciais sobre o sentido da vida e da morte, o jeito de Deus agir na história com a sua pedagogia surpreendente mas eficaz, o valor da verdade e da justiça, a importância de viver em relações de harmonia e de paz consigo mesmo, com Deus, com os outros e com a natureza. Foi um grande tempo de reflexão e interiorização da fé inculturada na realidade popular. Perante os pecados da humanidade (idolatria, injustiças sociais e falta de respeito com a família) aparece a doutrina do “Dia de Yavé”, o Julgamento Final, que trará felicidade eterna para os justos e morte para os injustos. 27 TEMA 11: CONFLITO ENTRE IMPERIALISMO E FÉ (CONFLITO ENTRE O HELENISMO E O JUDAÍSMO) A SABEDORIA HUMANA QUE NASCE E SE ALIMENTA DA FÉ 1.ASPECTOS HISTÓRICOS No ano 333 antes de Cristo o jovem imperador da Grécia (Macedônia) Alexandre o Grande (Magno) conquista todo o império dos persas desde a Mesopotâmia até o Egito, incluindo a Palestina. Apôs a morte dele (ano 323) o império ficou dividido em várias províncias, entre elas a do Egito dominada pela família de Lagos (lágidas) e a província da Síria dominada pela família de Seleuco (seléucidas). A Palestina ficou no início sob influência do Egito (lágidas) entre os anos 323 até 198. A partir do ano 198 a Palestina ficou sob o domínio da Síria comandada pelos seléucidas. A pesar da divisão a cultura helenista (grega) passou a dominar todos os povos que tinham sido conquistados. Era considerada como uma cultura superior que desprezava os costumes e religiões orientais. Com o comando dos lágidas o problema foi principalmente cultural mas a religião foi respeitada. Os judeus se sentiram agredidos: a fé de seus pais, as tradições dos patriarcas e profetas não poderiam desaparecer! Se os gregos (helenistas) se consideravam filósofos e os mais sábios e civilizados do mundo... os israelitas quiseram demonstrar que a verdadeira sabedoria da vida vem de Deus. Daí a maravilhosa produção bíblica desta época apresentando a profunda e prática sabedoria popular que nasce e se alimenta na fé em Yavé, o Deus que se manifesta na história do seu povo. O ambiente histórico piorou quando os helenistas da Síria com os seléucidas na cabeça controlaram a Palestina a partir do ano 198. Não se conformavam com espalhar a cultura grega... queriam impor a civilização helenista pela força incluindo a própria religião. Houve momentos de grave tensão, sobretudo quando o rei Antíoco IV no ano 168 a. de C. colocou um altar ao deus grego Zeus no templo de Jerusalém e organizou uma terrível perseguição contra as famílias israelitas que não aceitavam sua política. Houve duas formas de resistência: uma armada, dos Macabeus; outra cultural, que aparece descrita no Livro de Daniel. O Livro de Daniel é interessante como exemplo de resistência pacífica cultural. Se uma cultura ocidental (helenista) pretendia se impor a outra cultura oriental (judaica), nada melhor que se afirmar na própria tradição, nos próprios valores transmitidos ao longo dos séculos de pais para filhos. O Livro de Daniel está escrito inteiramente com símbolos orientais, para que os estranhos ocidentais não pudessem compreender a mensagem de resistência que quer passar para o povo. Depois desta experiência traumática os israelitas viveram alguns anos de independência total, com reis próprios (da família dos macabeus chamados os asmoneus), entre os anos 164 até o 63 antes de Cristo. Estes reis israelitas eram, porém, violentos e corruptos... e o povo sonhava de novo com um rei como Davi. Neste período os israelitas deram o troco violentamente em todos seus vizinhos impondo a religião de Yavé em toda a Palestina e destruindo todos os sinais de civilização grega. Até que o general Pompeio conquistou a Palestina no ano 63 antes de Jesus Cristo e a converteu em província do império, dependendo ainda da demarcação da Síria, com capital em Damasco. Esta situação constituía uma humilhação para o Povo de Deus, cansados de suportar chefes estranhos que lhes impunham uma cultura diferente. É por isso que quando Jesus nasceu o povo esperava um messias militar que o libertasse dos exércitos romanos. Os romanos respeitavam as religiões dos povos que dominavam, cobravam, porém pesados impostos que faziam difícil a vida do povo simples. 28 2.PALAVRA DE DEUS. 2.1. DEUS FALA PELA SABEDORIA POPULAR (Jó 1, 13-22; Cântico 7, 2-10; Tobias 8, 7-9; Provérbios 10, 22-29; Sabedoria 7,22-31) Desde o Cativeiro da Babilônia os israelitas foram compreendendo que o projeto de Yavé tinha um sentido universal. O povo judeu era o povo escolhido, o povo da promessa... Mas a sua missão era ser luz para o mundo, comunicar ao mundo o plano de Deus. Quando muitos judeus conviveram com outros povos e culturas na Babilônia, na Alexandria e outras nações foram compreendendo o valor das outras culturas e foram realizando uma ligação entre a fé dos seus pais e as culturas das nações nas quais habitavam. Desta forma, antes do nascimento de Jesus de Nazaré, a fé israelita estava inculturada tanto em vários países do Oriente (Babilônia, Pérsia, Síria) como de Ocidente (Alexandria, Grécia, Roma, etc.). Este fato ajudou muito a evangelização dos primeiros cristãos, que eram de origem judaico, por todo o Império Romano. As comunidades judaicas na “diáspora” (em outros países fora da Judéia) ajudaram a criar uma consciência mais universal da fé. Esta experiência deu como fruto a elaboração de muitos escritos judeus em língua grega. A próprio Bíblia foi traduzida à língua grega ao redor do ano 200 antes de Jesus Cristo; este fato foi fundamental para espalhar por muitos povos a mensagem de Deus. Os judeus aprenderam a amar outros povos e culturas diferentes sem perder a sua fé. A tradução da Bíblia da língua hebraica ao grego foi um fator decisivo de propaganda da fé israelita. O período de conflitos culturais foi um desafio para a fé do povo. O povo de Israel demonstrou que sabia aproveitar a riqueza da sabedoria popular dos diferentes povos e deles mesmos. À luz da Palavra de Deus (Lei e Profetas) o povo aprendeu a enxergar a sua história desde o coração de Deus e foi criando uma filosofia popular muito rica e prática, centrada na Aliança. A Bíblia recolhe muitos livros chamados “sapienciais” que exprimem a sabedoria popular israelita. Esta sabedoria abrange todos os temas da vida do dia-a-dia: namoro e casamento, amizades, trabalho, relações com os vizinhos e parentes, viagens, etc. Todos os aspectos da vida comum aparecem nestes escritos (Eclesiástico, Provérbios, Jó, Sabedoria, Tobias, Cântico, Judit, Esther, Rut, Salmos, etc.). São livros que se atribuem ao rei Salomão porque tinha fama de sábio, mas na realidade se escreveram vários séculos depois de Salomão. O eixo desta sabedoria é a Aliança do povo com Yavé Libertador. É neste ambiente histórico que nasceu a literatura sapiencial. O povo judeu se sente muito rico na sua própria tradição cultural e exprime nestes textos a riqueza da sua sabedoria popular. 2.2. A MELHOR FORTALEÇA É A CONFIANÇA EM DEUS. (Daniel 7, 1-18; 12, 1-4; 13) Quando a perseguição é insuportável pela crueldade, como foi o caso do rei seléucida da Síria Antíoco IV Epifanes contra o povo de Israel, a fé leva a esperar uma solução mais radical da parte de Deus que é quem dirige os caminhos da história, apesar de toda aparência humana. Nasce assim o gênero literário do APOCALIPSE, que significa uma revelação especial para animar o povo de Deus quando as circunstâncias históricas são totalmente desfavoráveis. O apocalipse coloca toda a sua esperança em Deus que desde o céu controla a história. A história humana não acaba nesta terra, a parte principal da vida humana acontece depois da morte. Quem permanecer fiel receberá a glória dos santos. O Apocalipse de São João adotou este mesmo método quando os cristãos de Éfeso sofreram uma cruel perseguição nos tempos do imperador Domiciano (ano 96 depois de Cristo). 29 TEMA 12: O DEUS LIBERTADOR É TAMBÉM O DEUS CRIADOR DA VIDA 1.OS MITOS. É difícil falar sobre os mitos, porque tem significados bem diferentes. Na linguagem popular um mito quer dizer uma história inventada para criar uma ilusão ou um engano no povo. Existem também os mitos sociais: uma pessoa que destaca socialmente como artista, na política, nos meios de comunicação, etc. A magia dos mitos funciona também hoje. Os Meios de Comunicação Social exploram muito bem certos sentimentos do povo para promover a imagem de certas pessoas que tem algum significado especial para o inconsciente coletivo (O mito do corpo ideal, do homem ideal, da mulher ideal, etc.) Nós vamos nos referir aos grandes mitos da Antigüidade, que se apresentam para nós em forma de lendas ou histórias. O mito é também um gênero literário, uma forma particular de expressão que era utilizada por quase todas as antigas culturas para responder às grandes perguntas que o ser humano carrega no seu interior: quem é o ser humano, o mistério da atração entre os dois sexos, o porque do trabalho, a existência de Deus, qual é a relação entre Deus e o homem, o mistério da morte, o problema do mal, o porque do sofrimento, qual o motivo dos conflitos humanos, o desejo da felicidade,... A cada resposta nascem mil novas perguntas que nós temos a necessidade de procurar respostas. Os povos antigos elaboravam respostas a estas perguntas em forma de lendas ou histórias imaginárias, normalmente situadas na origem da humanidade ou no mundo fictício dos “deuses”, para expressar que em todo tempo e lugar, o ser humano tem os mesmos anseios e problemas. Os mitos recolhem a resposta que cada cultura antiga elaborou ao longo dos séculos sobre estes questionamentos profundos e comuns a todos os seres humanos. Logicamente, existe uma interrelação entre culturas e povos, uma certa afinidade entre os mitos de diferentes povos. Por exemplo, o ser humano se pergunta sobre a origem da misteriosa atração entre os sexos. Imagina-se num tempo anterior ao nosso tempo um conjunto de histórias de deuses e deusas que se amam e se juntam. Desse amor entre os deuses provem a fecundidade da terra. Seria, portanto, necessário recorrer a certos ritos religiosos (neste caso sexuais) para induzir esses deuses e deusas a se unir para que acontecesse, como resultado dessas ligações sexuais divinas, a fecundidade da terra humana (agricultura, gado, etc.). A sexualidade humana se entenderia, segundo os mitos antigos, como uma cópia imperfeita da sexualidade divina. VAMOS ANALISAR ALGUNS MITOS DO ANTIGO ORIENTE a) Epopéia de Atra-Hasis (ano 1600 antes de Cristo). “Os deuses superiores, chamados Annunaki, carregam aos deuses inferiores, chamados Igigi, as tarefas piores, mais insuportáveis. Estes deuses inferiores se rebelam e não querem trabalhar. O deus Ea toma esta decisão: Que se mate um deus e com seu carne e o seu sangue a deusa mãe Nintu misture um pouco de lama de forma que deus e o homem estejam misturados na lama. Assim surgiu a raça humana para carregar com as tarefas que os deuses não gostavam. Os homens eram bagunceiros e atrapalhavam o descanso dos deuses... Então estes resolvem destruir a raça humana por meio de um dilúvio terrível. Mas houve um homem chamado Utnapistim que conseguiu sobreviver construindo um barco especial...” 30 b) Epopéia de Gilgamesh (A obra mais conhecida da antiga Mesopotâmia). “Gilgamesh e Endiku eram amigos e caçavam juntos. Um dia Endiku morreu e Gilgamesh ficou cheio de tristeza e procura a imortalidade junto a Utnapispim, o herói do dilúvio. No caminho encontra a deusa da cerveja, chamada Siduri que lhe diz: ´O que procuras, Gilgamesh? A vida que sonhas não acharás. Quando os deuses fizeram os homens destinaram para eles a mortes e ficaram com a vida nas mãos deles. Você, Gilgamesh, come e bebe, procura o prazer de dia e de noite, vai nas festas e dança, arruma vestes bonitas e perfuma tua cabeça. Cuida das tuas crianças e satisfaz a mulher que se deita contigo. Pois este é o destino da humanidade.` Gilgamesh chegou finalmente até o herói do dilúvio e lhe revela o segredo da imortalidade. Se trata da planta da vida que está escondida no fundo do abismo. Quando consegue a planta volta para casa e caminha dois dias. Cansado do caminho parou à beira de um poço para beber. Depois dormiu. Uma serpente cheirou a o aroma da planta, saiu da água do poço e arrebatou a planta. Quando se foi com a planta mudou de pele. Gilgamesh perdeu a imortalidade para sempre e chorou o seu triste destino.” Perguntas: Para que foi criado o homem? Qual é a sua relação com Deus? Qual é o significado do trabalho? O que significam as catástrofes naturais?. Se o homem perdeu a imortalidade qual é o sentido da sua vida nesta terra? A melhor saída não será viver para o prazer, fugir da dor e desfrutar da vida o melhor que se puder? 2. PALAVRA DE DEUS O Livro do Gênesis é bem diferente dos outros livros da Bíblia, especialmente nos primeiros 11 capítulos. Falam sobre a origem do universo e da humanidade. Só que nós devemos ter cuidado na hora de interpretá-los porque não podemos compreendê-los ao pé da letra. A linguagem é muito simbólica, poética e não se trata de um livro de história ou de biologia. Apresenta em forma de “histórias” (lendas) uma filosofia sobre a vida do ser humano na terra, a partir da fé em Deus. Aquelas perguntas mais profundas que o ser humano se faz: quem é o homem? Como é Deus? Porque existe o mal no mundo? Será que a humanidade tem jeito? Porque se dá essa atração misteriosa entre o homem e a mulher? O trabalho: é um castigo ou ajuda o homem a se humanizar? Será que Deus não quer saber mais de nós? Etc. O Gênesis oferece respostas a estas perguntas a partir da fé que o povo tem em Yavé, o Deus que libertou o povo da escravidão do Egito pela mão de Moisés; o Deus que fez uma promessa a Abraão, o patriarca principal do povo. Só que o Gênesis, como era costume naquela época, descreve estas respostas tão importantes para o ser humano em forma de pequenas histórias ou lendas, como se as personagens tivessem existido de verdade. Na realidade, essas personagens que aparecem do Livro do Gênesis (até o capítulo 11) somos nós mesmos, porque falam como é e o que acontece na vida de todo ser humano. Começa o Livro do Gênesis apresentando duas narrações sobre a criação do mundo, analisa a raiz do pecado no homem e as conseqüências do pecado na história humana e depois oferece uma lista de personagens míticos até chegar a Abraão, o pai do povo israelita. A partir do capítulo 12 descreve a vida dos patriarcas do povo judeu e as promessas de Deus, fazendo aliança com os pais da nação. Deus se manifesta como o Criador e como o Salvador, que intervém em favor do seu povo. É o Deus da promessa, da aliança e da bênção. 31 2.1. OS DOIS RELATOS DA CRIAÇÃO (Gn.1,1-2,4 a ; 2, 4b-25) A Bíblia não é um livro de história ou de ciência, mas de fé. Traz para nós uma mensagem de vida... que nós precisamos aprender a descobrir. Estes textos recolhem tradições orais muito antigas, relacionadas com os mitos dos povos vizinhos e que nos oferecem uma visão do ser humano que tem muita atualidade. Se a gente for entender ao pé da letra fica meio perdido... Para começar, os textos bíblicos apresentam dois relatos diferentes sobre a criação. Qual fala a verdade? Os dois. Mas devemos saber interpretar corretamente. Eles não querem falar de biologia (o ser humano faz parte da vida do nosso planeta Terra, e parece que provem de uma espécie animal que se perdeu e que deu origem a um tipo de macaco atual e ao ser humano). Os textos nos falam de fé. Deus criou o universo com amor e colocou o ser humano como o centro, o ser criado mais importante. O homem é o representante de Deus no meio do mundo. Deus lhe deu tudo quanto precisa para ser feliz: as coisas materiais, a amizade humana e a amizade de Deus. Ele os criou homem e mulher, iguais em dignidade, para poder gerar novas vidas humanas e criar laços de amizade e de comunhão. No primeiro relato Deus cria por meio da sua palavra (Deus diz... e se fez). No segundo relato Deus cria com as suas próprias mãos, como se fosse um oleiro. Assim, os dois relatos se completam, como acontece com a missão de Evangelizar de Jesus: com obras e com palavras. No primeiro relato Deus aparece como alguém que coloca ordem no meio da confusão: dia a dia vai separando a matéria amorfa e vai lhe dando uma forma, um sentido. Isto quer dizer que sem a intervenção de Deus tudo fica fora de lugar. Deus, com seu amor providente, vai dando sentido às coisas e aos acontecimentos. Tudo Ele faz para favorecer o homem, seu filho predileto, para quem prepara uma vida diferente. No segundo relato Deus é como um oleiro preocupado em dar forma perfeita nas coisas e completando a criação com a sua obra prima: o ser humano, Adão. Deus se preocupa com que Adão tenha de tudo quanto precisa para ser feliz: é para ele que prepara o paraíso, os animais, e, principalmente, a companhia humana (Eva). Deus quer ser amigo de Adão e Eva e todo dia vem ao encontro deles para bater um papo amigo, para dialogar e lhes revelar seus sonhos de amor. Este relato é mais humano e poético. Aquela imagem da costela de Adão quer dizer que homem e mulher são feitos da mesma matéria, são iguais e se complementam. O homem e a mulher se unem não só para procriar mas para se relacionar humanamente, para ser amigos e se comunicar por meio do amor. Quem é o ser humano? O ser humano é um ser que é matéria (feito da lama da terra) e, ao mesmo tempo, leva no seu interior o espírito de Deus (o sopro divino). É o ser principal da criação, amigo e colaborador de Deus. Deus fez tudo bem, com amor. O universo é a casa do ser humano que Deus preparou com carinho para todos. O plano do Criador é a vida feliz para todos. 2.2. O MISTÉRIO DO PECADO (Gênesis 3) O ser humano, mulher e homem, criados à imagem e semelhança de Deus, é um ser relacional. Isto significa que não é um ser isolado em si mesmo. Chamado a estabelecer uma rede de relações de amor consigo mesmo, com Deus, com os outros seres humanos e com a natureza. Quando respeita este princípio de amor, ele gera harmonia ao seu redor, comunhão fraterna, alegria partilhada. O ser humano, imagem e semelhança de Deus, é chamado a participar da vida divina, quer dizer a colaborar na obra de amor de Deus. O amor é a plenitude da relação humana. Mas só se ama desde a liberdade, desde a opção pessoal. Deus correu este risco com o ser humano: lhe fez livre, para que pudesse ser verdadeiramente semelhante, colaborador, parceiro verdadeiro e não como 32 uma máquina, muito perfeita, porém só programada para executar uma ordem ditada previamente. O preço da liberdade é a possibilidade de o homem se recusar a cooperar no plano de Deus. A conseqüência desta recusa é o mal no mundo. No Antigo Testamento aparece muitas vezes o mal como um castigo pedagógico de Deus, para o homem aprender o caminho do bem, que é o caminho da vida. Como Jesus nos ensina não é Deus quem castiga mas o próprio homem que se castiga quando se afasta do bem e dá origem ao mal tanto para ele como para os outros. A partir do Novo Testamento nós entendemos que não é Deus quem castiga mas o mal é conseqüência do pecado humano. O pior é que esta conseqüência cai, muitas vezes, em pessoas inocentes. E ainda nós responsabilizamos a Deus pelo sofrimento inocente! Quando desobedece o plano de Deus e procura a felicidade por outros caminhos (quer dizer, quando cai nas tentações de ser feliz utilizando o poder, o prazer e o dinheiro sem controle) estraga a harmonia e a paz, dentro dele e ao seu redor... provocando o mal e as suas conseqüências. O mal que o ser humano produz quando se afasta dos caminhos de Deus quebra a relação harmoniosa consigo mesmo (o homem se descobre nu), com Deus (se esconde de Deus no paraíso), com os outros (Adão culpa a Eva pelo pecado) e com a natureza (o trabalho se torna pesado). Nessa situação de desespero Deus não abandona a humanidade à sua sorte. Se aproxima para salvar, contando com a sua colaboração. Em resumo: qual é a origem de todo pecado: o desejo do homem de se afastar do caminho de Deus para construir a sua história e querer ser feliz isoladamente, de forma egoísta. Como conseqüência desta atitude a rede de relações humanas fica deteriorada e o ser humano cria situações de dor, injustiça e morte. Não obstante, o ser humano continua sendo imagem e semelhança de Deus que não lhe abandona, continua chamando-o a participar na sua obra de salvação, sendo protagonista da sua história a partir de princípios solidários, de relações fraternas. 2.3. OUTROS TEXTOS (Todos os pecados são derivados do pecado original) - A quebra da fraternidade (Gênesis 4, 1-16. Caim e Abel) - “A maldade crescia na terra”. (Gênesis 6-9. Noé) - A dificuldade da comunicação (Gênesis 11, 1-9. A torre de Babel) Apesar do pecado que prejudica o plano de Deus para a humanidade, Deus continua amando o ser humano e inicia com ele uma história de salvação (Abraão). 33 ESTUDO DO NOVO TESTAMENTO Iniciamos o estudo do Novo Testamento ou Nova Aliança. Na realidade há uma ALIANÇA DE AMOR DE DEUS COM A HUMANIDADE, acontecendo na história toda e selada com a presença de Jesus Cristo entre nós. Iremos realizar este estudo do Novo Testamento a partir de dois enfoques diferentes que se complementam: Primeiro enfoque: a vida e missão de Jesus Cristo e das Comunidades Primitivas Segundo enfoque: análise literário-teológico-pastoral dos textos do Novo Testamento TEMA 13: JESUS CRISTO (BREVE SÍNTESE COMO INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO NOVO TESTAMENTO) 1. A TERRA DE JESUS A terra de Jesus era conhecida como Canaã ou Palestina. Não era muito grande (do tamanho de Sergipe; 300 vezes menor que o Brasil). De norte a sul, 250 quilômetros; de leste a oeste, apenas 100. Não havia estradas nem boas comunicações. O povo viajava a pé. A Palestina, nos tempos de Jesus, estava dividida em três regiões: A Judéia, a Samaria e a Galiléia. A Judéia estava no sul, região montanhosa e ruim para a agricultura. A capital era Jerusalém, onde estava o templo, centro da vida dos judeus. O povo vivia da criação de gado (pastores de ovelhas), do artesanato e do comércio. A cidade de Jerusalém vivia do templo. Na época da Páscoa milhares de peregrinos viajavam para o templo e esta tradição rendia muito dinheiro para a aristocracia da cidade. Os ricos de Jerusalém viviam do comércio do templo. Perto de Jerusalém, a 7 km., se encontrava a cidade de Belém, pequena e pobre, chamada também a cidade de Davi. Ficavam também perto as cidades de Betânia e de Emaús. A 40 quilômetros se situava Jericó. Em tempos de Jesus a Judéia estava governada pelo Sinédrio (Conselho de 71 membros das principais famílias de Jerusalém) e pelo governador Pôncio Pilatos, representante do Imperador Romano. A Samaria ficava no centro do país, entre a Judéia e a Galiléia, mas não se dava bem com elas. Os judeus desprezavam os samaritanos porque tinham mudado muitos costumes culturais e religiosos. Eram considerados como pagãos e impuros. Quando os galileus tinham que viajar para Jerusalém evitavam passar pela Samaria dando uma volta maior seguindo o percurso do rio Jordão. Jesus elogia a fé e a solidariedade dos samaritanos (a Samaritana, o Bom Samaritano, etc.) As cidades principais eram Cesaréia, porto de mar, desde a qual os romanos controlavam a Palestina toda. Outra cidade menor era Samaria, a capital antiga da região. A Samaria era terra boa para a lavoura. A Galiléia era a terra onde Jesus morou quase a vida toda dele. Jesus viveu em Nazaré, na Galiléia, até os 30 anos (Lucas 3, 23). A maioria dos discípulos dele eram galileus. O povo vivia da agricultura (terra boa), da pesca (mar ou lagoa chamada com vários nomes: da Galiléia, de Genesaré ou de Tiberíades). Era um lugar de caminhos importantes: a estrada de Jerusalém a Damasco, a estrada de Cesaréia a Damasco, a estrada de Cesaréia à região da Decápolis. Era por isso encruzilhada de culturas diferentes, lugar de convívio com estrangeiros e de intenso comércio. Os galileus, pelo fato de conviverem com pagãos, eram mal vistos pelos judeus de Jerusalém. 