CABARÉ DE OFÉLIA no Odre Marítimo de Armando Nascimento Rosa Cabaré de Ofélia é uma obra inédita, cómica e dramática, poética e musical, que revisita teatralmente o universo do Modernismo português, da geração de Orpheu, trazendo à cena uma autora quase esquecida, e desconhecida de muitos, que, não obstante isso, foi a única poetisa que integrou o primeiro movimento modernista em Portugal: Judith Teixeira (Viseu, 1873 - Lisboa, 1959). O seu perfil polémico e provocatório faz dela, só por si, uma personalidade fascinante para que a cena a reinvente. Existe aqui um paralelismo dramatúrgico e sequencial para com o imaginário de uma outra peça minha anterior: Audição - Com Daisy ao Vivo no Odre Marítimo (publicada em 2002, estreada no ano seguinte no Teatro Maria Matos, e já encenada entretanto mais três vezes com diferentes colectivos), centrada num actor que, ao interpretar em travesti a escocesa Daisy Mason de Soneto já antigo, recriava o universo pessoano, com um destaque especial para a figura de Álvaro de Campos. Por sua vez, Cabaré de Ofélia volta a convocar a personagem pessoana de Daisy Mason, mas desta vez o eixo da acção é partilhado pela figura de Ofélia Queiroz, a namorada vitalícia de Pessoa que, inesperadamente, dá nome a este peculiar cabaré. Ofélia pretende recordar na cena a Judith Teixeira que ela conheceu, e por isso ela própria interpretará a personagem da escritora; ao mesmo tempo, desafiará ainda uma jovem actriz para recriar uma outra amiga sua, também nomeada em Soneto já Antigo: a Cecily. Na minha ficção, esta Cecília/Cecily teria sido filha adoptiva de Daisy, uma menina mulata que esta teria arrancado à vida das ruas do Rio de Janeiro, em 1915, quando Daisy apresenta em digressão um show/recital na cidade brasileira, dedicado aos poetas de Orpheu, então apelidados de loucos pela imprensa portuguesa. A talentosa actriz-cantora Cecília/Cecily seguirá as pisadas da «mãe» adoptiva no mundo do espectáculo no Portugal dos anos vinte, e é ela a cicerone que chama à cena a amiga Judith Teixeira, poetisa censurada e maldita. Cabaré de Ofélia é uma peça de odisseia insubmissa, cosmopolita e lusófona, que respira a atmosfera sociocrítica e poética de um teatro cabarético, onde as canções têm palavras do autor, mas também de Fernando Pessoa (em português e em inglês), e de Judith Teixeira (em português e em castelhano). Em cena, estão assim duas actrizes, uma mulata e uma caucasiana, que serão Cecília e Ofélia/Judith e, ainda, um actor que fará a transformista Daisy de Álvaro de Campos, «essa lenda viva da poesia e do musichall», acompanhados por músicos ao vivo numa aventura de imaginação cénica que nos fala daquilo que colectiva e individualmente fomos, somos, e do que sonhamos poder ser. Armando Nascimento Rosa