34 2. A SITUAÇÃO DO POVO EM TEMPOS DE JESUS Os romanos dominavam o país desde o ano 63 antes de Cristo. Os outros governantes da região e muitas famílias ricas eram a favor das boas relações com os romanos, lucravam com a situação. O povo sustentava os interesses dos ricos e dos invasores através dos impostos. Os romanos cobravam os impostos do povo utilizando os publicanos. Os publicanos se responsabilizavam de recolher os impostos, ajudados pela guarda romana, passavam o importe estabelecido aos romanos e ficavam com o resto. Muitos se revoltavam contra essa dominação, mas eram abafados pela força romana. Os publicanos eram considerados os piores pecadores por serem colaboradores dos infiéis pagãos e dominadores. No “Dia do Senhor” eles seriam, com certeza, julgados e condenados com os piores castigos e sofrimentos. Os “zelotes” lutavam contra a classe rica e queriam o fim da dominação romana. Queriam impor a Lei de Moisés pela força das armas. Acreditavam, como a maioria do povo, que o Messias seria um guerreiro poderoso ungido com o poder de Yavé, que expulsaria os dominadores estrangeiros e governaria Israel segundo a Lei de Deus, humilhando todos os pagãos. Os evangelhos falam muito dos pobres: os que estavam fora do poder, não tinham riquezas nem privilégios, os ignorantes, simples, doentes, abandonados, sem terra, biscateiros, desempregados, doentes, mulheres viúvas, mendigos, pastores, etc. Os ricos eram proprietários e viviam com luxo e mordomias; a maior parte do povo trabalhava para eles e ainda pagava os impostos. A pobreza era grande e muitos a interpretavam como castigo de Deus. De fato, os líderes achavam que o povo era uma banda de gente impura, ignorante e pecadora. A classe dos escribas e doutores ocupava um lugar de destaque na sociedade. A maioria do povo não tinha vez. O povo não perdia a esperança de encontrar o Messias que lhe devolvesse a igualdade. A pesar das frustrações acreditava nos profetas e nos salmos. Grupo especialmente marginalizado era o dos doentes; havia muitos (falta de higiene e de saneamento básico). Para evitar a contaminação eram afastados da convivência e obrigados a viver de esmola. Muitos eram afastados da convivência e obrigados a viver de esmola. Os leprosos tinham que viver no mato ou no deserto, sem contato com ninguém. Quando alguém se aproximava de um leproso ele tinha a obrigação de gritar: “Sou impuro, sou impuro”. Se um leproso se aproximasse do povo este tinha o dever de jogar pedras contra o doente. Na mentalidade daquela época todo doente estava possuído por algum espírito mau. Assim, os doentes, além de suportar o sofrimento físico, carregavam uma culpa moral. Pelo fato de serem doentes eram impuros e pecadores, castigados por Deus pelos próprios pecados ou pelos pecados dos pais. A mulher era fortemente discriminada. Participava pouco da vida pública. Ficava em casa; só saía com o rosto coberto; vivia submissa e dominada, como uma escrava do homem. Era obrigada a obedecer ao marido. Sua palavra não tinha valor nos tribunais e era proibida de estudar a Lei e a Escritura na escola sinagogal. Perante as leis a mulher quando era criança dependia do pai, cassada dependia do marido e viúva dependia do filho varão maior. Quaisquer motivo era suficiente para o homem repudiar a mulher e se divorciar dela. Então ela voltava para a casa do pai se ele a aceitava... se não ficava na rua!. No direito judeu a mulher não podia se divorciar do marido, só o marido podia divorciar-se da esposa. Como o fluxo de sangue era impureza na lei judaica a mulher era considerada impura nos seus períodos de menstruação: tudo quanto tocava se tornava impuro! As crianças não contavam perante a lei. O pai que a abandonasse ou desprezasse não tinha delito legal. As crianças eram desprezadas e se colocavam ao cuidado da mãe até os 12 anos, quando eram consideradas como sujeitas de direito civil e religioso. Os pastores. Por viverem muitos dias nas montanhas e no mato, em contato com animais considerados impuros, e por não poderem realizar todos os ritos de purificação exigidos pela Lei eram considerados como pecadores e impuros, indignos de se aproximar da liturgia judaica. Esquecidos por Deus e ignorantes da Lei porque não podiam participar nas escolas rabínicas dos sábados para estudar as Escrituras. Pobres em dinheiro e desprezados pela religião, não tinham muita oportunidade de participar na caminhada do povo de Deus. 35 3. GRUPOS E INSTITUIÇÕES - os saduceus: famílias ricas que controlavam o templo e os tribunais de justiça. Faziam parte da aristocracia de Jerusalém e estavam ligados às famílias mais importantes dos sumos sacerdotes. Não acreditavam na vida depois da morte e achavam que a riqueza e a saúde eram a bênção de Deus aos seus eleitos. Não queriam abrir mão dos seus privilégios e desprezavam o povo humilde. Se consideravam justos e santos perante Yavé, pelo fato de cumprir as normas da Lei e de serem abençoados por Deus com tantos bens materiais. Utilizavam um discurso nacionalista contra os romanos... mas a presença romana era uma vantagem para eles porque favorecia as peregrinações de fiéis judeus desde todos os cantos do império romano que originava para a cidade de Jerusalém grandes lucros econômicos. - o sinédrio: tribunal formado por 71 membros, a maioria eram saduceus e fariseus. Era como o congresso de Jerusalém. Defendia os interesses dos romanos mas guardando a imagem nacionalista judaica. Os zelotes não aceitavam esta dupla posição e consideravam esta instituição como uma traição em contra do povo. - fariseus: eram contra os romanos, mas não tinham força contra eles. Muitos eram doutores da lei e acabavam também oprimindo o povo com tantas normas e obrigações. Achavam que o cumprimento ao pé da letra da Lei de Moisés traria a salvação do povo. O Messias seria um Mestre da Lei e viria para salvar o povo quando este cumprisse fielmente a Lei. Por isso eles condenavam todos os que não cumpriam a lei rigorosamente e os acusavam perante o povo de causar o adiamento da vinda do Messias. Acreditavam na vida além da morte que seria de felicidade paras os cumpridores fiéis da lei e de condenação para todos os relaxados. Faziam muitos jejuns e penitências públicas e defendiam o rigor moral nos costumes e na vida comum do povo. - O templo de Jerusalém. Era o centro religioso e comercial da cidade, seu símbolo maior. No templo se realizavam as grandes festas, chegavam peregrinos aos milhares; lá funcionavam os bancos, hospedarias, mercado de animais para os sacrifícios do culto, etc. Dois terços da população de Jerusalém vivia do templo. Era também o centro das decisões políticas. Tinha moeda própria e era obrigação, dentro do templo, comprar e vender com aquela moeda. Este fato facilitava a presença dos cambistas de moedas que trocavam as diferentes moedas existentes no império romano pela moeda do templo. 4- O BATISMO E AS TENTAÇÕES DE JESUS Jesus, ao começar sua vida pública, tinha mais ou menos 30 anos (Marcos 1,9-11). Nos 4 Evangelhos Jesus aparece ligado com a missão de João Batista, que anunciava um batismo de conversão como preparação para a vinda iminente do Messias esperado pelo povo e anunciado pelos profetas. Jesus, como mais um do povo, se fez batizar por João (Lucas 3, 21-22). O que significa o batismo de Jesus? Ele não tinha pecado, não precisava de conversão. Jesus se batiza com todo o povo como um sinal de solidariedade com a humanidade pecadora e para assumir um compromisso: anunciar o Reino de Deus. É assim também que o batismo cristão, além de significar a conversão ao Evangelho, expressa o compromisso do discípulo com a pessoa e a causa de Jesus, atualizando hoje a obra de Cristo no mundo, com a luz e a força do Espírito Santo. Orientado pelo Espírito Santo Jesus foi para o deserto com a finalidade de se preparar espiritualmente antes de iniciar sua missão pública. Na oração, no silêncio e na solidão fez o discernimento sobre como iria realizar o seu ministério de anunciar com obras e palavras o anúncio da Boa Nova do Reino. O povo esperava a chegada do Reino e o Messias que o faria acontecer... só que as esperanças da época não coincidiam plenamente com o projeto de Jesus. Ele sentiu as tentações de ser um messias do jeito que o ambiente social queria... mas não se deixou enganar. As 3 tentações que sofreu (Mateus 4,1-11) representam todas as tentações humanas que Jesus também sentiu, não só no deserto, mas na vida toda dele, principalmente nos momentos finais. É querer o Reino como uma resposta de soluções meramente materiais aos problemas humanos. Tentar resolver os problemas a partir do poder humano. Pretender influenciar nos homens por meio da 36 imagem e da propaganda. Jesus escolheu um caminho diferente: ser solidário com os pobres e pecadores, servir aos pequenos, viver com autenticidade desde o coração e não desde uma imagem que agrade a todos. 5- A MISSÃO DE JESUS NA GALILÉIA Jesus realizou pela região da Galiléia uma intensa atividade missionária anunciando o Reino de Deus com obras e palavras. Palavras de esperança e obras que manifestavam o coração misericordioso de Deus. Percorreu todas as cidades e aldeias ensinando e curando. O povo dizia que ensinava com autoridade porque não se apoiava em outros para justificar sua mensagem, mas em Deus; e porque fazia o que dizia, era coerente entre aquilo que falava e a sua prática. As multidões lhe procuram e inicia um grupo de discípulos que seguem seu caminho. Marcos nos relata como era um dia na vida de Jesus nessa fase da sua pregação (Marcos 1, 21-39). Formou, desde o princípio, um grupo de discípulos que lhe seguiam e viviam entre si a fraternidade do Reino de Deus, se amando como verdadeiros irmãos (Lucas 5, 1-11). Jesus proclamava o Reino da justiça e da paz anunciado pelos profetas: convertei-vos, o Reino está próximo. Jesus representa uma transformação de valores, um novo jeito de ser (Mateus 5, 1-16) e de se relacionar (Lucas 6, 20-26). O Reino de Deus já está no meio de nós, como uma semente que precisa ser acolhida e cultivada por cada um e pela comunidade (Marcos 4, 26-32). Muitos não entendem ou não querem se converter a esta vida nova que Jesus traz, mas para quem aceita e se compromete com o Evangelho o Reino é como o tesouro escondido que só quem acha sabe do seu valor (Mateus 13, 44-46). Jesus aceitou também as mulheres no seu grupo de discípulos (Lucas 8, 1-3), mudando totalmente a mentalidade e a prática daquela época. Também desde o princípio Jesus encontrou oposição. Principalmente pelos que tinham interesses sociais a defender. Jesus não se apresentava como um mestre a mais, como uma opinião entre outras... Jesus tem a pretensão de falar em nome de Deus (Mateus 5, 20-48), corrigindo a Escritura naquilo que deve ser superado. As autoridades, perante a realidade do seu sucesso com o povo, resolvem cedo acabar com Ele, se aliando para esse fim antigos inimigos políticos (Marcos 3, 6). A própria família não entende a atitude de Jesus e quer levá-lo de volta para casa (Marcos 3, 20-21). Jesus apresentou na sua cidade, Nazaré, o projeto que vivia e pregava, o motivo da sua missão (Lucas 4, 16-21). Os seus concidadãos ficaram escandalizados por conhecer a família dele e o seu trabalho anterior, que era carpinteiro. A maioria do povo gostava das suas palavras e dos seus sinais. O povo procura se encontrar com Jesus para ser curado e para encontrar palavras de vida e Jesus sente dor pela situação do seu povo porque estava como ovelhas sem pastor (Mateus 9, 3538; Marcos 6, 30-44). Ele e os discípulos percorriam todas as cidades e aldeias anunciando o Reino, de forma que não tinham tempo nem de comer. Um problema que Ele encontrou é que às vezes o povo lhe procurava pelos milagres... mas sem aceitar a realidade do Reino de Deus (Mateus 15, 29-31). Todos pensavam que o Messias apareceria de repente e seria o final dos tempos, com a presença do Reino de Deus, de uma forma mágica e definitiva, resolvendo de vez todos os males e problemas. Jesus anuncia o Reino de Deus de uma forma diferente: ele já está no meio de nós e precisa de fé e acolhida, de conversão para que possa crescer em cada um e no povo. São os pequenos e pobres que descobrem primeiro esta presença escondida do Reino na vida (Mateus 11, 25-27), mas a sua missão se orienta a todas as pessoas humanas. Jesus operava sinais não para aparecer nem para manifestar o seu poder, mas porque era solidário com seu povo e fazia o que estava na sua mão para aliviar as dores. O milagre em si pode ser interpretado de muitas formas (Mateus 9, 32-34) mas o significado deles se relaciona com o Reino de Deus e a necessidade de se engajar no projeto de Deus. Jesus realizava sinais para manifestar que o Reino de Deus já está no meio de nós como Reino de Vida e dignidade para o sofredor. Mas o importante é a atitude de acolhida deste Reino, de conversão aos seus valores... O milagre desperta na mulher e no homem de fé o louvor a Deus e a obediência aos seus planos, a solidariedade com o próximo que sofre. 37 A mensagem de Jesus nos revela um Deus totalmente diferente aos padrões da época: Deus é Pai que perdoa e ama, tem misericórdia imensa com todos e quer a felicidade dos seus filhos e filhas (Lucas 15, 11-32). Jesus orava constantemente com o Pai com uma infinita confiança e ternura: era de noite, no deserto, de forma espontânea, na sinagoga e no templo, de caminho, sozinho, em comunidade... Deus Pai era a paixão de Jesus. O projeto do Pai (o Reino de Deus) era o projeto de Jesus que era profundamente obediente a Deus. Jesus se abandonava totalmente nas mãos de Deus e procurava o seu Reino por cima de tudo (Lucas 12, 22-34). Jesus nos convida a confiar plenamente no projeto do Pai, entregando também nosso ser em suas mãos providentes. Nos ensina um novo jeito de nos relacionar com Deus (Lucas 11, 1-13). Jesus nos revela com sua própria prática o coração misericordioso de Deus, sendo um Bom Pastor para o povo (Mateus 11, 28-30). O caminho de Jesus exige compromisso e decisão, uma atitude firme de seguimento e obediência... é, porém, um caminho suave e um fardo leve porque assumindo e carregando com fé a causa de Jesus é Ele mesmo quem nos dá o descanso e a alegria mais verdadeira. O amor de Deus é tão grande que nós estamos também chamados a ser misericordiosos e generosos como Ele (Lucas 6, 36-38). O cristão está chamado a perdoar e a amar a todos, assim como Deus ama também os pecadores e preferencialmente os pobres. Nós precisamos entender os milagres pelos detalhes finais: o milagre é um gesto de amor de Deus que nos convida a aceitar a sua proposta de vida e a nos colocar em atitude de agradecimento e de serviço ao próximo, nos tornando seguidores de Jesus (Lucas 18, 35-43) pelos caminhos da vida. Assim também nas leitura das parábolas não é bom querer entender cada detalhe com um significado próprio, nem para tirar moralismos éticos... porque querem nos dizer como acontece o mistério do Reino de Deus escondido no meio de nós e a alegria de quem escuta e acolhe este Reino (Lucas 15, 4-10). Jesus trouxe uma Boa Notícia, do amor de Deus presente no meio de nós. Jesus traz o convite para participar com alegria na festa do Pai que acontece de alguma forma já aqui nesta terra e terá a sua plenitude na Vida Eterna (Mateus 22, 1-14). 6- A CRISE DOS DISCÍPULOS NA GALILÉIA Depois da intensa atividade de Jesus com o povo na Galiléia, chegou a hora da avaliação. Jesus percebeu que as multidões o procuravam e seguiam por toda parte. Mas não se deixou iludir. Depois da multiplicação dos pães, que marcou o momento mais alto da sua popularidade (“Ibope”), muitos acreditavam que era o momento de dar um passo a mais no sentido de partir para Jerusalém e conquistar o poder colocando Jesus como rei, segundo o pensamento de um messias político. Lá instauraria o Reino de Deus de acordo com a Lei de Moisés. Sem dúvida que Jesus sentiu também esta tentação, mandou os discípulos entrarem na barca, não fosse que ficassem empolgados com o tema e passou a noite toda em oração (João 6, 14-15; Mateus 14, 22-23). Jesus se retirou para o estrangeiro com os discípulos para discernir e orar. Lá percebeu qual era o caminho que o Pai lhe indicava. Jesus sempre procurou agradar a Deus e realizar a vontade do Pai. Terminada a sua missão na Galiléia, faltava agora realizar o seu anúncio em Jerusalém, a cidade principal do povo, a capital religiosa e civil. Lá se encontrava também o templo, que era o coração de toda a tradição judaica. O projeto de Jesus não era, porém, como a maioria poderia imaginar: conquistar o poder e governar na justiça e na paz o seu povo. Ele entendeu a sua missão em outro sentido bem diferente: se fazer o Servo de todos, especialmente dos mais pobres, manifestando com o seu exemplo que o Reino já está em nós e que precisamos de acreditar nele nos colocando ao serviço do plano divino fazendo o bem a todos. Sabia das conseqüências desta opção: os discípulos se sentiriam decepcionados porque eles sonhavam em ser ministros do governo de Jesus; os poderosos aproveitariam a oportunidade para lá, na capital que eles controlavam muito bem, acabar com aquele homem que lhes incomodava. Por isso Jesus preparou a viagem a Jerusalém com tempo suficiente. No caminho iria ensinando os discípulos o conteúdo da sua mensagem, as atitudes e valores que deve assumir um seguidor seu. Com quem iria para Jerusalém? 38 Com aqueles que já conhecessem e aceitassem o mistério da sua pessoa; quer dizer, com aqueles que o acolhessem como o Cristo, o Messias. Jesus fez a avaliação da missão com os discípulos: “Quem dizem os homens que sou eu?”. O povo entendeu que Jesus era um profeta. Na realidade ele tinha se comportado no estilo dos profetas antigos, denunciando a opressão do povo nas mãos dos poderosos, anunciando a misericórdia de Deus para com todos e construindo gestos e sinais de vida ao seu redor. Jesus, porém, interpelou os próprios discípulos: “E vós, quem dizeis que eu sou?”. Simão Pedro teve a inspiração e coragem de ser o primeiro em proclamar publicamente a sua fé em Jesus (Mateus 16, 13-26). Jesus é uma pessoa que não deixa ninguém indiferente, cobra uma decisão em relação à sua proposta de vida. Não é que Jesus seja egoísta e queira todos para si. Bem pelo contrário, ele é o servidor de todos e se entrega por todos e cada um de nós. Mas sabe que só com ele o mundo encontra a vida verdadeira e por isso, respeitando a liberdade de cada um, pede um compromisso firme em relação à sua pessoa e à sua mensagem. Jesus não quer uma simples confissão de fé, de palavra. Importa o compromisso de vida que significa essa confissão de fé. Por isso Jesus, imediatamente, porque não gosta de títulos vazios, fala da cruz e do seu sofrimento nas mãos das autoridades de Jerusalém. Pedro não gosta disso porque sonhava com um messias dominante. Jesus lhe desperta para a realidade. Jesus não engana ninguém, apresenta as condições que deve aceitar um discípulo seu. Ninguém exige uma adesão tão radical como Jesus, mas ninguém se entrega por todos e cada um com um amor tão imenso como Ele. Jesus não busca interesse pessoal, mas a vida feliz de cada um e de todos. 7- O CAMINHO PARA JERUSALÉM Nesta segunda etapa da missão de Jesus, ele continuou evangelizando o povo todo por onde passava, mas dedicou atenção especial aos discípulos, porque sabia que iria deixar a sua missão nas mãos deles. Jesus foi preparando aquele grupo, educando, formando a partir da própria vida. A primeira lição não demorou a aparecer, quando atravessando a Samaria, terra hostil aos judeus, o grupo não foi bem acolhido (Lucas 9, 51-56). Jesus ensina os seus seguidores a perdoar e a não responder o mal com mal, mas a vencer o mal com a força do bem. O Reino de Deus não vai acontecer pela força nem pelo castigo... mas só pelo amor e pela misericórdia. Na realidade, a vontade de Deus se sintetiza no mandamento do amor a Deus e ao próximo, com um coração grande e cheio de generosidade (Lucas 10, 25-37). Houve também momentos de alegria quando Jesus fez um estágio de evangelização com seus discípulos e eles voltavam entusiasmados (Lucas 10, 17-24). Ou quando na montanha sagrada Jesus manifestou a sua glória, para fortalecer os apóstolos na fé (Marcos 9, 2-8) no episódio da Transfiguração. Também quando Jesus acolhia e abraçava as crianças, indicando que o menor é o mais importante para a comunidade (Marcos 10, 13-16). A felicidade principal, porém, consistia em conviver com Jesus, escutando a sua palavra, participando do seu caminho e criando um ambiente fraterno na comunidade (Marcos 10, 28-31). Na realidade, aquele grupo chamava a atenção pela esperança, o espírito de união, de doação e de partilha, a fé profunda no amor de Deus Pai e na sua presença misericordiosa, ... aquele grupo era uma comunidade fraterna que vivia os valores do Reino de Deus e representava uma alternativa de vida, um novo jeito de ser e de conviver. A oração em comum e o perdão fraterno são qualidades muito importantes para a vida comunitária (Mateus 18, 19-22). É a presença real de Jesus no meio dos discípulos que vai gerando o Reino no coração de cada um para o serviço de todos. 8- A MISSÃO DE JESUS EM JERUSALÉM Jesus escolheu o tempo da Páscoa judaica para realizar lá o seu último trabalho de evangelização. Reuniam-se na cidade milhares e milhares de peregrinos judeus vindos de todas as 39 partes daquele mundo antigo. Os poderosos aproveitavam para exibir o seu luxo e poder, fazendo entradas triunfais pelas principais portas de Jerusalém. Jesus também fez uma entrada diferente, alternativa. No lugar de exército entrou acompanhado de crianças e discípulos humildes. No lugar de armas foi acompanhado por ramos de oliveira. No lugar de hinos de guerra foi aclamado com cânticos de paz (Lucas 19, 28-44). O povo aproveitou para manifestar o tipo de poder que queria e precisava: pessoas que servem com humildade e ajudam solidariamente os doentes e sofredores. As autoridades não gostaram mas Jesus aprovou o acontecimento. Jesus chorou pela cidade porque percebeu profeticamente que não tinha muito futuro aquela sociedade que não quis aceitar a sua proposta de fundamentar a paz na fraternidade por culpa da arrogância das elites. Jesus questionou também o culto do templo porque era aproveitado para o enriquecimento dos saduceus que controlavam tudo. Na verdade, os milhares de peregrinos vindos de todas partes, precisavam comprar os animais para o sacrifício lá no templo, e a moeda usada devia ser a própria do templo. Os chefes da cidade viviam do negócio montado ao redor daquele lugar sagrado. Jesus não gostou e denunciou publicamente aquela farsa... contrariando novamente as autoridades (Marcos 11, 15-19) que resolveram matá-lo. No meio daquele ambiente hostil a Ele, anunciou a sua mensagem sobre o final dos tempos. Jesus não quer os seus discípulos discutindo o dia e a hora do fim do mundo, se perdendo em discussões estéreis. Ele quer o seu seguidor acordado e consciente, agindo em conseqüência a cada momento da vida, valorizando cada dia como oportunidade de acolher e servir a causa do Reino (Lucas 19, 11-13). Jesus prometeu que virá de novo, mas não nos quer olhando para as nuvens e sim que esperemos por ele lhe amando no pequeno necessitado (Mateus 25, 31-46). Enquanto os principais da cidade planejavam o seu fim com a colaboração do traidor, Jesus recebia um sinal de amor para aliviar os sofrimentos que iria padecer (Marcos 14, 1-11). 9- A PÁSCOA DE JESUS Antes de morrer, Jesus celebrou a Ceia da Páscoa com seus apóstolos (Lucas 22, 14-20). O povo judeu celebrava a libertação da escravidão do Egito quando liderados por Moisés e ajudados decisivamente por Deus atravessaram pela região do Mar Vermelho rumo à Terra Prometida. Comiam o cordeiro pascal, que representava o perdão dos pecados e o alimento para a caminhada da fé pelo deserto da vida, em cumprimento da Antiga Aliança dos Dez Mandamentos selada no monte Sinai. Jesus quis simbolizar naquela noite a vida toda dele, que é uma Nova Aliança de Deus com a humanidade, que seria selada na cruz, e que trazia um novo mandamento: servir e amar como Ele nos amou. Esta Nova Aliança precisava de um novo sinal-rito-liturgia-alimento: o pão e o vinho que seriam o seu próprio Corpo e Sangue entregues em oblação pela salvação do mundo. A vida toda de Jesus foi doação por todos que se consumaria na cruz. Jesus pediu aos discípulos que repetissem aquele sinal em memória atualizada da sua vida e da sua morte, da sua ressurreição e presença no meio de nós, na espera ativa da sua nova vinda. Assim, as primeiras comunidades cristãs, quando celebravam a Eucaristia como momento mais importante da sua fé, tinham consciência de se unir à vida e ao compromisso de Jesus, se abrindo ao mundo em atitude de serviço e de amor evangelizador, levando para a humanidade as palavras, atitudes e gestos de Jesus. A Eucaristia é também hoje sacramento de comunhão com Jesus, para seguir seu caminho na vida; é sacramento de comunhão fraterna com os irmãos e irmãs de comunidade cristã; é sacramento para servir e se doar em amor por todos, especialmente pelos mais pobres. Naquela noite Jesus foi traído por Judas Iscariotes e entregue aos inimigos. Foi julgado pelo tribunal religioso, perante o qual não escondeu a sua condição de ser o Messias, o Cristo de Deus. Foi julgado pelo tribunal político, perante o qual não negou que era Rei de um Reino diferente aos reinos deste mundo. Foi crucificado, morto e sepultado. Na cruz sofreu o abandono total (Marcos 15,34), perdoou seus inimigos (Lucas 23,34), prometeu para aquele mesmo dia o Paraíso ao malfeitor arrependido e entregou o espírito nas mãos do Pai (Lucas 23, 39-46). 40 Historicamente Jesus morreu na cruz porque seus inimigos foram, materialmente, mais fortes do que ele. Foi um luta injusta, com as cartas marcadas, na qual Jesus não tinha defesa possível. Ele não recuou... porque confiava plenamente em Deus, seu Pai. Historicamente Jesus morreu na cruz porque a missão dele incomodava os poderosos da economia, da política e da religião. Com suas palavras e ações Jesus questionava a mentalidade da época e os valores que dominavam as pessoas e a sociedade. Não dava mais para combinar a prática de Jesus com o modelo de vida e de história dos seus adversários. Não foi Deus quem inventou a cruz para Jesus nem para ninguém, foram os homens que inventaram e inventamos as cruzes de cada dia que trazem tanto sofrimento e dor aos humildes da história. Deus não queria que Jesus morresse na cruz, mas sim que ele fosse fiel até o fim da sua proposta pacífica de viver, aqui na terra, no meio dos conflitos e contradições humanas, os valores do Reino de Deus que se revelam pela misericórdia, o perdão, a amor a todos, de forma especial aos mais pobres. De viver aqui na terra a alegria e a felicidade da partilha, da amizade, da comunhão com Deus e da comunhão fraterna. É possível. Jesus viveu e morreu pela causa de Deus fazendo com que a vida de Deus aconteça já aqui nesta terra. Com a morte em cruz Jesus se identifica e solidariza com todos os mártires injustiçados da história humana, com todos os sofredores e humilhados, marginalizados e desprezados. Em Jesus Cristo nós entendemos que vale a pena entregar a vida pelos outros, que faz sentido se doar no dia a dia, renunciar a si mesmo para a felicidade do meu próximo. Com Ele compreendemos que a verdadeira felicidade consiste em dar mais do que em receber. Em se doar mais do que em esperar que os outros sejam bons para mim. Mas a morte de Jesus tem também um significado muito especial para todas as pessoas que acreditam em Jesus Cristo. Aceitando o caminho da paz para construir a justiça Jesus arriscou e perdeu a sua própria vida... e assim Ele entra plenamente no Reino do Pai abrindo para toda a humanidade as portas do céu, quer dizer, trazendo para todos o perdão dos pecados e a amizade de Deus com a plenitude da graça e do amor divinos. Jesus morre na cruz para perdoar os nossos pecados e abrir na história humana um novo caminho de vida: o Evangelho. Ao terceiro dia ressuscitou e se apareceu aos discípulos: mulheres e homens, transformando as suas vidas, trazendo alegria aos seus amigos, reunindo em comunidade de amor os seus seguidores, enviando eles em missão de evangelizar todos os povos, acompanhando com a sua presença oculta e real aqueles que o acolhem pelo dom da fé e o seguem por amor no caminho da vida. (Mateus 28, 16-20). Como diz a liturgia Ele está junto do Pai mas sem se afastar de nós, que somos seus irmãos(ãs). Ele caminha conosco e nós, na fé, iluminados pelo Espírito, experimentamos a alegria da sua presença amorosa e amiga como Bom Pastor enquanto esperamos a sua Nova Vinda quando acontecerá a plenitude dos tempos. O seu Reino já está presente no meio de nós mas ainda não totalmente aqui nesta terra. Neste caminhar nós o invocamos: “Vem, Senhor Jesus!”. (Apocalipse 22, 20b) 41 TEMA 14: ATOS DOS APÓSTOLOS 1- A MISSÃO DE JESUS CONTINUA. O Livro dos Atos dos Apóstolos não recolhe toda a experiência das primeiras comunidades cristãs, aquela maravilhosa tarefa de evangelização dos primeiros cristãos. Apresenta um modelo ou exemplo válido para todos os tempos de lugares, uma síntese do que o Espírito Santo faz no mundo para dar continuidade à missão de Jesus. Chama a atenção como em tão pouco tempo, 30 anos apôs a morte e ressurreição de Jesus, existiam comunidades cristãs espalhadas por regiões bem distantes e diversas entre si. Não foram só os apóstolos que aparecem nos evangelhos os anunciadores da Boa Nova e fundadores das comunidades. Muitas pessoas: homens e mulheres, judeus e gregos, leigos e ministros foram protagonistas daquela primeira evangelização. A vida da Igreja é um constante Pentecostes, uma eterna juventude de Deus que renova o mundo com a sua graça enviando seu Espírito Santo para nos colocar no caminho de Jesus rumo ao Pai. O Livro dos Atos dos Apóstolos nos mostra o essencial, o que é necessário e não pode faltar. O grande protagonista é o Espírito Santo que por meio da Igreja dá vida a Jesus Cristo para levar o amor do Pai ao mundo. Como age o Espírito na Igreja? 1.1. A comunidade unida se coloca em atitude de oração e abertura a Deus 1.2. O Espírito se faz presente (vento: liberdade de Deus que tudo penetra; fogo: amor que transforma; tremor de terra: rompe pré-conceitos e esquemas humanos; línguas: a mesma mensagem do amor de Deus comunicada a cada povo e cultura na sua própria linguagem; ...). 1.3. A comunidade se abre para anunciar com obras e palavras a Boa Nova. Quem acredita e se converte se batiza para fazer parte do Povo de Deus e é crismado (unção) para ser envido como testemunha de Cristo. 1.4. Nasce uma nova humanidade onde a lei principal é o amor e a partilha. O Evangelho faz acontecer o maior milagre de todos: gera no coração de pessoas diferentes a consciência de sermos todos irmãos e irmãs, filhos(as) de Deus. A Eucaristia simboliza e realiza esta comunhão fraterna. Atos 1, 12-14; 2, 1-13 (Gênesis 11,1-9); 2, 22-24; 2, 42-47; 4, 32-37 2- O EVANGELHO DE JESUS É PARA TODOS A Comunidade de Jerusalém é a mãe de todas... O modelo e exemplo a seguir. É a primeira. Aqueles retratos de comunidade que relata Lucas nos Atos são um pouco arrumados, idealizados, com essa finalidade: para que toda comunidade cristã de quaisquer tempo e lugar assuma a vivência e o esquema básico da primeira comunidade de Jerusalém. No princípio aquela comunidade estava ainda bastante fechada nela mesma e na Palestina, entre os judeus. Aos poucos foram se animando a sair e a evangelizar também pessoas de outras culturas e religiões. Mas não foi fácil e provocava tensões e discussões na Igreja. Foi todo um processo até que compreenderam que Deus quer a salvação de todos respeitando a cultura de cada um, exigindo para todos só a mesma fé e batismo em Jesus e a participação na mesma mesa (eucaristia), sinal do banquete do Reino. Devagar a Igreja foi entendendo que o Evangelho de Jesus é para todos os seres humanos e que Deus não faz diferença entre as pessoas. Outro aspecto também muito interessante é comprovar como, na medida que vão surgindo necessidades novas na comunidade, os cristãos sentem a liberdade de criar respostas criativas por meio de ministérios, engajando os batizados-crismados na missão de Jesus. Mulheres e homens participam e colaboram ativamente e com dinamismo sempre jovem. Apóstolos, profetas, doutores, diáconos, evangelizadores, itinerantes, coordenadores de comunidades, catequistas, assistência a 42 doentes e pobres...Qual foi o segredo para integrar tudo no mesmo projeto? Comunhão na diversidade de dons e carismas. Esta é a missão de quem coordena a comunidade. É como dízimos hoje (Puebla): Comunhão e Participação! Aquelas comunidades chamam a atenção porque vivem um jeito novo de ser sociedade, no meio da corrupção e injustiças daquela época. Alguns admiram, outros condenam e o poder, às vezes, persegue. É o martírio, o conflito, a cruz! Mas o Espírito Santo aproveita também estas situações para espalhar a Boa Nova e as comunidades pelo mundo afora. Atos 6, 1-7; 7, 55-60; 8, 14-17; 10,44-48; 15,22-29 3- O EVANGELHO É LIVRE E LIBERTA AS PESSOAS O Evangelho de Jesus é uma Boa Nova: todos e cada ser humano, não importa a raça, a cor, o sexo, a idade, o pensamento... é alguém amado por Deus, sujeito da sua própria história, protagonista da sua vida. E todos somos chamados a viver em comunhão fraterna, amando uns aos outros como Ele nos amou. Igual que como aconteceu com o grupo de Jesus, que chamava a atenção pela alegria de viver, pela fé viva e atuante, pelas relações humanas positivas... assim acontece na Igreja quando se deixa conduzir pelo Espírito de Deus. É claro que não tem comunidade perfeita mas não podemos renunciar ao ideal do Evangelho. Depende de cada um de nós que a Palavra de Deus se cumpra em nós, se faça realidade no mundo. Sempre haverá problemas, empecilhos, dificuldades... A começar por nós mesmos, porque somos pecadores e limitados. A nossa Igreja tem falhas, minha comunidade tem divisões. Isto é quase que inevitável. Mas Deus está fazendo a parte dele e pede um pouco de empenho da nossa parte para poder gerar ao nosso redor uma dinâmica nova de vida e felicidade. Na liberdade dos filhos e filhas de Deus. Aqueles primeiros evangelizadores, como Paulo, tinham fé de que o Senhor estava sempre ao lado deles, de que jamais os abandonava. A presença de Jesus Cristo na vida do cristão é a motivação profunda da evangelização. Tudo pode acontecer na história do ser humano: catástrofes, perseguições, calamidades, incompreensões, doenças... e a própria morte. Mas tem uma certeza que ajuda a superar tudo: “Tudo posso naquele que me fortalece” , “Considero tudo como lixo em comparação de conhecer o Senhor Jesus”, “Quem poderá me separar do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus?”. Atos 9, 1-25; 13,1-3; 15, 36-42; 16, 23-34; 17, 22-34; 28, 27-31 43 TEMA 15: A VIDA DAS PRIMEIRAS COMUNIDADES CRISTÃS 1. SITUAÇÃO SOCIAL NA PALESTINA E NO IMPÉRIO ROMANO Palestina tornou-se uma província de Roma no ano 63 antes de Cristo. Em tempos de Jesus estava dividida em várias regiões: Judéia e Samaria sob o governador Póncio Pilatos; Galiléia sob o rei Herodes. Todos eles dependem, porém, de Roma, do imperador Tibério César. A política de Roma era permitir uma certa autonomia aos diferentes povos: na cultura, administração, religião... reservando-se os direitos do exército, dos impostos e nomear os governadores de cada região do império. Assim, os judeus eram obrigados a pagar impostos a Roma e permitir a passagem dos exércitos imperiais pelas suas terras. A maioria da população era muito pobre: camponeses assalariados, pescadores, pastores, artesãos das aldeias, etc. Existia uma classe média que vivia melhor: escribas, grandes comerciantes, publicanos (cobradores de impostos para Roma, odiados pela população), chefes locais, etc. E a aristocracia formada pelos grandes fazendeiros, ministros dos reis e governadores, e os chefes dos sacerdotes. A elite desprezava os pobres chamando-os “o povo da terra”, considerando a maioria como uma massa castigada por Deus a sobreviver na miséria. Entre esta massa sofrem discriminação maior ainda as mulheres, crianças, doentes, leprosos, pastores, etc. Estes eram excluídos social e religiosamente. Entre os grupos político-religiosos organizados principais encontramos: os saduceus, que defendem aos grandes fazendeiros e sumos sacerdotes; praticando jogo sujo (perante o povo são contra Roma, na prática colaboram com o imperador porque defende seus privilégios). Os fariseus, que defendem a classe média e popular, esperando, porém, que a solução virá das nuvens (um Messias descido dos céus de forma milagreira) quando todo o povo cumpra as leis ao pé da letra. Os zelotas, que defendem o povo, só que por meio da violência total, esperando que o Messias aparecerá quando o povo todo se revolte em armas contra o invasor estrangeiro. Os essênios representam uma opção de fuga para o deserto junto ao Mar Morto, para aqueles que se consideram os únicos justos perante Deus, no meio de uma sociedade pecadora, que será destruída... só eles que serão salvos da queima do fogo purificador. Jesus se apresenta como um Messias que não era esperado: sai do meio do povo humilde, acolhe os pecadores e marginalizados do seu tempo, abre um espaço novo para quem não tem lugar, proclama que os pobres desprezados são os mais queridos por Deus. Anuncia que o Reino de Deus não virá das nuvens nem por cumprir ao pé da letra a lei... porque esse Reino é um presente de Deus para todos (também para os estrangeiros) e se encontra no coração humano, esperando a decisão pessoal de cada um para crescer como uma semente. No resto do Império Romano a vida civil apresentava duas grandes formas de se estruturar: nas grandes cidades e no interior. As grandes cidades, perto do Mar Mediterrâneo, viviam do comércio, dos transportes marítimos, da administração e do artesanato. Corinto, por exemplo, tinha 600.000 habitantes, dos quais 400.000 eram escravos, que trabalhavam no porto carregando e descarregando mercadorias. Quem morava no interior vivia nas grandes fazendas que eram propriedade da aristocracia. Os escravos produziam o trigo, óleo e vinho que era vendido às grandes cidades do império. Em definitiva, a economia estava fundamentada no trabalho escravo. Os comerciantes cumpriam uma função importante de transporte e comunicações, entre as grandes cidades no litoral do Mar Mediterrâneo. 2. VIDA DE COMUNHÃO FRATERNA (Atos 2, 42-47; 4,32-37) As primeiras comunidades cristãs viviam no meio de uma sociedade injusta e discriminatória com os pobres, com os doentes, com a mulher, com as crianças... onde o luxo de uns poucos (aristocracia, tanto em Israel como em todo o Império Romano), donos de tudo, era contraste escandaloso comparado com a miséria da maioria. Os relatos bíblicos do Novo Testamento sobre a vida dos primeiros cristãos destaca a comunhão fraterna como o grande sinal que chamava poderosamente a atenção da sociedade. Nos Atos, nas cartas de Paulo e Apostólicas 44 (Pedro, João, Judas, Tiago) podemos encontrar testemunhos emotivos da espiritualidade comunitária dos primeiros cristãos. É claro que às vezes os relatos são idealizados, mas não deixam de ser um convite para nós. O ideal de vida das primeiras comunidades é válido para todos os tempos. Nestes dois textos dos Atos Lucas nos apresenta uma síntese do estilo de vida da comunidade cristã de Jerusalém, que se coloca como um exemplo para as outras comunidades. O que faziam aqueles cristãos? * formação de adultos (ensinamento dos Apóstolos) * partilha da vida e dos bens (comunhão fraterna, procuram viver unidos) * participação na eucaristia (fração do pão) * oração (pessoal e comunitária, nas casas e no templo, louvavam a Deus) * respeito de Deus (temor) * compromisso com o Reino de Deus (prodígios e sinais) * testemunho de vida (gozavam da simpatia do povo) * espírito missionário (a cada dia aumentava o número dos fiéis) * comunhão eclesial, união com os apóstolos e com os irmãos (um só coração) amor solidário (ninguém passava necessidade, colocavam tudo em comum e distribuíam os bens segundo as necessidades de cada um) O que nós fazemos? Em que somos semelhantes e em que somos diferentes? 3. COMUNIDADES HUMANAS (1 Cor 1,10-31) Não podemos idealizar demais a vida das primeiras comunidades cristãs, porque eram humanos como nós, com suas divisões e fraquezas. Porém, a vida das primeiras comunidades cristãs chamava a atenção no meio do Império Romano pelo amor fraterno e porque nelas se vivia um estilo de relações humanas diferente. Qual era a novidade principal? No meio de uma sociedade onde os escravos eram considerados como objetos de trabalho, sem direitos nem consideração alguma... os cristãos se aceitam uns aos outros como irmãs e irmãos, filhas e filhos do mesmo Pai do céu, motivados pela presença de Jesus ressuscitado e animados pelo mesmo Espírito Santo. As comunidades cresceram rapidamente nas grandes cidades, tanto pelo ardor missionário dos primeiros evangelizadores, como, principalmente, pelo testemunho de vida fraterna e a novidade que oferecia o Evangelho de Jesus Cristo. Quem nada era perante os olhos do mundo, se sentia acolhido e amado pelos cristãos. O cristianismo se espalhou rapidamente nas grandes cidades do Império Romano: Jerusalém, Antioquia, Alexandria, Éfeso, Corinto, Roma, etc. A origem social dos fiéis é diversa: de todas as classes sociais, predominando os pobres e escravos. Os comerciantes que viajavam de barco pelo mar Mediterrâneo transportando trigo, óleo, vinho, madeira, metais, vestes e objetos artísticos foram grandes evangelizadores e levavam as notícias de umas comunidades para outras. Os excluídos encontravam na Igreja uma verdadeira família onde se sentiam gente: amados por Deus e pela comunidade. Foi este o grande sinal que os cristãos ofereciam perante o mundo: a sabedoria de Deus manifestada na vida do fracos e oprimidos. 4. NOVAS RELAÇÕES HUMANAS (Filemon 1,1-25) Esta carta de Paulo expressa muito bem a mudança de atitude nas relações humanas que significa aceitar o Evangelho de Jesus Cristo, fazendo parte da sua Igreja. Onésimo era escravo de Filemon que fugiu. O castigo era severo (muitas vezes a cruz). Paulo evangelizou a casa de Filemon. Muito depois, em Roma, evangelizou a Onésimo. Envia Onésimo como mensageiro para a comunidade que se reúne na casa de Filemon, pedindo que seja acolhido não como escravo mas como irmão. É claro que os primeiros cristãos nem podiam sonhar com transformar o sistema social do Império Romano, fundamentado nas relações de opressão e exploração selvagem do homem pelo 45 homem... Na prática do dia-a-dia, porém, representam uma alternativa de vida fraterna onde todos são iguais em Jesus Cristo que por todos morreu e ressuscitou. A exigência do cristão vai além da justiça humana: libertado pela Páscoa, o seguidor de Cristo é chamado a gerar novas relações humanas caracterizadas pela igualdade e o amor. A justiça social é o mínimo que se assume pelo batismo, e o ideal pede uma co-responsabilidade comunitária onde os fortes carregam a cruz dos fracos e todos participam da mesma caminhada histórica rumo à plenitude do Reino Definitivo. Quais são as escravidões que existem hoje em nosso mundo? Existem diferenças sociais? Quais são os grupos humanos mais discriminados? O que quer dizer para nós a carta de São Paulo a Filemon? O que a Igreja faz hoje para construir fraternidade e superar as diferenças e injustiças sociais? 46 TEMA 16: O ANÚNCIO DA BOA NOVA É incrível constatar como em tão poucos anos os primeiros cristãos espalharam a Boa Notícia de Jesus Cristo por todas as cidades principais do Império Romano. O Novo Testamento (Atos dos Apóstolos) nos lembra parte desta atividade missionária, especialmente Pedro e Paulo, como exemplos de evangelização. Os discípulos de Jesus tomaram a sério o último mandato do Senhor: “Ide e anunciai o Evangelho a todos os povos”. Não foram só os apóstolos que evangelizavam, mas a responsabilidade era assumida por cada comunidade cristã, mesmo que fosse pobre, pequena e estivesse iniciando a sua caminhada de fé. Algumas características definem a essência do trabalho missionário: 1. É a comunidade que envia e se responsabiliza pela missão. 2. Ninguém vai sozinho, a missão se realiza em grupo. 3. Todos podem ser missionários (apóstolos, mulheres, homens, leigos, comerciantes, escravos...). 4. A evangelização acontece por palavras (anunciar a Páscoa de Jesus Cristo) e obras (amor fraterno de acolhida e solidariedade). No Novo Testamento, tanto nos evangelhos como nas cartas, encontramos muitos textos que nos revelam como os primeiros cristão evangelizavam, o que falavam e o que faziam. Estes textos tem para nós um valor incalculável porque, nesta hora na qual somos todos convocados a participar da evangelização, nos servem como modelo e base de atuação missionária. Estes textos que falam da atividade missionária se apresentam de forma diferente: imagens, relatos, discursos e sinais (milagres). Estes textos querem provocar a fé nos ouvintes e são, por este motivo, breves e fortes na suas afirmações. A mensagem que nos trazem se chama QUERIGMA , quer dizer, a essência da nossa fé. 1. IMAGENS São narrações que expressam o acontecimento da Páscoa de Jesus Cristo, ligando o Jesus da história com o Cristo da fé. Afirmam de forma breve quem é Jesus, desvendando o seu mistério. Nós temos dois tipos de imagens: temporais (antes e depois) e espaciais (terra e céu). Evangelho e compromisso histórico (“antes e depois”). (1Cor.15,1-11). Querem dizer para o ouvinte que o Cristo que acreditamos pela fé, não é um fantasma ou um espírito encarnado, mas o homem Jesus de Nazaré, que nasceu de Maria e morreu injustamente crucificado. Entre os cristãos dos primeiros tempos muitos conheceram pessoalmente a Jesus (500 ?) e o seu testemunho é vital para nós. Ninguém inventou o evangelho, ele exprime uma vivência histórica de muitas mulheres e homens. O ser humano é livre de aceitar ou recusar... a proposta, porém, é séria e tem fundamentos históricos. Proposta que muda a vida da gente. Este esquema “antes - depois” convida também o ouvinte a assumir a própria história como uma caminhada, seguindo os passos de Jesus em comunidade, atualizando a sua Páscoa em nós, até a sua plena realização. Enquanto caminhamos neste mundo somos chamados a encarnar o seu evangelho, atualizando o seu projeto histórico (O Reino de Deus), as suas atitudes e gestos em favor da vida. O ouvinte que aceita esta mensagem começa a viver unido a Jesus Cristo por meio da conversão, morrendo a si mesmo e nascendo para uma vida nova, umas novas relações com Deus e com os homens..! Relações de amor que nem a morte poderá romper. O Cristo que adoramos na fé passou pela cruz do Calvário. A ressurreição acontece depois da cruz... o cristão que se identifica com seu Mestre se compromete a carregar a cruz e a lutar contra todas as cruzes injustas, porque Deus quer a vida digna de todos e não a morte nem a opressão. Dignidade de Cristo e do ser humano (“abaixo e acima”). (Fl.2,6-11). Os judeus esperavam a ressurreição dos mortos, assim como também outras religiões e culturas. A ressurreição que se acreditava era, porém, uma continuação nesta mesma terra, do mesmo jeito que agora vivemos, só que sem sofrimentos e sem uma nova morte. A ressurreição de Jesus, tal como é anunciada pelos primeiros missionários cristãos, é totalmente diferente. Porque Jesus não é só homem, mas também Deus. E é na sua ressurreição que se manifesta aos discípulos na sua condição divina, sem deixar de ser homem. Na pregação cristã Jesus ressuscitado aparece à direita de Deus, como aquele que subiu aos céus, que tem poder sobre tudo e é o Senhor. Anunciar a ressurreição de 47 Jesus significa também acreditar na ressurreição do homem, chamado a viver como filho/a de Deus na sua presença. Logicamente que o ser humano não é Deus como Jesus, mas participa da filiação divina como graça que recebe do Espírito e a sua vida merece todo respeito e consideração. Imaginemos esta pregação anunciada naquele mundo tão injusto, onde a vida da maioria da população (escravos) não valia nada! É claro que a dignidade humana não se expressa no poder nem na riqueza e sim no serviço e na doação. 2- RELATOS. (Mt. 28,16-20) São os textos mais naturais, pois, neles, os primeiros discípulos contam o que viram e ouviram, a experiência que tiveram junto de Jesus. É claro que a própria comunidade, que é a grande protagonista humana da elaboração bíblica, foi completando uns relatos com outros, tirando aqueles detalhes que não tinham valor na pregação e destacando aqueles outros que fortaleciam a fé. Os elementos que destacam nestes relatos são: A autoridade de Jesus sobre toda a criação; Jesus é Deus e está com Deus Pai, Jesus permanece junto aos homens para sempre; a presença dele por meio do batismo, da eucaristia ou do perdão; a fé pessoal e comunitária dos discípulos; a missão de evangelizar continuando a sua obra no mundo. Quer dizer, estes textos, com poucas palavras, dizem tudo a respeito da vida de fé dos cristãos. “O Terceiro Dia” que falam muitos relatos sobre a ressurreição devemos entendê-los na cultura daquela época. O profeta Oséias (6,1-2) anuncia que Deus ferirá o seu povo pelos seus pecados, em dois dias, porém, nos fará reviver e no terceiro dia viveremos na sua presença. Por isso, para os judeus, o “terceiro dia” significava a chegada dos últimos tempos, a plenitude do Reino, a vida plena que Deus quer para a humanidade. Os cristãos, quando anunciam a ressurreição de Jesus no terceiro dia, querem dizer que já não devemos esperar mais a vinda do Messias, porque Ele é Jesus e com Ele está acontecendo o final dos tempos, a realização das promessas proféticas. A Páscoa de Jesus sinaliza o começo desta nova era... que não terá fim! 3- DISCURSOS (Atos 3,11-26; Atos 17,22-34; 1Cor 2,1-3,23) A pregação apostólica também aparece nos Atos em forma de discursos que Pedro, Paulo, Estêvão, etc. dirigem ao povo com o objetivo de conseguir a sua conversão a Jesus. O conteúdo é o mesmo: a Páscoa de Jesus. A forma varia dependendo dos ouvintes. A evangelização, respeitando a verdade que anuncia, procura se adaptar à cultura do povo. Não é a mesma coisa falar para judeus que conhecem as Escrituras, que para pagãos que gostam da filosofia clássica grega ou para escravos oprimidos e sem muita instrução acadêmica. A plenitude do Reino já está acontecendo... porém, a caminho, em processo. Os primeiros pregadores do Evangelho anunciam que em Jesus Cristo, com a sua Páscoa, o Reino chegou até nós. Jesus anunciava o Reino de Deus e os cristãos anunciavam a Jesus. É o mesmo anúncio! Só que a libertação, a salvação que nos traz Jesus é tão grande, tão completa, que nós vamos assimilando na vida toda. A evangelização tem dois momentos: o primeiro marcado pela conversão, significa aceitar Jesus e a sua Palavra em nós. O segundo momento é a vida toda, e representa a nossa transformação constante segundo os valores do Evangelho, identificando-nos mais e mais com Jesus. Por isso é verdade que aceitando Jesus já estamos salvos... mas, ao mesmo tempo, enquanto vivemos nesta terra, Jesus vai nos salvando, purificando fazendo crescer o Reino cada vez mais em nós. Por isso nos relatos da primeira evangelização aparece esta tensão: o Reino já está em nós e entre nós, caminhamos, porém, para a sua plena realização. A base da edificação é Cristo e nós colaboramos na obra do Espírito continuando a construção. Deus é quem salva, contando com a parceria humana. 48 4- SINAIS (Marcos 6,30-44; 14,22-23) Os apóstolos utilizavam também nas pregações relatos de milagres de Jesus. Assim como também eles mesmos realizavam “sinais e prodígios”. Os sinais confirmam a fé, nos dizem que o Evangelho não é só Palavra mas também Vida, prática. A presença de Jesus ressuscitado transforma a história pessoal, comunitária e social. Ele traz vida nova, alegria, justiça, paz... Jesus anunciava o Reino, a Igreja anuncia a Jesus. Com Ele nós temos tudo e Ele é o dom que Deus Pai nos oferece como prova da sua infinita misericórdia. Jesus fala e faz. A Igreja também fala e tem que fazer. É claro que estes sinais de vida em cada época e em cada cultura se apresentam de forma diferente. Naquele mundo em que todos acreditavam que os acontecimentos eram dominados por espíritos do bem e do mal, Jesus é pregado como o homem que está por cima do mal e, que por isso mesmo, é Deus. O objetivo de Jesus e da Igreja na pregação do Evangelho é mostrar à humanidade que Deus é o Deus da Vida e da Esperança e que a sua palavra é eficaz, tem poder de transformar os sinais de morte em sinais de vida feliz para todos. Um milagre não é um favor particular que Deus concede para beneficiar alguém que Ele quer privilegiar. É um sinal do amor de Deus que pretende reforçar a nossa fé em Jesus Cristo animando o compromisso de segui-lo e obedecer a sua mensagem. As primeiras comunidades entendiam também estes sinais em relação aos sacramentos que celebravam: batismo, eucaristia, perdão. Jesus é a luz que ilumina as nossas cegueiras, o pão que alimenta nossa fome de justiça e de paz, a água que purifica as nossas culpas e pecados. O sinal maior da ressurreição de Jesus é, contudo, o testemunho de vida fraterna dos cristãos. “Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (João 13,35). 49 TEMA 17: A CATEQUESE NAS PRIMEIRAS COMUNIDADES A Bíblia tem como uma das suas finalidades importantes animar o povo de Deus a continuar firme na caminhada da fé, fiel a Deus e aos irmãos. Os primeiros cristãos, às vezes mergulhados em situações de perseguições, enviavam mensagens uns aos outros para permanecerem ativos na sua fé apesar das circunstâncias adversas. O Novo Testamento recolhe muitas destas mensagens de ânimo e encorajamento, principalmente por meio de cartas e de parábolas. Desde o princípio são famosas as cartas de Paulo: iluminando, corrigindo falhas, esclarecendo... animando a fé dos seus irmãos. As parábolas do mesmo Jesus Cristo revelam também a intenção de alertar contra os perigos do comodismo ou de cochilar na fé. É muito instrutivo para nós encontrar estas mensagens de ânimo das primeiras comunidades para praticar também hoje, quando irmãos nossos na fé sofrem momentos difíceis. 1. FIDELIDADE NA FÉ (Hebreus 11, 1-12,4) É como uma breve história do povo que apresenta algumas pessoas que se destacaram pela sua fé em Deus e superaram provações, às vezes terríveis. Abraão, Moisés, Davi, profetas, mulheres, etc. Nós, ainda, temos uma vantagem: Jesus Cristo. Se aquelas mulheres e homens do Antigo Testamento tiveram coragem de resistir tantas tentações pela fé em Deus Criador e Libertador , quanto mais nós que acreditamos em Jesus de Nazaré como a Palavra viva de Deus em nossa história, o Deus conosco. “Assim fica mais fácil”, parece nos dizer Paulo, o grande lutador do Evangelho. 2. A FÉ SIGNIFICA PARTICIPAÇÃO (1. Cor. 12,1-13) A fé não é uma realidade passiva, como se fosse um objeto que a gente tem e guarda num cantinho para que não estrague. A fé se alimenta com a sua prática. Todos recebemos dons do Espírito Santo para construir o bem comum e uma comunidade que seja fraterna. Quando alguém participa na comunidade com espírito de serviço evangélico vai fortalecendo a sua confiança em Deus. Porque Deus se encontra conosco também no compromisso pelo seu Reino. Se você quer se encontrar mais com Jesus Cristo, participe na sua comunidade, porque nela se faz presente o Senhor. Ele não abandona as pessoas que são as suas testemunhas. Como no caso do cego de nascença (Jo.9), Jesus se revela àqueles que lutam pelo Evangelho no meio dos conflitos da vida. Em relação aos diferentes dons e carismas, existem aqueles que são universais, quer dizer, para todos os batizados: fé, esperança e amor. Outros dons são particulares. Não para determinar uma superioridade de uns sobre outros mas para servir o próximo. A variedade de carismas não significa divisão e sim enriquecimento. Participando da vida comunitária todos nos enriquecemos uns com os dons dos outros e a Igreja pode realizar melhor a sua missão. Às vezes encontramos cristãos que sempre estão desanimados, sem vontade para fazer nada... aí fica difícil animar, sustentar a caminhada. Caminhando se faz o caminho. Se comprometendo se encontra a força para continuar no seguimento de Jesus. 3. O AMOR É A PLENITUDE DA LEI (1Cor.13, 1-8 a ; Jo. 15, 1-17) De entre todos os dons e carismas o amor é o principal. Quem ama está cumprindo toda a Lei e os Profetas. Deus é amor e todo aquele que ama conhece a Deus. Jesus Cristo é a medida do verdadeiro amor humano. Ele nos amou até assumir as nossas dores e cruzes. Por isso, quem ama o seu próximo vive perto de Deus, fonte de água viva que jorra até a Vida Eterna... e o Espírito alimenta o seu coração para que continue na prática do bem. Assim também, o exemplo de amor dos nossos irmãos e irmãs estimula a seguir o bom caminho do Evangelho. O amor jamais passará! Quem ama na verdade e de verdade não sente o amor se esgotar no seu coração. Quanto mais se doa o ser humano em favor dos seus semelhantes, maior capacidade 50 de serviço sente no seu interior. Acontece assim nas vidas que se deixam orientar pelo Espírito de Jesus. 4. AS PARÁBOLAS: CONVITE E PERSEVERANÇA (Mt. 22,1-14; Lc. 14,15-24) Quando Jesus proclamou esta parábola ao povo Ele queria fazer um convite: aceitar a proposta do seu Reino com alegria, deixando em segundo lugar outros assuntos e tarefas, mesmo que fossem importantes. Em primeiro lugar está o Reino de Deus! Jesus também explica com esta parábola o porque os chefes do povo não aceitam o seu Evangelho. É porque colocam outras preocupações, legítimas em si mesmas, antes do que a sua proposta... e aí ficam por fora. Jesus, por meio das parábolas, quer nos animar a tomar uma decisão corajosa e urgente em favor dele. Quer nos dizer: “Aproveita a oportunidade, vale a pena”. As primeiras comunidades interpretam as parábolas de Jesus segundo a situação que estão vivendo. Mateus insiste na negativa do povo de Deus em aceitar a sua proposta ao longo da história do Antigo Testamento. Agora, o convite para participar do Novo Povo de Deus ( A Igreja) fica aberto para todos os povos. Só que é preciso vestir a roupa da festa (viver em coerência com a palavra do Evangelho). Porque, mesmo fazendo parte da festa, podemos ficar de fora. É o que acontece quando a nossa prática não se corresponde com a fé que professamos. Vamos analisar a mesma parábola escrita de forma diferente em Mateus e em Lucas, segundo a interpretação de cada comunidade. O que é comum: O convite a uma festa, os enviados que convidam, a recusa dos convidados por motivos materialistas, o novo convite para todos, a casa fica cheia. As diferenças: - Quem convida: em Mateus é um rei, em Lucas é um homem. Mateus insiste no Reino de Deus, porque era a esperança dos judeus - O motivo: em Mateus se trata das bodas do filho do rei, em Lucas de um banquete Mateus confirma que é a hora principal da história: as bodas de Deus com o povo, a hora tão sonhada pelo povo de Israel. - A reação dos convidados Mateus insiste na maldade: maltratam os enviados (se trata dos profetas) Lucas insiste nos motivos da recusa Mateus faz uma síntese da história do povo... para que nós não repitamos as falhas, para que não nos recusemos ao convite de Deus. Lucas nos lembra do perigo das preocupações materiais - O final: Mateus insere uma advertência: o convidado que não levava a veste de festa. Quer dizer que a nossa prática tem que se corresponder com a fé no Evangelho. Esta parábola quer animar os cristãos a continuar firmes no caminho de Jesus 5- OUTROS TEXTOS CATEQUÉTICOS Continuamos analisando o Novo Testamento à luz da vida das Primeiras Comunidades Cristãs. A preocupação principal daqueles primeiros cristãos foi constituir uma rede de pequenas comunidades eclesiais, que fossem testemunhas vivas da Páscoa de Jesus Cristo e assumissem como ideal de vida a mensagem do Evangelho. É assim que a atividade missionária foi intensa e encontramos muitos textos no Novo Testamento em relação à primeira evangelização. As comunidades perceberam logo que não era suficiente se converter a Jesus e se batizar para se considerar salvo... Era preciso dar continuidade à vida da fé, ter perseverança. 51 A salvação acontece a caminho, em processo, ligando o Evangelho com a história das pessoas e da comunidade. É assim que as primeiras comunidades se preocuparam de organizar a catequese para os adultos batizados, para aprofundar a fé recebida e fortalecer o compromisso de seguir Jesus Cristo nos momentos difíceis da vida. No Novo Testamento encontramos muitos textos que recolhem estas catequeses que eram dadas depois do batismo para os adultos. Batismo significa imersão nas águas. Quem é batizado fica ligado a Jesus Cristo e à sua Igreja para sempre. É uma nova vida que surge no coração da pessoa batizada, é a Páscoa agindo em nós. É a vida no Espírito acontecendo nos cristãos, a presença do Reino nos transformando e fazendo do seguidor de Cristo testemunha, luz para o mundo. E depois do batismo? Aparecem as dificuldades e problemas. A Igreja deu resposta organizando uma formação para adultos, logo depois do batismo, tomando como base os discursos de Jesus. Lucas 6, 20-49 Sinais do amor cristão: atitude social em favor dos pobres, perdão aos inimigos, coração generoso necessidade da prática. O Evangelho de Lucas recolhe uma destas catequeses comunitárias para adultos neste texto, que é uma pequena síntese do comportamento do cristão adulto. Este Evangelho insiste no compromisso social do seguidor de Jesus. O discípulo que se converteu ao Evangelho precisa fazer uma opção preferencial pelos pobres, assumir a causa dos excluídos para ser fiel à sua fé. Nas comunidades de origem pagão, onde o Império Romano explorava os escravos e o ser humano não era gente, a Igreja quer ser testemunha de uma nova forma de se relacionar as pessoas, seguindo o exemplo de Jesus, que se caracteriza pela justiça nova do Reino de Deus. O amor evangélico tem dois sinais especiais: o amor aos pobres e aos inimigos. Mateus 5-7 Atitudes próprias do cristão - Bem-aventuranças - assumir ser testemunha de Jesus (luz e sal) - cumprir a Lei no seu espírito - praticar as obras de piedade de coração * esmola, ser solidário * oração, ser filho de Deus * jejum, ser alegre nas provações - Deus é o verdadeiro tesouro do cristão: confiança - não julgar o próximo - orar constantemente e com confiança - a regra de ouro do cristão (7,12) - necessidade da prática Primeira Carta de Pedro - o batizado é pedra viva de Deus (2,4-10) - o batizado obedece a Palavra de Deus (1,22-25) - o batizado é testemunha fiel de Cristo (3,13-17) - o batizado se coloca a serviço dos irmãos (4,7-11) 52 TEMA 18: O VALOR DA BÍBLIA PARA OS PRIMEIROS CRISTÃOS 1- A PROMESSA DA BÍBLIA SE REALIZA EM JESUS CRISTO (Hb.1,1-4; Jo.1,1-18). Para os primeiros cristãos a Bíblia era Palavra viva de Deus que expressava o amor de Deus com a humanidade. As Sagradas Escrituras eram para eles os textos do Antigo Testamento, interpretados desde o acontecimento de Jesus de Nazaré. As Sagradas Escrituras revelavam para o povo a PROMESSA de Deus para o povo. O Povo de Deus foi percebendo ao longo da sua história como Deus tem um um projeto para a humanidade. Projeto de paz e de justiça, de verdade e de amor, de liberdade e de vida feliz. Projeto que a Bíblia chama de: “Reino de Deus”. Este projeto já está sendo realizado em parte... e encontrará a sua plenitude no final dos tempos, apôs a morte, na plena comunhão de amor com Deus e com os irmãos. Este projeto nós encontramos realizado e visível em Jesus Cristo, o Filho de Deus que se fez homem e nos mostrou o caminho que nos leva ao Pai. Os primeiros cristãos escutavam e meditavam a Bíblia, interpretando o seu conteúdo desde a vida e a Páscoa de Jesus de Nazaré. Ele á a Palavra de Deus que se fez carne, que se encarnou. A Bíblia nos ajuda a entender melhor o mistério de Jesus, necessitamos das Sagradas Escrituras para conhecer e amar a Jesus. É Ele o coração da Lei e dos Profetas. Os primeiros cristãos, utilizavam a Bíblia para anunciar melhor a vida e a mensagem de Jesus. O Novo Testamento lembra muitas vezes e com respeito o Antigo Testamento. Sempre para falar de Jesus e do seu projeto libertador. Na realidade existe uma só Aliança, manifestada em duas partes: antes de Jesus e em Jesus. É Ele a chave que nos abre as portas da Bíblia. Muitas vezes o Novo Testamento apresenta para nós esta expressão: “Era preciso que se cumprissem as Escrituras”, normalmente para falar da Paixão de Jesus ( Atos 1,16; Lucas 24, 2527). Nós não podemos entender como se tudo que aconteceu com Jesus já estivesse determinado previamente nas Escrituras. É como no caso daquele jovem que teve um acidente de moto e ficou vários meses se recuperando no hospital... Lá conheceu uma enfermeira com a qual se casou. Anos depois dizia: “Ainda bem que sofri aquele acidente, porque foi assim que nos conhecemos”. É claro que Deus não queria aquele acidente, dele se valeu, porém, para aproximar duas vidas que ficariam unidas pelo amor. É assim com a morte de cruz de Jesus. A primeira comunidade cristã, depois da Páscoa e do nascimento das primeiras comunidades, interpreta o acontecimento da cruz, em si mesmo terrível, desde os frutos positivos de salvação que trazem para a humanidade. Aqueles cristãos procuravam nas Escrituras uma luz para conhecer melhor a pessoa e a mensagem de Jesus e é desde Jesus que procuram nas Escrituras uma Palavra de Deus para a própria realidade que estavam vivendo. 2. JESUS É O NOVO MOISÉS E O NOVO ELIAS (Mt. 17,1-8; Lc. 9,28-36) Para os israelitas do tempo de Jesus a máxima autoridade espiritual era Moisés, a quem Deus comunicou a Lei para que a ensinasse ao povo. Assim Moisés representa a Lei, a religião verdadeira, a história e a tradição, a comunidade organizada que caminha segundo os preceitos do Senhor. Elias, que segundo a tradição popular não morreu, arrebatado num carro de fogo ao céu, simboliza o novo, o futuro, a profecia, o fogo que transforma e purifica, a renovação. Ambos representam as Escrituras: A Lei e os Profetas. As primeiras comunidades entendem a Jesus como um novo Moisés, embora superior. É o Mestre da Nova Lei, da Nova Aliança. Jesus é também o Profeta definitivo, a Palavra de Deus viva que o Pai envia para os homens. A comunidade de Mateus, composta maiormente por judeus convertidos ao cristianismo, acostumada a meditar todos os sábados a Lei nas sinagogas, gosta de lembrar a Jesus como um novo Moisés. O nascimento de Jesus (Mt. 1-2) é semelhante ao de Moisés (Êxodo 2): o rei que mata as crianças, a família que protege o menino, a fuga ao exterior, a volta para o próprio povo com uma missão de libertação da parte de Deus. É do alto da montanha 53 que Jesus proclama a Nova Lei, na mensagem que nós chamamos de Sermão da Montanha (Mateus 5-7), assim como antigamente Moisés, na montanha sagrada recebeu a Lei de Deus para ser levada ao povo. A comunidade de Lucas, composta maiormente por pagãos convertidos ao cristianismo, que valorizava muito a ação do Espírito Santo na comunidade, gosta de lembrar a Jesus como um novo profeta que anuncia o novo do Evangelho, a misericórdia de Deus com os pobres e pecadores, a transformação das pessoas e do mundo e o começo de um novo dia para a humanidade. Compreende mais a figura de Jesus desde a tradição dos profetas, que se preocupavam mais do presente do que do passado, que lutavam para que o Projeto de Deus fosse respeitado e interpretavam as Escrituras em favor da vida do povo. O texto da Transfiguração liga as duas tradições e apresenta a Moisés e Elias conversando com Jesus, quer dizer, como aquela pessoa que conhece e tem familiaridade com as Escrituras Sagradas, como Aquele que é o centro e a inspiração delas. Deus Pai confirma a autoridade do Filho perante os discípulos: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo, ouvi-o”. No Evangelho de Lucas, quando Jesus inicia a sua caminhada para Jerusalém, assumindo o caminho dos profetas, o texto nos lembra o final de Elias. Comparemos 1 Reis 2,9-11 e Lucas 9, 51-56. O profeta é arrebatado mas a profecia continua viva no meio do povo, cumprindo a sua missão de fogo transformador. Os primeiros cristãos não interpretavam as Escrituras ao pé da letra. Os judeus não interpretavam as Escrituras ao pé da letra. Quando se proclamava uma leitura bíblica na sinagoga em hebraico, um tradutor fazia a tradução de cada frase em aramaico, que era a língua do povo em tempos de Jesus. Estas traduções eram mais do que traduções atualizações do texto para a vida presente. Os judeus liam na sinagoga um texto da Lei, depois cantavam um Salmo, logo liam um texto dos Profetas e se fazia uma homilia. Os primeiros cristãos aprenderam a fazer também assim. Não interpretavam ao pé da letra os textos bíblicos. Escutavam uma passagem das Escrituras, cantavam o Salmo e proclamavam o Evangelho de Jesus. Depois, na homilia, se atualizava a mensagem bíblica para a realidade presente. Os cristãos interpretam a Bíblia a partir de Jesus, de forma comunitária e não individual, ligando a mensagem do texto com a história do povo. 3- O ESCÂNDALO DA MORTE DE JESUS (Dt. 21,23; Atos 5, 27-33; Is. 52-13-53,12; Lucas 11, 47-51; Salmo 2; Mt. 26,28) Para os primeiros cristãos a morte de Jesus na cruz era um escândalo difícil de entender. Como era possível que Deus permitisse que o seu Filho amado, que seria ressuscitado de entre os mortos, sofresse uma morte tão cruel como humilhante? Os inimigos dos primeiros cristãos citavam as Escrituras para desprestigiar a Jesus (Dt. 21,23; etc.). Não era fácil defender a causa de um crucificado. Por isso aqueles cristãos procuraram na própria Bíblia a luz para compreender melhor o mistério de um Cristo sofredor. O Servo Sofredor que aparece no livro do profeta Isaías ajuda bastante para encontrar um sentido de salvação ao sofrimento do justo perseguido. A figura deste servo representa o povo de Deus cativo na Babilônia que sofre as conseqüências dos pecados dos seus antepassados e que espera a libertação de Israel. A atitude de paciência e perseverança no momento de humilhação e perseguição possibilitarão ao povo a sua volta à Terra Prometida que os pais perderam por causa dos seus pecados. Assim também Jesus, Servo Sofredor, com a sua atitude de confiança e humildade no momento da cruz, possibilita para toda a humanidade uma reconciliação com Deus e uma nova vida orientada pelo amor. As palavras de Jesus na Última Ceia, quando instituiu a Eucaristia, oferecem para nós uma interpretação sobre o sentido da morte em cruz que iria padecer. O sangue derramado por todos é para o perdão dos pecados. Assim como os primeiros cristãos valorizavam com grande estima as Sagradas Escrituras, alimentando nelas a sua fé e compromisso cristãos, nós também hoje somos chamados a procurar na Bíblia a inspiração e a coragem para realizar a nossa vocação de Evangelização. Interpretando desde Jesus e a sua mensagem, em comunhão com o Povo de Deus e ligando com a história da humanidade, especialmente desde a opção preferencial pelos pobres. 54 TEMA 19: A LITURGIA DOS PRIMEIROS CRISTÃOS A liturgia significa ação, celebração do povo. O povo de Deus que se reúne para celebrar a presença do Senhor na sua história. É uma atividade fundamental para uma comunidade de fé, porque nela acontece a lembrança de um Deus que se fez presente na vida do seu povo. Não só lembrança, mas atualização: O mesmo Deus continua a se fazer presente na caminhada humana, é Ele quem sustenta o compromisso histórico dos seus fiéis e continua acordando e chamando a humanidade para acolher o seu plano de amor para cada ser humano e para o mundo. A liturgia, além de ser lembrança e atualização, é também profecia e promessa. O projeto de Deus não se esgota nas realizações humanas, por muito boas que às vezes elas sejam... O sonho de Deus é muito grande para que possa ser abrangido mesmo nos melhores projetos humanos. Deus puxa sempre para além dos horizontes humanos. O coração dos homens nasceu com sede de eternidade e nada pode preencher esta profunda saudade espiritual ... a não ser o amor divino derramado em nós. É por isto mesmo que a liturgia aprende do passado, olha com esperança para o presente e, principalmente, sonha com um futuro que seja mais de Deus que dos homens. Liturgia é comunhão com Deus e com os seres humanos. A liturgia é oportunidade de ligar a vida de cada um com a vida de Deus e com a caminhada da própria comunidade. As primeiras comunidades cristãs, tal como podemos encontrar nos textos do Novo Testamento, celebravam a liturgia com grande simplicidade e muito amor. Não tinham templos, não estavam presos a fórmulas ou tradições antigas, não possuíam objetos sagrados que brilhassem pela riqueza material, não se reuniam em grandes massas humanas porque eram uma minoria no meio do Império Romano. Nos deixaram, porém, os elementos essenciais que devem prevalecer em toda liturgia cristã. No Novo Testamento encontramos elementos litúrgicos valiosos para nós: bênçãos, hinos, fórmulas de fé, cânticos, orações litúrgicas, memoriais, etc. Hoje que a Igreja entrou na caminhada de uma renovação interessante da sua liturgia, visando ligar mais a fé com a vida e uma maior participação do povo, a própria Bíblia se torna mais uma vez para todos nós em fonte principal de inspiração. 1- ELEMENTOS DO CULTO As assembléias cristãs se celebravam nas casas. ( 1Cor.11,17; At. 20,7-12; At.12,12; Fm. 1,2; Col.4,15; 1Cor.16,19). O número dos fiéis era reduzido e permitia maior familiaridade. Nós, que normalmente contamos com maior quantidade de membros, devemos procurar aprimorar a ACOLHIDA das pessoas e um ambiente mais familiar que propicie uma melhor participação. Se é verdade que alguns se reuniam todos os dias para a oração (dos salmos), a comunidade como tal se reunia uma vez por semana, de preferência no primeiro dia, que passou a ser chamado O Dia do Senhor ou Domingo. (At. 20,7-12; Ap. 1,10). O que o dia do Sábado representava para os judeus, como dia da Aliança e do culto a Deus, passou a ser o Domingo para os cristãos: dia da Nova Aliança, da Páscoa de Jesus. A proclamação da Palavra era essencial ao culto dos primeiros cristãos. Depois se cantava um Salmo e se oferecia uma explicação aplicando a mensagem da Palavra para a vida prática da comunidade. As cartas de Paulo, por exemplo, eram lidas na própria liturgia dominical (1 Ts. 5, 27). As duas grandes celebrações das primeiras comunidades cristãs eram o batismo e a eucaristia. O batismo marcava a conversão a Jesus Cristo: perdão dos pecados (At. 2,38) e começo de uma vida nova (1Pd. 2,2) orientada pelo Espírito Santo (At.19,1-7). A eucaristia foi desde os princípios 55 da Igreja a celebração principal. Ligada à Ceia do Senhor, (1Cor.11,20ss.) comemora e atualiza a sua Páscoa entre nós. A Eucaristia era a festa da partilha, partir e repartir o pão. Significava que, assim como Jesus oferece a sua vida ao Pai em forma de serviço aos irmãos, para que todos tenham vida em abundância, especialmente os mais pobres, também a comunidade, seguindo o exemplo do Bom Pastor, se oferece ao Pai como servidora dos pobres. A eucaristia era momento de escutar a Palavra, lembrar e atualizar a Páscoa de Jesus, agradecimento a Deus e partilha com os pobres, o beijo da paz. (At. 2,42; 20,7; Lc. 24,35). No final do século primeiro (70 anos depois da morte e ressurreição de Jesus) o livro da Didaqué, que era uma orientação de vida para os primeiros cristãos, indica como celebrar a eucaristia: “Vos reunireis no Dia do Senhor, partireis o pão e agradecereis depois de ter confessado os vossos pecados, para que o vosso sacrifício seja puro” (Didaqué 15, 1). Para expressar e estabelecer uma comunhão fraterna maior os primeiros cristãos se saudavam com o beijo da paz. ( Rm.16,16; 1Cor.16,20; 1Pd.5,14). 2- UM CULTO ESPIRITUAL ( Rm.12,1-2; 1Pd.2,5; Fl.2,17; Hb.10, 4-10) O culto costuma ser, nas diferentes religiões, um conjunto de ritos exteriores que simbolizam uma ligação com Deus. O espaço (templo), o tempo (dias festivos, horas santas), os objetos (sacros), as palavras (fórmulas sagradas, mensagens divinas), os gestos especiais e as pessoas (povo de Deus, sacerdotes) marcam uma diferença com a vida normal com a intenção de se aproximar mais de Deus. O culto utiliza uma linguagem de símbolos para expressar uma experiência mística, difícil de se exprimir na linguagem comum. No Antigo Testamento também encontramos esta tendência de, na hora de cultuar a Deus, se separar dos elementos da vida diária. Tal vez possa ser contraditório para nós o fato de comprovarmos como no Novo Testamento Jesus pratica um culto dentro da própria vida, sem usar, aparentemente, símbolos especiais. Ele participou do culto judaico e quando quis manifestar como é o culto da Nova Aliança, tomou como símbolo a ceia familiar , o banquete pascal que celebra a libertação do povo. Jesus ligou o culto cristão à sua própria vida que a cada dia se entrega como serviço aos irmãos no processo de crescimento do Reino de Deus. O culto de Jesus é um culto espiritual (obediência ao Pai, oração que nasce da vida e compromisso com o Reino) e não material (sacrifícios de animais e palavras misteriosas). Foi por isso mesmo que culto dos primeiros cristãos era muito natural, ligado com a vida, comunitário e participativo. Utilizando símbolos normais (pão, vinho, luz, água), se reunindo nas casas e interpretando a Escritura Sagrada com esperança, sem medos, aplicando a mensagem à realidade do povo simples. O culto cristão não queria se afastar da própria história para se aproximar de Deus... porque o próprio Deus se encarnou na história humana para sempre, mas tentava (e hoje também procura) ligar melhor a vida da comunidade com o projeto do Pai. Os primeiros cristãos eram considerados por alguns grupos pagãos como ateus, pessoas que não cultuavam aos deuses porque não praticavam cultos feitos com símbolos misteriosos e palavras não compreensíveis. É um culto de coração que nasce da vida e volta para a vida com um compromisso renovado de obediência ao Pai e solidariedade com o próximo. 56 3- TEXTOS LITÚRGICOS a) Batismo: Rm.6,1-4 e Cl.2,12 Paulo nos lembra a ligação existente entre o batismo/conversão e batismo/vida nova. A imersão nas águas simboliza a identificação com a Páscoa de Cristo: morrer com Ele para o pecado e renascer para uma vida espiritual. Tudo como fruto da ação do Espírito em nós. É a Palavra quem nos transforma e nos convida a atualizar os caminhos do Senhor no meio da história humana. b) Eucaristia: Mt. 26,26-29; Mc.14,22-25; Lc.22,15-20 e 1Cor. 11, 23-26) A celebração da eucaristia está ligada profundamente ao mistério da vida de Jesus, especialmente representada na sua Páscoa: cruz e ressurreição. O cristão, pessoal e comunitariamente, se une à sorte do Cristo e participa da sua caminhada. A eucaristia representa uma memória atualizada, um alimento espiritual, escuta da Palavra de Jesus, agradecimento, perdão, paz, acolhida... compromisso solidário com a humanidade, especialmente os mais crucificados pela história do mundo. c) A Oração Dominical: Mt. 6, 9-13 e Lc. 11,2-4 A comunidade de Mateus liga a oração comunitária com o perdão fraterno. A comunidade de Lucas coloca o Pai Nosso como modelo de oração e de saber pedir ao Pai respeitando a sua vontade. d) Os Cânticos: Lc. 1, 46-55; Mt. 5, 3-12; Fl. 6, 6-11; Ef. 1, 3-14; Cl. 1, 15-20) O canto é um dos elementos principais da liturgia, oportunidade para o povo de Deus participar ativamente. Os primeiros cristãos nos mostram nos cantos que aparecem no N. T. a qualidade espiritual de sua vida de fé. O canto bem escolhido é uma belíssima oração, uma ótima catequese, um convite precioso para viver evangelicamente e uma forma maravilhosa de gerar comunhão fraterna... porque todos se identificam conjuntamente com a mesma mensagem divina. e) Marana tha: 1Cor. 16,22; Ap. 22,20; Ap. 21, 1-7 : VEM SENHOR JESUS! É a exclamação dos cristãos, da Igreja, proclamando publicamente que nossa esperança é Jesus Cristo. A liturgia celebra a sua presença no meio de nós. Presença que vivenciamos a caminho, em processo, por meio da fé. Esperando que um dia será revelado plenamente para nós o mistério que hoje experimentamos pela fé. A liturgia manifesta a saudade de Deus, a realidade do Reino Definitivo para o qual caminhamos. A comunhão filial com Deus e fraterna com os seres humanos... que um dia será plena. Que ninguém poderá nos arrebatar. Amém! 57 TEMA 20: CARTAS DE PAULO 1. VIDA DE PAULO (DE SAULO DE TARSO A PAULO DE CRISTO) Cronologia da vida de Paulo As datas já são todas elas depois de Cristo. São datas muito prováveis, bem aproximadas à realidade. Mas não temos condições de afirmar com certeza plena. Ano 5 a 10 Ano 31 Ano 34 Ano 36 Ano 39 Ano 43 Ano 45 Ano 49 Ano 49 Ano 50 Ano 51 e 52 Ano 53 Ano 54 Ano 54 Ano 57 Ano 57 Ano 57 Ano 58 Ano 58 Ano 58 Ano 58 Ano 60 Ano 61 Ano 63 Ano 65 Ano 67 Nascimento de Saulo em Tarso da Cilícia. Estância em Jerusalém. Estuda a Lei de Moisés com Gamaliel. Martírio de Estevão e dispersão da comunidade cristã. Conversão de Saulo perto de Damasco. Retiro no deserto da Arábia. Visita aos apóstolos em Jerusalém. Volta a Tarso. Vai a Antioquia a pedido de Barnabé para fortalecer a comunidade. Primeira viagem missionária. Assembléia de Jerusalém. Não precisa ser judeu para ser cristão. Segunda viagem missionária (até o ano 52). Estância em Corinto até o ano 52. Cartas 1 e 2 aos Tessalonicenses. Em Corinto. Terceira viagem missionária (até o ano 58) Estância em Efeso até o ano 57 Carta aos Gálatas. Em Efeso Carta Primeira aos Coríntios. Em Efeso. Visita a Coríntio e a Macedônia (Filipos). Carta Segunda aos Coríntios. Em Macedônia. Estância em Corinto. Carta aos Romanos. (na Páscoa, desde Corinto). Visita a Filipos. Viagem a Jerusalém. Paulo é prisioneiro em Jerusalém. Levado a Cesaréia. Até o ano 60. Viagem a Roma. Prisioneiro em Roma. Em regime de liberdade vigiada. Até o ano 63. Carta aos Colosenses, Efésios, Filipenses, Filemon Viagem a Espanha (?) Ele queria, não sabemos se realizou. Viagens a Efeso, Creta, Macedônia ? Não temos certeza. Cartas: Primeira a Timóteo, a Tito De novo prisioneiro (segunda prissão em Roma) Carta: Segunda a Timóteo Morte em Roma. Decapitado no Foro Romano. Significado da vida de Paulo Saulo nasceu na cidade de Tarso da Cilícia (na atual Turquia) que era uma cidade de uns 300 mil habitantes com fama de oferecer bons estudos de filosofia grega. A cultura dele é urbana, de cidade moderna. Lá era uma colônia romana com uma categoria especial: todos os seus habitantes tinham a cidadania romana, isto representava um privilégio importante naquela época, pois eles faziam parte daquela minoria no império romano dos que eram portadores de direitos civis. Isto é hoje para nós totalmente natural, mas naquela época a maioria da população vivia sem nenhum amparo legal, a mercê da arbitrariedade das autoridades de cada momento. 58 Saulo era de família israelita, da tribo de Benjamim e fazia parte da seita dos fariseus, a mais radical no cumprimento da Lei de Moisés. Por esta condição dupla de ser israelita de fé e romano de direito, conhecedor profundo das duas culturas, grega e judaica, se tornou uma peça chave na evangelização dos gregos transmitindo a fé em Jesus Cristo que nasceu no judaísmo para os povos pagãos. É por isso que é chamado de apóstolo dos pagãos. Foi enviado a Jerusalém para estudar a Lei com um dos melhores rabinos (mestres) da época que se chamava Gamaliel. Pelos dados que nos fornecem os Atos dos Apóstolos devia ser um dos mais radicais defensores da Lei, utilizando todos os meios ao seu alcance para conseguir seus objetivos. Um fato insólito, não esperado, mudou totalmente a vida dele. Caminho de Damasco com a missão de encarcerar os cristãos, a quem considerava traidores à Lei, teve uma experiência pessoal mística muito especial. Perto de Damasco Saulo se viu repentinamente cercado por uma luz que vinha do céu. Caiu por terra, e ouviu uma voz que lhe dizia: “Saulo, Saulo, por que você me persegue?”. Saulo perguntou: “Quem és tu, Senhor?”. A voz lhe disse: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Levante-se e entre na cidade, e aí dirão a você o que deve fazer”. Saulo demorou muitos anos para assimilar esta surpresa. Ele perseguia um grupo e de repente o líder desse grupo, Jesus morto e ressuscitado, vem ao seu encontro de forma misteriosa (luz envolvente e voz que questiona e orienta). É precisamente esse grupo que ele perseguia quem o acolhe e lhe ajuda depois do “acidente” no caminho. A voz misteriosa do caminho lhe pede ainda que confie nas pessoas que ele odiava e que obedeça o que eles lhe mandarem! Não é demais? Saulo aceita, obedece... e se torna Paulo! Foi-lhe revelado que Jesus vive presente na comunidade dos seus seguidores, numa identificação plena. E ele aceita ser parte desta comunidade de fé se tornando membro do Corpo de Cristo por meio do batismo. Mas primeiro vem a fé... depois irá compreendendo, aos poucos, a dimensão do mistério que o envolveu e conquistou por completo. Aquele acontecimento do encontro que teve com Jesus Cristo mudou totalmente a cabeça e a vida de Paulo. Mas para entender o que estava se passando na sua vida precisou de muitos anos. Depois de uns anos de retiro no deserto voltou a Jerusalém para se encontrar com os apóstolos com a finalidade de fundamentar a sua fé em Jesus. Foi para Tarso, sua cidade natal, para viver lá como um cristão a mais. Barnabé, que sabia do seu valor, o chamou para Antioquia, onde estava se formando uma das comunidades cristãs primitivas mais importantes e fecundas. É de Antioquia de onde nascerão as grandes viagens missionárias de Paulo. O método dele quando chegava numa cidade que queria evangelizar era visitar primeiramente a sinagoga judaica aos sábados e aproveitar a pregação para anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo em quem se realizam as Escrituras Sagradas. Alguns judeus se convertem e batizam. Outros se opõem a Paulo e o ameaçam... Então Paulo se dirigia aos pagãos, pedindo simplesmente que acreditassem em Jesus Cristo e se batizassem em seu nome para o perdão dos pecados e fazerem parte no Novo Povo de Deus, que é a Igreja de Jesus Cristo. Ficava sempre um tempo em cada cidade (Em Corinto ficou 18 meses!) até estruturar lá uma comunidade cristã com os responsáveis na cabeça (presbíteros, epíscopos). Quando era expulso pelas autoridades por causa de denúncias dos judeus ou quando o trabalho da primeira evangelização já estava concluído partia para outra cidade. Sempre mantinha contato com as comunidades por meio de colaboradores de confiança e por meio das cartas. Entre a primeira e a segunda viagens missionárias aconteceu a controvérsia de Jerusalém por causa do debate sobre a necessidade ou não dos pagãos batizados precisarem da circuncisão para serem salvos, com a obrigação correspondente de cumprir a Lei de Moisés. A fundação das comunidades cristãs no meio dos pagãos é que motivou esta discussão. O resultado foi favorável às teses de Paulo. Pedro e Tiago, colunas da Igreja, decidiram em favor da liberdade dos pagãos em relação à Lei de Moisés, não tendo necessidade de se circuncidar para serem cristãos. 59 Animado pela decisão Paulo inicia a segunda grande viagem missionária, na qual fundará as grandes comunidades cristãs de Filipos, Tessalônica, Atenas e Corinto. Se trata de uma viagem muito fecunda para o Evangelho, com grandes resultados pastorais. O episódio de Atenas é bem significativo e marcará a convicção de Paulo de anunciar não uma sabedoria humana mas o mistério de Jesus crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gregos. A terceira viagem missionária foi mais de consolidar as comunidades existentes, principalmente as grandes comunidades de Efeso e Corinto. Realizou uma intensa atividade de visitas, de envio de colaboradores e de escrever cartas. Tudo para fortalecer o trabalho iniciado e dar resposta aos problemas que enfrentavam as comunidades, tanto a nível interno quanto externo. As comunidades cristãs que provinham do judaísmo se estruturavam do mesmo jeito que as comunidades judaicas na diáspora, que tinham o centro nas sinagogas. Por isso que não encontravam os problemas que tinham as comunidades de origem pagão que para eles tudo era novidade e precisavam de orientação para tudo. Graças a estes problemas e necessidades é que hoje podemos contar com a riqueza pastoral e espiritual das cartas paulinas. Depois da terceira viagem missionária veio a prisão de Paulo na Palestina que durou dois anos... que devem ter sido muito difíceis para Paulo. O governador queria tirar dinheiro dele percebendo que era alguém importante dado o interesse dos judeus em condena-lo à morte. No final deste período, sentindo que não seria libertado da prisão, Paulo apelou ao Imperador pois tinha direito a ser julgado em Roma, sendo como era cidadão romano por ter nascido em Tarso. Já em Roma, esperando o julgamento, gozou de bastante liberdade e autonomia. Escreveu várias cartas e participou da vida da comunidade romana. Ainda depois, tendo sido libertado, parece que viajou pelas comunidades de Creta, Éfeso e Macedônia, e tal vez pela Espanha. Voltando a Roma foi de novo feito prisioneiro na época do Imperador Nero. Morreu ao redor do ano 67, decapitado no Foro romano. 2. ASPECTOS DA ESPIRITUALIDADE DE PAULO A comunhão espiritual de Paulo com Jesus Cristo. Conquistado por Jesus Paulo se torna seu servidor... mas por amor. (Filipenses 3,8). O sentido da cruz. Jesus, de acordo com a Lei, era amaldiçoado por Deus (Deuteronômio 21,23). Deus, porém, o exaltou ressuscitando-o de entre os mortos e concedendo-lhe a sua própria glória e dignidade divinas. Isto significa que não morreu pelos próprios pecados, que não tinha, mas pelos pecados da humanidade, assumindo uma missão de intercessor (Isaias 53,4-5). (1Corintios 1,17-25). O poder da graça de Deus. Paulo foi descobrindo que a justiça que vem da Lei não salva, porque todos somos pecadores e a humanidade está perdida em si mesma. Ninguém consegue ser salvo por si mesmo. Mas Deus é cheio de misericórdia e por puro amor nos salva gratuitamente em Cristo Jesus. (1Coríntios 15, 9-10). O dom da vocação. Paulo se sente eleito, escolhido por Deus, não por méritos dele mas sim pelo amor gratuito divino. Porque Deus quer. A predestinação de que fala Paulo não quer dizer que a história já está marcada previamente para cada um. Significa que Deus tem um plano de amor para todos e cada um de nós e, de acordo com este plano, Ele nos chama a participar ativamente no seu projeto de salvação. Cada um encontra o seu lugar e a sua missão pessoal, encaixando no conjunto da humanidade. (Romanos 8, 28-30) 60 O mistério do pecado. Paulo sabe por experiência própria que para descobrir o mistério do pecado não é suficiente olhar para a própria consciência, mas é preciso olhar para a realidade dos outros. Ele se achava perfeitamente justo perseguindo os cristãos... até que no caminho de Damasco chamaram a atenção dele, de fora para dentro. Só que Paulo analisa o mistério do pecado a partir do amor de Cristo, da misericórdia divina. Daí que, apesar de reconhecer que o ser humano não pode sozinho superar o mal, sabe que Deus já venceu o pecado e a morte. O pecado é um contraste com a graça divina que nos alerta o que ainda falta em nós para pertencermos por inteiro ao Senhor Jesus. Deus ama o pecador e o salva das garras do pecado. É só confiar e se deixar amar por Ele. (Romanos 7, 14-25). A liberdade no espírito. Quando era fariseu Saulo se achava justo e santo pelas obras da Lei que praticava com perfeição. Descobriu que era um grande pecador sem saber... Então passou a confiar não nas obras humanas mas sim na graça divina. As obras são conseqüência do amor que se recebe gratuitamente. (Romanos 7, 4-6) A esperança. Contemplando o Cristo ressuscitado e glorificado Paulo compreende o Senhor do fim dos tempos que um dia virá para o julgamento definitivo da humanidade. A fé que ele tem na glória e no poder de Jesus é motivo de esperança no meio das tribulações e dificuldades que passou por causa do Evangelho. (1Coríntios 15, 54-58). A missão, uma experiência de amor. (1Coríntios 9, 16) Quando a gente descobre que a nossa vida faz sentido unida à vida de Jesus Cristo não mais dá para viver para si mas para os outros. Assim como Jesus sabe que vem do Pai e é enviado para levar a vida divina aos seres humanos, assim também o batizado se sente unido a Jesus e nossa vida vem do Pai e somos enviados para levar a vida de Jesus à humanidade. Não nos pertencemos a nós mesmos, mas ao Senhor. A Igreja é Corpo de Cristo. (Gálatas 1,13; 1Coríntios 12, 12-14; Efésios 4, 11-17) Saulo perseguia a Igreja e escutou a voz de Jesus: “Saulo, Saulo, por que me persegues”. Perseguindo a Igreja está perseguindo o próprio Cristo que nela habita. Cristo é a cabeça e nós somos seus membros. Não dá para separar Jesus Cristo da sua Igreja. 3. SÍNTESE DAS CARTAS DE PAULO. A esperança do Reino. (1Tessalonicenses 4, 13-18) Ano 51. Primeira e Segunda aos Tessalonicenses. Desde Corinto. São os primeiros escritos do Novo Testamento. Os tessalonicenses perguntam a Paulo em relação aos membros falecidos da comunidade. O que acontece com eles? Porque no primeiro momento das comunidades achavam que tal vez a segunda vinda de Jesus fosse acontecer de uma hora para outra. Paulo responde a partir da fé em Jesus com palavras de esperança. Somos salvos pela fé em Jesus cristo. (Romanos 8) Ano 56-57-58. Primeira e Segunda aos Coríntios. Gálatas. Romanos. Não é a prática da Lei que salva mas a fé em Jesus Cristo. Uma fé dinâmica, viva. A Igreja é a comunidade daqueles que acolhem a salvação de Deus por meio de Jesus Cristo. Quem faz acontecer esta fé compartilhada é o Espírito Santo. 61 Jesus Cristo é o Senhor da história e do Universo. (Efésios 1,1-14; Colossenses 1,13-20) Ano 61-53. Colossenses. Efésios. Filemon. Paulo escreve na prisão de Roma, em semi-liberdade. Já é o teólogo bem amadurecido. Pensou muito bem todas as coisas relacionadas com a vida da fé. Conhece as filosofias em moda na época, conhece muito bem o judaísmo e se encontra em condições de aprofundar as grandes questões da história e da existência a partir da fé em Jesus Cristo. Naquela época era comum acreditar em seres espirituais que faziam de intermediários entre os deuses e os homens. Assim, alguns achavam que Jesus devia ser como um desses seres. Paulo não aceita este pensamento e declara com argumentos teológicos que Jesus Cristo é o Senhor de tudo quanto foi criado. É Deus, fazendo parte com o Pai e com o Espírito da natureza divina. O ministério ordenado. (2Timóteo 1,6-14; 3,14-17) Ano 67 (ou, tal vez, posterior, escrita por discípulos de Paulo). 1ª e 2ª Timóteo e Tito. Quando os primeiros apóstolos vão desaparecendo a preocupação das comunidades cristãs é dar continuidade à evangelização mantendo a fidelidade à mensagem recebida de Jesus e transmitida pelos apóstolos. Duas preocupações tomam conta destes escritos, que expressam a preocupação daqueles cristãos de segunda geração: manter a pureza da doutrina cristã e manter a unidade da Igreja de Jesus. 4. DIFERENTES NÍVEIS DE FÉ NAS CARTAS DE PAULO. Quando Paulo escreve uma carta a uma comunidade ele mistura no conteúdo um pouco de tudo. Tem afirmações de fé, conselhos sobre assuntos particulares, recomendações sobre a acolhida e o perdão, ordens imperativas em nome do Senhor, comentários práticos relativos a costumes da época, cumprimentos pessoais e lembranças afetivas... Nós precisamos ter muito cuidado na hora de interpretar para não errar. Não é a mesma coisa quando Paulo diz que Jesus Cristo ressuscitou dentre os mortos que quando pede às mulheres que se coloquem o véu nas assembléias litúrgicas. Assim, nós podemos diferenciar três níveis diferentes no conteúdo das cartas, que podem nos ajudar a compreender melhor a mensagem que nos salva. O primeiro nível, o mais profundo, é o querigma, que está diretamente relacionado com a doutrina da nossa fé, com o conteúdo da mensagem que vem do Senhor e ilumina as nossas vidas rumo ao Pai. O segundo nível se refere às atitudes humanas e espirituais que se derivam como resposta da mensagem recebida e que tem poder de transformar os nossos corações e mentes para que sejam semelhantes à prática de Jesus. No terceiro nível se situam os detalhes práticos, os exemplos concretos que manifestam essas atitudes do coração e essa mensagem que tomou conta de nós. Só que, muitas vezes estão relacionados com costumes da época, com aquela cultura daquele lugar e daquele tempo. Podem ser válidos para nós ou, em determinados casos podem não ter nada a ver com a nossa realidade. É por isso que não podemos entender tudo do mesmo jeito. Em se tratando de cartas devemos entender também que, normalmente, Paulo não elabora um tratado completo em relação a um determinado assunto. Ele não esgota todo o tema quando simplesmente o cita numa carta. Por exemplo o problema da escravidão: se tirarmos conclusões de uma frase isolada de Paulo em uma determinada carta, cairemos no erro de achar que essa opinião prática, em um determinado texto isolado, é vontade de Deus. E aí podemos, em nome de Deus, chegar à conclusão errada de que Deus quer e justifica a escravidão. Necessitamos nestes casos analisar todos os textos em conjunto e a partir, principalmente, da vida e da palavra de Jesus Cristo nos Evangelhos, tirar conclusões coerentes com a nossa fé e a prática que Deus quer de nós. A 62 mesma coisa acontece no caso da mulher. Não podemos tirar conclusões de um texto isolado de Paulo a partir de uma frase fora do contexto. Precisamos meditar com maior seriedade para não precipitar nas conclusões que podem justificar interesses egoístas e particulares. 4.1. Nível do Querigma. (Filipenses 2,1-11) Deus Pai Criador tem um plano de amor para a humanidade toda e para cada ser humano. Somos criados para viver em comunhão plena com Ele. Nós somos incapazes por nós mesmos de compreender e aceitar este Reino de Deus. Por isso o Pai envia ao mundo o seu Filho amado Jesus Cristo que é o nosso Salvador e Senhor. Na cruz pagou o preço dos nossos pecados nos reconciliando com Deus. Ressuscitando dos mortos vive glorificado e um dia virá pela segunda vez para levar a história humana à sua plenitude. Por meio do seu Espírito nos comunica vida nova e nos faz suas testemunhas formando uma nova Igreja que é o seu povo e o seu Corpo presente no mundo. A Igreja anuncia com o testemunho e com a palavra esta vida nova em Cristo Jesus. Quem acolhe a Boa Nova se torna também luz para o mundo por meio do amor e participa da comunidade de Jesus como membro do mesmo Corpo cuja cabeça é Cristo. 4.2. Nível das Atitudes. (Colossenses 3,5-17) Quem acolhe o Evangelho de Jesus se transforma em semelhança do seu Senhor e do seu coração nascem novas relações de harmonia, compreensão e amor para com todos. É o homem e a mulher novos que renascem no batismo para uma vida nova, alternativa do mundo presente, que se caracteriza pela acolhida do outro, pelo perdão, pela paz e alegria que nascem do coração verdadeiramente cristão. Todos somos iguais, irmãos e irmãs em Jesus Cristo. 4.3. Nível de detalhes práticos. (Colossenses 3, 18-22) Muitas vezes ligados a aspectos culturais daquela época ou região. Podem ser válidos para nós ou podem ser insignificantes. Não podemos entender ao pé da letra porque podemos errar ao querer entender como atuais palavras que só fazem sentido em outro contexto totalmente diferente. Logicamente, existem afirmações práticas que são válidas para todos os tempos. É questão de discernimento, comparando um texto com o conjunto do Novo Testamento. Quando numa carta fala: mulheres, obedeçam aos vossos maridos; escravos, obedeçam aos vossos senhores; cristãos, obedeçam às autoridades; etc. a gente tem que interpretar a partir do conjunto da mensagem cristã. Todos somos iguais em Cristo Jesus. Não tem escravo nem livre. A mulher e o homem tem a mesma dignidade. Só que, às vezes, pode ser conveniente não criar caso a toda hora quando a mentalidade do mundo é muito forte em outra direção. Às vezes o caminho para conquistar o marido ou o patrão para Jesus Cristo passa pelo testemunho de silêncio ou humildade. Mas nem sempre. Às vezes pode ser e outras pode não ser. É questão de discernimento espiritual e bom senso. Mas o cristão não pode aceitar passivamente as discriminações e opressões existentes como se fosse vontade de Deus. Aí temos a Carta a Filemon que nos ensina, por meio da prática do que aconteceu entre Filemon, Paulo e Onésimo, a superar todo tipo de diferenças sociais e discriminações. Porque a proposta de Deus é que todos somos filhos e filhas amados e amadas em Jesus Cristo. Em conseqüência somos todos irmãos e irmãs, portadores da mesma dignidade e chamados igualmente a uma vida nova cheia de harmonia e de felicidade. Vida nova que é obra do Espírito Santo, o artífice da comunhão fraterna e com Deus. 63 TEMA 21: EVANGELHO DE MARCOS 1- ASPECTOS GERAIS A palavra Evangelho significa uma boa nova, um anúncio que traz alegria, como quando nasce uma criança ou se declara a paz depois de uma guerra. A boa nova consiste em que Deus Pai envia seu Filho Jesus Cristo como o melhor presente que a humanidade jamais possa receber. É a comunhão plena entre Deus e os seres humanos. Como foram escritos os Evangelhos tal como hoje nós temos? Foi um processo elaborado devagar que durou desde a morte e ressurreição de Jesus (ano 30) até o ano 100. Marcos já está escrito no ano 70. Mateus e Lucas no ano 80 e João nos anos 90. PROCESO: 1. Vida de Jesus: obras e palavras 2. Vida das primeiras comunidades: anunciam de palavra a mensagem de Jesus 3. Se elaboram relatos e coleções (Primeiramente de forma oral, depois por escrito) Sobre a morte e ressurreição de Jesus de parábolas, milagres e discursos 4. Nascem em algumas comunidades relatos mais completos e elaborados Seriam a base do que hoje nós podemos ler nos evangelhos. Base de: 5. Mateus Marcos Quelle (“fonte”) Mateus (80) Marcos (70) Lucas João Lucas (80) João (90) São os escritos como hoje nós temos, depois de uma, duas ou mais redações. O autor do Evangelho de Marcos não aparece no escrito do Evangelho. Existem testemunhas do Século II que afirmam ser Marcos o autor. Papias, no ano 140, bispo de Hierápolis, diz que Marcos foi intérprete de Pedro. Ireneo, bispo de Lião, afirma que Marcos escreveu em Roma segundo o testemunho de Pedro. Quem é esse Marcos? Provavelmente é o João Marcos que aparece nos Atos dos Apóstolos. A mãe dele era Maria e na casa dela se reunia a primeira comunidade cristã. (Atos 12,12). Seria Marcos aquele jovem que fugiu quando descobriram que era seguidor de Jesus? (Marcos 14,51-52). Antes de se escrever este Evangelho, que é o primeiro a ser colocado por escrito, existiam narrações sobre milagres, parábolas, discursos, relatos da paixão e aparições, etc. O mérito de Marcos consiste em que foi o primeiro em elaborar um relato coerente sobre Jesus desde o princípio ao fim da vida pública, com uma lógica própria. Ao longo dos séculos este Evangelho não foi muito valorizado porque praticamente todo ele está inserido no Evangelho de Mateus e aparentemente não tem um estilo tão elaborado como os outros. Hoje, porém, é o Evangelho que mais comentários está originando porque é o mais espontâneo de todos, o mais natural e psicológico. Tem uma teologia própria, muito forte e definida. O autor sacrifica o estilo próprio para nos apresentar a pregação oral, provavelmente, de Pedro. De forma direta, sem modificar os termos da pregação oral de um pescador da Galiléia que não domina muito bem o grego popular que se falava em Roma nas camadas populares. É por isso mesmo que hoje para nós tem um valor especial, porque nos coloca em relação próxima com o anúncio do evangelho realizado pelos próprios apóstolos. Marcos descreve muito bem a psicologia das diversas personagens, as reações, sentimentos. O ambiente da evangelização acontece no meio 64 da natureza, nas ruas e praças... Jesus está em contato constante com o povo e com os discípulos, com o Pai e com os problemas das pessoas. Quando se fala do autor de um livro bíblico não podemos esquecer que o verdadeiro protagonista histórico que motiva e define o texto é o povo, o Povo de Deus. É este povo quem escuta a Boa Nova, acolhe o anúncio com alegria, se deixa transformar ou converter adequando os pensamentos e atitudes em coerência com a Palavra ouvida, celebra a alegria que produz a mensagem de vida recebida e se torna também comunicador da vivência de fé que o anúncio provocou a nível pessoal e comunitário. Precisamos entender que o texto escrito é expressão de fé de toda uma comunidade cristã que está experimentando um processo vital a partir da Boa Nova de Jesus Cristo. Por isso existem evangelhos diferentes, porque existem comunidades diferentes, cada uma com a sua própria e legítima particularidade. A comunidade do Evangelho de Marcos parece ser que é a comunidade cristã de Roma. Por isso Marcos explica alguns costumes judeus porque os romanos não entendiam esses detalhes culturais de um país que ficava longe. Não é por acaso que o primeiro pagão a reconhecer Jesus como Messias seja um soldado romano ao pé da cruz. Apôs o martírio de Pedro e de Paulo a comunidade entende que o cristão deve estar preparado para a cruz.... e o evangelho registra esta necessidade espiritual. 2- ESQUEMA DO EVANGELHO 2.1. Início. 2.2. Ministério na Galiléia. 2.3. Caminho a Jerusalém 2.4. Ministério em Jerusalém 2.5. Conclusão 1,1-13 1,14-9,50 10,1-52 11,1-16-8 16,9-16,20 (1,1-13) (1,21-39) (10,32-45) (14,32-42) (16,15-20) 3- ESTUDO DE TEXTOS ESCOLHIDOS 3.1.Os discípulos de Jesus. Acompanham Jesus desde o princípio (1,14-20). Atitude de escuta, de aprender-converter pelas palavras e obras de Jesus (3,31-35). Não é fácil! (14,43-52). Testemunhas de Jesus Cristo perante o mundo (16,20). 3.2.O caminho do discípulo de Jesus. (8,27-9,13). É um processo espiritual que vai transformando a vida toda do seguidor de Jesus até que Cristo seja tudo nele. 3.3.Atitude pastoral de Jesus e da Igreja (6,30-44). A Igreja é convocada para o serviço. Não pode se desentender dos problemas humanos. A partir de Deus procura respostas de vida por meio da partilha, do amor solidário... e contando sempre com a força de Deus. 3.4.O segredo messiânico. É um detalhe muito típico de Marcos. Jesus insiste constantemente em que ninguém proclame que ele seja o Messias. Porque a verdadeira natureza do Messias se manifesta na cruz e ressurreição. (1,44-45; 5,43; 7,36; 8,26) 3.5.O conflito faz parte do Evangelho (3,1-6). Jesus traz uma novidade que transforma a vida das pessoas e da sociedade. É lógico que não se trata de uma imposição mas de uma proposta livre. Só que mexe profundamente na história humana. Fere interesses e privilégios. 3.6. Combate o mal na raiz (2,1-12). Jesus não vem simplesmente para resolver os problemas humanos... mas sim para trazer um caminho de vida original e responsável para todo ser humano. Jesus cura a partir da raiz dos problemas, limpa na origem do mal, resolve na causa dos conflitos e sofrimentos humanos. 65 TEMA 22: EVANGELHO DE MATEUS 1- ASPECTOS GERAIS: Como era a comunidade de Mateus? Uma comunidade de judeus – cristãos. Provavelmente de Antioquia da Síria. Os judeus esperavam um Messias que viesse realizar as promessas do Antigo Testamento. É por isso que o Evangelho de Mateus traz mais de 130 citações do Antigo Testamento apresentando sempre Jesus como o Messias enviado por Deus que cumpre as promessas feitas aos pais. Trata também de problemas especificamente judeus como é a espiritualidade da esmola-jejum-oração, que era um assunto em debate entre os judeus na época de Jesus. Uma comunidade em conflito com o judaísmo oficial. (Mateus 20,1-16; 23). Neste Evangelho é onde Jesus aparece mais vezes discutindo com os fariseus. Estes entendiam a salvação como um pagamento que Deus tinha obrigação de dar àqueles que observavam fielmente a Lei. Jesus insiste em que a salvação é gratuita, obra da misericórdia de Deus. É a partir do amor de Deus que o ser humano é chamado a amar como Deus em resposta a tantos dons recebidos. Uma comunidade judaica cristã que se abriu aos pagãos. É um evangelho universal. Não como Lucas, que já nasceu universal porque quase todos eram cristãos que vinham do paganismo. Mateus, porém, a partir da prática e das palavras de Jesus foi se fazendo universal. A Lei de Moisés tem suma importância mas é interpretada desde a ótica espiritual de Jesus. A Igreja, para Mateus, é o novo Povo de Deus que substitui ao antigo Israel. (21,41-43). A mesma região da Galileia, que sociologicamente apresenta maior mistura de judeus e pagãos, se torna um símbolo da Igreja de Jesus Cristo (4,15), mais do que a Jerusalém que representa o judaísmo fechado e que rejeita a Jesus (2,1-12). Uma comunidade que adora o seu Senhor Jesus Cristo. No Evangelho de Mateus por trás do Jesus Histórico que é apresentado se encontra sempre o Senhor Ressuscitado que vive na comunidade. “Eis que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo” (28,20). A sogra de Pedro (8,14-15) representa os cristãos que pelo batismo são ressuscitados a uma vida nova para servir ao Senhor Jesus. A tempestade acalmada simboliza a Igreja que por ser fiel a Jesus é perseguida... mas encontra sempre a paz na presença de Cristo dentro dela ((8,23-27). Uma comunidade que conhece tensões e conflitos internos. É inevitável. Parece difícil perdoar o irmão 7 vezes... e deve-se perdoar 70 vezes 7 vezes! (18,21-22). No capítulo 18 de Mateus aparecem as atitudes principais para uma vida de comunidade cristã verdadeira: misericórdia e perdão. Uma comunidade que ainda não é o Reino. A Igreja é semente do Reino mas não tem o monopólio do Reino de Deus. A comunidade de Jesus é uma referência necessária do Reino que se coloca a serviço para transformar o mundo velho em mundo novo, de acordo com o plano de Deus. 66 2- UM ESQUEMA DO EVANGELHO DE SÃO MATEUS 2.1. Prólogo: O mistério de Jesus (1-2) PRIMEIRA PARTE: JESUS PROCLAMA O REINO DE DEUS (3,1-13,52) 2.2. Deus Pai proclama Jesus como seu Filho amado. Tentações no deserto. (3-4) 2.3. O Reino de Deus está no meio de nós. - com as palavras de Jesus (5-7). Discurso da Montanha. - com as obras de Jesus (8-9) 2.4. Atitudes do missionário que anuncia o Reino - teóricas - discurso missionário- (10) - práticas –Jesus é exemplo de missionário- (11-12) 2.5. Atitudes de quem escuta o anúncio: o mistério da opção pelo Reino - discurso sobre o mistério do Reino de Deus. Sete parábolas (13,1-52) SEGUNDA PARTE: O REINO É CAMINHO DE PAIXÃO E GLÓRIA (13,53-28,20) 2.6. Jesus prepara os discípulos (13,53-16,12) 2.7. A comunidade de fé em Jesus (16, 13-17,27). A Igreja é sinal visível do Reino 2.8. O discurso sobre Igreja: Semente do Reino (18) 2.9. Conselhos práticos para os discípulos (19-20) 2.10. Conflito de Jesus em Jerusalém (21-23). 2.11. O discurso sobre a relação da Igreja com o mundo (24-25). O Reino de Deus enfrenta conflitos. 2.12. Paixão e morte de Jesus (26-27) 2.13. Ressurreição de Jesus (28) 3- ESTUDO DE TEXTOS ESCOLHIDOS (LER E COMENTAR JUNTOS) 3.1. Bem-aventuranças. (5,1-16) 3.2. A fé é uma prática de vida. (7,21-23) 3.3. Os pobres evangelizam. (11,25-30) 3.4. As parábolas do Reino. (13, 44-45) 3.5. O cristão é seguidor de Jesus. (16,13-28) 3.6. O centro da comunidade é o menor. (18,1-5) 3.7. Na vida de comunidade é preciso perdoar sem limites. (18,21-35) 3.8. Os dons recebidos são para servir o próximo. (20, 17-28) 3.9. A Lei de Deus é o amor. (22,34-40) 3.10. Seremos julgados pelo amor aos mais pobres. (25,31-46) 3.11. A Última Ceia: instituição da eucaristia. (26, 26-29) 3.12. A oração de Getsêmani. (26,36-46). 3.13. A morte de Jesus. (27, 45-56) 3.14. Jesus ressuscitado sai ao encontro dos discípulos. (28,1-10) 3.15. Os discípulos continuam a missão de Jesus de anunciar o Reino. (28,16-20) “Eis que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo” (28,20b) 67 TEMA 23: EVANGELHO DE LUCAS 1. QUEM É LUCAS? "Lucas nasceu em Antioquia e exerceu a profissão de médico (Cl.4,14). Depois da conversão, esteve a serviço de Paulo (Fm.24; 2Tm.4,11; At. 16,10-17; 20-21; 28) e encontrou-se provavelmente a seu lado em seus últimos dias (2Tim.4,11). Sua origem grega, sua procedência do paganismo e a colaboração com a obra apostólica de Paulo aparecem sob muitos aspectos em toda ação evangelizadora e nos escritos de Paulo. O Evangelho de Lucas tem como tema fundamental a admissão de todos os povos à salvação ( Lc.3,6;7,1-9; 13,28-30;etc.) e a participação no Reino de Deus de todas as categorias de pessoas que a antiga Lei excluía do culto: os pobres, os pecadores, os fracos, as mulheres, os pagãos (Lc.5,29-32; 7,36-50; 8,1-3; 10,21-22). É todo um "alegre anúncio" de que Jesus é o Salvador, todo bondade, misericórdia, doçura, alegria. Sua vida e ministério são apresentados como uma "viagem" de subida a Jerusalém, ao Calvário, à glória. Os Atos dos Apóstolos são para Lucas uma "história-anúncio" da Igreja missionária no mundo, sob o poderosos influxo do Espírito Santo. Narra ele em círculos concêntricos a difusão da mensagem e do mistério de Cristo por obra dos Apóstolos, discípulos, diáconos e fiéis, apresentando primeiro a Igreja de Jerusalém, depois as primeiras missões na Palestina e circunvizinhanças, e enfim as grandes viagens apostólicas de Paulo". Lucas não conheceu diretamente a Jesus de Nazaré, mas viveu na mesma época, conheceu as primeiras comunidades cristãs: em Jerusalém, Antioquia, Roma, etc. das quais foi membro ativo e missionário, acompanhando a Paulo. Conheceu os apóstolos de Jesus e muitos dos seus discípulos. Pesquisou os acontecimentos da vida de Jesus e das primeiras comunidades cristãs (Lc.1,1-4). Escreveu o Evangelho e os Atos como uma obra de testemunho em duas partes: a ação do Espírito Santo em Jesus de Nazaré, o Senhor e Filho de Deus (Evangelho) ; a ação do Espírito Santo na Igreja (Atos dos Apóstolos), testemunha de Jesus Cristo que continua sua obra. Ele é uma pessoa culta (escreve um grego elegante) e delicada. Descreve os seus "heróis" (Pedro, Paulo, os apóstolos e primeiros cristãos) com simpatia, suavizando seus defeitos. Por exemplo, após da Última Ceia, os discípulos dormiam por causa da tristeza; quando Jesus ressuscitou os discípulos tinham dificuldade para acreditar por causa da alegria; etc. Escreveu sua obra, aproximadamente, entre os anos 80 a 90. 2. PARA QUEM ESCREVEU? Para as comunidades cristãs que viviam fora da Palestina , tinham uma cultura grega e viviam espalhadas pelo Império Romano. A maioria eram cristãos que provinham do paganismo. A intenção de Lucas é comunicar a fé dos Apóstolos na mentalidade dessas comunidades, para que compreendam melhor o significado da vida e mensagem de Jesus. Por exemplo, o título de Senhor era utilizado no império romano para falar do imperador; para Lucas só Jesus é o Senhor. Não fala muito de Messias, que era um título judeu e não pagão; ele utiliza o título de Salvador, que é mais universal. O Antigo Testamento não era tão conhecido pelas comunidades de origem pagã, por isso Lucas não faz tantas citações das Escrituras como Mateus, que escreveu para cristãos que provinham do judaísmo. Lucas descreve muito bem as comunidades cristãs como nascidas da acolhida da Palavra e do Espírito Santo. Superando as dificuldades de línguas, raças, culturas, distâncias, etc. a mensagem de Jesus vai se espalhando pelo mundo conhecido daquela época: primeiro em Jerusalém, depois em Antioquia, mais tarde em Roma, cidade principal do mundo naqueles séculos. Lucas combina muito bem o amor à tradição: as primeiras comunidades cristãs, que eram de origem judeu, e a obediência ao Espírito Santo. Mas sabendo que o Espírito Santo continua a obra de Jesus, Lucas dá valor fundamental às testemunhas oculares da vida de Jesus. As comunidades às quais Lucas escreve vivem a fé na cultura deles e, ao mesmo tempo, ligados à tradição comum do cristianismo que é simbolizada pela Igreja Primitiva de Jerusalém e 68 representada pelos Apóstolos. Para Lucas (e também para os primeiros cristãos) é importante manter a unidade universal da Igreja e, ao mesmo tempo, respeitar a inculturação da fé de cada povo. Esta é uma das mensagens principais do texto de Pentecostes. Comunhão da mesma fé, na linguagem do amor, na diversidade das línguas e povos da terra. 3. ESQUEMA DO EVANGELHO + Nascimento de Jesus Alegria do povo simples (Lc.1-2) + Preparação do ministério de Jesus “O povo estava esperando o Messias” (Lc.3,1-4,13) + Ministério de Jesus na Galiléia O Reino de Deus está presente por meio de Jesus (Lc.4,14-9,50) + A subida para Jerusalém Não é fácil ser cristão: renunciar e carregar a cruz (Lc.9,51-19,27) + Ministério de Jesus em Jerusalém Os interesses do poder não acolhem a proposta de Deus (Lc.19,28-21,38) + A Paixão Aparentemente o pecado vence sobre o amor(Lc.22,1-23,53) + Após a Ressurreição O amor de Deus é superior aos pecados dos homens. (Lc.24,1-24,53) 4. ESTUDO DE TEXTOS ESCOLHIDOS (LER E COMENTAR JUNTOS) - Anunciação-Visitação-Magníficat. (1,26-56) Nascimento de Jesus (2,1-20) Programa da missão de Jesus. (4,14-21) A misericórdia supera a Lei (7, 36-8,3) Ser cristão é uma opção radical de vida. (9,18-27) O mandamento principal (10, 25-37) O valor da oração (10,38-11,13) A misericórdia de Deus. (15) A opção pelos pobres abre o caminho do céu. (16,19-31) Um exemplo de conversão (19,1-10) Jesus entra em Jerusalém: o conflito. (19,29-44) A eucaristia: comunhão e missão (22,14-30) A morte de Jesus (23,39-49) Jesus ressuscitado caminha com seus discípulos (24, 13-35) A Ascensão do Senhor. (24, 44-53) O Evangelho de Lucas e o Livro dos Atos é uma obra em duas partes: O Espírito Santo orienta Jesus até Jerusalém. O mesmo Espírito conduz testemunhas de Cristo até Roma. A Boa Nova da misericórdia de Deus é oferecida a todos os povos por meio de Jesus Cristo e da sua Igreja. 69 TEMA 24: EVANGELHO DE JOÃO 1- ASPECTOS GERAIS Autor e motivação do escrito. “Este é o discípulo que deu testemunho dessas coisas e que as escreveu. E nós sabemos que o seu testemunho é verdadeiro. Jesus fez ainda muitas outras coisas. Se fossem escritas uma por uma, penso que não caberiam no mundo os livros que seriam escritos” (21,24-25). “Jesus realizou diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes sinais foram escritos para que vocês acreditem que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. E para que, acreditando, vocês tenham a vida em seu nome” (20, 30-31). Implicitamente, no primeiro texto citado, se aceitam redações sobre o primeiro relato que teria sido escrito pelo “discípulo amado”. Todos sempre acreditaram que fosse João, irmão de Tiago, filhos do Zebedeu. O testemunho mais válido vem de Santo Ireneu, bispo de Lião, que no ano 180 declara que o autor do quarto evangelho é João, o discípulo do Senhor, aquele que repousou sua cabeça no lado de Jesus. Diz ainda que escreveu o Evangelho em Efeso. Ireneu foi discípulo de Policarpo, bispo de Esmirna, que conheceu diretamente a João e escutou suas pregações. Ireneu afirma que foi Policarpo quem sempre dizia ser João o autor do quarto evangelho. É claro que João seria o autor do que é a base do atual evangelho, que foi completada por discípulos. Mas já no final do século I estava redigido inteiramente este livro. 1.2. O estilo e a comunidade de João O estilo deste evangelho é o mais oriental de todos. Não tem uma redação lineal, do princípio ao fim, mas em forma de espira, bem do gosto oriental, voltando uma e outra vez sobre o tema central mas sem repetir, aprofundando cada vez mais. É por isso o Evangelho que se apresenta como o mais misterioso e místico. Desde a primeira até a última palavra não esconde o significado da pessoa de Jesus de Nazaré: Ele é o Filho de Deus, o Cristo, o Messias. O Evangelho de João é o mais rico em títulos sobre o mistério de Jesus. O objetivo é fundamentar e fortalecer a fé em Jesus Cristo, para que acreditando nele tenhamos a vida eterna. A comunidade de João está formada por judeus cristãos que se sentem excluídos pelo judaísmo oficial. Depois da destruição de Jerusalém o judaísmo ficou nas mãos dos fariseus que tomaram a decisão de excluir os cristãos da sinagoga. Isto foi um choque para muitos cristãos judeus que amavam as tradições do seu povo. O Evangelho vem reforçar a opção por Jesus Cristo, o único que salva, quem também encontrou oposição ferrenha da parte dos fariseus. Existem também outros problemas como era a presença de seitas gnósticas. Eles valorizavam o conhecimento filosófico e se achavam superiores aos outros porque passavam os segredos dos seus conhecimentos aos seus alunos de forma progressiva. Só poderiam se salvar aqueles que participassem das reuniões segredas da seita e fossem assimilando os conhecimentos misteriosos do grupo. Achavam que a salvação dependia do conhecimento. Desprezavam a comunidade do povo achando que era uma massa sem formação nem conhecimentos. O Evangelho de João revela o mistério de Jesus Cristo de forma aberta, sem esconder nada. (“Eu não chamo vocês de empregados, pois o empregado não sabe o que seu patrão faz; eu chamo vocês de amigos, porque eu comuniquei a vocês tudo o que ouvi de meu Pai” – 15,15). Jesus está ao alcance de todos pela fé, representando uma proposta de vida aberta para todos. “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (14, 6). 70 2- ESQUEMA DO EVANGELHO 2.1. Prólogo 2.2. Livro dos Sinais 2.3. Livro da Glória 2.5. Apêndice 1,1-18 1,19-12 (Sete sinais –milagres- e grandes discursos) 13-20 (na hora da cruz se manifesta a glória de Jesus) 21 3- TEXTOS ESCOLHIDOS 3.1. O Prólogo de João (1,1-18) Desde o começo se apresenta a Jesus de Nazaré como o Filho Eterno do Pai, a Palavra pela qual tudo foi feito. O Prólogo apresenta todos os temas que depois serão desenvolvidos ao longo do Evangelho: Ele é a Palavra, a Luz, a Vida, o Amor. João Batista é apresentado como aquele que orienta os discípulos para Jesus. Existiam grupos de seguidores de João Batista ainda naquela época dos anos 90. São grupos judeus muito próximos aos cristãos. A comunidade de João quer atrair estes grupos para o cristianismo. 3.2. A nova criação (a “semana” de Jesus) (1,35-51) No Livro dos Sinais João apresenta sete “milagres” que são sinais para despertar a fé em Jesus. Neste Livro se narra a missão evangelizadora de Jesus com o povo. Desde o princípio Jesus aparece acompanhado dos discípulos. O importante para ser discípulo é conhecer Jesus desde dentro, convivendo com Ele. Os discípulos perguntam: “Mestre, onde moras?”. Jesus responde: “Vinde e vede”. Nas perguntas e respostas nos diálogos que acontecem com Jesus existem quase sempre estes dois planos: o humano e o divino. Jesus sempre nos leva para o plano de Deus. Cada discípulo é diferente e Jesus conhece como é cada um, faz um trabalho específico com cada um. 3.3. A Nova Aliança. (2,1-12). Ao terceiro dia: o dia da vinda do Messias, da plenitude do Reino. A ressurreição. As bodas de Canã representam a aliança nova entre Deus e a humanidade. O vinho novo é Jesus e o seu Evangelho, a sua proposta de vida. O plano humano, que é o vinho velho, se perdeu pelo pecado... não tem mais festa! Jesus transforma a água dos nossos fracassos no vinho novo da alegria que o amor de Deus traz para o mundo. 3.4. O batismo é vida nova (3,1-21) O plano humano gosta da noite por medo da luz que revela os pecados. Para acolher a vida nova que vem de Deus é preciso “nascer de novo” (batismo), quer dizer, renunciar a si e deixar que o Espírito oriente a vida da gente. Jesus traz para o mundo a luz que os homens precisam: a salvação, não a condenação. Mas é preciso tomar uma atitude, uma decisão. Não se pode ficar em cima do muro perante o Evangelho. 3.5. A fé é um processo pessoal que deriva em testemunho (4,1-42). O ser humano funciona no nível dos preconceitos e barreiras sociais. A mulher samaritana é vítima de discriminação: por ser samaritana e por ser mulher. Jesus tem um jeito novo de se relacionar com as pessoas, a partir do coração de Deus. E Ele vai curando as feridas e quebrando as dificuldades até conseguir abrir os corações para o amor de Deus, para a Boa Nova de um mundo novo que já está acontecendo. Sempre em diálogo e respeitando a dinâmica e a liberdade de cada um. A fé se inicia pelo testemunho dos outros... mas precisa ser pessoal, se fundamentar na experiência de cada um. 3.6. Jesus, enviado pelo Pai, é Palavra de Vida para todos. (5,19-30) O Evangelho de João é quem mais aprofunda na ligação que existe entre Deus Pai e Jesus. Este é o Filho enviado ao mundo por amor à humanidade. Quem escuta a palavra de Jesus tem a vida eterna. A palavra tem poder de suscitar vida no coração humano. Os mortos significam a humanidade morta pelo pecado, amarrada ao homem velho. A palavra, já nesta terra, ressuscita para uma vida nova, para fazer acontecer entre as pessoas humanas o jeito novo de Deus. 3.7. Jesus é o pão de Deus para alimentar a humanidade (6, 35-71). 71 Novamente os homens agem por motivações materiais, num plano fechado nas realidades palpáveis. Jesus apresenta outro plano mais profundo e superior que tem poder de trazer a felicidade ao mundo. Estabelece-se um diálogo de fé que vem aprofundar o significado de quem é o Messias esperado. Jesus provoca uma crise no povo em relação à sua missão. Da crise nasce a Igreja, a comunidade da fé daqueles que acreditam e acolhem Jesus Cristo como Filho de Deus, como aquele que vale a pena de ser amado por cima de tudo e de todos, de ser obedecido e seguido com o único que tem Palavras de Vida Eterna. 3.8. Jesus é a fonte de água viva para saciar a sede da humanidade. (7, 37-53) Outra vez o conflito entre as autoridades judaicas e Jesus. As autoridades preocupadas com o plano material (de onde viria o Messias, humanamente). O povo simples acredita mais facilmente porque não tem tantos interesses egoístas para preservar. A proposta de Jesus ameaça, moralmente, os privilégios dos poderosos. Estes se resistem a aceitar a palavra, querem controlar a religião, a política, a economia... para não abrir mão dos seus interesses. Nicodemos arrisca em favor de Jesus... e é criticado! 3.9. Só o amor de Deus transforma o coração das pessoas. A Lei de Moisés é usada, indevidamente, para oprimir o povo. Jesus vem trazer a misericórdia do Pai. Amor e perdão sem limites. Só o amor pode transformar as pessoas. É a sede de felicidade que, muitas vezes, de forma errada, induz o ser humano a pecar. Deus não condena mas sente dor do pecador, primeira vítima das suas falhas. O perdão de Deus possibilita uma vida nova mais livre e feliz. 3.10. A verdade vos libertará (8, 31-38) Novo confronto com as autoridades: verdade contra mentira. O pecado vem do inimigo, que é sempre mentiroso. Apresenta-se sempre com aparência de verdade, de bem, mas ele é o pior enganador, confundindo a humanidade e desviando-a do caminho de Deus. Só Jesus pode nos libertar do mal. Precisamos escutar e obedecer a palavra dele. 3.11. Jesus é a luz do mundo. (9) Este texto do cego de nascença é muito significativo (como o da Samaritana) porque é um modelo de fé para todos os cristãos. Todos somos cegos de nascença, porque por nós mesmos não podemos contemplar nem compreender as coisas de Deus. Necessitamos que Jesus venha fazer um processo conosco, um trabalho demorado. O cego aos poucos vai compreendo quem é Jesus na vida dele e o que significa ver de novo. Até chegar ao momento principal no qual ele adora Jesus e vê com clareza qual é o significado da história humana. Esquema: Jesus e o povo (visão ingênua, da tradição) Jesus e o cego O cego e os fariseus Os fariseus e a família O cego e os fariseus Jesus e o cego Jesus e o povo (tem que escolher: com Jesus ou contra) 3.12. Jesus é o Bom Pastor (10,1-30) Outro conflito com as autoridades. Quem devia ser pastor é lobo para se aproveitar do povo e Jesus retoma a alegoria de Zacarias sobre os maus pastores do povo. Só que Jesus orienta a reflexão pelo lado positivo: o Bom Pastor. É Ele quem enviado pelo Pai vem trazer Vida em abundância para todos. 3.13. Jesus é a Ressurreição e a Vida (11,1-44) A maior parte do povo acreditava na ressurreição do último dia. Seria no final dos tempos. Os corpos dos falecidos ressuscitariam para viver aqui na terra, só que sem dor nem morte. Jesus nos oferece uma perspectiva diferente. A ressurreição não consiste num lugar mas num jeito de viver que se inicia com Ele. Nova forma de vida que começando limitadamente nesta terra continua depois da morte pela eternidade. As palavras de Jesus respondendo a Marta são bem 72 eloqüentes: “Eu sou a ressurreição e a vida, quem crê em mim, mesmo que morra, viverá”. 3.14. Jesus é ungido para a sepultura. (12,1-11) No meio do drama de Jesus em Jerusalém, onde tudo parece hostil e em conflito, quando um dos doze está traindo por dinheiro... aparece uma mulher, Maria, com um gesto de ternura e consolação. Jesus aceita com amor aquele detalhe e defende a mulher perante os “críticos” mesquinhos que sempre costuma ter. 3.15. A mística do cristão (12, 20-36) Chegou a hora da glória de Jesus! Parece contradição, porque a glória no evangelho de João acontece na cruz. É como o grão de trigo que precisa cair por terra e morrer para produzir fruto. É assim na vida do cristão: quem quer salvar a vida a perde e quem a entrega por Jesus e pelo Evangelho a salva. Jesus aceita com consciência lúcida e com paz. A alusão à oração de Getsêmani e a Transfiguração aparecem juntas em João: na aceitação humana do plano de Deus acontece a manifestação da glória divina. 3.16. Participar na comunidade é servir (13,1-17) Na segunda parte do Evangelho, o Livro da Glória, se apresenta também a vida da Igreja, o Pentecostes de João. Começando esta Segunda Parte do Evangelho de João que fala da vida da Igreja, Jesus coloca a atitude primeira, a mais importante: servir. O cristão se engaja no caminho de Jesus para servir o seu próximo. 3.17. Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida (14,1-14) Jesus revela o mistério da vida e da morte, o plano de Deus para todos, a dignidade e o destino final dos seres humanos. São palavras solenes e que não deixam dúvidas em relação à missão de Jesus Cristo. Ele não é simplesmente mais um rabino que ensina opiniões ou teorias. Ele é a revelação plena de Deus. 3.18. A espiritualidade do cristão (15,1-17) Sozinhos nada podemos fazer. Os valores do mundo são contrários aos valores de Deus. A palavra mundo em João não é a natureza, a história humana, a sociedade. Mundo aqui se refere a tudo que vai contra o projeto do Pai. Assim o cristão, se não permanecer unido a Jesus perecerá. A Nova Aliança oferece também uma Nova Lei: o mandamento do amor. Amar como Jesus amou. O cristão é escolhido por Jesus para testemunhar o Evangelho perante os homens. Assim como O Pai enviou Jesus agora é Ele quem escolhe e envia seus discípulos para produzir frutos (amor, vida nova) 3.19. O Espírito Santo continua no lugar de Jesus (16, 5-15). Na hora da despedida Jesus percebe a tristeza dos discípulos. Humanamente a perda é muito grande, a presença de Jesus enchia todo o coração dos discípulos... Jesus revela que na vida da fé as perdas são oportunidade de amadurecer, de crescer na fé. O Espírito continua a obra de Jesus mas de forma diferente: agora os protagonistas aparentes serão os próprios discípulos. As tristezas e alegrias fazem parte da vida mas existe uma presença real mas misteriosa, eficaz mas oculta que orienta e anima a seguir os caminhos do Senhor... é o Espírito Santo. 3.20. A oração de Jesus intercedendo pelos discípulos (17) Não é só naquele momento da Ceia que Jesus ora intercedendo pelos seus discípulos. É a oração universal e eterna que hoje também está acontecendo. É nesta oração de Jesus que se fundamenta a confiança da Igreja. Jesus não pede ao Pai que nos poupe das dificuldades e problemas, dos sofrimentos e conflitos. Pede que em toda circunstância sejamos livres do mal. Assim, tudo aproveita para o bem daqueles que Deus ama (Paulo, na Carta aos Romanos 8). 3.21. Jesus entrega sua vida livremente (18,1-9) É no evangelho de João onde aparece Jesus como o dono da situação em todo momento, também na hora trágica da prisão, julgamento e paixão. Isto fica bem claro. É o Jesus Rei, Senhor, Deus. Livre até o final. 3.22. Jesus é levantado no alto como sinal de vida (19, 16-30) 73 Pilatos, apesar do seu poder, está amarrado. Os judeus (os chefes do povo) estão prisioneiros das suas tradições e preconceitos. Jesus, contra toda aparência humana, é livre, dono de si. Entrega sua vida por amor ao Pai e aos irmãos. A herança de Jesus é a Igreja (sua mãe) e os discípulos amados. Um toma conta do outro: a Igreja dos discípulos e cada discípulo da Igreja. Sua morte é gloriosa, de entrega total ao Pai por amor. Na sua morte Jesus ressuscita e volta para o Pai, para a glória divina que sempre teve e que renunciou por amor à humanidade, em obediência ao Pai. 3.23. Jesus ressuscitado traz vida nova aos discípulos (20) A situação dos discípulos no início dos relatos é a situação da humanidade amarrada por circunstâncias de tristeza e de morte. A presença de Jesus transforma o coração dos discípulos trazendo vida e alegria. A experiência de encontro com Jesus ressuscitado é pessoal e comunitária: uma leva para a outra, são inseparáveis. Estes encontros representam a vida de fé de todos os cristãos. Todos somos chamados a experimentar, na fé, a riqueza humana e espiritual destes encontros de vida com o Senhor. Ele traz a paz e a coragem, a abertura e o amor. Os discípulos são sempre animados ao testemunho, a continuar a obra de Jesus na força do Espírito Santo. É deste jeito que Jesus continua sua obra no mundo por meio dos seus discípulos que agem inspirados pelo Espírito Santo. É assim que o Pai é glorificado quando os homens compreendem e acolhem o seu projeto de Vida digna para todos. 3.24. O responsável pela comunidade precisa amar muito (21, 15-25) “Pedro, me amas mais do que estes?” Não é fácil! Pedro se reconhece pecador e limitado. Aceita, porém, a responsabilidade que o Senhor lhe confia. Não pode esquecer jamais que na essência da sua missão se encontra o dom superior do amor. O responsável pela comunidade representa a Jesus Cristo, atualiza a presença de Jesus Bom Pastor no meio do povo e para servir o Povo de Deus. 4- PRIMEIRA CARTA DE JOÃO “Aquilo que existia desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos e o que nossas mãos apalparam: falamos da Palavra, que é a Vida. Porque a Vida se manifestou, nós a vimos, dela damos testemunho, e lhes anunciamos a Vida Eterna. Ela estava voltada para o Pai e se manifestou a nós. Isso que vimos e ouvimos, nós agora o anunciamos a vocês, para que vocês estejam em comunhão conosco. E a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo. Essas coisas, escrevemos para vocês, a fim de que a nossa alegria seja completa” (1João 1,1-4). A relação com o Evangelho de João é muito grande, produzido nas mesmas comunidades chamadas de João, embora o autor material deve ser alguém diferente, devido a detalhes no estilo literário. O motivo da carta é semelhante aos motivos que Paulo tinha para escrever às comunidades que fundou. Para responder a problemas que apareciam com a finalidade de fortalecer a fé em Deus e o amor aos irmãos. Os temas da Carta que aparecem no Evangelho: As dificuldades da comunidade de João (2,3-11; 2,18-27) Pessoas que acham que é suficiente saber mais ou falar melhor do que os outros. A relação de amor com o próximo é a garantia de uma fé sadia. Pessoas que não aceitam Jesus como Deus. Achavam que era um profeta, o mais importante, mas só um homem. Critérios para caminhar na Verdade (4, 1-6) Reconhecer que Jesus é o Filho de Deus que se fez homem (encarnação). Resposta aos problemas: Amar a Deus e ao irmão (3,1-20; 4,7-21) É preciso entender que ainda não estava definida na Igreja a doutrina da fé e por isso as seitas aproveitavam para criar confusão na comunidade. As lideranças das primeiras comunidades tiveram que lidar com estes problemas que dividiam o Povo de Deus. A solução vem sempre da fé anunciada pelos Apóstolos que nos trazem a garantia de estarmos em comunhão com Jesus Cristo e com Deus Pai. 74 TEMA 25: APOCALIPSE DE JOÃO O livro do Apocalipse de São João é o último dos escritos que encontramos na Bíblia. Não é fácil a sua compreensão, devido aos símbolos e à linguagem especial que apresenta. Nós não estamos acostumados a esse jeito de expressar as coisas. Mas na época em que foi escrito gostavam desse estilo cheio de imagens e comparações. Mesmo sendo difícil de se entender faz parte da Bíblia e traz para nós uma Palavra de Deus que devemos saber descobrir interpretando bem o seu conteúdo para a nossa vida atual. É claro que a leitura deste livro é complicada. Sempre precisamos da luz do Espírito Santo para compreender a Palavra de Deus contido na Bíblia. E, também, precisamos compreender o contexto humano, a situação histórica, a época e o estilo literário que envolve o texto sagrado. É assim com todos os livros bíblicos. Com o Livro do Apocalipse ainda mais, por se tratar de um estilo literário bem diferente aos que nós hoje estamos acostumados. Uma outra dificuldade vem também por parte de pessoas ou grupos, em geral de outras igrejas , que interpretam o conteúdo do Apocalipse totalmente fora do contexto no qual foi escrito, sem ter nada a ver com a mensagem que Deus quer passar para nós. São pessoas que pregam mais o medo do que o amor de Deus, manipulam os sinais do Apocalipse e criam confusão nas consciências de boa vontade. Vamos procurar conhecer melhor este livro, para conhecer melhor a Palavra de Deus. O livro do Apocalipse não se entende ele sozinho, mas está ligado com o resto da Bíblia, principalmente com os Evangelhos de Jesus Cristo. 1- ASPECTOS GERAIS 1.1. Situação Histórica: O Livro do Apocalipse foi escrito após as perseguições contra os cristãos dos anos 64 (imperador Nero) e 95 (imperador Domiciano). A Igreja estava espalhada pelas principais cidades do Império Romano, porque a evangelização das primeiras comunidades foi muito positiva. Em tempos de Nero (ano 64) a perseguição aconteceu principalmente na cidade de Roma, quando o imperador mandou queimar a cidade e culpou aos cristãos. Morreram muitos mártires, entre os quais Pedro e Paulo. A perseguição de Domiciano foi cruel, mais ideológica. No ano 95 mandou colocar estátuas dele nas principais cidades do império para serem adoradas como deus, pretendendo unificar um império tão extenso por meio de uma ideologia única e sagrada sobre o poder político. Os cristãos se recusaram e foram perseguidos. O autor do Apocalipse, o Presbítero João, liderança da comunidade de Éfeso, foi exilado na ilha chamada de Patmos. De lá escreveu às comunidades cristãs uma mensagem de esperança, de resistência e de perseverança na fé. A maioria dos cristãos das primeiras comunidades já tinha falecido. Ficava ainda o Apóstolo João, muito idoso. O autor do Apocalipse, também chamado João, quer nos dizer que a fé é resistência perante os poderosos deste mundo. Deus é maior do que todos os reis e poderosos da terra. Outro objetivo do livro é defender as comunidades contra a agressão das seitas (nicolaítas, gnósticos, etc.) que criavam confusão e dividiam o povo. As seitas, infelizmente, existem desde os primeiros anos da Igreja. Já o próprio São Paulo criticava as seitas, os grupos que, se chamando de cristãos, se separam da comunidade e se acham donos da verdade condenando aos que não pensam como eles. O Apocalipse bate duro nas seitas, porque atrapalham a caminhada fiel do Povo de Deus e desviam a atenção sobre os verdadeiros problemas humanos. Outra dificuldade interna consistia na existência de cristãos desanimados ou acomodados que perderam o entusiasmo primeiro da fé. O Apocalipse quer animar, converter, dar força aos cristãos perseguidos ou desanimados. “Devo reprovar-te, contudo, por teres abandonado teu primeiro amor. Recordate, pois, de onde caíste, converte-te e retoma a conduta de outrora” (Ap. 2,4-5). Naquelas perseguições muitos cristãos perdiam as terras, as casas, o emprego... às vezes, a própria vida. A Igreja ainda lembra muitos exemplos de mártires daquela época. O mártir é o cristão que mais se assemelha com Jesus Cristo, o maior dos mártires. Poucos anos depois de se escrever o Apocalipse, no ano 107, perto da região onde se escrevera, morreu mártir um grande bispo dos 75 primeiros cristãos: Ignácio de Antioquia. São Policarpo, bispo de Esmirna, uma das Igrejas que recebeu uma mensagem direta do Apocalipse, conheceu o Apóstolo João, foi parente de alguns dos discípulos de Jesus e também morreu mártir no ano 155. 1.2. Significado dos símbolos. Quando a gente vive uma experiência de vida muito forte (como por exemplo a morte inesperada de um ser querido, uma catástrofe, etc.) as palavras não sabem expressar o que o coração está sentindo. A gente utiliza símbolos, imagens, gestos... para manifestar uma mensagem de solidariedade, de apoio, de confiança. O Apocalipse de São João foi também escrito num momento muito difícil de perseguição, torturas e martírios. A situação estava tão apertada que parecia não existir saída para a Igreja: aparentemente tudo estava contra, não havia esperança aos olhos humanos. Mas para Deus tudo é diferente, Ele é o Senhor da história e da vida. O Livro do Apocalipse quer nos trazer uma palavra de esperança contra toda esperança humana. Utiliza uma técnica especial, inspirada em livros do Antigo Testamento como Ezequiel e Daniel, também escritos em época de perseguição e martírio. É como hoje também fazem alguns filmes: quando o conteúdo vai ser muito forte, no início do filme se apresentam imagens sobre como vai ser o final do protagonista, com um desenlace feliz... assim, dá para suportar as cenas nas quais ele passa por apertos que, aparentemente, não tem saída. O Povo de Deus perseguido também não tem, aparentemente, saída... e o autor apresenta imagens do final, dos santos perseguidos participando da glória feliz com seu Criador e seu Senhor, enquanto o mundo que os persegue, aparentemente cheio de poder e orgulho, cai na impotência e ruína total. Tanto os judeus como os cristãos orientais, gostavam deste tipo de livros quando eram perseguidos por governos prepotentes e estavam acostumados a compreender o seu significado, que passava desapercebido para os seus opressores. Para um oficial romano que lesse o texto, tanto o autor como o leitor deveriam estar meio doidos, malucos... mas para quem estava acostumado com a leitura dos profetas bíblicos, especialmente de Ezequiel e de Daniel, o livro trazia uma interpretação de fé perfeitamente compreensível sobre a realidade que estavam vivendo. O Apocalipse é uma palavra de consolo para os cristãos que viviam naquela época, para o presente deles. Não faz adivinhações sobre o futuro. Só que, sendo o tempo presente tão negativo para a comunidade, apresenta imagens do futuro nas quais Deus é vitorioso e partilha a sua felicidade com seus fiéis, os santos, para nos animar a sermos fiéis a Jesus Cristo em toda situação e circunstância. Apesar de toda aparência humana, Ele venceu e com Ele somos vencedores. A vitória de Jesus teve um preço: a cruz, o martírio (Cordeiro Imolado). Também nós passamos pelas nossas cruzes e sacrifícios para conseguir a vitória junto com Ele. O povo onde foi escrito o Apocalipse tem uma mentalidade oriental que gosta muito de falar com imagens, símbolos e comparações. Uma outra dificuldade vem também por parte de pessoas ou grupos, em geral de outras igrejas, que interpretam o conteúdo do Apocalipse totalmente fora do contexto no qual foi escrito, sem ter nada a ver com a mensagem que Deus quer passar para nós. São pessoas que pregam mais o medo do que o amor de Deus, manipulam os sinais do Apocalipse e criam confusão nas consciências de boa vontade. Vamos procurar conhecer melhor este livro, para conhecer melhor a Palavra de Deus. O livro do Apocalipse não se entende ele sozinho, mas está ligado com o resto da Bíblia, principalmente com os Evangelhos de Jesus Cristo. A palavra Apocalipse significa revelação: Deus nos mostra que o passado, o presente e o futuro estão nas mãos dele. O autor descreve esta verdade por meio de símbolos de cores, partes do corpo, numerais, objetos e outras comparações. Numerais: 4 significa por toda a terra (céu, terra, mar, ar), plena extensão 6 significa que parece perfeito (quase 7) mas é imperfeito, perecível, mortal 76 7 significa perfeito, pleno, eterno, total. 10 significa grande... porém limitado; parece poderoso mas é fraco. 12 representa todo o povo de Deus (as 12 tribos de Israel) l.000 quer dizer grande quantidade, período muito grande de tempo, eterno, grandíssima multidão. cores: branco significa vitória, santidade, pureza, luz, festa verde - obscuro quer dizer a cor perecível, que leva à morte, corrupção vermelho é a cor do sangue, do martírio, da doação partes do corpo: olhos: sabedoria, ciência, conhecimento chifre: poder, domínio, força asas: espírito, dinamismo, movimento 1.3. Mensagem do Apocalipse: * Só Jesus Cristo é o Senhor. Mesmo que na terra nós vemos pessoas poderosas e situações que nos dominam, um dia passarão. Nós só adoramos a Deus: Aquele que era, que é e que será. O Livro do Apocalipse é Palavra de Deus, como o próprio autor proclama no início do escrito. É muito importante para nós no sentido de equilibrar a mensagem de Paulo e Pedro em relação ao poder político. Pedro e Paulo insistem no respeito aos governantes, em ser exemplo de cidadania. É verdade, o cristão deve ser um bom cidadão. O Apocalipse nos chama a atenção sobre a corrupção do poder político. É importante ser bom cidadão, sem se deixar manipular, porém, do poder e desconfiando dos impérios humanos, que querem se situar no lugar de Deus. Só Jesus Cristo é o Senhor. (Ap.1) * Jesus chama a comunidade à conversão. Uma comunidade convertida, com fé profunda e comprometida... não tem problema que vai derrubar. O cristão precisa ser forte interiormente, a comunidade cristã também. Jesus chama à porta... partilha a sua vida com aquele que lhe abrir a porta. Nos convida a voltar ao primeiro amor da fé. (Ap.2-3) * A história pertence a Deus. Os poderosos, os ricos, os reis... acham que podem tudo. Mas são fracos, seu poder é limitado e passageiro. Só vale confiar em Deus. Não adoremos outros falsos deuses! Hoje também o mundo adora o sistema econômico do capitalismo liberal... parece dominar tudo. O cristão verdadeiro não se deixa convencer pelos dominadores da terra, serve aos pobres, a Jesus Cristo que foi pobre e morreu na cruz... Ele vive e reina para sempre. Assim também os pequenos, pobres e fracos. Vamos acreditar nele! Deus quer a salvação de todos os seres humanos. Assim como Jesus venceu nós também vencemos o pecado e a morte. A salvação de Jesus não é para uma panelinha... mas para todos. E são muitos os que aceitam a salvação de Deus. Aceitar a salvação de Deus não só de boca mas com a vida da gente, amando a todos, principalmente aos mais pobres, aos perseguidos pelas injustiças deste mundo... porque neles vive o próprio Jesus Cristo. (Ap.4-11) *A Igreja tem que assumir uma atitude perante a situação do mundo. A história pertence a Deus. Existe, porém, uma luta terrível entre o projeto de Deus e a força do mal. As conseqüências desta luta nós vemos todos os dias: guerras, fome, injustiças, menor abandonado, drogas, sistema de saúde e de ensino falidos, ódios, vinganças, assassinatos... tudo que limita ou mata a vida da humanidade. A igreja não pode ficar indiferente, tem que fazer uma opção em favor do pequeno, da vida do povo sofredor. Maria é o grande exemplo para a Igreja. Ela cuida da criança indefensa, que 77 é Jesus, que são os pobres deste mundo. A Igreja também tem que cuidar do menor, porque nele vive Jesus. Por isso vai ser perseguida... mas Deus toma conta dela. (Ap.12) * Quem é o dragão e as duas bestas? Nesta luta entre Deus e as forças do mal que dominam este mundo, o Apocalipse fala do dragão e das duas bestas. O dragão é Satanás, o demônio, o princípio do mal. Ele utiliza as duas bestas para fazer o mal na terra. A primeira besta é o poder político e econômico que dominam a terra e parecem ser os donos do mundo. A segunda besta é o poder da propaganda, dos meios de comunicação (hoje é a t.v. quando manipula e engana o povo). A segunda besta engana os seres humanos com mentiras dizendo que a primeira besta é como um deus, todopoderosa, iludindo os homens e levando pelo caminho do mal. O número da besta é 666. Naquela época cada número significava uma letra. Este número significa: César-Nero. Foi o primeiro perseguidor da Igreja. (Ap.13) * Quem é o Cordeiro Imolado? É Jesus Cristo. Ele não se deixou enganar pelo poder deste mundo, foi fiel a Deus. Foi perseguido pelo sistema social, por defender os pobres, morreu na cruz... e ressuscitou! Nos dá exemplo de luta, de coragem, de resistência, de teimosia evangélica. (Ap.1416) * Quem é a Babilônia? É o Império romano. Domina o mundo conhecido daquela época. Mandou adorar o imperador como se fosse deus. Pensa que o seu poder é total. Mata os pequenos, oprime os pobres, massacra os povos. Abandonou o projeto de Deus e abraçou o caminho da besta, do mal. É por isso considerada como a grande prostituta. Mas ela cairá, porque colocou a sua esperança na força do mal, na morte, na injustiça. Deus vence o mal. (Ap.17-20). * A utopia de Deus: VIDA FELIZ PARA TODOS. A primeira palavra de Deus é palavra de Vida (Gênesis). A última também é palavra de vida e esperança. Todos aqueles que ficam firmes, perseveram na sua fé, seguem o caminho de Jesus até o final com fidelidade encontram a recompensa em Deus. "Eis que eu faço novas todas as coisas" . A nova Jerusalém é a promessa de vida de Deus. Não haverá mais dor. Termina com a oração: "Vem Senhor Jesus" (Ap21-22). 2- ESQUEMA DO APOCALIPSE Prólogo 1,1-20 1- O presente: oportunidade de conversão - Carta à Igreja de Éfeso - Carta à Igreja de Esmirna - Carta à Igreja de Pérgamo - Carta à Igreja de Tiatira - Carta à Igreja de Sardes - Carta à Igreja de Filadélfia - Carta à Igreja de Laodicéia 2- O futuro: motivação para o presente - Deus é o Senhor da História - O projeto de Deus na história humana - A missão do Povo de Deus - Conflito: Reino de Deus e reino do mal - O Dia do Senhor Final 2-3 2,1-7 2,8-11 2,12-19 2,18-29 3,1-6 3,7-13 3,14-22 4-22 4-5 6-7 8-11 12-16 17,1-22,5 22,6-21 3- TEXTOS ESCOLHIDOS Ap.1,1-20 O Livro é uma Revelação de Jesus Cristo, Palavra de Deus. 78 Feliz quem escuta e obedece a Palavra! Ap. 3,14-22 Carta de Avaliação Comunitária. Ap. 4,1-11 A Glória pertence a Deus Ap. 7, 9-17 O triunfo dos eleitos no céu Ap.10, 8-11 O livrinho doce e amargo Ap. 11,14-18 Hino a Jesus Vencedor Ap. 12,1-17 A mulher (Maria e a Igreja) e o dragão (o inimigo) Ap. 13,1-18 o dragão e as duas bestas (o inimigo e seus aliados: o poder e a propaganda) Ap. 18,21-24 os poderes e impérios deste mundo acabam Ap. 19, 6-9 Alegria pela vitória de Jesus e da Esposa (a Igreja) Ap. 21,1-7 esperamos um céu novo e uma nova terra Ap. 22,13-21 Jesus é o Senhor da História, a Igreja e o Espírito dizem: Vem Senhor Jesus! 4- ESTRUTURA DAS CARTAS ÀS IGREJAS 4.1. Endereço. Ás sete Igrejas significa a todas as comunidades cristãs. Quem fala à Igreja: Jesus Cristo ressuscitado, por meio do Espírito Em cada carta aparece um TÍTULO diferente sobre Jesus: Aquele que tem na mão as sete estrelas. O Primeiro e o Último. Aquele que tem a espada afiada. O Filho de Deus que tem fogo nos olhos. Aquele que tem os sete espíritos de Deus. O Santo, o Verdadeiro, quem tem a chave de Davi. O Amém, a Testemunha Verdadeira, o Princípio da Criação de Deus. 4.2. Avaliação: aspectos positivos e negativos. A história é conflito, difícil, luta entre o Reino de Deus e o reino do mal. Mas o importante é a comunidade e cada cristão serem fortes interiormente. Quando a presença de Jesus Cristo é forte dentro da gente nada pode destruir a vida de Deus em nós. Nem as perseguições nem a morte. 4.3. Orientações para se fortalecer espiritualmente. Cada situação e cada comunidade tem a sua própria caminhada. O remédio é diferente para cada um, de acordo com os problemas específicos. 4.4. Advertência sobre os perigos. É muito realista. Quando a fé e o amor não estão fortes na comunidade outros valores irão tomar conta dos fiéis e a vida que oferece o Evangelho fica ameaçada. 4.5. Promessa final. É sempre uma porta aberta à esperança. Para cada comunidade tem uma promessa própria, diferente. A promessa de Jesus é inesgotável, se realiza sempre e traz VIDA NOVA ao mundo e às comunidades. Ao vencedor eu lhe darei comer da árvore da vida que está no paraíso + O vencedor ficará livre da segunda morte + Ao vencedor darei um maná escondido e uma pedrinha branca com um nome novo + Ao vencedor eu lhe darei autoridade sobre as nações. + O vencedor vestirá a roupa branca + Gravarei no vencedor o meu novo nome. + Ao vencedor darei um prêmio: vai sentar-se comigo no meu trono “Já estou chegando e batendo à porta. Quem ouvir a minha voz e me abrir a porta, eu entro em sua casa e janto com ele, e ele comigo” (3,20) 79 TEMA 26: BÍBLIA E ORAÇÃO 1. A ORAÇÃO QUE NASCE DA VIDA Nas diferentes culturas, povos e religiões, de formas bem diferentes, nos encontramos com este fato: o ser humano dialoga com Deus (com o ser supremo, com a fonte da vida...). Também o Povo de Deus orava, comunitária e individualmente. Mas é uma oração diferente, não só na forma mas no conteúdo. Na maioria das vezes o ser humano costuma rezar para pedir uma ajuda ou um favor a Deus. O Povo de Deus aprendeu a orar também com outro sentido: orar para se engajar melhor no plano de Deus, no seu projeto de vida. É isto que encontramos constantemente na Bíblia que é para nós crentes o melhor instrumento de oração. Dentro da Bíblia merece destaque especial o livro dos Salmos. É uma coleção de cânticos que acompanha toda a História da Salvação: Páscoa do Egito, Criação do homem, glórias e vitórias do povo, fracassos e perseguições, dificuldades individuais e coletivas. Recolhe o plano pessoal e o comunitário. Os Salmos são a oração do Povo de Deus, nascida da vida das pessoas. O próprio Deus nos ensina a orar por meio dos Salmos, porque nós não sabemos como falar com Deus. A oração é DIÁLOGO do ser humano com Deus. No diálogo falam duas partes. Na oração, a fala principal é de Deus. Nós também falamos para Deus, é lógico. Mais do que falar, porém, necessitamos de escutar a Palavra de Deus. Os Salmos nos ensinam a orar, o próprio Deus coloca a sua palavra em nossos lábios. Os Salmos nascem da própria história da gente e se dirigem a Deus. Na oração nós conversamos com Deus sobre a nossa própria vida. Com simplicidade de coração, com o coração aberto, com muita humildade e confiança. Os Salmos recolhem a mensagem da Bíblia em forma de oração e são para nós uma escola de oração. Nós também vivemos as experiências daquele povo: alegria e tristeza, louvor e súplica, agradecimento e esperança, oração de pedir e de se doar. Os Salmos foram escritos principalmente para serem cantados. Às vezes são pessoais, outras são comunitárias, sempre são cheias de afeto e de amor de Deus para nós e de nós para Deus. Os salmos são também uma escola de oração. Seguindo a tradição da Igreja, desde os primeiros cristãos, nós oramos os salmos desde a perspectiva de Jesus e do Evangelho. Existem diferentes classes de salmos que recolhem as diversas situações da história humana. HINOS: (8 / 19-18 / 67-66 / 100-99 / 103-102 / 122-121 / 150) São Salmos de louvor e de glória a Deus. É uma das orações mais puras porque não pede nada, não pensa em si mesmo. Oração que se orienta a Deus. O fiel ou o povo de Deus louva a Deus pelo dom da criação, pela beleza da vida, por uma libertação na própria história, etc. Alguns destes hinos eram cantados quando o povo peregrinava a Jerusalém, como se fosse em procissão. SÚPLICA: (22-21 / 51-50 / 130-129) Perante uma situação de desespero, angústia, dor, doença, incompreensão, opressão... o ser humano suplica a Deus uma ajuda. Reconhece a sua incapacidade para superar essa dificuldade e clama ao Senhor procurando auxílio. Estes salmos terminam, normalmente, com uma declaração de confiança em Deus. Época de enchente ou seca, de guerra, de injustiças, de epidemia, de fogo ou calamidades, morte de um ser querido, grave pecado cometido, perseguição, humilhação, fome, mentiras e calúnias. O povo chora a Deus nos dias de aflição. AÇÃO DE GRAÇAS: (18-17 / 66-65 / 118-117) Agradece a Deus por uma ajuda recebida. Deus se manifesta na história do povo, das pessoas, como Salvador, Libertador, trazendo vida mais feliz. Estes salmos cantam a alegria pela atuação de Deus. São cantos de esperança no futuro: se Deus está a favor do povo, tanto no passado como no presente, também esperamos que estará sempre perto de nós. 80 CANTOS DO MESSIAS REI DO POVO: (72-71 / 20-19 / 47-46 / 97-96 / 110-109) O povo, depois das promessas dos profetas que anunciam a vinda de um Messias, ungido por Deus para trazer a justiça e a paz para os pobres, canta ao Senhor sonhando e esperando esse dia em que o Messias instaurará o seu Reino nesta terra. Este anseio dos fiéis de Israel pela vinda do Messias se faz oração em forma de cântico. Às vezes, estes salmos meditam o destino desse enviado por Deus: não será tão fácil assim para Ele, não! Passará por dificuldades e perseguições, porque o pecado é poderoso e se enfrentará ao seu trabalho. Como aconteceu com os profetas de Deus também acontecerá com o seu Messias. Ele, porém, sairá vitorioso, porque o braço poderoso de Deus está com Ele. Junto com Ele, o povo também vencerá, sairá vitorioso. CONFIANÇA: (23-22 / 16-15 / 27-26 / 63-62 / 91-90 / 121-120 / 123-122 / 126-125 / 131-130). A pessoa de fé descobre que em todo momento e situação, tanto de bem como de perigo, a presença do Senhor é constante e cuida de nós. Não de uma forma mágica, infantil... mas presença que experimentamos na fé e nos faz adultos. ORAÇÃO DE SILÊNCIO: O ser humano se sente pequeno perante Deus, não sabe o que dizer. É melhor escutar. Deus fala no silêncio do coração quando procuramos sinceramente os seus caminhos, quando nos colocamos com ternura, confiança e humildade na sua presença. 2. JESUS NOS ENSINA A ORAR: ORAÇÃO DO(A) DISCÍPULO(A). Jesus não nos ensina métodos nem dinâmicas para orar. Ele nos ensina as atitudes básicas para orar. As mesmas atitudes que Ele praticou na sua própria oração. Os primeiros cristãos aprenderam muito bem de Jesus como é que devemos orar e nos transmitiram esta prática espiritual nos livros do Novo Testamento. 2.1. PAIXÃO POR JESUS E PELO REINO DE DEUS Assim como na vida de Jesus ele ligava a sua oração à sua missão de Evangelizar, de anunciar o Reino de Deus com obras e palavras, também na vida do cristão a oração deve estar integrada no seguimento de Jesus e no compromisso pelo Reino de Deus, quer dizer, no trabalho de construir um mundo melhor, em conformidade com os Planos de Deus para a humanidade. Quem descobre Jesus como o valor primeiro da sua vida faz tudo, e também a oração, desde Jesus e para fazer progredir no mundo o seu Evangelho (Mt. 13,44-46). É por isso que a verdadeira oração cristã aparece inserida no compromisso evangelizador de cada dia (Mateus 7, 21-23). Fé significa obediência a Deus, a obediência quer dizer ESCUTAR para PRATICAR. Jesus fez assim e nos convida a provar este seu caminho de obediência ao Pai praticando a vontade divina. A oração que não quer praticar a Palavra de Deus não faz sentido, fica fora de lugar. O protagonista da oração cristã é o Espírito Santo que nos une a Jesus para orar ao Pai. Quer dizer, é uma oração que nos situa dentro do Deus Trindade, comunhão de amor entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Na oração Deus entra em nossa vida e nós entramos na vida de Deus (Romanos 8, 26-38). A celebração da Eucaristia é participar deste mistério. 2.2. CONFIANÇA NO SENHOR Nós sabemos que nossa vida está nas mãos de Deus. Na oração colocamos o nosso ser nas mãos de Deus, acontecer o que acontecer (Lucas 12, 22-34). Por isso nos diz São Paulo que a oração significa, normalmente, alegria no Senhor. É claro que tem oração de súplica e de dor, de acordo com as circunstâncias. A fé, porém, da presença de Jesus ressuscitado entre nós e em nós, produz esse jeito especial carregado de esperança e de paz. Isto transparece no momento de oração (Filipenses 4, 4-9). Experimentamos a Deus como um Bom Pastor (Salmo 23) que, mesmo que atravessando por vales tenebrosos, caminha conosco e nos guia com segurança. A sua presença nos conforta e anima a sermos uns para os outros fortaleza e ajuda nas caminhadas da história. Pela 81 nossa fé em Jesus Cristo sabemos que viemos de Deus, com Ele caminhamos na vida e para Ele nos dirigimos. Ele nos espera, nele esperamos, e o nosso destino é viver eternamente em comunhão de amor e felicidade plena com os irmãos e com Deus. 2.3.HUMILDADE Ninguém de nós é digno de alcançar uma graça divina. Todos somos pecadores e Deus, na sua infinita ternura por cada ser humano, nos concede o dom da vida, da fé e tudo quanto somos e temos. Tudo quanto sou e tenho recebi do Pai para colocar ao serviço dos irmãos, não para me achar superior nem melhor aos outros. O próprio Cristo, não tendo pecados, nos dá esse exemplo: Ele nada exigiu do Pai, nem privilégios nem graças especiais. Maria, também, nos ensina a obediência à vontade divina como caminho de oração e de vida. Deus não gosta nada do orgulho humano. Para os profetas o orgulho era o pecado pior que mais ofende a Deus. O orgulho e a auto-suficiência desviam o homem do caminho verdadeiro e fica perdido. Deus nada pode fazer com o orgulhoso que se fecha em si mesmo se achando justo. Com a pessoa que reconhece o seu pecado Deus pode fazer o seu trabalho de evangelização, tem jeito (Lucas 18, 9-14) 2.4. PERSEVERANÇA Jesus nos aconselha que oremos sem cessar, a oração é a força dos cristãos (Lucas 11, 5-13). É o que Pedro e Paulo recomendam aos primeiros cristãos e a nós todos (Efésios 6, 18-20). A gente não pode desanimar na caminhada, no compromisso pelo Reino, porque é muito importante dar continuidade ao trabalho iniciado por Jesus. A oração contínua nos dá esse alimento espiritual. Jesus procurava na oração, no diálogo confiante com o Pai, a motivação principal para seguir anunciando o Reino da Vida. Obstáculos irão aparecer sempre, dentro e fora de nós. As maiores dificuldades nascem quase sempre dentro de nós. É a oração a arma principal das mulheres e homens que seguem o caminho de Cristo. É por isso importante cada um criar hábito de oração diária. Temos que ser fiéis à oração. Sem oração a vida de fé vai murchando, apagando. A fé é um dom que Deus nos dá e que nós devemos cuidar com carinho e responsabilidade. É a oração como a água que vai alimentando a flor da nossa fé em Jesus Cristo. 2.5. SOLIDARIEDADE A oração do cristão não pode ficar desligada da vida dos outros. Jesus nos revelou que a vida de cada um de nós tem uma ligação com a vida dos outros e com Deus. Todos somos chamados por Jesus a viver em comunhão de amor com Deus e com os outros, que são para mim irmãs e irmãos. Este mistério de comunhão se faz presente também, e de forma ainda mais especial, na oração de cada cristão (1 João 3, 16-18). Quando a oração é autêntica ela nos anima a sermos solidários com todos, principalmente com os mais pobres. Esta solidariedade da oração acontece também a nível da própria Igreja: uns oramos pelos outros (Romanos 15, 30-33). O próprio Jesus ora por nós sem cessar ao Pai para que o nosso compromisso fique de pé (Lucas 22, 31-34). É na Eucaristia, oração principal dos cristãos, que melhor se exprimem todas estas atitudes da verdadeira oração . 3- A ORAÇÃO DE JESUS E A SUA PAIXÃO A prova decisiva da necessidade de orar nós encontramos no monte das Oliveiras. (Lucas 22, 39-46). Jesus orou com intensidade especial e pediu aos discípulos que orassem com Ele. Este instante contém todo o conteúdo da oração cristã. É uma oração filial: “Abba” (Papai). De confiança: “Tudo te é possível”. De humildade: “Dobrando os joelhos, orava”. De súplica perante o perigo: “Afasta de mim este cálice”. De coração aberto: “Cheio de angústia, orava com maior insistência”. Prova de obediência, repelindo a tentação de fazer a própria vontade: “Faça-se a tua 82 vontade e não a minha”. No momento da cruz Jesus, humanamente fracassado na sua missão, no meio do sofrimento, se sentindo totalmente abandonado por Deus, suplica ao Pai: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste” (Mc. 15, 34). Pronuncia, também a oração do perdão total: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc. 23,34). Mesmo naquelas circunstâncias, confia em Deus e se entrega a Ele: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc. 23, 46); “Tudo está consumado” (Jo. 19, 30). 4- O PAI NOSSO (Mateus 6, 7-15; Lucas 11, 1-4) A oração do Pai Nosso é comunitária, invocamos a Deus como grupo de fé. Na realidade é o modelo de toda oração cristã. Na primeira parte, nos situamos juntos na ótica de Deus (Venha o teu Reino, faça-se a tua vontade, santificado seja o teu nome). Quer dizer, em toda oração, antes que querer que Deus se coloque em nosso lugar, procuramos nós entender o projeto de Deus. Isto é muito importante. A oração que só busca que Deus me ajude nos meus projetos individuais... é mais própria do paganismo. A oração de Jesus nos coloca dentro do projeto do Pai, pedimos que, por cima de tudo, se cumpra a sua vontade. Na segunda parte pedimos aquilo que é essencial à nossa existência humana: o pão, representa tudo quanto materialmente precisamos (alimento, saúde, emprego, dignidade...). O pão representa também a Eucaristia, a Evangelização. O perdão fraterno significa a harmonia nas relações humanas, a paz entre as pessoas. Sem perdão fraterno não tem convivência humana. Quando pedimos que nos livre do mal e que não nos deixe cair na tentação estamos dizendo para Deus que queremos viver ligados nele, em comunhão com Ele. 5. MOMENTOS DA ORAÇÃO BÍBLICA: (ORAÇÃO PESSOAL) - Buscar o lugar e o horário mais apropriados Invocar o Espírito Santo para iluminar a vontade do Pai no meu coração. Leitura: compreender o significado do texto Senhor: qual era tua vontade para o teu povo na situação que estava vivendo? Meditação: o que o texto quer me dizer hoje, na realidade que eu vivo Senhor: qual é a tua vontade para mim na situação que eu estou vivendo? Contemplação: quais sentimentos, pensamentos, atitudes de vida suscita o texto em mim Senhor: como eu posso ser mais fiel á tua vontade? Como posso te ser mais útil? Compromisso: como eu posso cumprir melhor a vontade de Deus na minha vida. Senhor: Muito obrigado por contar comigo na causa do teu Reino, me ajuda a ser fiel! - Agradecer ao Senhor por este momento de graça e pedir a força do Espírito Santo para colocar na prática o seu projeto de amor. 83 TEMA 27: MARIA NA BÍBLIA (NOVO TESTAMENTO) Maria aparece na Palavra de Deus como imagem da Nova Humanidade que acolhe o Evangelho do Amor de Deus manifestado em Jesus Cristo. Na medida que as primeiras comunidades cristãs vão compreendendo o mistério da fé, descobrem também em Maria o modelo de ser crente. Vamos acompanhar esta caminhada dos primeiros cristãos em 3 grandes passos. No processo de elaboração dos textos do Novo Testamento, vamos analisar 3 grandes momentos da Igreja Primitiva: entre os anos 30 a 70 morte e ressurreição de Jesus, Pentecostes primeiros evangelizadores, primeiras comunidades, viagens de Paulo, Pedro, ... martírio de Pedro e Paulo, primeira perseguição em Roma Cartas de Paulo, Evangelho de Marcos Maria aparece pouco nestes escritos. É a mulher, Nova Eva, que intercede por nós possibilitando a salvação de Deus, que escuta a palavra de Jesus e segue o seu caminho. Maria discípula de Jesus. entre os anos 70 e 90 destruição de Jerusalém, dispersão dos cristãos judeus comunidades de cristãos que não conheceram o Jesus histórico Evangelhos de Mateus e Lucas (Atos) , algumas cartas católicas Maria aparece mais, especialmente em Lucas, como a mãe de Jesus, que se torna modelo de vocação cristã. Mãe obediente, disponível para o Reino. depois dos anos 90. Segunda perseguição (Éfeso), aparecem algumas seitas as comunidades se organizam ao redor do bispo Evangelho de João, Cartas de João e outras, Apocalipse Maria é a imagem da Igreja peregrina que participa da missão de Jesus e é perseguida pela sua fidelidade ao Evangelho. Modelo de fidelidade e perseverança. 1. MARIA, DISCÍPULA DE JESUS 1.1. NASCIDO DE UMA MULHER “Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei, para remir os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial. E porque somos filhos, enviou Deus aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abba, Pai!” (Gl.4, 4-6) Maria é a Nova Eva, a mulher que acolhe as promessas e que, por meio dela, Deus nos envia o Salvador. Eva representa toda a humanidade que cai nas tentações do pecado, na hora de querer construir o Reino da justiça nesta terra. Parece que o ser humano, por si mesmo, não consegue se livrar dos ídolos do dinheiro, do poder e do prazer na procura da sua felicidade. Deus não abandona a humanidade nos seus fracassos... Sai ao nosso encontro para partilhar a sua vida conosco e participar das nossas alegrias e tristezas, angústias e esperanças. Não quer, também, nos salvar sem contar com a nossa colaboração. Deus quer filhas e filhos, não escravos; parceiros da sua obra, não meros espectadores. Na hora decisiva da história, quando envia seu Filho ao mundo, Ele conta com a participação de uma mulher, Maria, Nova Eva, para nos salvar. Maria, assim, se torna modelo da humanidade que aceita a Graça de Deus e se torna colaboradora da sua obra no mundo. 84 No Antigo Testamento a mulher é responsabilizada pelo homem (Adão) do pecado que atinge ao mundo... no Novo Testamento é uma mulher a responsável pela presença do Salvador entre nós. Maria resgata com o seu “sim” a dignidade da mulher dentro do Povo de Deus. 1.2. QUEM É MINHA MÃE E OS MEUS IRMÃOS? (Mc. 3, 20-21.31-35; 6,1-6) (Mt.13,53-58; 12,46-50; Lc.8,19-21) O povo vivia a expectativa de um messias que instaurasse um reino no mundo. Messias de procedência maravilhosa. É por isso que as dificuldades de Jesus na cidade onde vivera tantos anos fossem tantas! De família humilde, numa cidade pequena da Galiléia, parentes conhecidos... o que podia se esperar dele? “Seus irmãos vivem entre nós”. A palavra irmão, na cultura judaica, significa parente próximo. (Cfr. Comparar Gn.12,4-6 e 13,7-8). Os próprios parentes parece que, num primeiro momento, não acreditam muito nele, achavam que não estava bem da cabeça e querem trazer ele de volta para casa. Podemos imaginar, nessa história toda, o sofrimento de Maria. Jesus estava com seus discípulos dentro de casa. Maria, a mãe, e os parentes chegam para se encontrar com Ele. Mandam chamá-lo e ficam do lado de fora. Jesus responde que seu parente é aquele que fica de dentro... escutando e praticando a sua palavra. Em Jesus nasce uma nova família: aquela formada por quem acolhe a sua Palavra e escuta os seus ensinamentos. Maria seguiu os passos de seu filho e se torna duas vezes mãe: por ter gerado e dado à luz um filho, que é o Filho de Deus. Mas também porque ela se torna ouvinte da Palavra, obediente aos planos de Deus, seguidora fiel de Jesus Cristo. Num primeiro momento, as palavras de Jesus podem parecer difíceis para ela, porque não tem privilégios de sangue na hora de se beneficiar da salvação messiânica. Ela, porém, é a primeira crente da história, porque ninguém como ela acreditou e aceitou a mensagem do Evangelho. Na primeira fase das Primeiras Comunidades Cristãs, Maria é a mulher que acreditou e pela obediência deu-nos o Filho de Deus, fazendo-nos filhos e filhas de Deus junto com Ele. Discípula fiel do próprio Filho, modelo de escutar e acolher a Palavra. 2. MARIA,MÃE DE JESUS Quando as primeiras comunidades cristãs vão amadurecendo na fé em Jesus, entendem a fé como uma processo, uma caminhada... na qual Jesus vai crescendo dentro da vida pessoal e comunitária. A comunidade cristã é como uma mãe que dá à luz o Salvador que é o Cristo, que traz a vida verdadeira para toda a humanidade. O cristão é a mulher e o homem que se deixam guiar pelo Espírito deixando que Ele nos faça à imagem do Filho de Deus Pai. É neste momento que a figura de Maria ganha espaço dentro da fé da Igreja Primitiva, como modelo de encarnação desta fé. Maria, Mãe de Jesus, é exemplo de vida espiritual, de caminhada na fé. Entre os anos 70 a 90 do século primeiro, quando foram escritos os Evangelhos de Mateus e Lucas, Maria é lembrada nas comunidades com carinho, como uma mulher que simboliza o cristianismo e nos ensina, pela sua obediência ao Pai, a se deixar orientar pelo Espírito Santo, dando à luz ao Filho de Deus, Jesus Cristo, Salvador do mundo. 2.1. MARIA, ESPOSA DO POVO DE DEUS Mateus escreve o Evangelho para os judeus que se fizeram cristãos. O Evangelho lembra para eles que o principal não é a linhagem humana e sim a espiritual. A linhagem humana é importante como tradição que vai preparando o caminho... e se abre à novidade do Evangelho para gerar um novo Povo de Deus, fiel à Nova Aliança. O que vale não é tanto pertencer a uma raça, a um povo, a uma tradição; mas a abertura ao Novo do Evangelho de Jesus Cristo, Boa Notícia das novas Bodas de Deus com a Humanidade. No Evangelho de Mateus, Maria é apresentada como a esposa nova e fiel que possibilita a presença divina na história velha e pecadora da humanidade. Na genealogia de Jesus (Mt.1,1-17) é apresentada a linhagem de José, esposo de Maria, representando a história do Povo de Deus. A 85 história lembra a tradição antiga, tantas vezes infiel com Deus, que vai até José, o carpinteiro de Nazaré. Maria representa a novidade do Evangelho, que não nasce da carne mas do Espírito. A união do povo da Antiga Aliança com Maria, representante da humanidade fiel e obediente, dá à luz o Novo Povo de Deus, da Nova Aliança, que tem como princípio e fundamento a Jesus Cristo, o Messias esperado pelo povo. No Evangelho de Mateus se insiste mais em José, representante do judaísmo, que acolhe a Maria, representante da Nova Aliança e aceita apadrinhar a Jesus, Salvador do Mundo todo. (Mt.1,18-25). Jesus, porém, não é fruto da vontade humana, mas do Espírito, da vontade de Deus, do Plano de Deus para toda a humanidade. A visita dos magos (Mt.2,1-12) significa a abertura da salvação a todos os povos. O Salvador nos vem do Povo da Antiga Aliança, quer dizer, dos judeus; e Ele vem salvar a humanidade inteira. José, representante do povo judeu fiel, cuida de Jesus e de sua Mãe perante os perigos de uma sociedade pecadora e violenta. (Mt.2,13-18) A peregrinação de Maria e José fugindo de Herodes para o Egito simboliza a caminhada que o cristão e a Igreja tem que percorrer nesta terra cuidando da mensagem de Jesus Cristo no meio de uma humanidade tantas vezes cruel e injusta com os fracos. Maria e José defendem o menino Jesus das opressões do poder daquela época... Assim também o cristão defende o pobre das arbitrariedades deste mundo. 2.2. MARIA, PARCEIRA DA OBRA DE DEUS Deus escolhe uma jovem virgem humilde para ser a mãe do seu Filho. Maria aceita o convite e, por obra do Espírito Santo, gera Jesus o Salvador. (Lc.1, 26-38). Maria é assim modelo de todo cristão que aceitando o plano de Deus na própria vida, abre seu coração ao Espírito para gerar a Cristo na própria vida. Maria, modelo de vida espiritual. A origem da fé nasce da vontade de Deus e não da tradição humana. Maria, mulher nova, nova Eva, mãe da humanidade nova que acolhe o dom de Deus, se deixando transformar em uma nova criatura. “Faça-se em mim segundo a tua palavra” é a atitude básica de todo crente que se coloca nas mãos de Deus para Ele, pela força do Espírito Santo, fazer de nós mulheres e homens semelhantes a Jesus, o Filho Amado que agrada a Deus. A velha humanidade precisa ajuda e Maria, representante da nova, levando Jesus nas entranhas, se coloca ao serviço dela (Lc.1,39-45). Maria, símbolo da Igreja, caminha peregrina pelas montanhas, grávida de esperança e cheia de amor e doação para servir a Isabel. Este encontro é modelo de evangelização: Maria leva a Boa Nova de Jesus a Isabel, por meio do serviço fraterno; Isabel aceita o serviço e acolhe a presença do Reino na sua casa, comunicando a Maria a alegria da sua presença e a bem-aventurança da fé. O protagonista é o Espírito que anima a caminhada de Maria e abre o coração de Isabel para compreender naquele gesto de solidariedade a mão amorosa de Deus. Isabel reconhece em Maria a mulher da Nova Aliança: “Bendita és tu entre as mulheres, bendito o fruto do teu ventre... Feliz aquela que acreditou , pois o que lhe foi dito da parte de Deus será realizado”. Assim também o cristão, carregando no coração a Jesus, sai peregrino e solidário ao serviço da humanidade necessitada para dar e receber o Evangelho da Vida. A evangelização é fruto do encontro humano: no serviço solidário, na caminhada, na doação... processo onde ambas as partes são evangelizadas e evangelizadoras. A resposta de Maria é de louvor (Lc.1,46-56) a Deus pelas maravilhas que realiza na história humana. O cântico de Maria é o hino do Povo de Deus que agradece a Libertação acontecendo na sua caminhada: libertação que significa transformação pessoal e social. Deus, seguindo o seu jeito de fazer as coisas, confia nos pequenos e humildes a causa do seu Reino. Esta escolha pelos mais pobres traz uma mudança na humanidade em favor dos mais fracos. Maria representa os pobres de Yhaweh, o povo simples que confia sua sorte no Senhor da história. Deus se aproxima dos homens trazendo vida feliz para o povo, transformando os sinais de morte em sinais de vida. Maria louva o poder de Deus que se manifesta no mundo pelo Evangelho acontecendo, principalmente, na vida dos pobres. 86 2.3. MARIA PARTICIPA NA COMUNIDADE Depois da Ascensão de Jesus os discípulos voltaram para Jerusalém, na casa onde celebraram a Última Ceia, e lá costumavam orar juntos. Maria estava com eles. São citados os apóstolos, Maria e algumas mulheres. Preparando Pentecostes. A presença de Maria naquela primeira comunidade cristã, testemunha da vida de Jesus, é de grande valor. Desde então Maria acompanha a caminhada da Igreja, das comunidades cristãs espalhadas pelo mundo inteiro, se faz presente na oração e na ação evangelizadora. (Atos1, 12-14) Maria representa o cristão fiel que participa na sua Igreja, na sua comunidade, orando e atuando, continuando a missão de Jesus no mundo, lutando por um mundo melhor. Os cristãos anônimos, a grande maioria, encontram em Maria um modelo de presença silenciosa, porém, eficaz. São estes cristãos os protagonistas verdadeiros da Igreja de Jesus. É por isso que Maria é tão querida e amada pelo povo fiel: porque ela é o espelho da maioria silenciosa que, participando e lutando no dia-a-dia pela causa do Reino, orando ao Pai e esperando a luz e a força do Espírito Santo, vai construindo um mundo novo. Maria é citada junto com os irmãos de Jesus. Se os familiares de Jesus, no início da missão, tiveram dificuldades para aceitar a atitude dele, agora, apôs a Páscoa, fazem parte da comunidade dos seus seguidores . 3. MARIA,SÍMBOLO DA NOVA HUMANIDADE No final do século primeiro, tanto no Evangelho de João como no Livro do Apocalipse de João, Maria é um símbolo para as primeiras comunidades cristãs, uma imagem viva que representa o “Novo” do Evangelho de Jesus. A Igreja sempre anunciou que o único que nos salva é Jesus Cristo. Sem dúvidas! Só que a salvação, a libertação que nos traz o Evangelho (A Evangelização) tem dois parceiros: Deus e o ser humano. Porque Deus quer assim: agir contando com a nossa participação. Maria é assim modelo da participação humana; ela nos ensina a sermos homens e mulheres espirituais, que se deixam guiar pelo Espírito de Jesus. Quando as comunidades de Jesus estavam passando momentos difíceis: perseguições, divisões de seitas, falta de entusiasmo... a figura de Maria traz esperança e coragem para continuar na caminhada do Evangelho, na luta pela causa do Reino. Hoje também, a imagem de Maria oferece ao nosso povo uma luz e um exemplo para não se deixar levar pelo desânimo, no meio a tantas dificuldades, injustiças e opressões. 3.1. MARIA, INTERCESSORA DO REINO DE DEUS (João 2, 1-12) No Evangelho de São João Maria aparece no início da missão pública do Filho (Bodas de Caná da Galiléia) e no final (No momento da cruz). Abrindo e fechando o ministério do Messias. Maria representa os discípulos, as testemunhas fiéis que acompanham o trabalho de evangelização de Jesus, partilhando da sua causa e sorte. Assim como uma mãe acompanha a história de seus filhos, assim também o cristão e a Igreja acompanham a história da evangelização que Deus faz acontecer na humanidade: o Reino da vida, especialmente para os pobres e pecadores. Acompanhar ativamente, sendo parceiros de Deus, com compromisso firme da própria vida no processo. Maria é fiel... e nos ensina a “saber estar presentes” nos acontecimentos da história, sendo fiéis à humanidade desde o Projeto de Deus: Vida Feliz para todos. O vinho era elemento essencial para uma festa importante. Que o vinho chegasse a faltar numa festa de bodas... era um descuido grave, quase improvável! Assim também a humanidade, pelas suas próprias falhas, quebra a Aliança primeira da Vida que Deus escreveu na criação do universo. Os homens estragamos e perdemos o vinho da festa e da alegria quando procuramos a felicidade por caminhos diferentes da Aliança. A história humana, chamada a ser uma festa de bodas entre Deus e os homens, com predomínio da fraternidade, da justiça e da paz... se torna, pelo pecado humano, em situação de morte, tristeza e dor. O vinho acabou! A cobiça, o dinheiro, o prazer, a dominação... tomam conta das relações humanas, trazendo sofrimentos, fome, maldade e desprezo pela vida do próximo. O que vale no mundo de hoje a vida dos pobres? Maria, atenta aos acontecimentos, sente na pele o fracasso dos seus irmãos. Ela é solidária com as tristezas e alegrias, esperanças e angústias da humanidade. Intercede perante Jesus, 87 animando a sua ação transformadora (“Eles não têm mais vinho”). A resposta do filho parece mais como uma dificuldade ou desafio. A forma de Deus agir na história humana não costuma ser, na Bíblia, mágica ou milagreira. Ele quer contar com a colaboração e a parceria humana. (“Que queres de mim, mulher? Ainda não chegou a minha hora”). A “hora” de Jesus é a sua Páscoa, Encontro definitivo e pleno com o Pai. Eis também essa a nossa “hora” verdadeira. Só que nesta vida terrena também existem “sinais” dessa hora cheia de plenitude. Maria sabe criar “sinais” de vida que anunciam a Vida Plena. Este é o ministério do cristão: descobrir a presença oculta de Jesus no mundo, tirando dele esses sinais do Reino que trazem alegria à história dos homens, anunciando o Reino Definitivo. Maria representa o que a Igreja está chamada a fazer: acompanhar solidariamente a humanidade, nas suas tristezas e alegrias, angústias e esperanças, intercedendo perante Jesus para fazer acontecer a Nova Aliança, a alegria do Novo Vinho. Evangelização significa, também, transformação dos fracassos humanos em vitórias do Reino. A comunhão fraterna é o grande sinal do mundo novo: mutirões, festas comunitárias, eucaristias que celebram a vida do povo que luta e caminha com Deus e para Deus, pastorais que favorecem uma vida mais digna, movimentos e ações sociais que abrem espaços de participação popular, etc., são atualizadas Bodas de Caná, Aliança de amor entre Deus e seu Povo. Maria abriu o caminho do Evangelho da Vida que estava fechado. A chave é a Palavra de Deus, a vontade divina para o mundo: “Fazei o que Ele vos disser”. A desobediência humana a Deus traz divisões, violência e injustiças... morte! A aceitação do seu projeto e colocar em prática a sua Palavra, nos traz uma vida nova, cheia de alegria partilhada. Eis o tempo da Nova Aliança. Cabe a nós sermos intercessores de Deus para os homens, como Maria. Ela continua também hoje aquele serviço que começara nas Bodas de Caná! 3.2. MARIA, MÃE DO CRUCIFICADO O pecado do mundo, nos níveis pessoal e social, machuca e martiriza milhões de irmãos e irmãs no mundo todo. A fome, falta de moradia, de terra ou emprego digno, falta de saúde e educação, violência, drogas, desrespeito pelos direitos humanos, etc. produzem muitos sofrimentos. Os pobres carregam o peso maior desta situação injusta e pecadora. Jesus crucificado representa todos os sofredores que carregam uma cruz difícil nas suas vidas. O compromisso pelo Reino não é fácil! O pecado do mundo, agindo dentro de cada um de nós, na própria Igreja e nas estruturas sociais do nosso mundo, oferece sérias resistências. A perseguição, a morte, o cansaço, as invejas, falsas críticas... se fazem presente na caminhada da mulher e do homem que lutam por um mundo melhor. Eis o preço da profecia. Jesus, o maior dos profetas, representa a todos os mártires que na história pagaram com o preço da vida o seu amor à verdade e à justiça. O Evangelho de João (Jo.19,25-27) é o único a constatar a presença de Maria junto à cruz. Presença de mãe no momento mais difícil da vida do filho. Preocupação natural do filho de deixar a mãe junto do discípulo amado. “Mulher, eis aí o teu filho”. Maria acolhe todo discípulo de Jesus como filho, é a mãe de todos os crentes do Evangelho. O discípulo a recebeu em sua casa. Todos nós, discípulos de Jesus, somos convidados a receber Maria em nossa casa, em nossas vidas. Ela representa a Igreja, e, ainda mais, o Evangelho do Reino, a herança que Jesus nos deixou. Maria é a presença misericordiosa da mulher perto do sofredor, onde a morte e a injustiça parecem dominar as circunstâncias. Quando tantas pessoas fogem... alguém fica presente, atualizando o amor solidário de Deus, partilhando o sofrimento da agonia com tantas mulheres e homens, crianças e idosos, jovens e marginalizados que foram excluídos dos bens da terra. E nós, com quem estamos? A quem servimos? Seguimos o exemplo de Maria junto aos crucificados de hoje? 3.4. MARIA, MULHER DE LUTA E ESPERANÇA (Apocalipse 12, 1-6) As comunidades cristãs de Éfeso sofreram dura perseguição nos tempos do imperador Domiciano (finais do Século I) por se negarem a reverenciar a estátua do imperador, colocada na 88 praça da cidade. O presbítero João, exilado na ilha de Patmos, escreve aos seus irmãos uma mensagem de fé e esperança, animando a perseverar firmes na fé em Jesus Cristo, o Cordeiro imolado. Maria é apresentada como modelo de resistência frente ao mal, imagem da Igreja fiel a Jesus, que não se deixa dominar pela corrupção desta terra. Maria é o sinal da resistência e da luta, não se rende às mentiras do poder deste mundo. É a Nova Eva, “uma mulher”. Vestida do sol, a lua sob os pés e uma coroa de 12 estrelas na cabeça. No livro do Gênesis o ser humano (Adão e Eva) significa o centro do universo. No Apocalipse Maria é o centro do universo criado: símbolo da Nova Criação, liberta do pecado e da morte, acontecendo pela graça do Evangelho de Jesus. As 12 estrelas significam o novo povo de Deus que nasce pelo Evangelho e se compromete no batismo a uma vida nova. As comunidades eclesiais formam a verdadeira coroa de Maria, mais do que o ouro, a prata ou as pedras preciosas. Maria venceu! Nós também venceremos com ela. A força dela é o Evangelho, a palavra e a vida de Jesus. Ela não se deixou enganar nem dominar pelo mal. O dragão simboliza a força do mal: o poder político e da propaganda que não quer servir à fraternidade e sim ao dinheiro e ao poderoso. A mulher, grávida, deu à luz um filho. Foi-lhe arrebatado (cruz e páscoa de Jesus). Fugiu para o deserto, onde Deus a alimenta. Eis a vida do cristão: cheia de dificuldades e perigos! O mal sempre quer matar esse Jesus que levamos dentro de nós, não combina bem com a solidariedade, com os valores comunitários... puxa para o individualismo, para o acúmulo desproporcionado dos bens da terra, para o prazer sem amor, dominar as pessoas. O deserto é lugar de luta, de sacrifício, de encontro com Deus, de Aliança fraterna, de peregrinação e caminhada. Maria é a Igreja que caminha pelos caminhos do mundo anunciando um mundo diferente, vivendo valores novos de amor solidário. Mas não é só a Igreja... é também essa humanidade que, insatisfeita com as situações injustas deste mundo, luta por um mundo melhor. Confiando na força de Deus, parceiro dos pequenos e dos pobres. Que Maria, mãe de Deus e nossa mãe, nos ensine a sermos discípulos fiéis de Jesus e interceda sempre por nós, pelas nossas famílias e comunidades eclesiais. O seu exemplo nos anime a nos doar sem medida e a trabalhar sempre pela construção do Reino de Deus nesta terra. Saibamos nós também, como fez o discípulo amado, acolhê-la em nossas casas e em nossas vidas, porque junto com ela estaremos também perto do seu Filho, participando do vinho novo do Evangelho. 89 ÍNDICE: Página: TEMA 1: APRESENTAÇÃO DO CURSO......................................................................................... 2 TEMA 2: PROMESSA DE DEUS AOS PAIS .................................................................................... 6 TEMA 3: ÊXODO ............................................................................................................................... 8 TEMA 4: ALIANÇA ......................................................................................................................... 13 TEMA 5: JUÍZES .............................................................................................................................. 16 TEMA 6. DAVI, SALOMÃO E DIVISÃO DO REINO. .................................................................. 18 TEMA 7: ELIAS ................................................................................................................................ 20 TEMA 8: ISAÍAS – JEREMIAS ....................................................................................................... 22 TEMA 9: O EXÍLIO DA BABILÔNIA ............................................................................................ 24 TEMA 10: ESDRAS E NEEMIAS .................................................................................................... 26 TEMA 11: CONFLITO ENTRE IMPERIALISMO E FÉ................................................................. 28 TEMA 12: O DEUS LIBERTADOR É TAMBÉM O DEUS CRIADOR DA VIDA ...................... 30 TEMA 13: JESUS CRISTO ............................................................................................................... 34 TEMA 14: ATOS DOS APÓSTOLOS .............................................................................................. 42 TEMA 15: A VIDA DAS PRIMEIRAS COMUNIDADES CRISTÃS ............................................ 44 TEMA 16: O ANÚNCIO DA BOA NOVA ...................................................................................... 47 TEMA 17: A CATEQUESE NAS PRIMEIRAS COMUNIDADES ............................................... 50 TEMA 18: O VALOR DA BÍBLIA PARA OS PRIMEIROS CRISTÃOS ...................................... 53 TEMA 19: A LITURGIA DOS PRIMEIROS CRISTÃOS ............................................................... 55 TEMA 20: CARTAS DE PAULO ..................................................................................................... 58 TEMA 21: EVANGELHO DE MARCOS ........................................................................................ 64 TEMA 22: EVANGELHO DE MATEUS ......................................................................................... 66 TEMA 23: EVANGELHO DE LUCAS ............................................................................................ 68 TEMA 24: EVANGELHO DE JOÃO ............................................................................................... 70 TEMA 25: APOCALIPSE DE JOÃO ............................................................................................... 75 TEMA 26: BÍBLIA E ORAÇÃO....................................................................................................... 80 TEMA 27: MARIA NA BÍBLIA (NOVO TESTAMENTO) ............................................................ 84 ÍNDICE .............................................................................................................................................. 90 A.M.P.I. (Para maior glória de Deus e utilidade do próximo) 90